Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/25/2021

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 1ª parte

O disposto no nº 1 do art. 1424º do CC – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – apenas pode ser afastado por disposição em contrário. Porém tratando-se de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o nº 2 permite o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio aprovada pela maioria explicitada na norma e com um dos dois conteúdos nela estabelecidos.

As normas dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC – que dispõem sobre a repartição das despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos ou a ascensores que apenas servem determinadas fracções – constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo nº 1 e não podem ser afastadas por deliberação da assembleia de condóminos. Assim, as deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos nº 3 e 4 do art. 1424º para as despesas neles previstas são deliberações com conteúdo negocial contrário à lei e, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280º do CC.

Importa neste contreto sublinhar que a sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se às deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio.

Atente-se à natureza das normas do art. 1424º, nº 3 e 4, do CC
 
O art. 1424º do CC tem, presentemente e desde a Lei 32/2012, de 14 de Agosto, o seguinte teor:
«Encargos de conservação e fruição
1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
5- Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

A primitiva redação apresentava-se como segue:
«Encargos de conservação e fruição
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

Em 1994, o artigo foi alterado pelo DL 267/94, de 25 de outubro, passando a ter o seguinte conteúdo:
«Encargos de conservação e fruição
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3.- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

A grande alteração de 1994 foi o acrescento da norma que recebeu o nº 2, passando os anteriores nº 2 e 3 a nº 3 e 4. As regras dos actuais nº 3 e 4 vêm, portanto, da redação primitiva, correspondendo aos nº 2 e 3 dela, tendo-se apenas, na regra relativa aos lanços de escadas, suprimido a conjunção «porém». A alteração de 2012 limitou-se a acrescentar o nº 5, relativo a despesas com rampas de acesso e plataformas elevatórias, colocadas por condómino que tenha no seu agregado familiar pessoa com mobilidade condicionada.

O nº 1 do art. 1424º confere-nos a regra geral em matéria de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns: proporcionalidade, com referência ao valor das frações. As escadas são, entre outras, partes comuns, e os ascensores também assim se presumem (cfr. art. 1421º, nº 1, al. c), e nº 2, al. b), do CC). No entanto, no que respeita ao pagamento das despesas inerentes, os nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra do nº 1. 

Se as escadas servirem apenas um grupo de condóminos, continuam a ser partes comuns a todos os condóminos, mas as despesas relativas a lanços que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que deles se servem (cfr. 1424º, nº 3) - «não se trata de um serviço efetivo, de um gozo subjetivo da parte dos condóminos, mas sim de uma possibilidade objetiva de utilização» (Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 38 e nota 59, no mesmo sentido M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, p. 130, nota 117). Os ascensores presumem-se comuns, embora nas despesas só participem os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas (1424º, nº 4) – Sandra Passinhas, cit., p. 40.

Na vigência da primitiva versão do art. 1424º (anterior ao DL 267/94), houve quem se pronunciasse no sentido de as normas do art. 1424º do CC terem natureza supletiva, devendo permitir-se que o título constitutivo da propriedade horizontal ou deliberação de todos os interessados mediante escritura pública afastassem as regras ditadas pelo artigo.
Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., de 1987, em anotação ao artigo em causa, p. 431, escreveram: «O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…).

A segunda regra supletiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respetivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados» - as ênfases em título constitutivo e estipulação adequada são nossas.

Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do título constitutivo (e não diretamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um ato de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).

Na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública» - ênfases nossas.

Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424º uma norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação. 

Esta norma do nº 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no nº 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este nº 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do nº 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação.

Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o nº 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo nº 2 do mesmo art. 1424º.

«Disposição», como tantos outros termos, é uma palavra polissémica, mesmo considerando o estrito léxico jurídico. No Código Civil, encontramo-la essencialmente com dois significados que simplisticamente se podem reconduzir a «alienação» e «preceito», como passamos a justificar. Por um lado, encontramos a palavra associada aos poderes de usar e de prescindir da coisa por parte de quem tem o domínio sobre ela, nomeadamente com o significado de alienação ou oneração de bens ou direitos, como no âmbito dos art. 28º, nº 2, 39º, nº 4, 109º, 127º, 153º, nº 1, 197º, nº 1, 226º, nº 2, 274º, nº 1, 622º, nº 1, 764º, nº 1 e 819º. Trata-se nestes casos de exercer sobre bens e direitos atos que vão além da mera administração, designadamente dando-lhes destino que implica a mudança de titularidade. Não é este o significado que procuramos.

Por outro lado, encontramos «disposição» como preceito e, neste sentido, quase sempre como preceito ou norma legal. É de disposição legal que se trata, e de forma expressa – com a menção «legal» imediatamente a seguir a «disposição» – nos art. 4º, al. a), 14,º nº 1, 67º, 171º, nº 2, 262º, nº 2, 294º, 331º, nº 2, 375º, nº 3, 393º, nº 1, 483º, nº 1, 606º, etc. É também de disposição legal que se trata em casos como os dos art. 285º («as disposições dos artigos subsequentes»), 509º, nº 3 («nos termos desta disposição»), 773º, nº 2 («disposição do número anterior»). Por vezes refere-se «disposição especial», claramente com o sentido de norma especial, por confronto com a regra geral (art. 239º, 296º, 433º).

Ainda com o sentido de preceito, regra, por definição, disciplina abstratamente estatuída para situações futuras que se preveem de forma genérica, encontramos a palavra disposição por referência à estatutária ou regulamentar de pessoas coletivas (em geral, associações, fundações – nos art. 163º, nº 1, 171º, nº 2, 180º, 188º, nº 5), e afins (no caso do regulamento do condomínio – nos art. 1424º, nº 2, 1432º, nº 3, e 1435º, nº 4). 

O condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas colectivas, que a doutrina trata com designações várias – «pessoas rudimentares» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), «figura afim da pessoa coletiva» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., Universidade Católica Editora, 2001, p. 536), «ente não personalizado» (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., ULFD, 1984/85, p. 274).

A expressão «salvo disposição em contrário» surge, claramente com o significado de «salvo norma legal em contrário», nos seguintes art. do CC: no art. 123º, «salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos»; no art. 298º, nº 3, «os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos caos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade»; no art. 570º, nº 2, «se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar»; no art. 750º, «salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido»; no art. 1287º, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação»; no art. 1588º, «o casamento católico rege‐se, quando aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário».

Os significados de «disposição» que encontramos no Código são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código «disposição» como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o Código se refere a tal, fala em «cláusula» ou em «estipulação». Em abono da nossa conclusão, repare-se:

i) quando o CC ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é «salvo estipulação em contrário», como, entre outros, sucede nos art. 274º, nº 1, 420º, 448º, nº 1, 550º, 852º, nº 1, 862º, 882º, nº 2, 921º, nº 3, 1046º, 1073º, nº 2, 1074º, nº 1 e 5, 1096º, 1138º, nº 2, 1183º; 

ii) o Código distingue claramente «disposição» e «estipulação» no sentido que expusemos, como sucede nos art. 393º, nº 1 («por disposição da lei ou estipulação das partes»), 772º, nº 1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei») ou 777º, nº 1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei»). 

Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424, in Código Civil Anotado, II, Artigos 1251.º a 2334.º, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a «disposição» referida no nº 1 do art. 1424º ser disposição legal ou disposição do título constitutivo, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: «A conjugação do nº 1 do art. 1424º com o n.º 2 do mesmo artigo e com o art. 1418º, .s 1 e 2, leva-nos a pensar que, no caso em apreço, a expressão “salvo disposição em contrário” abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do título constitutivo (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos».

As normas dos nº 1, 3, 4 e 5 do art. 1424º do CC são normas jurídicas precetivas, que contêm preceitos, regras de proceder, formas de agir nas circunstâncias que elas próprias preveem (sobre as classificações das regras, v. sobretudo José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e teoria geral, 3.ª ed., ..., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 433-55). 

As normas precetivas têm, por defeito, carácter imperativo. E assim sucede com estas, pois o nº 1 apenas permite o seu afastamento por disposição em contrário, sendo os nº 3, 4 e 5 as tais disposições que excecionam a regra do nº 1. O nº 2, que se inicia com a adversativa «porém», dando assim indicação de que também vai excecionar a regra do nº 1, autoriza que, dentro de certos limites de quórum e requisitos de conteúdo, parte das despesas a que o nº 1 se reporta, tenham diferente disciplina.

O elemento literal das normas do art. 1424º dá-nos a indicação clara, por tudo quanto fomos dizendo, que as regras dos nº 3 e 4 (que são as relevantes no nosso caso) não podem ser afastadas por decisão de condóminos. Também avançámos com razões históricas que nos permitem perceber o nº 2; a simples existência deste enfatiza que qualquer afastamento das demais regras do art. 1424º, que não por via de disposição legal, apenas pode acontecer nos estritos parâmetros definidos pelo nº 2.

Há razões fortes para que assim seja, entrando agora noutros elementos da interpretação das normas, nomeadamente no lógico e no teleológico. Na PH estão em permanente tensão interesses individuais de cada condómino e interesses comuns a todos ou a grupos de condóminos. Idealmente, cada condómino está interessado na melhor (já de si discutível) preservação das partes comuns, mas tanto não significa que todos partilhem a mesma ideia sobre a melhor forma se atingir essa preservação e, nomeadamente, que todos concordem com a medida em que cada um deve contribuir para as despesas referentes a partes comuns. 

É sobretudo a respeito destas que se defrontam interesses financeiros individuais e interesses coletivos de pagamento das despesas necessárias ao bom estado das partes comuns. Não podia o legislador deixar (como não deixou) nas mãos da maioria dos condóminos a atribuição das despesas a cada um, sob pena de os condóminos minoritários serem esmagados por interesses estritamente económicos da maioria. O que teria nefastas consequências sociais, quer ao nível de cada núcleo habitacional (conflitos entre condóminos, com inerentes perdas na qualidade de vida dos mesmos), quer ao nível social mais alargado, com necessários reflexos na litigiosidade, na conservação do património construído, e na atração e valorização dos imóveis em propriedade horizontal.

No campo estritamente contratual, graças ao princípio de ampla liberdade, positivado no art. 405º do CC, as regras que disciplinam os tipos são, em geral, supletivas, ou seja, aplicam-se quando as partes nada estipulem em contrário e haja necessidade de regular aspetos que não previram (para a distinção entre normas imperativas e supletivas, v., além de Oliveira Ascensão, cit., pp. 441-6, Jorge Morais Carvalho, Os limites à liberdade contratual, Almedina, 2016, pp. 174-9).

As deliberações das assembleias de condóminos estão num nível regulatório diferente dos contratos na medida em que podem ser tomadas sem intervenção de todos os interessados e, especialmente quando digam respeito ao regulamento do condomínio, mesmo que tomadas por todos os condóminos, podem afectar terceiros, futuros condóminos, que sobre elas não puderam pronunciar-se. Como tal, a lei não pode deixar ao acaso, nas mãos de parte dos condóminos existentes em dado momento, uma regulação que afectará outros, inclusivamente pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio.

Aqui chegados, concluímos que a norma do nº 1 do art. 1424º (proporcionalidade do valor das frações no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do nº 2 e é excecionada pelas regras dos nº 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º, nº 1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia (assim também, Sandra Passinhas, cit., p. 284).

As regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º excecionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo nº 2 (que, no caso sub judice, de todo o modo não se verificam).

A norma do nº 2 do art. 1424º possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no nº 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do nº 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos nº 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.

Ainda que tivéssemos outro entendimento – ou seja, ainda que entendêssemos que as regras dos nº 3 e 4 podiam ser afastadas nos termos do nº 2 –, no caso dos autos o resultado seria o mesmo, uma vez que as deliberações plasmadas nas actas dadas à execução não respeitam os requisitos do nº 2, nomeadamente: não foram tomadas por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, não resultaram em disposição do regulamento do condomínio, não determinam a contribuição paritária nem na proporção da fruição.

Nem se compreenderia, repetimos, que as normas sobre repartição de despesas relativas a partes comuns dos prédios em PH pudessem estar na disponibilidade dos condóminos (além do estritamente regulado no nº 2 do art. 1424º), pois o condomínio corresponde a um conjunto de interesses individuais potencialmente conflituantes, alguns minoritários, que ficariam constantemente prejudicados pela imposição de repartições de despesas favoráveis às maiorias, conduzindo a situações de necessário conflito, com repercussões importantes no bem-estar social, além de prováveis consequências ao nível da própria conservação do património construído que a todos interessa.

Aqui chegados importa averiguar qual é a sanção prevista para a violação das regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

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