Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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16 junho 2025

ACTRP 10-1-13: Dividas presentes e futuras


Tribunal: TRP
Processo: 7855/11.1TBMAI.P1
Relatora: Teresa Santos
Sessão: 10 Janeiro 2013

Descritores:
  • Título executivo
  • Execução
  • Coligação passiva
  • Propriedade horizontal
Sumário:

I - As actas das reuniões das assembleias de condóminos constituem títulos executivos quando deliberem sobre o montante de contribuições devidas ao condomínio, já apuradas ou futuras, desde que sejam certas, líquidas e exigíveis.
II - O condomínio pode demandar, na mesma execução, vários condóminos que se encontrem em incumprimento.

Texto integral: vide aqui

12 junho 2025

Substituição porta edifício


Tribunal: Tribunal Relação Guimarães
Processo nº: 3389/19.4T8BRG.G1
Relator: Anizabel Pereira
Data: 17/12/2020

Descritores:
  • Propriedade Horizontal
  • Poderes do administrador
Sumário:

- A iniciativa de substituir a porta de acesso a uma parte comum do edifício é uma decisão que cabe no âmbito das competências e funções atribuídas à administração do condomínio, não carecendo para o efeito de ser previamente autorizada ou deliberada pela assembleia.

- Tratando-se de um ato de administração ordinária do administrador do condomínio, não é relevante ponderar se se tratou de obra urgente ou necessária, critérios para aferir da intervenção de um condómino não administrador.

Texto completo: Vide aqui

09 junho 2025

ACTC 19/01/99: Fim da fracção

Tribunal: TC
Acórdão: Nº 44/99
Processo: 682/97
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Data: 19/01/1999

I - RELATÓRIO

1. M... e mulher C... foram condenados, por decisão de 25 de Março de 1996, do 8º Juízo Cível da Comarca do Porto, a afectarem exclusivamente a "armazém-comércio" a fracção designada pelas letras "CA" do prédio sito na Rua da Alegria, nºs 962/972 e Rua Amélia de Sousa, nº 140, da freguesia do Bonfim, concelho do Porto, abstendo-se de a utilizarem na actividade de confecção de vestuário de cabedal como vinham fazendo.

Inconformados, recorreram dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

Nas suas alegações, suscitaram, desde logo, a questão da inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, nos termos seguintes:

5 - Sendo o direito à propriedade privada um direito de natureza análoga aos direitos previstos no Título II da C.R.P., aplica-se-lhe igualmente o regime dos direitos liberdades e garantias.
6 - Ora, mesmo admitindo que o disposto naquele preceito do Código Civil, constitui uma restrição expressamente prevista na Constituição, a mesma deve limitar-se ao necessário para salva-guardar outros direitos ou interesses constitu-cionalmente protegidos.
7 - Tratando-se de um prédio em regime de propriedade horizontal, e destinando-se as fracções autónomas dos Recorridos a habitação, é óbvio que tal disposição do Código Civil se destinará a garantir, no caso concreto, o direito à habitação.
[...]
14 - Ora, só terá sentido uma qualquer restrição ao direito de propriedade privada, nomeadamente ao seu componente liberdade de uso e função, que vise salvaguardar um outro direito constitucionalmente previsto.
15 - Todavia, da factualidade descrita constata-se que a restrição não atende nem em abstracto nem em concreto a essa salvaguarda, ou seja, tal restrição é absoluta, quer vise, quer não, proteger direitos ou interesses de terceiros.
16 - Nessa medida é inconstitucional a disposição do artigo 1422º, nº 2, alínea c) do Código Civil.

2. Por acórdão de 2 de Outubro de 1997, a Relação do Porto julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, entendeu-se nesse aresto:

(...) o direito de propriedade privada é consagrado no plano constitucional como direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias do cidadão e como direito institucional de propriedade.

Não se trata, porém, de um direito absoluto, pois ele é garantido nos termos da Constituição, permitindo-se assim que o legislador modele o seu conteúdo e limites (v. art. 168º, nº 1, als. b) e j) da CRP).
(...)
O conteúdo do direito de propriedade, conforme decorre do disposto no art. 1305º do C. Civil, consiste no poder que o proprietário tem de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem.

Mas este poder comporta limites.

Na verdade, na própria descrição do conteúdo feita no art. 1305º referida, na segunda parte, refere-se expressamente que esse poder apenas existe dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas.
(...)
No caso da restrição imposta pela al. c) do nº 2 do art. 1422º do CC, ela radica, prevalentemente, em razões de interesses de ordem pública respeitantes à organização da propriedade, embora vise também a protecção de interesses particulares dos restantes condóminos
(...)
O fim da fracção tem a ver especialmente com o projecto aprovado pela entidade pública, em conformidade com o disposto nos art.s 3º, 6º, 8º e 165º do RGEU e não depende do arbítrio do instituidor da propriedade horizontal.

Na verdade, as condições de segurança, higiene, de compartimentação e áreas mínimas, etc., variam de forma significativa consoante o destino previsto para as diversas fracções de um prédio.
(...)
Sendo assim, assente o destino a que uma fracção de um prédio em propriedade horizontal está adstrito, não faz parte do conteúdo essencial do direito de propriedade de qualquer condómino dar-lhe outro destino.

O estabelecimento da limitação referida na al. c) do nº 2 do art. 1422º do CC não pode, pois, diminuir aquele conteúdo essencial.

E não contraria, também, o princípio da proporcionalidade estabelecido na última parte do nº 2 do art. 18º da CRP.

Este princípio, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, significa que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida) - Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., p. 617.

Ora a mencionada necessidade de na propriedade horizontal se conciliar os interesses de todos ou de proteger o interesse público torna a limitação em causa adequada, necessária e proporcional.

O estabelecimento da limitação em causa também não viola, obviamente, o princípio da igualdade estabelecido no art. 13º da CRP, na medida em que trata por igual o que é igual e desigual o que é desigual, não criando qualquer privilégio ou discriminação.

Finalmente e ao contrário do que pretendem os apelantes, a limitação referida reveste carácter geral e abstracto - art. 18º, nº 3 da CRP.

3. Novamente inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, «nos termos da alínea b) do artº 70º da Lei nº 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da norma prevista na alínea c) do nº 2 do artº 1422º do Código Civil, por violação do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa».

4. Admitido o recurso, e distribuídos os autos, os recorrentes apresentaram alegações neste Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões:

I - A norma do artigo 1422º, nº 2, alínea c) do Código Civil contém uma restrição ao direito da propriedade consignado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

II - Tal restrição, pela sua forma genérica, pode ser aplicada quer para salvaguardar, quer não, outros direitos igualmente com assento e protecção constitucional.

III - No caso concreto não se apurou que de tal restrição resulte tal salvaguarda, nomeadamente do direito de habitação dos Recorridos.

IV - Assim, e nessa medida deve ser declarada inconstitucional aquela norma do Código Civil, salvo se da sua aplicação resultar a salvaguarda de outro direito constitucional, por violação do disposto no artigo 62º da C.R.P.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTOS

5. A norma em questão é do seguinte teor:

1 - Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto ás fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2 - É especialmente vedado aos condóminos:

[...]

c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada.

Os recorrentes pretendem que esta restrição ou limitação ao direito de propriedade, constante da transcrita alínea c) daquele nº 2, pelo menos na medida em que da sua aplicação não «resultar a salvaguarda de outro direito constitucional», viola o direito à propriedade constitucionalmente garantido pelo artigo 62º, nº 1 da Constituição.

6. Ora, o artigo 62º, nº 1, da Constituição, não consagra uma garantia ilimitada da propriedade privada. Como os próprios recorrentes reconhecem, aquele direito constitucionalmente consagrado não o é em termos absolutos ou ilimitados, antes «dentro dos limites e nos termos previstos e definidos noutros lugares da Constituição» (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1992, pág. 332).

A este propósito, escreveu-se no Acórdão nº 866/96 (Diário da República, I Série –A, de 18 de Dezembro de 1996):

Não definindo o texto constitucional o que deva entender-se por direito de propriedade, nem sempre têm sido pacíficas as conclusões atingidas pelos seus intérpretes a propósito da dimensão e contornos daquele conceito, sendo, porém, seguro que a velha concepção clássica da propriedade, o jus fruendi ac abutendi individualista e liberal, foi, nomeadamente nas últimas décadas deste século, cedendo o passo a uma concepção nova daquele direito, em que avulta a sua função social.

Como quer que seja, o direito de propriedade constitucionalmente consagrado não beneficia de uma garantia em termos absolutos, havendo de conter-se dentro dos limites e nos termos definidos noutros lugares do texto constitucional, [...]

Por fim, cabe citar J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 332 - 333:

Teoricamente, o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de adquirir bens; (b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles. Aparentemente, só o segundo aspecto não está contemplado de forma explícita neste preceito constitucional.

Revestindo o direito de propriedade, em vários dos seus componentes, uma natureza negativa ou de defesa, ele possui natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias», compartilhando por isso do respectivo regime específico (cfr. art. 17º), isto na medida em que ele é garantido pela Constituição. A este propósito interessa ter em conta, não apenas os limites explícitos (sobretudo em matéria de propriedade de meios de produção) mas também os limites imanentes, decorrentes implicitamente de outras normas e princípios constitucionais, que vão desde os princípios gerais da constituição económica e financeira (entre os quais as obrigações fiscais: art. 106º), até aos direitos sociais (defesa do ambiente, do património cultural, etc.).

[...]

De uma forma geral, o próprio projecto económico, social e político da Constituição implica um estreitamento do âmbito dos poderes tradicionalmente associados à propriedade privada e a admissão de restrições (quer a favor do Estado e da colectividade, quer a favor de terceiros) das liberdades de uso, fruição e disposição.

[...]

A Constituição não menciona expressamente, entre os componentes do direito de propriedade, a liberdade de uso e fruição. Todavia, mesmo que se entenda que ele integra naturalmente o direito de propriedade, fácil é verificar que são grandes os limites constitucionais, especialmente em matéria de meios de produção – que vão desde o dever de uso (art. 89º) até ao seu condicionamento (cfr. especialmente o art. 96º-2) -, podendo a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciada nos princípios gerais da Constituição, particularmente nos da Constituição económica.

Limites particularmente intensos a este aspecto do direito de propriedade são os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir – jus œdificandi – ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção).

7. A propriedade horizontal é hoje regulada pelas disposições constantes dos artigos 1414º a 1438º-A, do Código Civil, na redacção e com as alterações constantes do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, e ainda pelas disposições do Decreto-Lei nº 268/94, da mesma data. A propriedade horizontal é uma forma especial de propriedade, definida nos termos do artigo 1420º do Código Civil:

1 - Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

2 - O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.

Por sua vez, o artigo 1418º determina ainda que o título constitutivo da propriedade horizontal deverá especificar as partes «correspondentes às várias fracções», contendo, nomeadamente, «menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum».

Os condóminos encontram-se, portanto, sujeitos às restrições e limitações ao exercício do direito de propriedade normal e legalmente impostas em termos gerais.

Mas, para além dessas restrições e limitações, e em virtude da própria natureza da propriedade horizontal, outras lhes são impostas, ditadas, antes de mais, pela relação de proximidade ou comunhão em que vivem os condóminos. É, nomeadamente, o que se passa com a al. c), acima reproduzida, do nº 2 daquele artigo 1422º, norma cuja inconstitucionalidade vem suscitada pelos recorrentes.

Mas esta proibição de afectação da fracção a fim diverso do que lhe é destinado não radica apenas nessas relações de proximidade e comunhão, características da propriedade horizontal, mas também em razões de ordem pública. Como é, aliás, do conhecimento comum, as características técnicas dos edifícios, designadamente do ponto de vista arquitectónico, em aspectos de construção e de segurança, como os da área ou da higiene, variam consoante a respectiva utilização, que se encontra, aliás, sujeita a verificação e licenciamento pela Câmara Municipal competente, a qual certifica assim que foram observadas as regras e especificidades técnicas inerentes a essa utilização. E o mesmo se diga relativamente à adequação do destino das edificações à política urbanística, sabido como é que a própria vida social nos centros urbanos em muito depende de uma harmoniosa distribuição da localização dos edifícios destinados à habitação ou a outros fins, sendo certo que ao Estado incumbe aprovar legislação sobre ordenamento do território e urbanismo, de modo a assegurar «uma correcta localização das actividades» (cfr. artigo 65º, nº 4, e artigo 66º, nº 2, alínea b), da CRP).

8. Este aspecto foi, de resto, devidamente focado pela decisão recorrida quando aí se afirmou:

O fim da fracção tem a ver especialmente com o projecto aprovado pela entidade pública, em conformidade com o disposto nos art.s 3º, 6º, 8º e 165º do RGEU e não depende do arbítrio do instituidor da propriedade horizontal.

Na verdade, as condições de segurança, higiene, de compartimentação e áreas mínimas, etc., variam de forma significativa consoante o destino previsto para as diversas fracções de um prédio.

Com efeito, no âmbito das construções e edificações urbanas, as câmaras detêm funções de regulamentação, fiscalização e licenciamento das mesmas, tendo, nomeadamente, em conta os interesses públicos de segurança e salubridade. Assim, o RGEU (Decreto nº 38.382, de 7 de Agosto de 1951, com as alterações posteriores) comete às câmaras, para além de uma função de licenciamento (artigo 2º) das obras e trabalhos «de construção civil, a reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes, (...)» (artigo 1º), também uma função de licenciamento da «utilização de qualquer edificação nova, reconstruída, ampliada ou alterada» - artigo 8º -, sendo tal licenciamento actualmente regulamentado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro. Este dispõe, no seu artigo 1º, nº 1, alínea b), que estão sujeitas a licenciamento municipal «a utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas, bem como as respectivas alterações».

Este Regulamento, cuja execução compete às câmaras, visa claramente interesses públicos e colectivos, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, relacionados com «as condições de salubridade, estética e segurança das edificações», e «impondo respeito pela vida e haveres da população e pelas condições estéticas do ambiente local», e procurando «dar aos núcleos urbanos e rurais um desenvolvimento correcto, harmonioso e progressivo» (cfr. preâmbulo do citado RGEU). As especificidades técnicas nele previstas visam ainda «dotar a construção projectada com os requisitos necessários ao fim em vista», nomeadamente as condições de segurança consoante o destino económico do edifício.

Na verdade, não é indiferente o destino ou fim de cada fracção, não podendo cada proprietário dispor da sua fracção indistintamente, antes devendo observar tal fim, de acordo com o respectivo licenciamento. Consoante o destino respectivo, assim cada fracção estará sujeita a específicas e próprias regras de segurança, salubridade e construção, designadamente; e, atento o regime da propriedade horizontal, compreensível é que cada condómino tenha de antemão o direito de saber qual o fim não só da sua fracção, como o das restantes, atenta a influência que tal destino pode exercer sobre o desejo de contratar, sobre o preço, etc.. Nomeadamente, nunca pode o fim da fracção ser diverso do constante da respectiva licença camarária de utilização, pelo que, na verdade, tal fim ou destino não está (nem pode estar), na livre disponibilidade do respectivo proprietário, antes estando submetido aos regulamentos de construção e licenciamento (nomeadamente camarários); só mediante aprovação de tal alteração pelas entidades legais respectivas, e, no caso de propriedade horizontal, obtido o acordo expresso de todos os restantes condóminos (cfr. artigo 1419º do Código Civil), poderá assistir-se a uma eventual alteração do fim da fracção em causa.

Todas estas limitações impostas aos proprietários, em âmbito de propriedade horizontal, visam, assim, salvaguardar também aqueles interesses de ordem pública atrás referidos: interesses públicos e colectivos, relacionados com condições de salubridade, estética e segurança dos edifícios, assim como das condições estéticas, urbanísticas e ambientais, ainda mais prementes nos grandes centros urbanos, onde proliferam os edifícios em propriedade horizontal; isto, para além dos interesses privados atinentes às relações entre condóminos, derivadas da especial natureza da propriedade horizontal.

Em conclusão, as restrições ou limitações impostas aos proprietários de fracções autónomas radicam em duas ordens fundamentais de razões: por um lado, razões privadas de relações de proximidade e comunhão, e, por outro, em razões de ordem pública.

9. De todo o exposto, resulta que a norma questionada apenas procede à delimitação do direito de propriedade horizontal, tendo em conta outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (designadamente, o direito de propriedade dos restantes condóminos e o direito ao ambiente e qualidade de vida), em nada colidindo com o preceituado no artigo 62º, nº 1, da Constituição.

III – DECISÃO

10. Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.

Lisboa, 19 de Janeiro de 1999

Luís Nunes de Almeida
Maria Helena Brito
Vítor Nunes de Almeida
Artur Maurício
José Manuel Cardoso da Costa

26 maio 2025

Prazo de caducidade de impugnação


Tribunal: TRL
Processo: 9684/22.8T8LSB.L1-6
Relator: Eduardo Petersen Silva
Data: 28-09-2023

Descritores:
  • Acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos
  • Prazo de caducidade
  • Início do prazo
Sumário:

Conta-se desde a data da deliberação, tanto para os condóminos presentes na assembleia quanto para os ausentes, o prazo de caducidade do direito de acção de anulação da mesma deliberação.

Texto integral: vide aqui

16 maio 2025

Inconstitucionalidade da norma do art. 1433º/4


Processo n.º 441/2010
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do STJ, em que é recorrente A. e recorrida a Administração do Condomínio do prédio sito na …, n.º .., na Amadora, foi interposto recurso de constitucionalidade da sentença daquele Tribunal, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do art. 1433º, nº 4, do CC, na interpretação segundo a qual «o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente, comunicação essa, aliás, obrigatória nos termos do art. 1432°, nº 6, do mesmo diploma», por violação dos art. 2º, 13º e 20º da CRP.

2. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:

«1- O acórdão recorrido faz uma interpretação desconforme com a Constituição do normativo inserto na parte final do art. 1433º, nº 4, do CC, ao afirmar que o prazo para e condómino ausente impugnar deliberação da assembleia de condóminos se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes e independentemente do conhecimento das deliberações.

2- A obrigatoriedade de comunicação acta da assembleia ao condómino ausente, que impende sobre o administrador do condomínio, destina-se a dar conhecimento das deliberações ao condómino ausente para que possa exercer os direitos que a lei consagra, designadamente o direito de impugnar as deliberações ilegais não havendo fundamento material bastante para estabelecer uma distinção entre o direito a impugnar a deliberação, por um lado, e os direitos de exigir a convocação de assembleia extraordinária, recorrer a centro de arbitragem ou manifestar a estar sua discordância ou assentimento relativamente a deliberações que exijam unanimidade.

3- Entendimento diverso, ao impor sobre o condómino ausente um ónus de se informar, pelos seus próprios meios, do teor da deliberação da assembleia de condóminos, deixando-o na dependência de terceiros, e criando um regime menos favorável do que vigora para os condóminos presentes, com risco de, sem culpa sua ficar impossibilitado de impugnar uma deliberação ilegal, viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da confiança e do acesso aos tribunais, princípios ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático.

4- O prazo de sessenta dias para o condómino ausente impugnar a deliberação da assembleia de condóminos deve ser contado a partir da notificação da deliberação ao condómino ausente.

Normas violadas: artigos 2.º, 13.° e 20.° da Constituição da República.

Termos em que o art. 1433°, n°4, do CC, deve ser julgado materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido ao dispensar o conhecimento da deliberação para o início da ontem do prazo para instauração da acção de impugnação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

3. O recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:

«Em resumo, dir-se-á que:

Basta estar atento — como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da AG, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (nº 4 do art. 1432º do CC) - para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar (...)” — reitera-se. Porquanto, em relação à caducidade do direito de propor a acção anulatória, deixou de haver distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes” (reitera-se).

Pois, entendimento diverso — no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC — que trata de situações diferentes, propiciará o laxismo, absentismo e a indefinição das questões condóminas, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei e que o legislador pretendeu abolir com a reformulação introduzida em 1994.

O Acórdão recorrido, seguiu na esteira da jurisprudência e doutrina maioritárias, que os condóminos têm de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, regime alterado e reformulado pelo DL 256/4, de 24.10.

O objectivo é claro, e jurisprudencialmente aceite, que a aspiração é: “(...) de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º, do CC”.

Ao assegurar a defesa dos seus direitos aos condóminos, através quer de meios judiciais, extrajudiciais e parajudiciais, não se observa como pode estar a ser violado o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP.

Os condóminos faltosos terão de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-lo no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação e, não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, mas regime de prazo que foi revogado e sublinhado por outro.

É manifesto, assim, que a impossibilidade de recurso a juízo, com êxito, surgiu como resultado da negligência do recorrente em propor a acção, se bem que por escassos dias, o que se presume que este da lei tinha conhecimento...

Entende o recorrido que deve ser mantida a interpretação, dada ao art. 1433º, nº 4 do CC, no sentido de que o prazo de caducidade para interpor a acção de anulação é de 60 dias para todos os condóminos, sendo o prazo a quo, contado da data da deliberação da assembleia de condóminos, não só porque foi este o teor literal dado pelo legislador ordinário, com pelo facto de esta interpretação não violar nenhum dos preceitos com consagração constitucional e invocados pelo recorrente, nomeadamente os art. 2º, 13º e 20º da CRP, sufragando in totum a interpretação da lei feita pelo STJ e constante do aresto.

Nestes temos, há que concluir pela não inconstitucionalidade:

a) Da parte final do n2, do artigo 1433. do Código Civil; ou,

b) Do referido art. 1433/2, por não ser materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, quando consagra que a contagem do prazo para a instauração da acção de anulação, se conta da data da deliberação, negando-se assim provimento ao recurso, com o que se fará como sempre a costumada

JUSTIÇA!»

II − Fundamentação

4. O art. 1433º do CC, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 267/94, de 25/10, estabelece o seguinte:

«Artigo 1433.º
(Impugnação das deliberações)

1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4 - O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Constitui objecto do presente recurso a norma do nº 4 deste preceito legal, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar a acção de anulação de deliberação da assembleia do condomínio é de 60 dias, tanto para a os condóminos presentes como para os ausentes, contando-se o prazo a partir da data da deliberação e não da data da comunicação ao condómino ausente.

Alega o recorrente que fazer coincidir o termo inicial do prazo para o exercício do direito de anulação com a data da deliberação tem como consequência que ao condómino ausente seja coarctado “o direito de impugnar judicialmente a deliberação da assembleia, criando um regime menos favorável ao que vigora para os condóminos presentes”.

O tratamento uniforme, quanto a este ponto, de acordo com a interpretação impugnada, de condóminos presentes e ausentes na assembleia de condomínio corresponde ao teor literal do actual nº 4 do art. 1433º do CC, introduzido pelo DL 267/94, de 25/10. Esta norma veio afastar o anteriormente disposto − desde a redacção inicial do CC – no nº 2 do mesmo artigo, nos termos do qual «o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação.» Isto é, se, quanto à duração do prazo de caducidade, a nova lei o alongou para 60 dias, no que se refere ao início da sua contagem, fê-lo coincidir com a data da deliberação, sem qualquer distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes.

Este último aspecto, e não obstante a enunciação expressa desse termo inicial, suscitou controvérsia interpretativa, sustentando parte da doutrina – cfr. Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, págs. 249-250, n. 626, e Aragão Seia, Propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, pág. 179 – e da jurisprudência – cfr., por exemplo, o acórdão do STJ, de 21 de Janeiro de 2003 − que, para os condóminos ausentes, releva a data da comunicação, e não a da deliberação.

Excede a competência do Tribunal Constitucional − restrita, no domínio da fiscalização concreta, a decidir, em último recurso, questões de constitucionalidade − pronunciar-se sobre a interpretação que melhor cabe ao segmento normativo em causa, em face dos elementos hermenêuticos disponíveis. O Tribunal é apenas chamado a ajuizar da conformidade constitucional da interpretação efectivamente seguida e aplicada na decisão recorrida. O que, no caso, implica decidir se a contagem do prazo de caducidade de propositura da acção de anulação a partir da data da deliberação e não da sua comunicação aos condóminos ausentes viola ou não algum princípio constitucional ou algum direito constitucionalmente garantido.

5. Para a formulação de um tal juízo, importa ter presente que o DL 267/94 não se limitou, em matéria de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, à alteração assinalada. Na verdade, para além da já anteriormente admitida impugnação judicial, através da competente acção de anulação, aquele diploma consagrou novas vias alternativas de reacção a deliberações inválidas ou ineficazes, por qualquer condómino que não as tenha aprovado. Elas constam, na redacção actual, dos nº 2 e 3 do art. 1433º do CC, conferindo, o primeiro, a faculdade de exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação de tais deliberações, e outorgando, o último, o poder de “sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem”.

Para além disso, o art. 1432º passou a integrar, entre outras alterações, uma norma, dispondo que «as deliberações têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias» (nº 6).

Do conjunto destas disposições resulta que, perante uma deliberação anulável, um condómino, para tal habilitado pela não aprovação dessa deliberação, tem, hoje, ao seu dispor, para além da propositura da acção de anulação, outros dois meios de atacar a deliberação: a exigência de convocação de uma assembleia extraordinária e a possibilidade de accionar uma decisão arbitral. E, no caso de um condómino ausente, qualquer dos prazos estabelecidos para estas duas iniciativas – 10 dias, quanto à primeira; 30 dias, quanto à segunda – se conta a partir da comunicação da deliberação – comunicação que, já vimos, deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, portanto, com sólida garantia de cognoscibilidade do seu conteúdo, por parte do destinatário. Acresce que, se a deliberação da assembleia extraordinária não for no sentido da revogação da deliberação impugnada, ela pode ser objecto de uma acção de anulação, a propor no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária (1ª parte do nº 4 do art. 1433º). Sublinhe-se, ainda, que a eventual não convocação, pelo administrador, da assembleia extraordinária, é suprível pelo mecanismo geral de recurso, predisposto no art. 1438º do CC, de convocação directa e individual pelo próprio condómino.

Feita a necessária articulação da 2ª parte deste preceito com essas outras disposições do bloco normativo em que está integrada, também relevantes do ponto de vista da satisfação do interesse em impugnar uma deliberação anulável, apura-se um resultado não coincidente com o que obteríamos mediante a leitura isolada daquele segmento normativo. De facto, dado que os prazos de caducidade dos meios alternativos de impugnação só começam a contar da data da comunicação da deliberação, está excluído que o prazo de 60 dias se esgote sem que o interessado já tenha tido, ou venha a ter, uma possibilidade efectiva de reagir judicialmente contra a decisão anulável.

Explicitando melhor. Dado que a comunicação deve ser feita no prazo de 30 dias e os prazos de caducidade previstos no nº 2 e 3 do art. 1433º são substancialmente mais curtos do que o do nº 4, corresponderá à normalidade, se a gestão do condomínio se processar com regularidade, que, no termo daquele período, já tenham também decorrido os prazos de 10 e de 30 dias, a contar da comunicação. Se assim for, já não é exercitável o direito de impugnar, por qualquer das vias previstas. Mas esse resultado não pode ser imputado à falta de garantias de cognoscibilidade da deliberação.

Na hipótese contrária, de, no termo final do prazo de 60 dias, ainda não terem começado a contar ou não terem ainda findado aqueles prazos, devido a omissão de comunicação ou comunicação tardia da deliberação ao condómino ausente, a situação não importa a definitiva preclusão da satisfação do interesse em impugnar, pois subsiste a possibilidade de recurso aos meios alternativos. Na realidade, esse prazo de 60 dias – em face dos termos da estatuição do nº 4 e da sua inequívoca adstrição unicamente ao direito nele previsto − não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no nº 2 ou nº 3 do art. 1433º, dentro dos respectivos prazos. E nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta (que, obviamente, recaiu sobre a deliberação primitiva) é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (art. 26º, nº 2, da Lei nº 31/86, de 29/08).

Significa isto que o não aproveitamento do prazo de 60 dias, por eventual desconhecimento da deliberação e do seu teor, resultante de não ter sido efectuada comunicação tempestiva dela, não tem como consequência a extinção do direito de impugnar, em juízo, essa deliberação (ou, o que vem dar ao mesmo, a deliberação que não a revogou). Esse direito fica sempre salvaguardado, ainda que já não se possa suscitar directamente a intervenção de uma instância judicial estadual.

Num plano infraconstitucional, é legítimo questionar o bem fundado da indiferenciação de tratamento de condóminos presentes e ausentes, quanto ao início de contagem do prazo de 60 dias para propor a acção de anulação da deliberação, contrariamente ao estabelecido na redacção anterior e ao consagrado nos actuais nº 2 e 3 do art. 1433º, quanto aos prazos aí previstos. Pode, até, suscitar-se dúvidas quanto à coerência interna do sistema, tendo particularmente em conta a obrigatoriedade de comunicação das deliberações aos ausentes. Mas a interpretação normativa contestada não acarreta a perda irremediável do direito dos condóminos ausentes à tutela jurisdicional efectiva do seu interesse em impugnar, nem sequer, a dificultação excessiva do seu exercício.

6. É certo que estes condóminos podem efectivamente vir a dispor de um período de tempo mais curto do que o utilizável pelos condóminos presentes para ponderarem e tomarem uma decisão quanto à impugnação judicial, no caso de só terem tido conhecimento da deliberação, através da comunicação, quando decorrido parte do período de 60 dias. Ou, se não quiserem recorrer a um centro de arbitragem, podem, mesmo, verem-se obrigados, contra a sua vontade, a lançar mão previamente da exigência de convocação de uma assembleia extraordinária, no caso (anómalo, há-de convir-se, e configurando um incumprimento grosseiro do prazo legal) de a comunicação não ser efectuada em tempo útil, antes de extinto aquele prazo.

Mas nenhuma destas desvantagens comparativas é de molde a sobrecarregar o condómino ausente com ónus gravosamente desproporcionados. A convocação obedece à forma de carta registada (nº 1 do art. 1432º) e, pelo menos quando a impossibilidade de comparência pessoal é antecipadamente previsível, o condómino pode fazer-se representar, preservando, assim, as vantagens da participação na assembleia e do conhecimento imediato das deliberações. Se não o fizer, pode ainda diligenciar para obter informações sobre o resultado da assembleia, antes de receber a comunicação na forma legal.

Reconhece-se que o exercício do direito de impugnar com recurso directo a uma acção de anulação pode exigir do condómino ausente uma diligência acrescida, quer na recolha de dados quanto à tomada e ao teor das deliberações, quer, sobretudo, na rapidez das iniciativas a desenvolver com vista à propositura dessa acção. Em casos-limite, pode, até, ver inviabilizado, pelo decurso do prazo, o acesso directo a um tribunal judicial. Mas, resultando a ausência de uma factor da esfera pessoal, e mesmo quando ela não proceda de desinteresse ou incúria, mas antes de uma razão objectivamente justificativa, não se afigura que o princípio da igualdade imponha ao legislador medidas legais compensatórias, de forma a colocar o ausente, em todos os planos e para todos os efeitos, exactamente na mesma posição do condómino presente.

Em último termo, o condómino ausente tem sempre garantido, em qualquer circunstância, o que é essencial: uma oportunidade efectiva em exercitar o seu direito de impugnar, com garantia de intervenção, ainda que em via de recurso, de uma instância judicial.

III − Decisão

Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do art. 1433º, nº 4, do CC, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.

15 maio 2025

Prazo para impugnar

Tribunal: TRP
Processo: 3528/20.2T8GDM.P1
Relatora: Judite Pires
Data: 15-09-2022

Descritores:
  • Deliberações do condomínio;
  • Impugnação;
  • Prazo;
  • Contagem.
Sumário:

I - Do confronto entre a primitiva e a actual redacção do artigo 1344.º do Código Civil, resulta da versão vigente que é de 20 dias ou 60 dias o prazo para os condóminos impugnarem as deliberações, contados, respectivamente, da deliberação da assembleia extraordinária, ou, caso não tenha sido solicitada, da data da deliberação.
II - Os prazos em causa aplicam-se independentemente de os condóminos terem estado presentes ou não na assembleia onde foi votada a deliberação, e o prazo para interpor acção de anulação da deliberação não depende da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Texto integral: vide aqui


14 maio 2025

Jurisprudência: Terraços


Propriedade horizontal Acção de reivindicação Fracção autónoma Terraços Partes comuns Título constitutivo

I -A fracção A é um pavilhão industrial no rés-do-chão; a fracção B é um pavilhão industrial no 1.º andar do mesmo prédio; o principal pedido da autora é o de que se declare o seu direito de propriedade sobre a totalidade da fracção B e a consequente restituição do terraço que a ré ocupa.
II - Mas, desde logo, não há terraço algum referido como fazendo parte da fracção B; de acordo com o regime legal em vigor ao tempo da constituição da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são, seriam sempre, necessariamente, coisa comum; compropriedade dos condóminos do prédio, como manda o n.º 1 do art. 1420.º do CC.
III - E se é certo que o n.º 3 do art. 1421.º do CC abria a porta para que o bilhete de identidade da propriedade horizontal afectasse um tal terraço ao uso exclusivo de um dos condóminos, ainda assim esse estatuto não faria nascer um direito de propriedade sobre o terraço, mas um outro direito real de gozo -exactamente o direito real de uso; mesmo em termos de puro facto, nos autos não está feita a prova da exclusividade do uso; improcede, pois, a acção.
Revista n.º 217/09 -7.ª Secção Pires da Rosa (Relator) Custódio Montes Mota Miranda

Propriedade horizontal Parte comum Terraços Condomínio

I - O condomínio deve suportar os encargos resultantes da conservação e fruição do terraço enquanto cobertura; o condómino que tem o exclusivo da sua utilização suportará os encargos de conservação e fruição do terraço, enquanto espaço de utilização individualizada.
II - Estando assente que os defeitos do terraço - cobertura da fracção do piso 3.º e de uso exclusivo do condómino do 4.º do piso -, que provocaram os danos sofridos pelo proprietário da fracção do piso 3.º, são defeitos do terraço enquanto cobertura - pois resultaram de deficiências da tela que o revestia -, e não o resultado de uma qualquer utilização daquele por parte do dono da fracção do 4.º piso, forçoso é de concluir que o condomínio é responsável pela reparação dos prejuízos suportados pelo proprietário da fracção inferior.
Revista n.º 3468/06 - 7.ª Secção Pires da Rosa (Relator)Custódio MontesMota Miranda

Propriedade horizontal Condomínio Administrador Obras

I - Em regra, os condóminos não podem fazer obras de reparação e conservação nas partes comuns dos edifícios, salvo se estas se apresentarem indispensáveis e urgentes e, mesmo assim, sempre na falta ou no impedimento do administrador.
II - A recusa do administrador na realização das obras de reparação e conservação legitima a actuação do condómino.
III - São obras de reparação e conservação as que se mostram necessárias para manter em condições de utilização as partes comuns do prédio, quer eliminando defeitos, quer reparando estragos, quer impedindo deteriorações.
IV - Devem ter-se por obras de reparação necessárias e urgentes aquelas que concretamente foram efectuadas pelo autor no terraço de cobertura - parte comum do prédio - e destinaram-se a eliminar um defeito do imóvel que causava infiltrações de água, as quais atingiam a fracção do autor, colocando-a em risco.
Revista n.º 1019/06 - 7.ª Secção Mota Miranda (Relator)Oliveira Barros Salvador da Costa

Propriedade horizontal Parte comum Despesas de condomínio Regra proporcional

I - O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem) as respectivas fracções e se não sirvam, por con-seguinte, das partes comuns do prédio.
II - Se uma 'sala do condomínio' e uma 'arrecadação geral' do edifício - partes comuns - se localizam no 11.º piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.
III - Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.
IV - Apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas de manutenção e conservação dos ele-vadores os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma gara-gem ou um lugar de aparcamento) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condómi-nos.
V - É possível instituir, por acordo majoritário da assembleia de condóminos, um critério equitati-vo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das par-tes ou equipamentos comuns .
Revista n.º 94/05 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) * Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços Inovação

I - Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns.
II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal.
III - Um anexo construído num terraço de cobertura constitui uma inovação.
IV - Não tendo sido autorizado por maioria qualificada (2/3 do valor total do prédio), é uma obra proibida.
V - Tendo a construção do anexo modificado o arranjo estético do edifício, a obra é proibida, não tendo sido aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
VI - O Condomínio, em tais circunstâncias, tem direito de pedir a demolição dessa obra.
Revista n.º 2567/03 - 2.ª Secção Loureiro da Fonseca (Relator) * Lucas Coelho Santos Bernardino

Negócio formal Prova testemunhal Propriedade horizontal Título constitutivo Partes comuns Terraços Inovação

I - A existência de regras específicas relativas à interpretação de declarações negociais obrigatoriamente documentadas, não exclui a sua complementação por via do recurso à prova testemunhal.
II - Tendo em conta o relevo em matéria de propriedade horizontal do respectivo título constitutivo, não deve ser formulado quesito no sentido de saber se certa fracção predial não se prolonga até à fachada do prédio ou de haver ao seu nível uma área que não entra na sua composição.
III - A previsão do n.º 1 do art.º 1421 do CC é de natureza imperativa, pelo que, independentemente do que constar do título constitutivo da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são comuns à pluralidade dos condóminos, ainda que destinados ao uso exclusivo de um ou de algum deles.
IV - O conceito de terraço de cobertura a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 1421 do CC abrange, e já abrangia na sua anterior versão, qualquer terraço que sirva de cobertura ao próprio edifício ou a alguma das suas fracções prediais.
V - Constitui inovação nas partes comuns do edifício a sua alteração de forma ou de substância ou a modificação da respectiva afectação e destino.
VI - A modificação ou a alteração dos elementos estruturais da construção, que ao edifício conferem a sua individualidade específica, são susceptíveis de prejudicar a sua linha arquitectónica do edifício, bastando para o efeito a sua modificação.
Revista n.º 1984/03 - 7.ª Secção Salvador da Costa (Relator) * Ferreira de Sousa Armindo Luís

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços

Se um terraço é constituído por uma placa que serve de elemento protector de todo o bloco inferior do prédio, sendo por isso de concluir que a mesma faz parte integrante da estrutura do edifício, é de o qualificar como 'parte comum', não obstante ao mesmo só ser possível o acesso pelo interior de uma das fracção do imóvel.
Revista n.º 2062/02 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Terraços

I - A redacção inicial do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC, nos termos da qual são comuns a todos os condóminos 'o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento', aplica-se aos casos em que a propriedade horizontal foi constituída antes da sua nova redacção, introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25 de Outubro, por força do disposto no art.º 12, n.º 2, daquele código.
II - Não estão aí abrangidos, por não serem terraços de cobertura, os terraços existentes nos planos dos vários pisos, com acesso pelos mesmos.
III - Não é exigível a um condómino que prove as razões da ocorrência de infiltrações provenientes dum terraço, basta demonstrar que advieram da sua deficiente impermeabilização.N.S.
Revista n.º 2899/00 - 7.ª Secção Araújo Barros ( Relator) Oliveira Barros Miranda Gusmão

Propriedade horizontal Partes comuns Sótão

I - Os espaços compreendidos entre o tecto do último andar de um edifício e as telhas (vão, sótão ou águas furtadas), não sendo telhado ou terraço de cobertura, não têm de ser considerados obrigatoriamente coisa comum, nos termos do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC. I - Não se trata de parte do edifício que, pela função que desempenha, careça de ficar afecta a todos os condóminos, como sucede com todas aquelas que se enumeram no citado n.º 1.
II - Deixam de ser comuns as coisas que estejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos, para tal bastando uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da constituição do condomínio, não se exigindo que ela conste do respectivo título constitutivo.
Revista n.º 703/99 - 1.ª Secção Machado Soares (relator) Fernandes Magalhães Tomé de Carvalho

Propriedade horizontal Câmara municipal Condomínio Obras Finalidade dos recursos

I - Os recursos destinam-se a reapreciar e modificar decisões e não a criá-las sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
II - De outro modo, estar-se-ia a violar o princípio do duplo exame jurisdicional a que as partes têm, em princípio, direito.
III - A câmara municipal, órgão do município, pela circunstância de ser proprietária de três fracções autónomas do prédio está colocada na mesma situação de qualquer outra pessoa colectiva, despojada dos poderes próprios do órgão que é da autarquia.
IV - Na situação conflitual que a opõe ao condomínio desse prédio não têm que ser ponderadas as motivações que levaram a câmara municipal à realização das obras, as finalidades que se propõe atingir com as mesmas.
V - São-lhe, pois, aplicáveis, como a qualquer outro condómino do prédio, as normas que estabelecem o estatuto jurídico das relações nascidas da propriedade horizontal, designadamente as limitações ao exercício de direitos (art.º 1422 do CC) e a proibição, ou condicionamento a prévia aprovação da maioria dos condóminos, da realização de certas obras (art.º 1425 do CC).
VI - Partes comuns do edifício não são apenas o solo, os terraços de cobertura, as entradas e vestíbulos. São-no também as colunas, os pilares, as paredes mestras e outras partes mais do edifício (art.º 1425, n.º 1, do CC).
VII - Seria abusivamente restritiva a interpretação que se fizesse do art.º 1425, em termos de o considerar aplicável apenas àquelas partes comuns primeiro referidas, quase o reservando às que constituem áreas horizontais do edifício.J.A.
Processo n.º 437/97 - 2.ª Secção Relator: Almeida e Silva

Propriedade horizontal Terraços Parte comum

Terraço de cobertura é aquele que tem uma função - relativamente ao prédio em si - idêntica à do telhado
rocesso n.º 756/96 - 1ª Secção Relator: Machado Soares Descri

Construção de edifício Projecto aprovado Alteração Sala de condóminos Propriedade horizontal Título constitutivo Nulidade

I - Autorizada pela câmara municipal a construção de um compartimento no terraço do edifício, com a condição de o mesmo se destinar a sala de reuniões de condóminos, não pode no título constitutivo da propriedade horizontal atribuir-se-lhe outro destino com a sua afectação a uso exclusivo de um dos condóminos.
II - Tendo na escritura de constituição da propriedade horizontal tal compartimento e a respectiva casa de banho sido considerados como fracção autónoma, ofendeu-se, portanto, nesse título constitutivo o disposto nos artºs. 1º, 2º, 3º, 6º e 8º do RGEU, aprovado pelo Dec.-Lei nº 38382, de 7.8.1951 .
III - E porque se trata de preceitos de ordem pública, ao desrespeitá-los, a escritura em causa é nula na parte em que atribuiu autonomia àquela dependência, constituída por sala e casa de banho.
Processo nº 129/96 - 2ª Secção Relator: Mário Cancela

ACSTJ de 06/11/2018: Terraços em socalcos


Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 572/15.5T8SSB.E1.S1
Meio Processual: Revista
Relatora: Ana Paula Boularot
Data: 06/11/2018

Jurisprudência:
  • Ac. STJ de 08-04-1997
  • Ac. STJ de 15-05-2012, Relator Hélder Roque
  • Ac. STJ de 09-06-2016, Relator Orlando Afonso
  • Ac. TRG de 14-12-2006
  • Ac. TRC de 23-09-2008
Descritores:
  • Propriedade horizontal
  • Terraços
  • Varandas
  • Partes Comuns
Sumário:

I Dispõe o art.º 1421º, nº1, alínea b), do CCivil, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

II Os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam.

III Se o edifício dos autos, como resulta da materialidade assente « está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.», o terraço/varanda do apartamento propriedade do Autor, aqui Recorrente, será também cobertura do apartamento nº…que constitui o andar imediatamente inferior e onde ocorreram infiltrações na sua parede poente e tecto, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção.

Texto integral: vide aqui

12 maio 2025

Uso exclusivo terraço


Tribunal: Relação de Coimbra
Processo: 297/03.4TBBGRD.C1
Data: 29-05-2007

Sumário:
 
I - A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
II - Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... demandam, na comarca da Guarda, C... e mulher D... , pedindo a condenação dos réus a reconhecer que o terraço do prédio identificado na petição inicial e do qual são titulares de fracções autónomas, é parte comum; a reporem a porta inicialmente existente, por forma a que tenham acesso directo ao terraço; e a absterem-se de praticar quaisquer actos que obstem a que o terraço seja propriedade comum;
Alegam, em síntese, que são titulares da “fracção A”, que compreende o rés-do-chão direito, 2.º e 3.º andares do prédio e que os réus são titulares da “fracção B”, que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão para arrumações.
Acontece que os réus têm vindo a impedir o acesso dos autores ao terraço de cobertura do prédio, que estes entendem ser parte comum, e ao qual tinham acesso por uma porta cuja utilização os réus lhes vedaram.

2. Os réus contestaram, opondo, também em síntese, que, apesar do título constitutivo só lhes atribuir a titularidade da fracção B que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão amplo para arrumações, o certo é que, por acordo, autores e réus alteraram o projecto inicial e, por virtude dessa alteração, ficou a pertencer-lhes o último piso do edifício que passou a ser composto por cozinha, arrumos, casa de banho e varanda, correspondendo esta ao que no projecto inicial era o terraço do prédio. E ainda que, em face disso, adquirira, por usucapião todo esse terraço.

3. No prosseguimento da causa veio a realizar-se a audiência de julgamento, posto o que foi proferida sentença que apenas condenou os réus a reconhecerem os autores como donos da fracção A, absolvendo-os de tudo o mais que era pedido, o que corresponde, na prática, à improcedência da acção.
Os autores não se conformam e apelam a esta Relação, concluindo:
1) O Tribunal " a quo” faz uma arbitrária e subjectiva análise interpretação dos factos.
2) Os Juízes têm de fazer uma análise critica integrada dos depoimentos e documentos, atendendo ás garantias de imparcialidade, seriedade, razão da ciência.
3) Devem ser dados como provados os pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10,11, 12, 13, e 14 constantes da Base instrutória.
4) Devem ser dados como não provados os factos dos pontos 23, 24,30,31,32 e 33.
5) Devem os réus reconhecer o terraço como parte integrante e comum do prédio constituído em propriedade horizontal.
6) Em conformidade com as disposições legais que sustentam o regime da Propriedade Horizontal, e face ao disposto na Escritura Pública de constituição da Propriedade Horizontal, dever-se-á proceder à realização de obras, por responsabilidade do condomínio, de forma a criar uma porta de acesso ao terraço (com base no projecto de obra original), por forma a respeitar o disposto no art. 1415°CC (fracção autónoma com saída própria para uma parte comum do edifício).
7) Devem os réus abster-se de praticar todos e quaisquer actos que obstem ao reconhecimento de que o terraço é parte comum do prédio.
8) A sentença recorrida viola as mais elementares normas Jurídicas.

4. Os apelados contra-alegaram em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir.
Entretanto vejamos os factos que vêm dados como provados da 1.ª instância, seguindo a mesma ordem e numeração.
A. Os autores são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção A”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão direito, que serve de garagem, com uma casa de banho; segundo andar com seis divisões, cozinha e duas casa de banho, terceiro andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria, Manteigas sob o artigo 861 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o 00003/100185/ A e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
B. Os réus são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção B”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão esquerdo, que serve de garagem, com uma casa de banho; primeiro andar com cinco divisões, cozinha e duas casa de banho, quarto andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, e sótão amplo para arrumações, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria sob o artigo 861, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o n.º 00003/100185/B e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
C. Tais fracções resultaram da constituição em propriedade horizontal do prédio urbano, sito na R. X..., composto de casa de habitação com r/chão direito e esquerdo, 1, 2, 3 e 4 andares e sótão amplo, com área coberta de 165 m 2 - L. 35 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de S. Maria sob o artigo 861, de que autores e réus eram comproprietários na proporção de metade, por escritura de constituição de propriedade horizontal e divisão outorgada no Cartório Notarial de Manteigas em 17 de Janeiro de 1985 e exarada a fls 10 do L 137.
D. Tal prédio foi construído por autores e réus, num prédio rústico denominado Santo Estevão ou Tanque, destinado a construção urbana, com a área de 200 m2 e fazendo parte do inscrito na matriz predial sob o artigo 802 da freguesia de Santa Maria.
E. O prédio descrito em D) foi adquirido por autores e réus por compra a E... e mulher F... e inscrito na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 2/100185.
F. Nos termos da escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0, cujo teor se dá por reproduzido, acordaram autores e réus que “São partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”.
G. A antena de televisão está colocada no terraço junto à chaminé.
H. E todos os circuitos de distribuição da rede de televisão.
I. Os réus deslocaram-se a Portugal onde permaneceram cerca de 10 dias.
J. Os autores e réus alteram o projecto inicial do prédio, em 1983.
L. Por força dessa alteração o último piso do prédio passou a ser constituído por casa de banho, arrumos, cozinha e terraço.
M. E o acesso ao terraço passou a ser feito pela cozinha.
N. O sótão ficou a pertencer à fracção B porque a fracção A tinha o rés-do-chão maior e dois pisos seguidos, valorizando-o
O. E o 1.° andar da fracção B está enterrado.
P. A porta de acesso ao sótão é a mesma que existia em 1982.
Q. Colocada antes do projecto de alterações.
R. Os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982 .
S. Sem oposição de quem quer que fosse.
T. À vista de todos, incluindo os autores.
U. De forma contínua, sempre que vêm a Portugal.
V. E na convicção de serem dele legítimos proprietários.
W. Os réus tiveram conhecimento da alteração do projecto.
X. Os réus deslocaram-se a Portugal;
Y. Os réus pagarão honorários ao seu mandatário;

5. O que os autores pretendem com esta acção é que se reconheça ser parte comum do prédio o terraço – que tudo indica ser de cobertura do prédio – e que os réus sejam condenados a facultar-lhes o acesso a esse terraço, já para ter acesso às coisas comuns que aí estão, tais como a antena colectiva e equipamento de distribuição de sinal de televisão e arranjos necessários do isolamento da cobertura do prédio, para evitar infiltrações de águas pluviais, queixando-se mesmo de humidades na sua fracção que exigem uma intervenção desse tipo e a atitude dos réus o impedem.
A posição dos réus é que todo esse piso superior lhes pertence, quer porque uma parte – o sótão para arrumações já integra a sua fracção, quer porque adquiriram o terraço por usucapião, em virtude duma posse em nome próprio a partir do acordo que fizeram com a alteração do projecto de construção.
Não lhes tendo dado razão, a 1.ª instância rejeitou a pretensão dos autores e aceitou a posição dos réus, configurando-a como uma defesa por excepção, já que, apesar de intitularem o seu articulado de “contestação reconvenção”, não formularam qualquer pedido reconvencional, nem mesmo após advertência do sr. Juiz.
Agora, em recurso, os autores apelantes resumem a sua discordância a duas questões: i) alteração da matéria de facto, por erro de julgamento, de forma a que se dê como provados os factos que suportam a compropriedade do terraço e não provados os factos que suportaram a declaração de propriedade exclusiva desse mesmo terraço; ii) que se realizem as obras necessárias (abertura da porta de acesso directo ao terraço) para evitar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.

6. Digamos, desde já, que a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal não consta dos articulados e não foi, por isso mesmo, apreciada em 1.ª instância, pelo que é uma questão nova e a Relação só reaprecia decisões já proferidas e não conhece de novas questões. Logo, tudo o que envolva uma tomada de posição sobre a validade ou nulidade do título constitutivo não vai ser aqui e agora apreciado.
Resta, então, a 1.ª questão – saber se o terraço é propriedade comum ou exclusiva dos réus – pela confirmação ou alteração da matéria de facto decidida em 1.ª instância.
E a resposta é não. Não é propriedade exclusiva dos réus. E não é porque a decisão que o declara tem como pressuposto a usucapião e a usucapião é a posse mantida por certo lapso de tempo que faculta ao possuidor a aquisição do direito (artigo 1287.º do Código Civil). A posse é um conceito de direito. À base instrutória foi levado o ponto 29, assim redigido: “ os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982?”. A resposta foi: provado.
Ora esta resposta decidia a acção. Não seria preciso mais nada. E não pode ser assim, como é óbvio. Pretendeu-se responder a um pretenso facto, quando na verdade se respondeu a uma questão de direito. Logo a consequência é que se tem por não escrita a resposta que o tribunal deu a esse quesito, como resulta expressamente do artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Só por aqui se fica com a noção exacta de que não ficou provada a posse exclusiva dos réus sobre o terraço. Logo, não há usucapião; não há aquisição da propriedade exclusiva por esse modo de adquirir. Por conseguinte não importa rever a prova sobre os restantes factos reclamados pelos apelantes.
Por outro lado está dado como provado o que consta do título constitutivo – escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0 – “são partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”. E o artigo 1421.º, n.º 1, b) inclui no elenco das partes comuns dos edifícios em regime de propriedade horizontal os terraços de cobertura. Logo o questionado terraço constitui parte comum do edifício.
A este propósito convirá anotar o que escrevem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela ( 1): nestes casos “prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. A situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional (…) nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública”. Também a jurisprudência tem sido nesse sentido. (2 )

7. Claro que isto ainda não resolve o problema dos autores, dado que fica por definir o pretenso direito de acesso ao terraço, porque uma coisa é uma parte do prédio ser comum e outra é o fim a que se destina essa parte comum, que tanto pode ser definido no título constitutivo (artigo 1418.º, n.º 2, a) e b) do Código Civil), como no próprio regulamento do condomínio, quando elaborado pela assembleia de condóminos (artigo 1429-A do Código Civil).
Sendo cada condómino proprietário da fracção que lhe pertence, (artigo 1420.º, n.º 1 do Código Civil) os direitos inerentes estão definidos no respectivo regime jurídico da propriedade em geral, com as especificidades da propriedade horizontal; mas sendo comproprietário das partes comuns, o uso das mesmas depende do fim a que se destinam, podendo até haver partes comuns dotadas de autonomia, assim como podem ser atribuídos aos comproprietários de determinadas fracções autónomas direitos especiais de uso sobre certas coisas comuns (3 ).
A este propósito é elucidativa a seguinte passagem escrita pelo saudoso Prof. Mota Pinto “o terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar”. ( 4 )
Aliás é assim que acontece, de um modo geral, com o último patamar das escadas de qualquer condomínio, que normalmente só é utilizado pelo último morador, sem prejuízo de qualquer um aí poder aceder.
É esta a diferença entre o direito de compropriedade do condómino no regime da propriedade horizontal e o de uso que cada um pode fazer de partes comuns.
No caso dos autos, o modo como o edifício está construído em consequência da alteração do projecto por acordo dos condóminos, apenas permite, ao que parece, que só os réus consigam aceder directamente da sua fracção ao terraço, relativamente ao qual o título é omisso quanto ao fim a que se destina e não consta que haja regulamento sobre o seu uso.
Não obstante, os autores não deixam de ser comproprietários do terraço. O que acontece é que, ao que parece por culpa própria, não têm condições de acesso ao terraço. E também não tem apoio legal a sua pretensão de obrigar os réus a fazer obras na própria fracção (repristinando o projecto inicial) que permitam o acesso dos autores ao terraço. Claro que sem prejuízo do direito de passagem forçada momentânea a que se refere o disposto no artigo 1349.º do Código Civil, efectivado através do processo de suprimento regulado no artigo 1425.º do Código de Processo Civil.
E se porventura os autores entendem que esta situação é causa de anulação do título constitutivo da propriedade horizontal, só lhes resta seguir o caminho indicado no artigo 1416.º, 1 e 2 do Código Civil, certos de que esta acção não o tem por objecto.
Podemos então concluir que:
- A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
- Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

8. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que revogam, em parte, a sentença recorrida e declaram que o terraço do prédio identificado nos autos é parte comum, condenando-se os réus a reconhecê-lo e a abster-se de praticar quaisquer actos que obstem a esse reconhecimento, mantendo-se a absolvição quanto ao pedido de condenação de repor a porta que, no projecto inicial, dava aos autores acesso directo ao terraço.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção de decaimento.
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(1) Código Civil anotado, 2.ª edição, vol. III, págs.412
(2) Veja-se, entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 21-11-1989, sumariado no BMJ, 391.º- 712
(3) Cfr. P. Lima e A. Varela, ob. Cit. 411
(4) Direitos Reais, 1970/71, 286, nota 58