Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/14/2021

O exercício administrativo do órgão executivo

À semelhança de uma associação, uma sociedade ou uma cooperativa, também o condomínio possui os seus órgãos. Estes órgãos instituem assim uma organização própria, dirigida a uma actuação interna - no âmbito do próprio condomínio - e externa - perante terceiros.

Os objectivos fundamentais destes órgãos passam pelo suprimento das necessidades diárias de manutenção ou por fazer face a circunstâncias extraordinárias que se prendam com a gestão das partes comuns do condomínio.

O órgão deliberativo por excelência é a assembleia de condóminos composta, como o nome indica, por todos os condóminos, que deliberam sobre matérias respeitantes à administração de partes comuns ou serviços comuns. O outro órgão do condomínio é o administrador, cabendo-lhe as funções de, por um lado, executar as deliberações da assembleia e, por outro lado, tratar da gestão corrente do condomínio.

O administrador é, assim, um órgão essencialmente instrumental, de importância fundamental. Dessa forma, deverá afixar a sua identificação e melhor forma de contacto, de modo a ser visível por todos os condóminos. As suas competências são estipuladas por lei, sendo que a assembleia pode atribuir-lhe ainda outras que entenda por necessárias à administração do condomínio.

São funções do administrador do condomínio, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia (cfr. artº 1436º do CC), nomeadamente:

b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;
d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;
e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas;
h) Executar as deliberações da assembleia dos condóminos;
j) Prestar contas à assembleia dos condóminos;
l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;
m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

São também funções do administrador do condomínio:

Convocar as reuniões da assembleia de condóminos, nomeadamente a reunião a realizar na primeira quinzena de Janeiro, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano. (cfr. artº 1431º, nº 1 e nº 2, do CC).

O legislador não estabeleceu nenhuma metodologia a observar na feitura do relatório de gestão e contas, porém, este deve conter-se com os dados tidos por bastantes para se fazer prova da proveniência das receitas e subsequente desembolso nas despesas aprovadas, comprovadas mediante competente documentação (recibos e/ou facturas) de suporte (cfr. por analogia artº 288º CSC).

Não procedendo aquele à feitura e prestação voluntária das contas, no escrupuloso cumprimento das regras e prazos prefixados na lei, pode e deve qualquer condómino, dele recorrer para a AGC, nos termos do artº 1438º do CC, podendo, para o efeito, convocar, sozinho e por sua iniciativa, a reunião plenária, a qual apreciará a irregularidade, decidindo em conformidade.

Atente-se que, o administrador do condomínio pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício. (cfr. artº 1437º, nº 2, do CC). Nestes casos, deverá submeter rapidamente o assunto à discussão e deliberação da assembleia dos condóminos, precavendo também a possível necessidade de constituição de advogado, designadamente para os recursos e para as causas em que tal seja obrigatório.

Não se oferecendo aquele à devida e requerida prestação de contas, pode a AGC deliberar no sentido de se recorrer a outros meios mais expeditos para lograr tal desiderato, designadamente, intentando uma acção em tribunal (ou julgado de paz, se o houver no concelho), para, mediante um processo especial de prestação de contas, regulado pelo artº 941º e ss. do Código Processo Civil, obriga-lo à sua feitura. Este preceito confere legitimidade “ad processum” para a acção de prestação de contas a “quem tenha o direito de exigi-las” ou “o dever de prestá-las”, sempre tendo por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtida e das despesas realizadas por quem administra bens alheios.

Na eventualidade de se verificar que houve uma indevida apropriação de dinheiros do condomínio, configura-se tal, a prática de um crime de abuso de confiança (cfr. artº 205º do Código Penal) e eventualmente de infidelidade (cfr. artº 204º do CP) e crime de falsificação de documentos (cfr. artº 256º do CP). Porém, importa ressalvar que a administração de um condomínio não é ofendida em relação a um eventual crime de abuso de confiança concretizado na apropriação do valor das quotas entregues pelos condóminos para fazer face às despesas comuns do prédio.

Relativamente aos comprovativos, somos de recorrer ao Código Civil que pelo artº 787º explicita que, quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo, e, o autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento.

E subsidiariamente ao preceituado no Código Comercial que pelo seu artº 40º, ensina que todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência e telegramas que receber, os documentos que provarem pagamentos e os livros da sua escrituração mercantil, devendo conservar tudo pelo espaço de dez anos, por sua vez, o mesmo Código pelo artº 476º estabelece que o vendedor não pode recusar ao comprador a factura das cousas vendidas e entregues, com o recibo do preço ou da parte de preço que houver embolsado.

Não havendo tal documentação de suporte, impõe-se o ónus de prova. Com efeito, a regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova. O artº 342º do CC preceitua precisamente esta regra. No entanto, a lei circunscreve a obrigação de prova dos factos que sejam constitutivos do direito que se alega, isto é, aqueles que servem de fundamento e que substancialmente configuram uma determinada posição jurídica.

Finalmente, o artº 519º, n. 2 do CPC e o artº 344º, nº 2 do CC estabelecem expressamente a inversão do ónus de prova quando uma determinada parte tiver culposamente tornado impossível a prova a quem tivesse o ónus de a efectivar, designadamente recusando a exibição de documentos que apenas a mesma tenha em seu poder ou possa obter, sem prejuízo de outras sanções que a lei admita sejam aplicadas à desobediência ou falta de declarações. Sendo a recusa ilegítima, verifica-se a inversão do ónus de prova, que contudo pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova ao onerado.

A jurisprudência tem, no entanto, considerado que não se verifica a inversão do ónus de prova quando não exista uma indicação precisa de que a parte disponha dos meios de prova que lhe forem solicitados e se verifique, por outro lado, que os elementos instrutórios relevantes poderiam encontrar-se na posse de uma entidade administrativa, a quem poderiam ter sido requisitados.

Nestes casos, não possuindo os competentes recibos de quitação, a produção da prova realiza-se casusisticamente e há-de impender sobre o ex-proprietário, o qual, pode oferecer outros factos susceptíveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituído.

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