Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/20/2021

Direito ao sossego vs direito económico

A utilização de uma fracção destinada à habitação pressupõe que esse local tem condições para que os seus utilizadores a possam utilizar como o seu lar e o seu local de conforto, direito que tem garantia legal e constitucional na vertente do princípio ao respeito pela dignidade da pessoa humana e o direito a um ambiente sadio e equilibrado, com o inerente direito de o poderem defender.

Há portanto um direito fundamental que a sociedade tem de preservar, porque preservando, preserva também a saúde mental dos seus cidadãos: o direito ao silêncio! Parecendo ser inquestionável que não se trata de um direito absoluto, certo é que o mesmo deve ser interpretado num contexto que permita que todos possam usufruir de um ambiente saudável. Este direito, protegido por vários mecanismos legais, entre eles, pela Lei do Ruído, deve ser observado de forma cuidadosa, nomeadamente, quando estamos perante pessoas mais debilitadas, como é o caso daquelas que têm já uma idade avançada.

Estando perante a verificação objectiva, efectiva e diária de danos continuados ao direito ao sossego e à saúde em geral dos moradores de uma fracção, enquanto direitos de personalidade com tutela jurídico-constitucional, em confronto com o direito à exploração de um estabelecimento comercial que viola o direito daqueles, sempre teríamos de concluir pela prevalência dos primeiros uma vez que os danos assim causados devem ser considerados como inaceitáveis.

Ora, uma fracção autónoma é adequada ao fim para o qual a utilizam: o local em causa constitui o espaço que elegeram como o seu lar e, como não poderia deixar de ser, o seu local de conforto, direito que tem garantia legal e constitucional na vertente do princípio ao respeito pela dignidade da pessoa humana e o direito a um ambiente sadio e equilibrado, com o inerente direito de o poderem defender (cfr. art. 25º e 66º, nº 1 da CRP e art. 70º, nº 1, do CC).

Neste concreto, a jurisprudência tem considerado que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade são pressupostos da realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral, a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como Direitos Fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

Há um direito fundamental que a sociedade tem de preservar, porque preservando, preserva também a saúde mental dos seus cidadãos: o direito ao silêncio! Parecendo-nos ser inquestionável que não se trata de um direito absoluto, certo é que o mesmo deve ser interpretado num contexto que permita que todos possam usufruir de um ambiente saudável. Este direito, protegido por vários mecanismos legais, entre eles, pela Lei do Ruído, deve ser observado de forma cuidadosa, nomeadamente, quando estamos perante pessoas mais debilitadas.

Acresce salientar que será um falso problema aquele que é equacionado quando se refere que paralelamente ao direito ao sossego de uns, há também o direito dos outros à livre iniciativa e ao desenvolvimento económico com a prossecução da sua actividade económica. Na verdade, pode-se e deve-se prosseguir com a actividade económica, qualquer que ela seja, só que, ao fazê-lo, tem-se de respeitar os ditames legais inerentes a tal exercício e o direito de terceiros, legalmente protegidos, não sendo portanto admissível a invocação do princípio da proporcionalidade.

Também não releva o facto de o estabelecimento em causa ter uma licença de utilização, sendo tal irrelevante para a resolução da questão uma vez que o que importa é o facto de se ter comprovado a existência do dano, no caso, os já mencionados prejuízos consideráveis, inaceitáveis e prejudiciais ao direito de terceiros.

De facto, os direitos de natureza económica, como o da livre iniciativa económica e da propriedade privada, têm também protecção constitucional (cfr. art. 61° e 62° da CRP). Assim, quer o direito à saúde e ao repouso, quer o direito dos que exploram um estabelecimento comercia têm consagração na lei fundamental e apresentam-se conflituantes entre si, o que impõe o recurso ao instituto de colisão de direitos (cfr. art. 335° do CC).

Estabelece o n° 1 deste preceito que: “Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes”. Contudo, o n° 2 do referido normativo legal acrescenta: “Se os direitos forem desiguais ou de espécies diferentes, prevalece o que deva considerar-se superior.”

Importa contudo ressalvar que a aplicação deste instituto apenas se coloca se, existindo dois diferentes direitos pertencentes a titulares diversos, não se mostre possível o exercício simultâneo e integral de ambos, o que pressupõe, evidentemente, a efectiva existência, validade e eficácia de tais direitos conflictuantes.

Aquela norma prevê para a colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, a cedência recíproca na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior perda para qualquer dos seus beneficiários. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior. Portanto, numa primeira abordagem, impõe-se uma tarefa de ponderação e harmonização no caso concreto, através do princípio da concordância prática” ou a “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”, por forma a atribuir a cada um desses direitos a máxima eficácia possível. Sendo inviável essa harmonização, ocorre a prevalência do direito que seja tido como superior.” (cfr. Ac. do TRC de 16-03-2010).

A jurisprudência tem vindo a seguir o entendimento que em caso de colisão entre o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono num ambiente ecologicamente equilibrado e o direito de uso, fruição que o proprietário tem sobre a coisa que lhe pertence, deve prevalecer o primeiro. Com efeito, tal direito, porque contende com a integridade física e moral do indivíduo, afectando os direitos de personalidade de uma pessoa, deve preponderar sobre o direito de propriedade.

Não obstante, as regras de proporcionalidade e da justa composição dos interesses justificam que mesmo o direito inferior (v.g. o direito de propriedade) deva ser respeitado até onde for possível e a sua limitação deve circunscrever-se à exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.

Para efeitos do funcionamento da prevalência do direito superior, será necessário provar-se que a acção ilícita (no caso, a emissão de ruídos e cheiros e devassa decorrente do funcionamento da esplanada) viola o direito ao repouso, tranquilidade e sono dos autores, para efeitos do estatuído no art. 1346º do CC.

Assim, para que os donos de um prédio vizinho se possam opor à emissão de ruídos (ou à produção de trepidações e outros factos semelhantes provenientes de outro prédio) devem tais emissões importar num uso anormal do imóvel, ou num prejuízo substancial (ou seja, um dano considerável) para uso do seu imóvel. Nestas circunstâncias, sendo inconciliáveis os direitos em disputa, deve prevalecer, enquanto direito de personalidade, o direito ao repouso, descanso e saúde das pessoas lesadas (cfr., Ac. do STJ de 1-03-2016).

Terá de ser em face da situação concreta e por via da ponderação das respectivas especificidades e a avaliação dos interesses em jogo, que se encontrará o modo de exercício dos direitos de uns e de outros.

Certo é que no âmbito dos direitos de personalidade não se deve ter por referência os parâmetros de um homem médio ou cidadão normal e comum, pois, “como direitos eminentemente pessoais, inerentes a cada pessoa per se, tais direitos devem ser entendidos como corporizados numa pessoa individualizada, ao lesado com a sua individualidade própria, com a sua sensibilidade.” Mas "(...) respeitando a sensibilidade dos autores, o critério judicial de conformação do quadro factual não pode deixar de apelar a conceitos de normalidade, razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de bastar a prova de qualquer ruído para conduzir à procedência de toda e qualquer oposição à sua emissão.” (cfr. Ac. do TRC de 16-03-2010).

Destarte, os ruídos, cheiros, incómodos e devassa suportados pelos condóminos têm, de acordo com os mencionados critérios de razoabilidade, de considerar-se substanciais, causando transtornos e incomodidades.

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