Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/20/2021

Recusa de assinar a acta

O nº 1 do artº 1º do DL 268/94 determina que: São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos, que nelas hajam participado. No entanto, os tribunais têm decidido, aparentemente, em sentido diverso: "A falta de assinatura de todos os condóminos não afecta a validade da acta nem da deliberação".

O seguinte Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-02-2007, esclarece o comportamento do juiz face à falta de assinaturas:

I – A decisão em que se ajuíza que o documento apresentado pelo exequente não reúne os requisitos formais exigidos por lei para ter a força de título executivo constitui caso julgado meramente formal, ou seja, apenas é vinculativa no processo em que foi formulada.
II – Para os efeitos referidos em I, constituem processo diverso, relativamente à execução inicial, embargos de executado deduzidos contra execução instaurada em cumulação sucessiva.
III – Embora a sua falta não afecte a validade das deliberações da assembleia de condóminos, a acta é a única forma admissível para provar tais deliberações, pelo que a sua ausência torna-as ineficazes, em termos tais que, embora no ponto de vista teórico a acta se apresente como uma formalidade ad probationem, na prática a sua omissão tem a consequência prevista no art. 364º nº 1 do CC (não pode ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior).
IV – Se tiver sido lavrada acta, mas faltarem as assinaturas de alguns dos intervenientes na assembleia de condóminos, ocorrerá uma irregularidade que o tribunal apreciará casuisticamente, com base na análise do documento e nos demais elementos pertinentes obtidos, nomeadamente outros elementos de prova, para dar ou não como demonstrada a situação factual que o documento se destina a comprovar.

Ainda da mesma decisão julgada:

No acórdão da Relação supra referido ajuizou-se que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que constitui título executivo é a que tiver sido assinada por quem tenha servido de presidente da reunião e que tiver sido subscrita por todos os condóminos que tenham participado na reunião (…)”. “Assim, não estando, no caso dos autos, subscritas por todos os condóminos que nelas participaram as actas das reuniões da assembleia de condóminos que servem de base à execução, tais actas não são títulos executivos.”

O título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução (v.g, Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, 3ª edição, Coimbra Editora, páginas 14 e 15; José Lebre de Freitas, A acção executiva, 2ª edição, Coimbra Editora, páginas 25 e 26). É um documento que constitui a base da execução, ou seja, é ele que determina o fim e os limites da acção executiva (art. 45º nº 1 do CPC). Daí que a sua falta ou insuficiência constitua fundamento para a rejeição do requerimento executivo pela secretaria (art. 811º nº 1 al. b) do CPC) ou para o seu indeferimento liminar pelo juiz (art. 812º nº 2 al. a) do CPC; art. 811º-A nº 1 al. a) do CPC, na redacção introduzida pelo DL 329-A/95, de 12.12), para ulterior rejeição oficiosa da execução (art. 820º nº 1 do CPC) e para oposição à execução (art. 814º al. a) e 816º do CPC - 813º al. a) e 815º nº 1, na redacção anterior à introduzida pelo DL 38/2003, de 8.3).

Por sua vez o artigo 1º, nº 1, do mesmo diploma estabelece que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.” O nº 2 do mesmo artigo acrescenta que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.

Sandra Passinhas (“A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, 2ª edição, Almedina, páginas 265 a 267) entende que a acta constitui um requisito essencial, uma formalidade imposta ad substantiam, para a validade das deliberações. Para tal invoca a circunstância de as deliberações da assembleia de condóminos serem, juntamente com a lei e o título constitutivo, elementos constitutivos do estatuto de um direito real, a propriedade horizontal, pelo que a formulação escrita “será um requisito mínimo indispensável para a certeza e segurança no tráfego jurídico. O valor ad substantiam da acta resulta, para nós, de uma exigência de certeza e segurança jurídica”, sendo certo que “do regime legal não se retira qualquer indicação no sentido de que a acta tenha valor meramente probatório.”

O Juiz Conselheiro Rui Vieira Miller (“A propriedade horizontal no código civil”, Almedina, 1998, páginas 262 e 263), embora sem abordar directamente a questão, aconselha a que se disponha as coisas de forma a que a reunião termine com a assinatura da acta por todos os presentes, de forma a que os inconvenientes derivados do prolongamento da sessão se apaguem “ante a vantagem de as deliberações tomadas assumirem logo a sua força vinculativa e de se eliminar o risco de não obter depois todas as assinaturas”.

O Juiz Conselheiro Aragão Seia (Propriedade horizontal, Almedina, 2ª edição, páginas 172 a 175) defende que a acta “é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular – art. 376º. (…) A recusa de um condómino em assinar a acta não pode decretar a invalidade da deliberação. Se assim fosse, encontrado estava um meio de qualquer condómino obstar continuamente à validade das decisões da assembleia. Recusando-se um condómino a assinar deve ser isso consignado na acta, sendo assinada pelos demais que hajam participado na assembleia. É, aliás, o que acontece quando um condómino sai no decurso desta, antes de lavrada e assinada a acta. Se se recusa a assinar, depois de elaborada a acta e assinada pelos demais, deve-se lavrar um “em tempo”, assinado por todos os outros condóminos que participaram na assembleia. Se já não for possível colher a assinatura de todos os que assinaram a acta deve ser notificado como se de ausente se tratasse. Poderá, assim, vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou a arguir a falsidade da acta em tribunal”.

A jurisprudência conhecida tem, quase unanimemente, defendido que a acta da assembleia de condóminos é uma formalidade ad probationem e a falta de assinatura de condóminos que nela participaram é uma mera irregularidade que, não sendo oportunamente reclamada, não afecta a deliberação tomada nem a exequibilidade do título. Apela-se para o preâmbulo do DL 268/94, onde se diz que o mesmo teve como objectivo “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”. Defende-se que o condómino presente que não assinou a acta ou a não quis ou não a pode assinar e que não impugnou a deliberação, ou não suscitou a questão oportunamente, não pode disso prevalecer-se tendo em conta o instituto do abuso de direito previsto no art. 334º do CC, porque a ela deu causa ou não quis remediar.

A lei não sanciona a falta de assinatura da acta por algum dos condóminos presentes com a inexistência, ineficácia ou nulidade da deliberação. Caso o condómino presente na assembleia se recuse a assinar a acta, e sendo a mesma assinada pela maioria dos votos representativos do capital investido, deverá então considerar-se que a acta reproduz as deliberações tomadas na assembleia.

Caberá então ao condómino discordante o dever de impugnar tais deliberações e arguir a infidelidade da acta, utilizando os diversos procedimentos que lhe são colocados à disposição pelo art. 1433º nº 2, 3, 4 e 5 do CC (convocação de assembleia extraordinária, sujeição da deliberação a centro de arbitragem, propositura de acção de anulação ou pedido de suspensão das deliberações).

O Ac. do TRP de 15-11-2007, decidiu que: "I – A acta da assembleia de condóminos é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular.II – A lei não sancioina expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia, designadamente com a inexistência, ineficácia ou nulidade de uma acta lavrada sem tais assinaturas, não sendo aplicável a disciplina que rege as sociedades comerciais, já que se está perante um instituto (propriedade horizontal) com regime específico no direito civil. III – O condómino que se recuse a assinar a acta deve, em última instância, ser notificado como se de ausente se tratasse, podendo, nesse caso, vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou arguir a falsidade da acta em tribunal."

Também do TRP em 14-07-2010: "I- A acta das assembleias dos condóminos serve para demonstrar a existência das respectivas deliberações, não se assumindo como pressuposto da sua validade. II- A lei não estabelece sanção para a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia. III- A falta de assinatura de todos os condóminos não afecta a validade da acta nem da deliberação."

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