Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

8/12/2022

Caducidade e prescrição dividas

Artigo 298º
(Prescrição, caducidade e não uso do direito)


1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
2. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
3. Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade.

Atendendo ao teor do preceito supra transcrito, e apesar destas definições, importa reconhecer que a fronteira entre estas duas denominações é bastante ténue e, por vezes, de difícil assimilação, pelo que importa melhor tentar definir os termos de caducidade e prescrição.

Caducidade

A caducidade (do direito ou da acção) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma acção pelo decurso de um prazo ou do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente, faz desencadear a extinção do direito.

De salientar que o art. 329º (Começo do prazo) do CC, preconiza que o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

Numa situação de defeitos de construção nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal, deve ser aplicável ao condomínio a legislação do consumidor, desde que a maioria das fracções se destinem à habitação (uso não profissional), pelo que, segundo a “ teoria das normas”, e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja a falta de conformidade (art. 342º, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (DL nº 67/2003, de 8/4 (venda de bens de consumo) e a Lei nº 24/96, de 31/7 (lei de defesa do consumidor)), cabendo ao vendedor a prova da caducidade.

Perante o defeito da coisa, o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução e à indemnização, também previstos no Código Civil (art. 913º, nº 1, e 905º e segs.), mas como o DL nº 67/2003, de 8/4, interpretado em conformidade com a Directiva nº 1999/44/CE (art. 8º), assume natureza de protecção mínima, significa que o consumidor pode prevalecer-se do direito comum, desde que lhe seja mais favorável.

Assim, tanto pela lei específica da venda de bens de consumo (cfr. art. 5º, nº 4 do DL nº 67/2003), como pelo regime do Código Civil (art. 917º e 1225º), a lei prevê três prazos de caducidade: o prazo da denúncia, o prazo do exercício da ação e o prazo da garantia legal. De dublinhar que o art. 1225º, nº 1 CC estabelece o prazo de garantia legal de cinco anos “a contar da entrega”, mas em relação às partes comuns da propriedade horizontal deve entender-se que o prazo se conta a partir do momento da constituição da administração do condomínio.

Portanto, a caducidade aplica-se, por exemplo, ao decurso dos prazos para se exigir a reparação dos defeitos apurados relativamente a um bem, direitos estes que estão sujeitos a prazos de caducidade (cfr. art. 5º do DL nº 67/2003). Desde logo ao prazo de garantia legal (2 anos ou 5 anos, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel) (cfr. art. 5º, nº1 ) ao prazo de denúncia dos defeitos (2 meses ou 1 ano, consoante a natureza móvel ou imóvel, a contar da data em que tenha detectado a desconformidade) (cfr. art. 5º, nº 3) e ainda o prazo de caducidade da acção (6 meses sobre a data da denúncia) ( art.5º, nº 4).

Prescrição

Ocorre quando se verificam os quatro seguintes requisitos: existência de uma pretensão; inércia do titular da acção pelo seu não-exercício; continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; ausência de algum fato impeditivo, suspensivo ou interruptivo.

A prescrição consiste, pois, na faculdade de o beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo (art. 304º, n.º 1, do CC). O fundamento deste instituto reside, assim, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado prazo, fazendo presumir que ele tenha querido renunciar ao direito ou, pelo menos, tornando-o não merecedor da tutela jurídica.

A razão da lei é a adaptação da situação de direito à situação de facto de não exercício do direito durante certo tempo pelo seu titular. O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (art. 309º do CC).

O art. 310º, do CC, elenca várias situações que prescrevem no prazo de cinco anos [alíneas a) a f)] e, na alínea g), refere expressamente que também prescrevem no mesmo prazo “…Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis…”.

Como refere a doutrina, a razão de ser da fixação deste prazo curto, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor.

E, no mesmo sentido, vai a jurisprudência, como é o caso do Ac. do STJ, de 02/05/2002, onde, a propósito de uma situação de prescrição a curto prazo, se decidiu que “…O prazo da prescrição, começa a contar-se da exigibilidade de cada prestação. Tal prescrição, interrompe-se, todavia, pela citação ou qualquer acto que exprima a intenção de se exercer o direito. A razão de ser de um prazo curto de prescrição das prestações periodicamente renováveis é evitar que o credor as deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor…”


Procedimento Extra-judicial Pré-Executivo


O PEPEX, acrónimo de Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo é um procedimento administrativo, de carácter facultativa, que permite ao administrador de condomínio, por uma verba sensivelmente inferior à cobrada numa acção executiva, efectuar uma avaliação sobre a real possibilidade de recuperação de um crédito, prevenindo, desde logo, que se instaure uma acção executiva que se venha a revelar inútil por inexistência de bens do devedor.

Desta sorte, o PEPEX apresenta-se como sendo um procedimento autónomo para se obter a clarificação da situação patrimonial do devedor, sendo que para esse efeito, o administrador deve ter-se detentor de um título executivo (sentença condenatória, documentos exarados ou autenticados por notário ou título de crédito). Subsequentemente, aquele pode apresentar um requerimento, através da plataforma electrónica https://www.pepex.pt, no qual se deve identificar, identificar o requerido (e, caso pretenda a identificação de bens comuns, o respectivo cônjuge), indicar o valor em dívida e expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.

Após este procedimento, a distribuição do requerimento ao agente de execução é realizada de forma automática, pelo sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução (SISAAE), e caso este não o recuse, deve, no prazo de 5 dias úteis, proceder à consulta das várias bases de dados, nomeadamente, da administração tributária, da segurança social, do registo predial, do registo comercial e do registo nacional de pessoas colectivas, a fim de averiguar se o devedor tem bens penhoráveis.

Após a concretização das consultas, o agente de execução elabora um relatório, indicando quais os bens identificados na titularidade do devedor ou a circunstância de não terem sido identificados bens penhoráveis, competindo-lhe outrossim, informar o administrador da circunstância do devedor/requerido já constar da lista pública de devedores, ter sido declarado insolvente ou ser executado ou exequente em processo de execução pendente.

No caso de terem sido identificados bens susceptíveis de penhora, o administrador pode convolar este procedimento extrajudicial pré-executivo, no âmbito do qual não podem ocorrer penhoras, em processo de execução judicial, através da apresentação de requerimento executivo, pelo que, nestes termos, o PEPEX desempenha uma função preparatória de uma eventual execução. Mesmo as importâncias pagas pelo administrador a titulo de honorários do agente de execução e encargos com consultas revertem para a acção executiva que tenha origem na sequência deste procedimento.

Pelo contrário, no caso de não terem sido identificados bens susceptíveis de penhora, o administrador pode requerer a notificação do devedor para que este faça uma de quatro coisas:
(i) pague o valor em dívida, acrescido dos juros vencidos até à data limite de pagamento e dos impostos a que possa haver lugar, bem como dos honorários devidos ao agente de execução;
(ii) celebre um acordo de pagamento;
(iii) indique bens penhoráveis;
(iv) ou, ainda, que se oponha ao procedimento.

Perante estas hipóteses, se o devedor nada fizer no prazo de 30 dias, o agente de execução deve proceder à sua inclusão na lista pública de devedores, sem que para tal seja necessário abrir uma execução.

Assim, este procedimento, não só reveste uma função preparatória da acção executiva, a ter lugar em momento posterior como, caso se verifique que esta carece de utilidade prática (por não existirem bens penhoráveis), permite tentar chegar a um acordo com o devedor, sob «ameaça» da sua inclusão na lista pública de devedores, para que todos saibam que é um devedor relapso, sendo, nestes moldes, uma efectiva medida de constrição do devedor ao cumprimento.

Identificação de bens que podem ser penhorados

No seguimento do já ressalvado, o PEPEX é no fundo, de uma ferramenta que permite ao administrador avaliar, de forma rápida e económica, a real possibilidade de recuperação do crédito do condomínio.

Assim, é enviado um requerimento, através de um formulário disponível online, e um agente de execução, designado pela plataforma electrónica, realiza consultas a diferentes bases de dados, designadamente, bases de acesso electrónico das Finanças, da Segurança Social, do registo nacional de pessoas colectivas, das conservatórias do registo civil, predial, comercial e automóvel, a fim de apurar se o devedor tem ou não bens que possam ser penhorados.

Em tese, podem ser penhorados todos os bens que sejam propriedade do devedor, que possam ser cobrados por terceiro ou que possam ser transmitidos a terceiro, até ao limite necessário para o pagamento da dívida e das despesas de execução. Ora, praticamente todos os bens que compõem o património do devedor podem ser alvo de penhora, devendo esta começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e que se mostrem adequados ao montante do crédito em causa.

No seguimento do exposto, as penhoras podem recair sobre:
  • Bens imóveis: como prédios rústicos (terrenos) e urbanos (casas e apartamentos). No entanto, importa salientar que existe uma particularidade em relação à casa de morada de família, a casa de residência permanente, sendo que não pode ser penhorada quando o processo de execução tenha sido instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
  • Bens móveis: como por exemplo, veículos motorizados, computadores, jóias, obras de arte, electrodomésticos, o recheio da casa, salvo se forem considerados instrumentos de trabalho ou bens indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do devedor, ou, ainda, bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica.
  • Penhora sobre direitos: como rendas, abonos, vencimentos ou salários, contas bancárias, produtos financeiros, devoluções de IRS, quotas em sociedades e estabelecimento comercial. 
 
Importa contudo salientar que, em regra, só pode ser penhorado 1/3 dos vencimentos, salários, prestações periódicas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social que assegure a subsistência do devedor e deve ser sempre assegurado ao devedor o montante equivalente a um salário mínimo nacional.