Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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10/12/2023

Regime jurídico das deliberações da AG


Conclusão
 
O estudo do regime jurídico das deliberações das assembleias de condóminos permitiu-nos chegar a, não uma, mas várias conclusões. Apresenta-se, desde já, a mais vaga, mas também a mais importante e evidente de todas: é premente uma reforma legislativa no que a esta matéria diz respeito.
 
A elaboração da presente exposição iniciou-se com diversas questões que, na sua maioria, se encontravam relacionadas com a interpretação das normas civilísticas que regem a propriedade horizontal. É que estamos perante um regime não raras as vezes insuficiente, deixando nas mãos do intérprete uma excessiva tarefa de interpretação, muitas vezes com recurso à analogia. O resultado: um emaranhado de soluções doutrinais e jurisprudenciais que tentam apertar a desafogada malha da lei, levando frequentemente a soluções distintas e até contraditórias entre si. 
 
Todo este quadro gera uma incerteza e uma insegurança jurídicas que afectam o verdadeiro destinatário do instituto – o condómino -, pondo em causa a estabilidade do condomínio e até mesmo as relações entre os moradores e/ou proprietários das fracções autónomas. 
 
Concretizemos.
 
Da mera leitura da lei poder-se-ia retirar que tão-só as exigências de unanimidade (mitigada) e de maioria simples para aprovação de deliberações são susceptíveis de uma flexibilização em segunda convocatória. Porém, entendemos que a possibilidade de convocar uma segunda reunião deve ser reconhecida também perante deliberações que careçam de maioria qualificada e, por outro lado, considerámos estar, neste aspecto, perante uma lacuna, a preencher com respeito pelo espírito da lei e por aquela que haveria de ser a vontade do legislador. 
 
Recorrendo à analogia, concluímos que o cumprimento da maioria qualificada em dois momentos distintos deve ser permitido, ainda que com as devidas adaptações, à semelhança do que acontece perante as outras exigências de aprovação.
 
Relativamente aos vícios nas deliberações, reconhecemos a existência de deliberações nulas, anuláveis, ineficazes e inexistentes, explanando as devidas distinções. Tivemos ainda oportunidade de ver que nem todas as deliberações que violam disposições imperativas são necessariamente nulas e que, por isso, o nº 1 do art. 1433º não deixa de se aplicar quando estejam em causa normas injuntivas. 
 
Concluímos, por outro lado, que a jurisprudência não faz a devida compartimentação entre os vícios que se reconduzem ao art. 280º, nº 1 e aqueles aos quais se aplica o art. 294º. 
 
Na mesma linha de raciocínio, deixámos algumas sugestões para o intérprete perceber se está perante normas inderrogáveis ou não e, se sim, em que casos é que a sua violação justifica a nulidade. 
 
Parece-nos que esta é uma das matérias que mais carece de reforma, sendo necessário o recurso a muitos conceitos gerais, não sendo, por isso, suficientemente clara para o aplicador leigo que é, muitas vezes, o próprio administrador.
 
Por fim, foi possível aludir aos meios não judiciais, cuja aplicação deve (ou, pelo menos,deveria) ser preferível, não só pela celeridade que os caracteriza, mas também por não serem potenciadores de conflitos entre condóminos. 
 
Quanto às vias judiciais, concluímos que o prazo para propositura de acção de anulação se inicia na data da deliberação, independentemente de se tratar de condómino presente ou ausente, salvo se este último não tiver sido regularmente convocado. Também aqui reconhecemos que a formulação adoptada pelo CPC se afigura muito mais clara e objectiva, pelo que seria importante a sua importação, com as devidas adaptações, para o Código Civil.
 
Em relação aos prazos de caducidade das duas vias estudadas, considerámos que estes não são de conhecimento oficioso e que correm em paralelo. 
 
Quanto à legitimidade, entendemos que é reconhecida legitimidade formal ao administrador do condomínio para determinadas acções, não se colocando a questão da sua legitimidade processual, aferida em concreto. Por outro lado, defendemos que o administrador não tem legitimidade passiva, pelo que deverão ser demandados todos os condóminos que aprovaram a deliberação inquinada, ainda que possam ser representados judiciariamente por aquele.
 
É evidente que muitas outras conclusões foram tendo lugar ao longo de todo este “relatório”, pelo que se mencionam aqui apenas as que assumem maior relevância.

O apelo é, reitere-se, o da reforma legislativa de um instituto que se mantém inalterado há quase vinte e cinco anos e que, infelizmente, não tem acompanhado o boom da construção em altura sujeita ao regime da propriedade horizontal. 

10/11/2023

Suspensão das deliberações - Decisão


4.2.2.6 Suspensão das deliberações - Decisão
 
No que diz respeito à decisão, o facto de uma deliberação ser contrária à lei ou aos estatutos não determina, automaticamente, que ela irá ser suspensa. Com efeito, o juiz deve pesar os dois pratos na balança, colocando, num lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerente(s) com a execução da deliberação, cuja alegação e prova terão de ser feitas por ele(s) e, no outro lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerido(s), que igualmente têm o ónus de o provar (art. 381º, nº 2, CPC)(228). 
 
Ao contrário do que acontece no procedimento cautelar comum, não é necessário que se verifique um excesso considerável do prejuízo do(s) requerido(s) em relação ao prejuízo do(s) requerente(s) – “basta que ele seja superiora este para que o juiz, consideradas as circunstâncias do caso, possa recusar a providência” (229). Em consonância com a posição adoptada relativamente à legitimidade passiva, não podemos aqui aceitar o entendimento de Sandra Passinhas que, no seguimento da sua doutrina, considera que o juízo de ponderação a ser feito tem, de um lado, o interesse do condómino impugnante e, do outro, o “condomínio resistente em não ver prejudicada, por comportamentos dilatórios, a funcionalidade da gestão da coisa comum” (230).
 
É que, como temos vindo a defender, os réus desta providência cautelar haverão de ser os condóminos que aprovaram a deliberação e, nesse sentido, não se pode considerar, sem mais, que é do lado passivo que se encontra o interesse do condomínio enquanto colectividade. Contudo, entendemos que o interesse do condomínio não deve ser descurado, devendo o juiz, no exercício do seu prudente arbítrio, indagar sobre o que será mais prejudicial para a comunidade de condóminos.
 
Ainda no âmbito do art. 381º do CPC,o legislador estabeleceu que a citação suspende, de imediato, a execução da deliberação até à decisão de primeira instância, sendo ilícito ao condomínio executá-la durante esse período (cfr. nº 3). Trata-se de um modo que o legislador encontrou para fazer face ao periculum in moraque resulta do próprio procedimento cautelar e de uma forma de responsabilizar aqueles que pratiquem actos de execução da deliberação depois da citação (231). A gravidade desta consequência implica, portanto, que o juiz proceda a um exame mais consciente e rigoroso do requerimento,já que a sua decisão no sentido de citar o administrador pode levar a que um pedido infundado de uma deliberação paralise, injustamente (232) – ainda que de modo provisório -, a vida condominial.

Posteriormente,com a decisão de primeira instância, cessa o efeito legal de suspensão imposto pelo nº 1 do art. 383º. Ora, havendo recurso de tal decisão, o efeito da sua subida vai depender do sentido que aquela tenha tomado. Assim, sendo decretada a suspensão da deliberação, o eventual recurso tem efeito meramente devolutivo (nº 1 do art. 647º, CPC). Tal significa que a decisão é imediatamente exequível e, obrigando à suspensão,a deliberação não pode, novamente, ser executada até que haja uma decisão em contrário. Não obstante, nos termos do arts. 649º, nº 2 ex vi 647º, nº 4, CPC, o recorrente que pretenda executar a deliberação enquanto aguarda pela decisão do tribunal a quo pode requerer a prestação de caução (233).

Ainda que nos pareça uma hipótese remota, o recorrente terá de “procurar convencer o tribunal de que a suspensão (...) da decisão recorrida evitará prejuízo considerável que pode emergir da atribuição de efeito meramente devolutivo” (234). A título exemplificativo, a assembleia delibera a implementação de ascensores no prédio e tal deliberação é suspensa por decisão de primeira instância. Ora, tendo a apelação, neste caso, efeito meramente devolutivo, tal significa que a decisão tem de se cumprir e, portanto, a deliberação não pode ser executada. Não obstante, se o recorrente requerer a prestação de caução e a decisão de suspensão da deliberação passara ter efeito suspensivo, tal significa que não se extraem efeitos jurídicos da decisão antes do  seu trânsito em julgado, pelo que os condóminos podem seguir com a implementação dos ascensores. 
 
Trata-se de um exemplo meramente académico, na medida em que a prestação de caução num caso destes só se justificaria se houvesse muita probabilidade de a decisão de primeira instância ser revogada, o que, naturalmente, é de muito difícil previsão. Não sendo decretada a providência,a deliberação da assembleia passa a poder ser executada imediatamente, uma vez que se encontra ultrapassado o momento previsto no art. 381º, nº 3, CPC. 
 
Havendo recurso de tal decisão judicial,refere a al. d) do nº 3 do art. 647º, CPC que este terá efeito suspensivo. Neste sentido, Abrantes Geraldes e Teixeira de Sousa afirmam que “nenhum efeito prático se extrai de tal regime” (235). É que a situação que se verifica após a instauração de recurso de decisão que não decrete a providência é, efectivamente, igual à que se verifica após ser proferida essa mesma decisão, já que em qualquer dos momentos é permitida a execução da deliberação da assembleia. Com efeito, está previsto o efeito suspensivo da decisão negativa, mas efeito suspensivo de quê se nada foi ordenado pela decisão recorrida?  Trata-se de uma mera negação do pedido de suspensão e, por isso, os efeitos que haveriam de se suspender por força do art. 647º, nº 3, d), CPC simplesmente não existem. 
 
A interposição do recurso não vem, portanto, provocar qualquer alteração na ordem jurídica conformada pela decisão da primeira instância, podendo a deliberação ser executada como se não existisse qualquer recurso contra aquela. No exemplo supracitado, perante a decisão que não suspenda a deliberação de implementação dos ascensores, o facto de a apelação ter
efeito suspensivo nada vai alterar e, por isso, os condóminos podem praticar actos de execução da deliberação.

Notas

226. Ac. TRE de 19/05/2016.
227. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 98.
228. Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 33: “Julgo que o poder dado ao juiz deve ser interpretado como um poder-dever. O mesmo é dizer que o juiz deve comparar dois danos possíveis: o resultante da execução e o resultante da suspensão da execução.”
229. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit.,p. 100.

230. Sandra Passinhas, op. cit., p. 262.
231. “Em vez de a decisão de improcedência do pedido cautelar funcionar como causa extintiva de efeitos suspensivos já produzidos é, ao invés, a decisão de procedência do pedido cautelar que, operando um efeito retroactivo, sujeita a responsabilidade civil desde a citação (...) o executor da deliberação impugnada; este tomará ou não o risco da execução consoante a apreciação que dele faça”, Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 101 e Lobo Xavier, “O conteúdo...”, pp. 84 a 90.
232. Para Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 34, “esta é talvez a norma que mais merecia reforma. O seu conteúdo é paradoxal, (...) é fonte de gravíssimos prejuízos injustos, resultantes da lentidão da marcha dos procedimentos. Se o efeito inibidor em causa durasse um mês, a entidade citada para o procedimento não sofreria, na maior parte dos casos, prejuízos graves por força de tal inibição. Como o efeito inibidor costuma durar muitos meses ou até anos, as entidades
citadas são intensamente prejudicadas, optando amiúde por ignorar esse efeito, preferindo suportar as eventuais consequências daí decorrentes.” “Por isso, (...) sugeri, em alternativa ao regime vigente, a atribuição ao juiz do poder de, no despacho de citação, ordenar a suspensão intercalar de todos ou alguns dos actos de execução da deliberação impugnada.” Ainda que subscrevamos em absoluto os argumentos aduzidos pelo autor, a verdade é que os mesmos se reportam à suspensão das deliberações sociais e, portanto, à marcha dos processos nos juízos de comércio. Porém, não podemos deixar de referir que a realidade que nos foi dada a conhecer no juízo local cível de Amarante não corresponde àquelas preocupações, uma vez que os prazos – quer para decidir acções definitivas, quer para decidir procedimentos cautelares – foram sempre, durante o estágio realizado, devidamente respeitados.
233. José António De França Pitão e Gustavo França Pitão, op. cit., p. 447.
234. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 234.

235. Abrantes Geraldes, Recursos..., p. 232 e Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 20, outubro-dezembro de 2007, p. 6.  

Suspensão das deliberações - Tramitação


4.2.2.5 Suspensão das deliberações - Tramitação
 
Relativamente ao iter processual, deve o requerimento da suspensão ser instruído com cópia da acta da reunião em que as deliberações foram tomadas, que deve ser fornecida ao requerente, pelo administrador, no prazo de 24 horas (art. 1º, DL 268/94, de 25 de Outubro, e art. 1436º, al. m)). 
 
Se o requerente alegar que não lhe foi fornecida cópia da acta, o administrador (ou o representante especial designado para o efeito) é citado com a cominação de que deverá apresentar a acta juntamente com a contestação, sob pena de rejeição desse articulado (art. 381º, nº 1, CPC), sendo que a consequência será, como se sabe, a de se terem por admitidos os factos alegados pelo requerente (arts. 567º, nº 1 ex vi 366º, nº 5, CPC). 
 
Além disso, não sendo apresentada a acta da assembleia, o ónus da prova inverte-se, passando a impender sobre os requeridos (arts. 417º, nº 2 ex vi 430º, CPC e 344º, nº 2). Note-se que esta cominação “não pode ser aplicável se a administração em exercício não foi notificada para apresentar qualquer documentação, não foi demandada, nem o autor alegou nos autos ter junto dela requerido a entrega de qualquer documentação, nem que essa solicitação lhe tivesse sido recusada” (226). 
 
Além disso, “caso a citação não seja feita com aquela cominação, não obstante o requerente o ter pretendido na petição inicial, não joga a consequência cominatória, não obstante o requerente, verificada a falta, poder insistir em que a citação seja correctamente efectuada”.(227)

Notas

226. Ac. TRE de 19/05/2016.
227. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 98
 

10/10/2023

Suspensão das deliberações - Inversão do contencioso

4.2.2.4 Suspensão das deliberações - Inversão do contencioso
 
O procedimento cautelar em causa permite o instituto da inversão do contencioso (arts. 369º e 382º ex vi 383º, nº 1, CPC), o que significa que, havendo requerimento nesse sentido, a decisão que decrete a suspensão poder-se-à consolidar (224) se o requerido não demonstrar, em acção por ele proposta, que a decisão cautelar não se deverá tornar definitiva. 
 
A providência de suspensão das deliberações, por admitir a inversão do contencioso, não deixa de ser instrumental da tutela definitiva, antes se verificando uma “dispensa do ónus de propositura da açcão principal pelo requerente e a consequente atribuição desse ónus ao requerido que pretenda evitar a consolidação da providência decretada”.
 
Neste sentido, o juiz haverá de decretar a inversão do contencioso se formar “convicção
segura da existência do direito acautelado”, sendo insuficiente a probabilidade séria da existência de tal direito (225).
 
Por outro lado, sendo negado o pedido de inversão do contencioso, o prazo de caducidade previsto no nº 4 do art. 1433º reinicia-se a partir do trânsito em julgado da decisão (cfr. nº 3 do art. 369º, CPC). Estamos, aqui, perante uma excepção ao que dissemos supra sobre a não interrupção do prazo para propositura de acção, o que se entende – e vem reforçar a posição acima adoptada –, já que o art. 328º determina que os prazos de caducidade são insusceptíveis de suspensão ou interrupção, salvo nos casos em que a lei o determine.

Notas

224. A este propósito, citamos Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 92, quando referem que “a suspensão da deliberação tem função conservatória da situação (de não execução) existente à data da citação, mas não deixa também de ter função antecipatória de parte dos efeitos da decisão de procedência definitiva a proferir na acção de que depende. Efectivamente, embora a sentença que julgue a acção procedente tenha conteúdo diferente do da mera suspensão da execução da deliberação, o seu efeito, mais amplo – tem a ver com a validade ou com a eficácia total da deliberação impugnada -, abrange a não produção dos seus efeitos, a qual é antecipada, a título provisório, pela decisão de suspensão.”
225. Vide, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, As Providências Cautelares e a Inversão do Contencioso, pp. 9 e 10. 

10/09/2023

Suspensão das deliberações - Prazos


4.2.2.3 Suspensão das deliberações - Prazos
 
Relativamente ao prazo, os condóminos dispõem de 10 dias para instaurar tal procedimento (380º, nº 1 ex vi 383º, nº 1, CPC), tratando-se igualmente de um prazo de caducidade que não pode ser conhecido oficiosamente por em causa estarem direitos disponíveis dos condóminos. 
 
O prazo conta-se desde a data da assembleia ou desde a data em que o requerente teve conhecimento dessa deliberação, se não tiver sido regularmente convocado para a assembleia (nº 3 do art. 380º, CPC)(218). Surge, porém, uma questão semelhante à que foi discutida acerca da cação de anulação, atinente à contagem deste prazo no caso de o requerente não ter comparecido à assembleia e só ter tomado conhecimento da deliberação depois de decorridos os 10 dias. “Neste caso, é necessário apreciar, desde logo, se o requerente foi devidamente convocado e, em caso afirmativo, se há causa justificativa do conhecimento tardio, nomeadamente justo impedimento ou falta de acesso à ata imputável (...) (ao administrador), violando o seu dever de informação dos (...) (condóminos)”(219). Não tendo sido devidamente convocado, a própria lei – ao contrário do que acontece no preceito civilístico – responde à questão.

Ainda sobre o prazo, questiona-se se o prazo para propor a acção principal se suspende com a instauração da providência. Neste aspecto, tendemos a seguir os ensinamentos de Lebre de Freitas (220) e de Lobo Xavier (221), no sentido de o prazo não se suspender com a propositura do procedimento cautelar, “ambos correndo paralelamente”.
 
Com efeito, as duas vias judiciais têm finalidades distintas, na medida em que o pedido de suspensão de deliberação não é uma mera antecipação da decisão da açcão principal, antes visando evitar os danos resultantes da deliberação; por seu turno,o pedido principal visa apenas aferir a sua (i)legalidade (222).
 
Acresce que, no caso das deliberações anuláveis, não se deverão confundir os prazos de caducidade previstos no nº 4 do art. 1433º e no art. 380º, nº 1, CPC, tratando-se de prazos autónomos e independentes. De resto, não existe nenhum motivo razoável que justifique que o legislador quisesse que o prazo de propositura da acção anulatória fosse mais amplo quando se requeresse a suspensão, até porque, como temos vindo a repetir, uma das grandes preocupações no âmbito das deliberações das assembleias é que estas adquiram estabilidade no mais curto espaço de tempo e “tal desiderato não se compadece com o aguardar o decretamento da providência que (...) em virtude de vicissitudes várias pode demorar vários meses”(223)

Importa ainda ter em mente que, não sendo instaurada antes, e havendo decisão que decrete a suspensão da deliberação, o seu requerente passa a dispor de 30 dias desde a data em que a decisão lhe seja comunicada para propor a acção principal, sob pena de a providência caducar (art. 373º, n.º 1, a).

Em síntese, o condómino legitimado – para efeitos de simplificação, consideraremos que foi regularmente convocado – dispõe de 10 dias a contar da data da deliberação para requerer a sua suspensão e, tratando-se de deliberação anulável, de 60 dias a contar da mesma data para instaurar a respectiva acção de impugnação. Porém, caso a suspensão seja decretada – e independentemente do vício que enferme a deliberação em crise -, esta caducará se o condómino não propuser a acção principal no prazo de 30 dias a contar da data em que a decisão lhe seja comunicada

Notas

218. Rejeitamos aqui a posição defendida por Sandra Passinhas (op. cit., pp. 260 e 261), quando refere que o pedido de suspensão deve ser feito no prazo de 10 dias a contar da data da deliberação ou, “se o requerente esteve ausente da reunião, da data em que ele teve conhecimento da deliberação (sob pena de o procedimento cautelar se tornar mais exigente que a cação principal)”. Entende a autora que só depois de ter conhecimento da deliberação é que o condómino está em condições de fazer valer os seus direitos, daí que o prazo previsto para presentes e ausentes seja distinto. Na sua opinião, o art.1433º/2, ao dispor que o prazo de 10 dias para os condóminos ausentes exigirem a convocação de assembleia extraordinária só conta a partir da comunicação da deliberação, vem reforçar tal entendimento. Parece-nos existir aqui uma confusão entre as disposições substantivas e adjectivas, deturpando-se aquilo que vem estabelecido no CPC para a providência cautelar de suspensão das deliberações.
219. Neste sentido, José António De França Pitão e Gustavo França Pitão, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I – Artigos 1º a 702º, Quid Juris, Lisboa, 2016, em anotação ao nº 1 do art. 380º, p. 446. No mesmo sentido, ac. TRE de 27/09/2012.

220. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 97.
221. Lobo Xavier, Anulação...,p. 95.
222. Ac. STJ de 13/05/2004.
223. Ac. TRE de 28/06/2018, que destacamos pelas várias referências jurisprudenciais que sustentam o mesmo entendimento.
 

10/06/2023

Suspensão das deliberações - Pressupostos


4.2.2.2 Suspensão das deliberações - Pressupostos 
 
Diz-nos o ac. TRP de 11/05/2015 que “são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente:

a) deliberação contrária à lei, estatutos ou contrato; 
b) a qualidade de condómino; e 
c) a alegação que da execução da deliberação pode decorrer dano apreciável”.
 
No que concerne ao primeiro pressuposto, correspondente ao fumus boni iuris, para o qual basta fazer prova sumária,cremos não haver nada mais a acrescentar.

Relativamente à legitimidade activa, entendemos que também aqui, perante uma deliberação anulável, deverá ser feita uma leitura conjugada dos nºs 1 e 5 do art. 1433º, exigindo-se que, além da qualidade de condómino (ou qualquer outra que lhe dê legitimidade)(209), o requerente não tenha aprovado a deliberação anulável (ou porque votou contra, ou porque se absteve, ou porque nem sequer esteve presente nem se fez representar). 
 
Quanto à legitimidade passiva, apesar de o art. 383º, nº 2, CPC referir que “é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação” (ou seja, o administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito/representante especial, à semelhança do que acontece na acção principal – arts. 12º, e), CPC e art. 1433º, nº 6), a suspensão deverá ser requerida contra todos os condóminos que votaram a favor da deliberação, individualmente considerados (210)(211). 
 
O condómino que queira lançar mão deste meio processual tem de alegar e apresentar prova suficiente para que, numa lógica de summaria cognitio, demonstre a existência de um vício na deliberação que cause um dano apreciável, um periculum in mora. Para a tomada de decisão não se exige, naturalmente, o grau de certeza que se exige numa decisão definitiva, mas é necessário que exista uma “probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar”(212).
 
Note-se que a exigência de um dano apreciável não se deve confundir com a de um dano irreparável ou de difícil reparação, de resto exigida para a providência cautelar comum (art. 362º, nº 1, CPC), pelo que se pode tratar de dano reparável (213), desde que seja visível, de aparente dignidade e estimável (214). O requisito do dano apreciável traduz-se, assim, num“conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante” (215), pelo que exige alguma valoração por parte do juiz.
 
Não basta, portanto,um dano abstracto que qualquer deliberação ilegal é susceptível de produzir, exigindo-se um dano que, em face de factos materiais concretos - cuja prova constitui ónus do requerente - deva ter-se por apreciável (216)(217). Tal dano pode dizer respeito ao próprio condómino (se for de estrita natureza patrimonial/económica, por exemplo) ou ao condomínio, no seu todo (se se verificar na estrutura física do prédio, podendo mesmo tratar-se de questões estéticas ou arquitectónicas).

Notas

208. A este propósito, Pinto Furtado, op. cit., pp. 775 a 777
209. Designadamente o locatário no contrato de leasing para habitação e em caso de constituição do direito de usufruto, uso ou habitação sobre uma determinada fracção [apesar de, em princípio, ter direito de voto o nu proprietário, o mesmo direito pode, em alguns casos, caber aos titulares daqueles direitos reais limitados (quando se trate da administração ordinária ou do gozo da coisa e dos serviços comuns)] - cfr. Sandra Passinhas, op. cit., pp. 235 a 237.
210. Neste sentido, Abílio Neto, op. cit., p. 735 e ac. TRE de 19/05/2016: “Em sede de providência cautelar de suspensão de deliberação (condominial), tendo sido indicados como requeridos os condóminos individualmente considerados e não tendo sido estes citados, não podia ser proferida decisão a decretar a providência, mesmo que se admita que possam e devam ser representados em juízo pelo administrador do condomínio.”
211. Cfr. «Legitimidade Passiva»., sobre a legitimidade passiva para as acções de anulação

212. José Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II: arts. 381º a 675º, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 95 e ac. TRL de 16/12/2008.
213. Idem, ibidem.
214. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol.IV: Procedimentos Cautelares Especificados, 4.ª ed. revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2010, p. 100.
215. Ac. TRL de 20/11/2014.
216. Abrantes Geraldes, Temas..., pp. 99 a 101, Abílio Neto, op. cit., p. 734 e ac. TRL de 28/02/2008.
217. João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 70 entende que tem de existir “claramente algum prejuízo especial do condómino requerente, objectivamente aferível”, dando o exemplo de uma deliberação que estabelece que uma determinada obra ao prédio deverá ser suportada única e exclusivamente pelo condómino requerente. Por outro lado, afasta a deliberação que determine que a realização de uma obra necessária no prédio deve ser suportada por todos os condóminos, mesmo que o condómino requerente alegue não ter possibilidade de pagar, por questões relacionadas com a sua situação económica. Entende o autor, posição que sufragamos, que não existe “dano grave para estes efeitos, sendo uma responsabilidade expectável, decorrente da situação de condomínio, embora, evidentemente, tal esteja dependente de apreciação casuística”

10/04/2023

Suspensão das deliberações - Objecto


4.2.2 Suspensão das deliberações - Objecto
 
De forma a impedir os prejuízos que a execução de uma deliberação possa originar, os condóminos podem ainda lançar mão de um procedimento cautelar, designadamente da suspensão de deliberações da assembleia de condóminos, estando essa faculdade expressamente prevista no nº 5 do art. 1435º. Apesar de esta via ter sido admitida desde cedo com o §2.º do art. 32º do DL 40 333, de 14 de Outubro de 1955, só em 1967 veio a reflectir-se no CPC.(191).
 
O seu regime processual consta, actualmente,dos arts. 380º a 382º do CPC, aplicáveis por força da remissão do art. 383º do mesmo diploma. Em tudo o que não esteja especialmente previsto, dever-se-à obedecer ao preceituado na secção relativa ao procedimento cautelar comum (arts. 362º e ss., CPC), aplicando-se ainda, subsidiariamente, os arts. 293º a 295º ex vi nº 3 do art. 365º.

Objecto

Em primeiro lugar, importa referir que o âmbito de aplicação do nº 1 do art. 383º não é consensual. Com efeito, se por um lado há quem entenda que a providência cautelar em análise só se pode requerer perante deliberações anuláveis,(192) por outro há quem defenda que tal requerimento é independente do vício que enferme a deliberação, seja ele a anulabilidade, a nulidade, a ineficácia ou a inexistência.(193)
 
Há ainda quem considere que o procedimento é aplicável às deliberações anuláveis, nulas e ineficazes, mas não às inexistentes.(194) Ora, defendem os primeiros que a suspensão das deliberações se destina apenas à paralisação dos efeitos jurídicos das deliberações. Assim, se a deliberação for nula não produzirá quaisquer efeitos e, sendo ineficaz, não produzirá efeitos relativamente aos condóminos que a não tenham aprovado.(195) Por isso, em relação às deliberações nulas e ineficazes deverá ser requerido procedimento cautelar inominado.(196)

Em sentido diverso, outros autores entendem que apesar de o nº 1 do art. 383º, CPC se referir apenas às “deliberações anuláveis”, seria inconcebível que deliberações com um vício menos grave fossem susceptíveis de suspensão e deliberações que pusessem em causa, por hipótese, a ordem pública, pudessem produzir efeitos – ainda que materiais – até ser declarado o seu vício em processo principal. Além disso, referem que qualquer deliberação inquinada – inexistente, ineficaz, nula ou anulada – é facto legitimador de danos ilícitos e, portanto, em qualquer dos casos, o objectivo é evitar que esses danos se produzam.
 
É que, mesmo que a deliberação não produza efeitos jurídicos – como, de resto, acontece nas deliberações anuláveis -, ela há-de ter efeitos práticos e, portanto, será esse o objecto da providência que preceda uma acção de declaração de nulidade ou de ineficácia.(197).
 
Acrescentam que em cada uma das hipóteses, a providência de suspensão visa evitar que o condómino atingido “se veja privado do exercício dos seus direitos enquanto se discute a existência, eficácia ou validade da deliberação”.(198) Para melhor entender a questão, importa chamar à colação uma outra controvérsia, desta feita acerca da interpretação do conceito de “execução” das deliberações para efeitos da sua integração no objecto da providência cautelar de suspensão de deliberações. 
 
Assim, para autores como Abílio Neto,(199) deliberações imediatamente executadas, como sejam a de designação ou exoneração de administrador, não podem ser suspensas. Rui Pinto Duarte (200), Alexandre Soveral Martins (201) e Pinto Furtado (202) têm outro entendimento sobre a questão, ainda que com base em diferentes fundamentos (203). Com efeito, a posição tradicional da jurisprudência fazia uma leitura “formalista ou restritiva” – nas palavras de Rui Pinto Duarte - do conceito de “execução”, reconduzindo aos actos de execução apenas aqueles em que se produz o efeito típico da deliberação, o efeito imediato direto ou ainda os actos complementares necessários para a produção do efeito jurídico.
 
Por outro lado, através de uma leitura “substancialista ou ampla”, consideram-se também actos de execução os efeitos indirectos da deliberação, i.e., todos os efeitos danosos, sejam directos, indirectos, laterais, complementares, secundários ou meramente práticos. Vasco Lobo Xavier sugeriu, a este propósito,que se considerasse como objecto da providência cautelar algo mais amplo do que a sua mera eficácia executiva. Para este autor, bem como para Alexandre Soveral Martins, a providência visa paralisar os efeitos jurídicos da deliberação e não apenas os efeitos executivos.
 
Diferentemente, Pinto Furtado entende que o objecto da suspensão cautelar se reconduz à paralisação da execução e não, propriamente, à eficácia. Refere este autor que o conceito de eficácia diz respeito à “mera aptidão jurídica concreta para produzir efeitos, não à produção, em si, dos efeitos”. Por seu turno, a ideia de execução reconduz-se ao “fluir dos efeitos” que brotam “automaticamente do acto” ou que requerem,“para se produzirem, que sejam praticados outros actos” (204). Por outras palavras, a execução diz respeito à “prática de actos de realização material dos efeitos jurídicos”. Assim, de acordo com este autor – posição que sufragamos -, a suspensão das deliberações deverá ser decretada sempre que a sua execução/materialização implique a criação de um estado de coisas irreversível, um “dano apreciável”, tendo, portanto, em vista, assegurar a tutela jurisdicional efectivados direitos e interesses legítimos dos condóminos (cfr. arts. 6º, nº 1, CEDH e 202º, CRP).
 
Destaca-se também, pela sua pertinência – e por a sua consequência prática ser consonante com a doutrina de Pinto Furtado - a posição intermédia adoptada por Rui Pinto Duarte (205), de acordo com a qual a solução para esta questão implica que se tome em consideração a pretensão a deduzir na acção principal – não fosse a providência cautelar instrumental desta. Deste modo, a providência de suspensão pode acompanhar tanto uma acção de anulação como, de igual modo, uma acção de declaração de nulidade, ineficácia ou inexistência, sendo que, quando acompanhe acção de anulação, poder-se-à entender como seu objecto apenas os efeitos jurídicos da deliberação e, nos restantes casos, dever-se-à atender aos seus efeitos práticos.
 
Pelo exposto, rejeitamos a tese de acordo com a qual deliberações como a de designação do administrador do condomínio não podem ser suspensas por os seus efeitos se esgotarem assim que aquele tome posse do cargo. É que tal deliberação vai sendo executada à medida que o administrador vai exercendo as suas funções e, portanto, “enquanto esse exercício não terminar, é possível – e tem sentido útil – suspender a deliberação” (206)(207). O mesmo se diga, a título exemplificativo, a propósito de deliberações que alterem o título constitutivo ou o regulamento do condomínio, uma vez que as mesmas vão sendo executadas à medida que as novas cláusulas forem sendo aplicadas. 
 
Quanto à primeira questão assinalada – sobre a susceptibilidade de suspender, ou não, deliberações nulas, ineficazes ou inexistentes -, e considerando todo o exposto, haverá de se concluir208que a categorização das deliberações como anulável, nula,ineficaz ou inexistente não assume, para este efeito, qualquer relevância. É que, sendo à execução prática da deliberação que se remete o objecto da providência, só se poderá rejeitar a suspensão quando não haja, efectivamente, mais nada a paralisar, quando o último acto da sua execução material já estiver concluído. 
 
Em conclusão, entendemos que importa aqui fazer uma interpretação extensiva do art. 383º, CPC, chamando ainda a atenção para o correspondente preceito substantivo - nº 5 do art. 1433º - que permite, desde logo, concluir que não era intenção do legislador limitar este procedimento cautelar específico às deliberações anuláveis.

Notas

189. A este propósito, vide nota de rodapé 157.
190. Abílio Neto, op. cit., p. 733.
191. “O alargamento do procedimento (...) aos condóminos (...) (visou) coordenar o CPC com o CC de 1966, que, lembre-se, prevê, desde a sua primeira versão, a possibilidade de (...) anulação e de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos”, Rui Pinto Duartte, “O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (e não só sociais...) e o novo CPCl”, in Direito das Sociedades em Revista, ano 5, vol. 10, semestral, Setembro 2013, p. 22

192. Sandra Passinhas, op. cit., p. 260, nota 646, Vasco da Gama Lobo Xavier, “O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, nº 22, 1975, pp. 57 e 247.
193. Abílio Neto, op. cit., p. 734, Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, pp. 30 e 31 e Pinto, Furtado op. cit., pp. 777. Na jurisprudência, vide ac. TRL de 20/11/2014, este último alargando o procedimento apenas às deliberações nulas.
194. Alexandre Soveral Martins, “Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 63, Abril de 2003. Para este autor, “não se pode recorrer ao procedimento de suspensão de deliberações sociais relativamente a deliberações inexistentes porque aquele procedimento pressupõe uma efectiva deliberação. Para reagir cautelarmente contra uma deliberação inexistente, seria ainda assim possível recorrer a uma providência cautelar não especificada”. No nosso entendimento, aceitar tal argumento implicaria recusar também, por igualdade de fundamentos, o recurso a uma providência cautelar inominada.
195. Sandra Passinhas, op. cit., p. 260, nota 646.
196. Lobo Xavier, “O conteúdo...”, p. 376

197. “A suspensão terá lugar quando a sua execução for susceptível de causar dano apreciável. O que causará o dano será a execução da deliberação, que se quer impedir, e não verdadeiramente os efeitos jurídicos a que tende. E tanto as deliberações anuláveis, como as nulas e as ineficazes podem implicar actos de execução. Seriam então estes actos de execução que se pretenderia(m) evitar com a providência cautelar.” Alexandre Soveral Martins, op. cit.
198. Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 31.
199. Op. cit., p. 735.
200. “O procedimento...”,pp. 28 e 29.
201. Op. cit., na esteira da doutrina de Lobo Xavier.
202. Pinto Furtado, op. cit., pp. 764 e ss

203. Ainda que os argumentos sejam esgrimidos a propósito das deliberações sociais, é possível importá-los para as deliberações das assembleias de condóminos.
204. Pinto Furtado, op. cit., p. 772. Vide, no mesmo sentido, ac. TRL de 04/06/2009.

205. “O procedimento...”, p. 28, defendendo que a noção de “execução” é “plástica”.
206. Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 29.
207. Note-se que, mesmo que se entenda que a suspensão das deliberações das assembleias de condóminos visa paralisar apenas os efeitos jurídicos, a resposta a esta questão é a mesma, na medida em que um administrador do condomínio, após a sua nomeação, pode praticar diversos actos com efeitos jurídicos.

208. A este propósito, Pinto Furtado, op. cit., pp. 775 a 777 

10/03/2023

Legitimidade passiva


4.2.1.3 Legitimidade passiva
 
Quanto à questão de saber quem deve ser demandado numa acção de impugnação de deliberações condominiais (ou no respectivo procedimento cautelar, como veremos) não existe, uma vez mais, consenso na doutrina nem na jurisprudência. Se por um lado há quem entenda que devem ser demandados os condóminos que aprovaram a deliberação em causa, representados pelo administrador (tese que não reconhece personalidade judiciária ao condomínio nas acções de anulação), por outro há quem defenda que o condomínio tem personalidade judiciária nas acções de anulação e, como tal, deve a acção ser instaurada contra o próprio, representado, também aqui, pelo administrador.
 
Por outras palavras, há quem entenda que nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador e quem defenda que a personalidade judiciária do condomínio abrange as acções de anulação das deliberações da assembleia, por considerarem que as mesmas integram o “âmbito dos poderes” do administrador. Esta problemática chama novamente à colação os arts. 12º, e), CPC, 1433º, nº 6 e 1437º, nº 1. 
 
Para os defensores da tese da personalidade judiciária do condomínio nas acções para anulação das deliberações da assembleia de condóminos,(179) é o condomínio que deve ser demandado, representado pelo administrador que deve ser citado nessa qualidade. 
 
Como argumentos aponta-se o facto de ter sido concedida personalidade judiciária ao condomínio com a reforma processual de 1995/96,(180) que se manteve no art. 12º, e), CPC, pelo que deixa de haver razão para demandar os condóminos individualmente; as deliberações exprimirem a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados) ou dos que aprovaram a deliberação;o legislador ter dito, no art. 1433º, nº 6, menos do que queria dizer, devendo ser feita uma interpretação extensiva e ler-se “a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador”; um dos poderes do administrador ser precisamente a representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de anulação das deliberações, pelo que este age em nome e no interesse do condomínio; esta solução evitar uma série de problemas decorrentes da necessidade de demandar os condóminos em litisconsórcio necessário, como o possível elevado número de condóminos e a frequente impossibilidade de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor de tal deliberação.

Por seu turno, a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, com forte apoio jurisprudencial,(181) entende que o condomínio apenas tem personalidade judiciária quando a lei ou a assembleia atribuem ao administrador determinadas competências funcionais, das quais se excluem as acções de impugnação das deliberações condominiais. Assim, para as acções que excedam os limites dos poderes conferidos ao administrador para personalizar o condomínio processualmente é obrigatória a intervenção singular dos condóminos, tal como decorre do art. 1433º, nº 6. Do mesmo preceito legal resulta que aqueles devem ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

Sendo esta última a tese que sufragamos, apresentaremos os argumentos pela doutrina aduzidos.(182) Em primeiro lugar, mesmo tendo elementos para personalizar a propriedade horizontal,(183) o legislador nunca optou por reconhecer personalidade jurídica ao condomínio que, a ser reconhecida, significaria a sua personalidade judiciária (art. 11º, nº 2, CPC). Por outro lado, a já referida reforma processual de 1995/96 relativa ao reconhecimento de personalidade judiciária do condomínio e a manutenção dos seus termos até hoje só vem reforçar a posição do legislador no sentido de limitar a personalidade judiciária do condomínio ao que se encontre no âmbito dos poderes do administrador. 
 
Não existindo um reconhecimento legislativo da generalização das competências do administrador, não faz sentido fazer uma interpretação extensiva do nº 6 do art. 1433º. Com efeito, é verdade que as acções em análise respeitam à formação da vontade da assembleia geral de condóminos, só que nestas votações não entra a vontade do administrador enquanto órgão executivo. 
 
Quanto à jurisprudência,(184) o principal argumento – e também aquele que é, a nosso ver, o mais importante e esclarecedor, tendo sido já mencionado – é o de que o exercício do direito de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos se encontra fora do âmbito demarcado dos arts. 12º, e),CPC e do art. 1437º, por não respeitar directamente ao condomínio a se - ente sem personalidade jurídica própria, e com a limitada personalidade judiciária assinalada -, mas antes aos condóminos entre si, enquanto membros do órgão deliberativo que é a dita assembleia de condóminos. Estamos, assim, no âmbito do nº 6 do art. 1433º, pelo que o autor da acção poderá pedir a citação dos condóminos na pessoa do administrador ou de representante ad hoc.(185)(186)
 
Numa última nota, no que concerne aos condóminos que devem ser demandados, ainda que não exista, também aqui, consenso na jurisprudência, partilhamos novamente do entendimento vertido no ac. STJ de 06/11/2008,(187) quando refere que “só devem ser demandados, na acção de anulação da deliberação, os condóminos que, estando presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação anulanda, votaram a favor da sua aprovação”. Com efeito, são estes os únicos que têm interesse em contradizer e aos quais podem ser imputados quaisquer vícios de que a deliberação eventualmente enferme, porque foi com os seus votos que tal deliberação nasceu.(188)

Poder-se-ia colocar a dúvida relativamente àqueles que, não tendo estado presentes nem representados, vieram a comunicar o seu assentimento ou se silenciaram sobre a sua posição, pois que também eles se consideram favoráveis à deliberação. Porém, a deliberação terá sido aprovada mesmo sem os votos dos condóminos ausentes, pelo que estes não detêm
legitimidade passiva. Outro entendimento não se afigura materialmente possível, já que o condómino ausente, ao dispor de um prazo que pode exceder os 120 dias( cfr. nºs 6 (189) e 7 do art. 1432º) para manifestar a sua concordância ou discordância com a deliberação aprovada em assembleia poderá, na sua resposta (ou falta dela) ultrapassar os 60 dias previstos para propositura da acção de anulação (contados desde a data da deliberação). “Haveria, pois, uma insanável contradição intrassistemática do regime de anulabilidade das deliberações em apreço”.(190)

Notas

179. Vide, a título de exemplo, ac. STJ de 29/05/2007; ac. TRL de 25/06/2009; acs. TRP de 19/11/2009, de 08/09/2014 e de 13/02/2017; ac. TRE de 18/09/2008; acs. TRG de 06/01/2011, de 03/04/2014 e de 30/11/2016. Na doutrina: Aragão Seia, op. cit., pp. 216 e ss., Sandra Passinhas, op. cit., p. 337 e José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2017, p. 41.
180. DL nº 329-A, de 12 de Dezembro, com a redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro

181. Acs. STJ de 02/02/2006, de 29/11/2006, de 24/06/2008, de 06/11/2008 e de 13/07/2017; acs. TRL de 18/10/2006, de 12/02/2009, de 28/04/2009, de 13/07/2010, de 25/01/2011, de 31/03/2011 e de 03/05/2011; acs. TRP de 27/01/2011, de 04/10/2012, de 03/02/2014 e de 24/03/2014; acs. TRE de 17/10/2013 e de 19/05/2016; acs. TRG de 09/03/2017 e de 24/11/2016.
182. Abílio Neto, op. cit., p. 731, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 69, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 280, Menezes Leitão, op. cit., p. 302.
183. Elemento pessoal (condóminos), elemento patrimonial (prédio) e elemento teleológico (o seu aproveitamento) – Pais de Vasconcelos, op. cit., p. 128.
184. A título de exemplo, ac. STJ de 06/11/2008 e ac. TRL de 12/02/2009.

185. A designação de representante especial é bastante comum, uma vez que a assembleia, antes de deliberar, prevê a possibilidade de impugnação das suas deliberações. Além disso, caso o administrador seja o autor da acção - o que, como referimos supra, entendemos só poder acontecer quando este seja também condómino -,deixa de ser possível a sua citação como representante dos réus,daí que seja de todo o interesse a designação de representante especial, pois que, não existindo esta pessoa, então o autor terá de citar individualmente todos os réus.
186. “Destina-se essa representação, permitida por lei, a facilitar o desenvolvimento da acção e a evitar a intervenção efectiva de todos, o que significa que o autor poderá requerer a citação de todos os réus apenas na pessoa do administrador ou do representante especial, se o houver” –a c. TRG de 24/11/2016. No mesmo sentido,vide ac. STJ de20/09/2007.
187. Com o mesmo entendimento, ac. TRP de 27/01/2011.
188. Em sentido contrário, ac. STJ de 22/09/2016.

189. A este propósito, vide nota de rodapé 157.
190. Abílio Neto, op. cit., p. 733.
 

9/29/2023

Legitimidade activa para impugnar


4.2.1.2 Legitimidade activa para impugnar
 
O art. 1433º, nº 1 prevê que os titulares do direito à anulação das deliberações da assembleia são os condóminos que as não tenham aprovado.(171) O condómino estará então habilitado para propor uma acção de anulação quando não tenha votado a favor da deliberação, bastando, para tal, a mera discordância, abstenção ou inexistência de aprovação por ausência/falta de representação na assembleia.
 
Perante esta opção legislativa, verifica-se que não existe uma exigência quanto à relevância que a fracção autónoma do condómino assume no valor total do prédio, antes permitindo que qualquer condómino recorra a juízo para obter a anulação das deliberações, independentemente de os restantes condóminos habilitados para o efeito a quererem ou não. No plano processual, não se exige, portanto, qualquer forma de legitimidade plural, seja por litisconsórcio, seja por coligação.(172) 
 
Ainda no âmbito da legitimidade activa, discute-se se o próprio administrador deverá ter legitimidade para propor acções de anulação. A defesa de tal legitimidade tem, porém, uma elevada oposição doutrinária.(173)  Para os defensores de uma interpretação restritiva deste preceito legal, o legislador atribuiu legitimidade apenas ao condómino que não tenha aprovado a deliberação. Deste modo, o administrador, sendo uma pessoa estranha ao condomínio,(174) não deve ter legitimidade para impugnar as deliberações tomadas na assembleia, mesmo que se trate de uma ilegalidade evidente. 
 
Entendem, portanto, que se trata de uma questão entre condóminos, neles radicando a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação. De resto, se os próprios sujeitos cujas esferas jurídicas são afectadas se conformam com a existência de deliberações viciadas – contando, naturalmente, que lhes seja dado conhecimento de tais deliberações e do modo como foram aprovadas -, o administrador não tem qualquer direito a propor, ele próprio, acção de anulação das mesmas. 
 
Acresce que, como vimos supra, o administrador é um mero executor das deliberações da assembleia, sujeito à fiscalização da assembleia - e não o contrário. Note-se ainda que, por forçado art. 30º, CPC, relativo à legitimidade para a propositura de acções de anulação, sempre haveria de se concluir que o administrador, regra geral, não tem “interesse directo em demandar”, expresso pela “utilidade derivada da procedência da acção”

Dúvidas poderão surgir quando atentamos ao teor do nº 1 do art. 1437º, designadamente quando este refere que “o administrador tem legitimidade para agir em juízo (...) na execução das funções que lhe pertencem”, colocando-se a questão de saber se a propositura de uma acção de anulação de deliberação da assembleia aqui se integra.
 
Ainda que a sua redacção possa suscitar alguma confusão, entendemos que este preceito deve ser lido em conjugação com os arts. 12º, e) e 26º, CPC. Senão vejamos. O art. 12º, e) atribui personalidade judiciária ao condomínio nas acções que se insiram no âmbito dos poderes do administrador. Ora, nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade processual ou judiciária. No caso do condomínio, não lhe sendo reconhecida capacidade judiciária, é necessário que o exercício dos seus direitos processuais fique a cargo de um terceiro que, adquirindo essa capacidade, possa agir judicialmente em representação e no interesse daquele.
 
Nesse seguimento, o art. 1437º, nº 1 não diz respeito à legitimidade enquanto pressuposto processual, aferido com base no art. 30º, CPC, porquanto este pressuposto só em concreto pode ser determinado. O referido preceito legal vem sim suprir a falta de capacidade judiciária do condomínio, reconhecendo personalidade formal, ou seja, capacidade judiciária ou processual ao administrador, enquanto qualidade pessoal, requisito abstracta ou genericamente exigido para que a pessoa possa estar em juízo ou actuar autonomamente em relação à generalidade ou a determinadas acções.(175)
 
A capacidade judiciária, ou legitimatio ad processum, do administrador não se confunde, portanto, com a questão da legitimidade processual, ad causam (que pressupõe personalidade e capacidade judiciárias), consistindo esta última numa posição da parte perante determinada acção, posição essa que só o juiz - e não o legislador - pode apreciar, consoante o caso concreto.(176)

Por todo o exposto, partilhamos da opinião do ac. STJ de 06/11/2008 quando defende que o problema da legitimidade do administrador para agir em juízo nem tão-pouco se coloca, uma vez que este, ao abrigo do nº 1 do art. 1437º, age enquanto órgão executivo do condomínio e, por isso, em representação (177) desteque é, afinal, parte no processo (art. 12º, e), CPC).
 
Relativamente às acções de anulação de deliberações em específico, importa concluir que, por um lado, o administrador não pode, ao abrigo do nº 1 do art. 1437º, intervir a título pessoal, i.e., sem a presença do condomínio em juízo (178) e, por outro, que existe um preceito específico que determina quem são os únicos legitimados para as propor: o já referido nº 1 do art. 1433º. Escusado será referir que os condóminos têm, em si, personalidade jurídica e, portanto, judiciária (art. 11º, nº 2, CPC), pelo que serão eles próprios a estar em juízo. Resta agora saber contra quem deverão propor tais acções

Notas

171. Como referimos supra (cfr. nota de rodapé 134), as acções que tenham por fundamento vícios geradores de nulidade, ineficácia ou inexistência seguem o regime geral. Porém, no que à legitimidade activa diz respeito, é necessária a afirmação da qualidade de condómino.
172. Havendo mais que um condómino legitimado com pretensão de propor acção de anulação, é possível que a mesma seja proposta em litisconsórcio voluntário (art. 32º, CPC).

173. A favor: Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit.,p. 449 Armando Guerra, Da Propriedade Horizontal e da Propriedade Superficiária, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1964, p. 168 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 329. Contra: Rui Vieira Miller, op. cit., p. 281, Francisco Rodrigues Pardal / Manuel Baptista Dias da Fonseca, op.cit., p. 287, Rosendo Dias José, op. cit., p. 117 e Abílio Neto, op. cit., p. 278.
174. Tal questão não se coloca, evidentemente, quando o administrador seja também condómino

175. Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., pp. 455 e 456, Sandra Passinhas, op. cit., p. 329 e Aragão Seia, op. cit., p. 204.
176. A este propósito, Antunes Varela / J. Miguel bezerra / Sampaio Nora e, Manual de Processo Civil, reimpressão da 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 130 e 131

177. Note-se que “a propositura de acção inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, nos termos previstos no art. 27º/1 do CPC, sem que daí derive qualquer modificação subjectiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa»”. Gonçalo Vieira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, in Revista JULGAR, n.º23, Coimbra Editora, 2014, p. 65.
178. Vide, neste sentido, ac. TRL de 12/02/2009.

9/28/2023

Via judicial - Acção de anulação


4.2 Via judicial

4.2.1 Acção de anulação
 
Perante deliberações que padeçam de irregularidades, a acção de anulação consiste no procedimento mais comum, apresentando especialidades relativamente ao regime geral da anulabilidade de actos ou negócios jurídicos, previsto nos arts. 286º e ss do CC.(151)
 
Com efeito, o nº 4 do art. 1433º prevê um prazo mais curto, pelo que, caso se tenha lançado mão da faculdade de convocação de assembleia extraordinária - e pressupondo que se deliberou manter a deliberação primitiva tida por irregular -, o prazo é de 20 dias contados da deliberação que daí resulte. 
 
Não tendo sido convocada ou solicitada assembleia extraordinária, o prazo é de 60 dias sobre a data da deliberação, prazo este cuja contagem suscita alguma questões que tentaremos resolver infra.(152)
 
Relativamente à natureza destes prazos, apesar de ser certo que se tratam de prazos de caducidade de natureza substantiva,(153) sujeitos às regras dos arts. 328º e ss. do CC, há quem defenda (154) estarmos perante prazos que não podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal, por se tratarem de direitos disponíveis dos condóminos (art. 303º ex vi 333º, nº 2), e quem entenda (155) que os mesmos prazos são de conhecimento oficioso (art. 333º, nº 1).
 
No nosso entendimento, estamos perante prazos de caducidade que têm de ser invocados perante o tribunal, só assim produzindo os devidos efeitos (de extinção do respectivo direito), isto porque o direito de impugnar uma determinada deliberação é um direito disponível e, por isso, o seu titular é livre de exercê-lo ou não, tal como a parte contrária é livre de opor ou não a extemporaneidade daquele exercício.
 
Deste modo, nunca o tribunal poderá conhecer da excepção de caducidade quando esta não seja invocada. 
 
Por fim, note-se que, por força da aplicação analógica do art. 179º, a anulação das deliberações não prejudica direito que terceiro de boa fé adquira em execução das deliberações anuladas.(156)

Notas

151. Não nos debruçaremos sobre as acções de mera declaração de nulidade, ineficácia e inexistência, por entendermos que tal não se justifica, atendendo não só a tudo o que foi dito supra sobre os respectivos vícios, como ao facto de estas seguirem – salvo quanto à legitimidade - o regime geral
152. “Limita(-se), assim, de forma relevante a possibilidade de se fazer valer o direito, em nome da estabilidade da relação jurídica, em casos em que se entende que cabe ao interessado avaliar rapidamente se pretende ou não a manutenção do contrato.” Jorge Carvalho Morais, op. cit., p. 201.
153. Vide acs. TRE de 12/07/2018 e do TRL de 20/03/2013, ensinando este último que: “Os prazos substantivos (...) respeitam ao período de tempo exigido para o exercício de direitos materiais e são-lhes «aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição» (art. 298º, nº 2, do CC), tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência de extinção do respectivo direito.”
154. Abílio Neto, op. cit., p. 724, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 283, Sandra Passinhas, op. cit., p. 259, e ac. TRP de 30/06/2014, ainda que este último sobre o prazo previsto no nº 1 do art. 380º, CPC.
155. João Vasconcelos Raposo, op. cit.., p. 68

156. Sandra Passinhas, op. cit., p. 260 e ac. TRL de 17/12/2015.

9/27/2023

A importância da comunicação das deliberações


4.2.1.1 A importância da comunicação das deliberações 
 
Sendo a comunicação das deliberações aos condóminos ausentes uma obrigação (art. 1432º, nº 6),(157) existem duas grandes correntes doutrinais e jurisprudenciais sobre a contagem dos prazos para o exercício dos direitos conferidos pelo CC, na medida em que há quem entenda que a comunicação das deliberações é instrumental do exercício do direito de impugnação e, por outro lado, quem considere que a comunicação da deliberação aos condóminos tem como objectivo único dar-lhes conhecimento da deliberação, para que estes possam dar o seu assentimento ou discordância,não colocando em causa o exercício do direito de anulação.
 
A título exemplificativo, no ac. TRL de 20/03/2013 defende-seque o início da contagem do prazo se faz a partir da data da deliberação impugnada, independentemente de se tratar de condómino presente ou ausente na reunião.Entendeu aquele tribunal que “os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava”. Defende-se naquela decisão que “é esta a tese que melhor se coaduna com uma interpretação histórico-actualista, sistemática e teleológica (racional), onde se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. 
 
Por outro lado, os defensores da instrumentalidade da comunicação em relação ao direito de impugnação entendem que a contagem de tal prazo relativamente aos condóminos faltosos só se inicia com a comunicação da deliberação impugnada.(158) Para eles, ao serem concedidas as faculdades de convocação de assembleia extraordinária, de sujeição da deliberação a um centro de arbitragem e de  propositura de acção de anulação da deliberação, e porque para as duas primeiras hipóteses o prazo se conta desde a deliberação para os condóminos presentes e desde a data da sua comunicação para os ausentes, não se vislumbram motivos para que a solução seja diferente na terceira faculdade. Além disso, entendem os defensores da instrumentalidade que o nº 6 do art. 1432º se aplica genericamente às deliberações das assembleias de condóminos e que outra solução poderia impedir o condómino ausente de saber qual a deliberação tomada e de a impugnar, bastando para isso que o administrador nunca lhe comunicasse a deliberação ou lha comunicasse expirados os 60 dias do prazo para a acção de anulação.

Ainda para os defensores da instrumentalidade da comunicação, a possibilidade de se instaurar uma acção de anulação relativa à deliberação que resulte da assembleia extraordinária – que designaremos “posterior” – significa fazer renascer o direito caducado, porquanto, na realidade, o objecto da cação de anulação é a deliberação primitiva e não a “posterior”. Para estes autores, não poderá ter sido este o pensamento do legislador.
 
Ora, como visto supra,(159) na anterior redacção do art. 1433º não existiam quaisquer dúvidas de que o prazo para os condóminos ausentes se contava da comunicação da deliberação (§1.º). Fazendo uma interpretação literal, facilmente se conclui que o actual e correspondente nº 6 não faz qualquer referência a essa comunicação como marcando o início da contagem do prazo. De facto, a lei estabelece que o início do prazo para o condómino ausente requerer a assembleia extraordinária ou a intervenção do centro de arbitragem se dá com a comunicação que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do art. 1432º. “Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias”.(160) Aliás, a expressa previsão de comunicação prevista no nº 2 do art. 1433º vem reforçar ainda mais o entendimento de acordo com o qual o prazo de caducidade em causa começa na data da deliberação, porquanto daquela previsão resulta que não houve qualquer omissão legislativa no nº 4.(161)
 
Acresce que “o legislador de 1994 foi tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da PH, através do referido DL 267/94, que só podemos entender como sendo querida expressamente esta diferença de regime”. Como é sabido, apesar de a interpretação da lei não dever ser meramente literal (art. 9º, nº 1), o intérprete não pode ter em consideração pensamentos legislativos que não tenham a mínima correspondência com a letra da lei, ainda que, por vezes, imperfeitamente expressos. Por isso, haverá de se presumir que o legislador consagrou as soluções mais correctas e soube exprimir o seu pensamento (nºs 2 e 3 do mesmo preceito). Assim, rapidamente se conclui que “a intenção do legislador foi fundamentalmente, de privilegiar os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para-judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº1 do art. 1433º”.
 
Por outro lado, do ponto de vista constitucional importa referir que, uma vez assegurados os direitos dos condóminos através das várias vias de impugnação, o legislador cumpriu o princípio de acesso ao Direito e aos tribunais, vertido no art. 20º, CRP. Além disso, constitui também argumento o facto de a efectiva tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos condóminos nas suas relações entre si ou com o condomínio ser distinta da que é atribuída aos cidadãos nas suas relações com a administração pública. Por isso, é do interesse dos condóminos estarem presentes nas assembleias para as quais sejam convocados, por si ou representados, pelo que podemos  depreender que o legislador, valorizando essa liberdade individual, colocou naqueles o ónus de diligenciarem no sentido de se informarem sobre se teve ou não lugar uma assembleia de condóminos e sobre o teor das deliberações que daquela resultem.(162)
 
Sem prejuízo do disposto, é evidente que “tal dever de zelo não pode ir ao ponto de o(s) obrigar a contactar todas as semanas o administrador para saber se está agendada alguma assembleia, não esquecendo as situações certamente raras mas possíveis, de assembleias cuja realização é intencionalmente e de má fé não comunicada a um condómino”.(163) Importa, assim, referir que entendemos que esta tese só fará sentido se tiver na base o pressuposto de que todos os condóminos foram regularmente convocados (ou, pelo menos, os que vieram a faltar à primeira assembleia), porquanto não fará sentido exigir que os condóminos faltosos se informem sobre a assembleia e respectivas deliberações se não lhes foi dada, sequer, a possibilidade de saber que tal assembleia teve lugar.(164)
 
Caso o condómino ausente só tenha efectivo conhecimento da deliberação através da comunicação prevista no nº 6 do art. 1432º, mesmo que já tenham decorrido os 60 dias e, por isso, já não possa intentar a acção anulatória dessa deliberação em concreto, terá sempre a possibilidade de recorrer, com respeito pelos respectivos prazos legais, às faculdades que lhe são concedidas nos nºs 2 e 3.(165) Além daquelas vias, lançando mão da assembleia extraordinária, o condómino poderá ainda instaurar uma acção de anulação da já referida deliberação “posterior”, no prazo de 20 dias, pelo que não se poderá nunca afirmar que o direito de anulação se perde definitivamente com o decurso do prazo para intentar acção relativa à primeira deliberação.(166) É este o entendimento defendido pela maioria da jurisprudência,(167) por parte da doutrina (168) e é também o nosso entendimento.
 
Quanto ao argumento de que “o direito caducado renasce”, consideramos que nunca deverá proceder, já que o legislador faz uma clara distinção entre o direito de instaurar uma acção de anulação de uma deliberação primitiva e o mesmo direito em relação a uma deliberação que resulte de uma assembleia extraordinária, fazendo-o com base na diferenciação dos prazos que estabelece para as mesmas. É que o objecto da acção de anulação é a deliberação “posterior”que confirmou a primitiva e não esta última. Não se coloca em causa que o decurso dos 60 dias implica a caducidade do direito de anulação da primitiva deliberação e que este prazo jamais poderá renascer. Mas há,  efectivamente, algo que nasce com a assembleia extraordinária: um novo direito do condómino legitimado que consiste em pedir a anulação da deliberação que dali resulte, no prazo de 20 dias.(169) 
 
Curiosa é ainda a posição de Abílio Neto,(170) ao admitir que o prazo para a acção de anulação se inicia na data da primeira assembleia, mas entendendo que a possibilidade de o condómino pedir a anulação da “deliberação confirmatória” significa, na realidade, instaurar uma acção cujo objecto é, única e exclusivamente, a deliberação inicial. Para este autor, a solução passa então por o condómino ausente dispensar a realização de assembleia extraordinária, optando directamente pelo recurso à via judicial, respeitando-se assim o prazo de 60 dias previsto no nº 4 do art. 1433º. 
 
Sobre tal consideração, e uma vez que a justificação social do art. 1433º é, como já referimos, privilegiar as vias não judiciais, cabe-nos apenas dizer que a mesma não merece o nosso acolhimento, na medida em que o autor tenta resolver a questão através de uma solução que vai contra a ratio legis da norma em apreço. Em síntese, entendemos que o condómino faltoso - regularmente convocado - deverá agir de acordo com o critério do bom pai de família, sendo interessado e diligente no sentido de acompanhar as assembleias e as deliberações que daquelas resultem. A mesma diligência é de exigir relativamente à possibilidade de a assembleia reunir em segunda convocação. Assim, caso pretenda a anulação das deliberações dali decorrentes, deverá agir tempestivamente, sem aguardar pela comunicação das mesmas. Por outro lado, caso não tenha, efectivamente, conhecimento de nenhuma deliberação, sempre poderá dispor da possibilidade de pedir a convocação de uma assembleia extraordinária após a comunicação da deliberação primitiva,bem como a sua apreciação judicial - ainda que indirecta -, nos termos explanados supra.
 
Ao iniciarmos este capítulo com considerações sobre a importância da segurança e da estabilidade das deliberações e da produção dos seus efeitos, revelámos desde logo qual seria a nossa tendência. Entendemos que a administração deve poder tomar medidas adequadas à implementação das deliberações aprovadas em sede de assembleia num curto espaço de tempo e que só assim é possível equilibrar o princípio do acesso ao direito com os princípios da eficácia e da segurança jurídica. Uma tese oposta, no sentido de considerar que o prazo de caducidade de 60 dias (mesmo quando todos os condóminos foram regularmente convocados) só se inicia após a comunicação da deliberação resultará, no nosso entender, numa situação - que cremos não ser a pretendida pelo legislador – de inércia e de negligência que, por sua vez, conduzirão à insegurança e à paralisação da vida condominial.

Notas

157. A maioria da doutrina tem defendido que, a propósito da convocatória para a assembleia de condóminos, o período de 10 dias previsto no nº 1 do art. 1432º se inicia na data de expedição da carta. O mesmo entendimento deverá ter lugar relativamente à data em que se considera feita a comunicação por carta registada enviada para efeitos do nº 6 do art. 1432º (cfr. Aragão Seia, op. cit., p. 171, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 3.ª ed. revista e aumentada, Princípia, Cascais, 2013, p. 131, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª ed. actualizada e revista, Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 394, Menezes Leitão, op. cit., p. 332 e João Vasconcelos, Raposo op. cit.,p. 15)
158. Ac. do STJ, de 21/01/2003 e na opinião de autores como Aragão Seia, op. cit., p. 86, Sandra Passinhas, op. cit., pp. 249 e 250, nota 626 e Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 448
159. Cfr. nota de rodapé 130.
160. Ac. TRL de 20/03/2013.
161. Ac. TRL de 22/11/2012

162. Ac. TRL de 22/11/2012
163. Ac. TRP de 10/10/2006 e João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 68 e Abílio Neto, op. cit., p. 726, acrescentando ambos os autores que “parece certamente insustentável estabelecer que um condómino ausente e não convocado (...), eventualmente nem sequer residente no condomínio ou em período de ausência prolongada, tem o dever de se informar do teor das deliberações de uma assembleia de condóminos extraordinária cuja realização desconhece em absoluto”.
164. Tal argumento deixa de ser invocável quando se trate de assembleia ordinária, uma vez que, nos termos do art. 1431º/1, esta terá lugar na primeira quinzena de Janeiro de cada ano (ou, quando assim não seja, a data da mesma constará do título constitutivo do condomínio – cfr. nota de rodapé 10), pelo que todos os condóminos têm o dever de saber que naquele período se realiza a assembleia e “o correspectivo ónus de se informar(em) das deliberações, sob pena de não poder(em) requerer a sua anulação”. Vide, neste sentido, João Vasconcelos, Raposo ibidem.
165. De acordo com o ac. n.º 482/2010 do TC de 09/12/2010, publicado no DR nº 18/2011, Série II, de 26 de Janeiro de 2011, fls. 5184 a 5186: “O prazo de 60 dias – em face dos termos da estatuição do nº 4 e da sua inequívoca adstrição ao direito nele previsto – não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no nº 2 ou nº 3 do art. 1433º, dentro dos respectivos prazos.”

166. A este propósito se pronuncia também o referido acórdão do TC, defendendo que o decurso do prazo de 60 dias previsto no nº 4 do art. 1433.º “nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta (...) é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (art. 26º, nº2, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto)”.
167. Além da jurisprudência já citada neste sentido, vide também acs. do STJ de 11/01/2000, de 03/10/2002 e de 17/03/2005; acs. do TRL de 25/11/2008 e de 28/04/2009; acs do TRP de 03/07/2012, de 27/09/2012, de 23/02/2015 e de 04/12/2017 e ac. do TRC de 06/12/2016.
168. Rui Vieira Miller, op. cit., p. 272 e João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 68.
169. Tal deliberação terá de ter, evidentemente, carácter confirmatório, pois sendo revogatória deixa de existir fundamento para a intervenção judicial. Neste sentido, ac. do STJ de 17 /03/2005.
170. Op. cit., p. 724