Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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4/26/2024

Colocação antenas telhado

Tribunal: Relação Porto
Processo: 0720180
Data: 06-03-2007
Relator: Mário Cruz

Sumário:

I- A colocação de armário de transmissões e antenas no telhado, pelas suas dimensões, colocação e exposição alteram o arranjo estético e a linha arquitectónica do edifício.
II- Não pode ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenham em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte as partes comuns do edifício.
III- Dependem de aprovação da maioria dos condóminos, sendo que estes devem representar também dois terços do capital investido.

Texto integral: vide aqui

Tribunal: Relação Lisboa
Processo: 4853/2003-6
Data: 03-07-2003
Relator: Urbano Dias

Sumário:

De acordo com o nº 2 do art. 1024º do CC, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes proprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento.
Isto significa que o contrato de arrendamento de uma parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é válido se todos os condóminos estiverem de acordo, caso contrário o mesmo será nulo.

Texto integral: vide aqui

Do recurso para a Supremo:

Tribunal: STJ
Processo: STJ_07B3607
Data: 09-03-2009

Súmula:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em propriedade horizontal não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”

Texto integral: vide infra:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em PH não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”
Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão de saber se o art. 1024º/2 do CC se aplica ou não à propriedade horizontal se restringe a determinar se é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, porque só essas podem ser tratadas como um “prédio indiviso”; só aliás em relação às partes comuns é que o art. 1420º/1 do CC afirma que cada condómino é “comproprietário”.
Não se confunde o arrendamento de uma fracção autónoma com o arrendamento de partes comuns.
O arrendamento de uma fracção autónoma, que pela própria natureza da propriedade horizontal implica a possibilidade de utilização, pelo arrendatário, das partes comuns, respeita ao exercício dos poderes de proprietário exclusivo de cada condómino. Mas, em tal eventualidade, essa utilização está sujeita às mesmas restrições que teriam de ser respeitadas pelo próprio condómino, proprietário da fracção arrendada.
Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria.
Faz pois todo o sentido averiguar se o art. 1024º/2 do CC é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da PH.
Contrariamente ao acórdão recorrido, entende-se que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no art. 1432º/5 do CC), nos termos conjugados do disposto no art. 1024º/2 e no art. 1420º/1, ambos do CC.
A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O art. 1024º/2 contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da PH, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos).
É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da PH; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns.
É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a 6 anos; e que, no caso, não se põe o problema do significado efectivo do prazo convencionado, como se poderia colocar em relação a contratos de arrendamento que excluam (pelo menos por princípio) o direito do senhorio de denunciar o contrato para o termo do prazo.
Todavia, o mesmo art. 1024º do CC, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso, já atrás apontadas.
São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na PH; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da PH. Note-se, quanto a este ponto, que o art. 1436º do CC não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (art. 1430º/1).
E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (art. 1422º/3) ou que “constituam inovações” (art. 1425º/1), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (art. 1428º/2). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (art. 1422º/2 al. d)), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no TCPH (art. 1422º/3-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (art. 1424º/2).
É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da PH em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio.
A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar.
As deliberações impugnadas na presente acção não obtiveram, pois, a unanimidade necessária para o efeito. Embora imediatamente com conteúdo diferente, todas se destinam a permitir o arrendamento de parte ou partes comuns do prédio dos autos.
Nos termos do disposto no art. 1433º/1 do CC, tais deliberações são anuláveis, “a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
O exercício do direito de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos pode, naturalmente, ser abusivo, nos termos gerais do art. 334º do CC, como sustenta a recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Ora a verdade é que, ainda que tivesse sido atendida pelo acórdão recorrido a sua pretensão de ampliação da base instrutória (cfr. acórdão recorrido, fls. 2386 e ponto 2.6 das alegações), e que os factos correspondentes fossem havidos como provados, ainda assim não procederia a alegação de abuso de direito.
Desde logo, nada no processo permite concluir, por exemplo – e o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do abuso caberia aos recorrentes – que a actuação da autora (e demais recorridos) tenha de qualquer modo criado nos recorrentes a convicção fundada de que não iriam reagir contra a aprovação das deliberações impugnadas, de forma a que merecesse tutela a confiança assim gerada.
Para além disso, e porque só um excesso manifesto dos limites do direito de anulação, em violação das regras da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico com que o mesmo é atribuído o tornaria abusivo, não seria a prova de que o arrendamento traria grandes vantagens ao condomínio e graves prejuízos à recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. e aos serviços por ela prestados que permitiria concluir pelo abuso.
Deixando de lado as restrições de acesso aos locais ocupados, eventualmente não significativas, e a falta de prova de que a segurança do prédio é realmente posta em causa, os termos em que o risco para a saúde ficou assente é suficiente para se não poder concluir pelo manifesto abuso de direito, não sendo necessária, neste âmbito, a prova de que a instalação e funcionamento do equipamento no telhado do prédio é efectivamente prejudicial à saúde.
Recorde-se que não é esse o fundamento da invalidade das deliberações, mas sim a falta de unanimidade na sua aprovação; neste contexto, basta o risco de prejuízo para a saúde para excluir o abuso do direito de anulação.
Aqui chegados, nada mais há que analisar. A exigência da aprovação por unanimidade prejudica a apreciação das questões colocadas nas conclusões 2ª a 12ª das alegações dos recorrentes BB e outros (quanto às conclusões 2ª a 6ª, na parte em que excedem o que se disse já no ponto 9 deste acórdão) e nas conclusões 9ª a 15ª das alegações da recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Nestes termos, decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto por Optimus – Telecomunicações, S.A., na parte em que respeita à impugnação da decisão de negar provimento ao agravo interposto em 1ª Instância;
b) Quanto ao mais, negar provimento a ambos os recursos, confirmando, ainda que por fundamento diferente, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 19 de Março de 2009
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria

4/21/2024

Arvores e arbustos - art. 1366º CC



Tribunal: Relação Coimbra
Processo: 32/12.6TBSBG.C1
Data: 21/01/2014

Súmula:

I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.

Decisão:

Dispõe o art. 1366º, nº 1, do CC que “é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.

Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela e da jurisprudência que cita, considerou a sentença recorrida que o vizinho prejudicado pelas árvores não tem direito a ser indemnizado pelos danos delas decorrentes, a não ser que estivesse impedido de usar da faculdade que lhe é concedida pela norma acima citada.

Referem, efectivamente, Pires de Lima e Antunes Varela, que “…parece claro que o art. 1366º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar) ou de obrigar este a fazer os cortes” (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e actualizada (reimpressão), pág. 231.).

E é também nesse sentido que tem decidido a nossa jurisprudência maioritária, embora, por vezes, com algumas nuances ou restrições, como acontece com o Ac.do TRP de 09/03/2010 (proferido no processo nº 2899/05.5TBOAZ.P1), onde se admitiu a existência de um direito de indemnização, nos casos em que o proprietário lesado está impedido de proceder ao corte dos ramos ou raízes, nos casos em que o dono do prédio lesado não pode aperceber-se do desenvolvimento dos danos ou nos casos em que o dono das árvores não cumpre a sua obrigação de proceder ao respectivo corte quando tal lhe é solicitado pelo proprietário vizinho.

O legislador reconheceu claramente, na norma acima citada, a licitude da plantação de árvores e arbustos até ao limite da linha divisória, não impondo, portanto, qualquer distância relativamente a essa linha. Tê-lo-á feito por razões económicas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela e tendo em vista a máxima rentabilidade dos terrenos. Mas, consciente dos riscos de invasão do prédio vizinho que tal situação implicava – já que o normal crescimento das árvores determina, com muita probabilidade, a extensão dos ramos, troncos e raízes para além da linha divisória do prédio onde foram plantadas – e não pretendendo impor ao proprietário vizinho a obrigação de tolerar a invasão do seu prédio, o legislador concedeu a este proprietário um meio expedito e rápido de defender a sua propriedade, estabelecendo, no citado art. 1366º/1, que este poderia arrancar e cortar as raízes que se introduzissem no seu terreno e o tronco e ramos que sobre ele propendessem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizesse dentro de três dias.

Concedeu, portanto, o legislador ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de auto-tutelar o seu direito, mediante o recurso a “acção directa” (cfr. art. 336º do CC), sem restrições e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, bastando, para o efeito, que, previamente, solicite ao dono da árvore a actuação pretendida e que este o não faça dentro de três dias.

Por regra, a concessão dessa faculdade será, efectivamente, bastante para prevenir e evitar que aquelas árvores possam causar qualquer prejuízo ao prédio vizinho, por isso se entendendo que o proprietário lesado não terá direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que tenha sofrido, sendo certo que os poderia ter evitado mediante o exercício da faculdade que, com essa finalidade, lhe foi concedida. Em tais situações, poder-se-á dizer que o prejuízo deriva directamente da omissão do proprietário lesado, não se justificando, portanto, a atribuição de qualquer indemnização.

Mas, a verdade é que existem situações onde não é razoável e não é legítimo impor ao proprietário vizinho o dever de exercer aquela faculdade e a consequente impossibilidade de ver ressarcidos os danos que sofreu por força de uma árvore que não é sua, da qual não retira qualquer benefício e que está a interferir com o seu direito de propriedade.

Não parece, desde logo, justo e razoável que o proprietário do prédio vizinho – que não retira qualquer benefício da árvore – tenha que assumir o ónus e encargo de estar em permanente vigilância sobre a evolução da árvore e de suportar os custos inerentes à remoção de raízes, troncos e ramos que se introduzam no seu prédio para evitar qualquer dano (custos que, em determinados casos, poderão ser elevados), enquanto o dono da árvore – que, em princípio, deveria ser o responsável pela sua vigilância e pela prática dos actos que se revelassem necessários para evitar danos a terceiros – se alheia dessa situação, à sombra e a pretexto da licitude da plantação da árvore junto à linha divisória.

Por outro lado, também existem situações em que o proprietário não pode actuar pelo modo que seria necessário para evitar o dano no seu prédio, o que acontecerá, designadamente, quando tal dano não pode ser evitado sem o corte da árvore, já que – temos como certo – o citado art. 1366º/1, não concede ao proprietário vizinho o direito de entrar no prédio vizinho para cortar a árvore que, pelo menos em parte, se encontra em prédio que não lhe pertence.

Mas, sem prejuízo de se apelar, em algumas dessas situações, ao abuso de direito, como se fez no Acórdão do TRC de 21/03/2006 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, tomo II, pág. 18), parece que o citado art. 1366º não poderá ser lido com o alcance e a amplitude de retirar, em todo e qualquer caso, o direito do proprietário vizinho à reparação dos danos que sofreu.

A este propósito e embora não se refira ao direito de indemnização, mas sim ao direito de o proprietário exigir que o corte seja feito pelo dono da árvore, refere Henrique Mesquita (Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, págs. 160 a 162.) que, apesar de ser normalmente entendido que este direito não existe, esse entendimento nem sempre proporciona a solução mais razoável, como acontece nos casos em que o proprietário vizinho não tem a possibilidade de proceder ao corte (como poderá acontecer quando as árvores estão plantadas junto de muros ou prédios urbanos). Assim, refere o citado autor, “em situações com esta configuração parece-nos razoável entender que ao proprietário lesado assiste o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos. Com vista à justificação legal deste entendimento poderá dizer-se que o art. 1366º se aplica apenas quando ao proprietário do prédio vizinho seja fácil proceder ao corte das raízes, valendo, para as outras hipóteses, os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia; ou que aquele preceito tem apenas por objectivo legitimar a acção directa do proprietário lesado, mas sem excluir que ao dono das árvores se possam exigir os actos necessários a remover ou impedir agressões ao direito de propriedade dos vizinhos, que é um direito exclusivo (cfr. o art. 1305º); ou ainda que a infiltração de raízes em prédio alheio, por isso que é susceptível de originar, nas hipóteses que vimos analisando, prejuízos substanciais para o proprietário vizinho, se traduz numa emissão a que poderá aplicar-se por analogia o disposto no art. 1346º, senão mesmo o preceituado no artigo seguinte”.

Acompanhando, de algum modo, a doutrina de Henrique Mesquita, parece que o citado art. 1366º teve em vista duas coisas: estabelecer que é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do prédio sem necessidade de respeitar qualquer distância e conceder ao proprietário do prédio vizinho a possibilidade de recorrer à acção directa com vista a eliminar as raízes, troncos e ramos que estão a invadir o seu prédio.

Sem se pronunciar, sequer, na norma citada, sobre possíveis danos causados pelas árvores em prédios vizinhos e sobre a possibilidade (ou não) de eles serem indemnizados, não parece que o legislador tenha pretendido eliminar em absoluto o direito do proprietário vizinho a ser ressarcido por esses danos (isso não resulta – pelo menos claramente – da letra da lei); o legislador terá apenas pretendido solucionar, de forma rápida e expedita, o conflito de vizinhança que, com muita probabilidade, iria surgir com a plantação de árvores junto à linha divisória, reconhecendo ao proprietário vizinho o direito de não tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos e troncos das árvores e concedendo-lhe o direito (mas não a obrigação) de atacar de imediato essa invasão, independentemente de a mesma lhe causar ou não qualquer prejuízo.

Naturalmente que, concedendo a lei ao proprietário vizinho, a faculdade de reagir àquela invasão em prazo muito curto – actuando ele próprio se o dono da árvore, depois de tal lhe ter sido solicitado, o não fizer em três dias – dever-se-á considerar que os prejuízos causados por tal invasão se devem à sua própria omissão, já que, podendo actuar e evitar o dano, não actuou, permitindo que o dano se produzisse. E, nesse caso, não se justificará, efectivamente, que possa vir a exigir ao proprietário das árvores a respectiva indemnização, tal como vem entendendo a doutrina e jurisprudência maioritárias.

Mas uma tal solução apenas se justificará quando o proprietário vizinho tem a possibilidade efectiva de actuar, ao abrigo do citado art. 1366º, de forma a evitar o dano e quando tal actuação lhe é exigível, como sucederá nos casos em que as raízes, ramos ou troncos podiam ser cortados facilmente e sem grandes custos. Só nessa situação se poderá dizer que o proprietário do prédio vizinho omitiu o dever e a actuação que lhe era permitida e que lhe era exigível, dando causa ou contribuindo, com culpa, para a produção do dano o que excluiria a eventual responsabilidade civil do dono da árvore, por força do disposto no art. 570º do CC.

Mas tal já não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível por ser demasiada onerosa e por não ser razoável fazer impender sobre o proprietário vizinho o ónus de suportar os custos inerentes (que, eventualmente, até podem ser superiores ao valor do dano que se pretende evitar), quando é certo que a árvore não é sua e dela não retira qualquer proveito.

Nessas situações, valerão, como refere Henrique Mesquita (cfr. excerto acima citado) os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia e, portanto, o dono das árvores terá a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do CC, seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

A lei reconhece, claramente, ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do CC); a lei não impõe ao proprietário qualquer restrição emergente da plantação de árvores no prédio vizinho, no sentido de ser obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, troncos ou ramos dessas árvores, reconhecendo-lhe claramente (como decorre do art. 1366º/1) o direito de não tolerar tal invasão; portanto, tal invasão – não podendo ser imposta ao proprietário do prédio – configura uma lesão ou violação do seu direito de propriedade, pelo menos, a partir do momento em que manifesta a sua oposição; embora se deva considerar que, em princípio, o proprietário do prédio invadido não pode exigir qualquer indemnização ao dono das árvores pelos danos decorrentes do prolongamento das raízes, ramos e troncos, na medida em que, tendo a faculdade de proceder ao seu corte, estava na sua disponibilidade evitar a produção do dano, não poderá deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização dos danos quando não lhe era possível actuar de forma a evitar a sua verificação ou quando tal actuação, apesar de lhe ser permitida, não lhe era exigível.

Ainda que seja lícita a plantação das árvores naquelas circunstâncias (ou seja, até à linha divisória), o dono das árvores não deixará de responder pelos danos que elas causem a terceiros, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 493º do CC e, portanto, se as suas raízes, ramos ou tronco invadirem prédio alheio e se o proprietário do prédio invadido estiver impossibilitado de proceder ao respectivo corte, ao abrigo do disposto no art. 1366º/11, ou se não lhe for exigível tal actuação, recai sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos causados com tal invasão.

À luz destes considerandos, o proprietário não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos ou troncos das árvores que pertencem a outrem e nenhuma justificação encontramos para impor ao proprietário o ónus de praticar todo e qualquer acto que seja necessário – e com a frequência que seja necessária – para evitar que aqueles causem dano efectivo no seu prédio e independentemente da natureza e da onerosidade desses actos, quando é certo que nenhum benefício retira daquelas árvores. A ser de outro modo, o proprietário em causa sofreria duas agressões no seu direito de propriedade, já que, além de o seu direito de propriedade estar a ser objecto de uma interferência que não é obrigado a tolerar, ainda teria que suportar os custos dos actos necessários para evitar que tal circunstância causasse danos efectivos no seu prédio. O que determina o citado art. 1366º/1, é que o proprietário tem o direito de praticar esses actos; mas não se determina que tenha a obrigação de os praticar sob pena de arcar com os danos que aquelas árvores lhe venham a causar, ainda que se considere, como acima se mencionou, que, podendo fazê-lo, sem grande esforço e sem grandes custos, actua com culpa e contribui para a verificação do dano, se omitir tal actuação e nada fizer para evitar o dano.

3/26/2024

Eliminação de defeitos


Acórdão: STJ 
Data: 07 de Julho de 2010
Proc. nº 31/04.1TBTMC.S1.
Relator: Ferreira de Almeida

Descritores:
Empreitada. 
Defeito da obra. 
Denúncia. 
Acção directa. 
Execução específica. 
Resolução de contrato. 
Procedimento

Sumário:

I. A não eliminação dos defeitos (oportunamente denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro) não confere àquele o direito de, de per si (directamente) ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos reclamando, posteriormente, do empreiteiro o pagamento das despesas efectuadas, bem como o de exigir do obrigado (por antecipação) o adiantamento da verba necessária ao respectivo custeio.

II. O dono da obra (como credor de uma prestação de facto fungível) só poderá adregar um tal resultado através do recurso à via judicial, obtendo a condenação do empreiteiro nessa eliminação e, em caso de incumprimento do dictat condenatório, requerer, em subsequente execução (execução específica), o respectivo cumprimento, por terceiro à custa de devedor (art.ºs 828.º do CC e 936.º, n.º 1, do CPC).

III. Trata-se, pois, de um direito potestativo de exercício judicial, não legitimador de qualquer acção directa geral ou especial (de carácter unilateral) por banda do dono da obra, não podendo este substituir-se ao empreiteiro, eliminando sponte sua e de motu próprio os defeitos ou vícios da obra e apresentar-lhe seguidamente a conta das despesas, assim procedendo, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra (autotutela não consentida por lei).

Isto a menos que se trate de reparações objectivamente urgentes, prementes ou necessárias (não tendo o empreiteiro procedido atempadamente à sua eliminação), casos em que o dono da obra poderá agir com base nos prin­cípios da acção directa geral ou do estado de necessidade plasmados nos art.ºs 336.º e 339.º, ambos do CC.

IV. Com vista a tal desideratum, impõe a lei ao dono da obra um iter procedimental ou sequencial de carácter obrigatório: denúncia em devido tempo ao empreiteiro dos defeitos exibidos pela obra, assim lhe conferindo (ao empreiteiro) a possibilidade da sua eliminação ou, em caso de impossibilidade dessa eliminação, exigir-lhe uma nova construção (art.º 1221.º, n.º 1, do CC); só se frustrada essa “démarche” lhe será facultado exigir (ao empreiteiro) a redução do preço acordado ou a resolução do contrato (art.º 1222.º, n.º 1, do mesmo diploma).

V. Não cabe ao comitente (dono da obra) a opção entre eliminar os defeitos ou realizar uma nova obra. É ao empreiteiro, tendo em conta as leges artis e os conhecimentos técnicos inerentes, que cabe averiguar se os defeitos são elimináveis. Se o dono da obra discordar da opinião do empreiteiro, compete ao tribunal decidir (com apelo a critérios objectivos) se os defeitos são ou não elimináveis.

Texto integral: vide aqui

2/15/2024

Revolução no Alojamento Local? Comentário ao AUJ n.º 4/2022


O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferiu um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ n.º 4/2022), esclarecendo que no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação (cfr. art. 1418.º-2-a) do Código Civil, doravante CC), deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitido o exercício da atividade de alojamento local (AL), regulada pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto[1].

Vejamos o caso.

Num prédio urbano constituído em propriedade horizontal, uma das frações autónomas destinadas à habitação passou a servir de alojamento temporário a turistas, mediante renumeração. O proprietário da fração publicitou na Internet (no site www.airbnb.com) e disponibilizou a fração, mobiliada e equipada, para serviços de alojamento, por período inferior a 30 dias, prestando ainda serviços remunerados de limpeza.

Com a rotatividade dos utentes, o ruído aumentou, tal como a insegurança e a sujidade e desgaste das partes comuns, etc., em prejuízo dos demais condóminos, que vêem o imóvel desvalorizado.

Os proprietários de uma outra fração intentaram uma ação em tribunal com vista ao encerramento da atividade de alojamento temporário, tendo o réu alegado que destinar a habitação a AL não descaracteriza a finalidade de habitação que consta do título constitutivo.

O caso chegou ao STJ, tendo confirmado o acórdão da Relação que deu razão aos autores, condenando o réu a cessar a utilização da fração para alojamento temporário, e reintegrá-la no seu destino específico de habitação. Decidiu-se que “a atividade de alojamento local não integra o conceito de habitação como fim dado às fracções autónomas no título constitutivo da propriedade horizontal” e que o “o conceito de habitação, como destino da fração autónoma, mostra-se qualitativamente distinto do conceito de utilização da mesma para AL”.

Por sua vez, os réus vieram interpor recurso para uniformização de jurisprudência, referindo-se ao acórdão do STJ de 28-03-2017, disponível aqui, onde se entendeu que, “na cedência onerosa da fração a turistas, a fração autónoma destina-se à respetiva habitação e não a atividade comercial”.

Há, assim, contradição direta quanto à questão de a fração autónoma destinada à habitação poder (acórdão fundamento) ou não (acórdão recorrido) ser utilizada para AL, isto é, se viola o fim da habitação.

O art. 1422.º-2-c) do CC impede que os condóminos dêem à fração um uso diverso do fim a que é destinada, tendo cada condómino o direito de se opor a que qualquer fração seja utilizada para um fim diverso do consagrado no registo.

Com efeito, o título constitutivo pode conter algumas proibições, tal como o regulamento do condomínio. Mesmo depois da constituição da propriedade horizontal, a assembleia de condomínios pode deliberar sobre a proibição de certos atos ou atividades (alínea d) primeira parte), desde que compatível com o fim do prédio ou das suas fracções, sob pena de nulidade (art. 1418.º-3).

Importa também ter presente a publicidade resultante das regras do registo predial, dada a obrigatoriedade do registo do título constitutivo donde consta o fim das fracções autónomas (cfr. arts. 2.º-1-b) e v) e 95.º-1-r) e z) do Código de Registo Predial). Note-se que este registo não se confunde com a indicação (genérica) de destino e uso aquando dos projetos de construção.

Face ao boom dos alojamentos locais, sentido aliás um pouco por toda a Europa, o nosso ordenamento jurídico introduziu um regime jurídico do AL, pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07-03, mais tarde autonomizado do regime de empreendimentos turísticos, com o Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29-08. Com a alteração operada pela Lei n.º 62/2018, de 22-08, passou a ser possível à assembleia de condomínios, por deliberação, opor-se ao exercício da atividade de AL em frações autónomas, com fundamento na prática reiterada, e comprovada, de atos que perturbem a normal utilização do prédio[2]. Previu-se ainda a possibilidade de cancelamento do registo por órgão municipal competente se comprovada perturbação do descanso dos restantes condóminos (art. 9.º).

O STJ, no acórdão recorrido, esclareceu que habitação como destino da fração autónoma é qualitativamente distinto da utilização da mesma para AL, pois este caracteriza-se por uma rotatividade e utilizadores diversos em oposição à tendencial estabilidade do gozo de uma fração habitacional. Conclui que o destino “habitação” mencionado no título constitutivo da propriedade e no respetivo registo predial se refere a habitação como centro de vida doméstica.

Contrapõe-se a argumentação do acórdão fundamento.

Reconhece-se que o AL é compatível com o destino genérico “habitação”, sendo que os usuários do AL fazem do espaço um uso habitacional. O STJ considerou que o AL constitui arrendamento para habitação, respeitando a finalidade de habitação do título constitutivo. Não viola, por conseguinte, os arts. 1418.º e 1422.º-2-c) do CC.

O acórdão que aqui analisamos segue a posição do acórdão recorrido, clarificando:

– O AL não é um simples habitar da fração, equivalente à habitação que dele fazem os usuários não abrangidos pelo AL, não se confundido com arrendamentos sazonais de curta duração em áreas de veraneio ou “alojamento” de estudantes. Mais, para efeitos tributários, o AL não é tratado como habitação.

– É vedado aos condóminos o uso para fim diverso do que a fração é destinada nos termos do art. 1422.º-2-c) do CC.

– O sentido normal do destino “habitação” é o de “servir de fogos ou de residência para pessoas e agregados familiares, proporcionando-lhes o sossego, a tranquilidade, a segurança e o conforto requeridos por qualquer economia doméstica, num envolvente espaço comum instrumental desse tipo de convivência colectiva”.

Efetivamente, é diferente ter vizinhos “tradicionais” do que ser vizinhos de AL dado o caráter temporário da estadia. Confirmando a posição do acórdão recorrido, uniformizou-se jurisprudência no sentido que o destino “habitação” no título constitutivo não permite a realização de AL.

[1] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/2015, de 23-04, pela Lei n.º 62/2018, de 22-08, pela Lei n.º 71/2018, de 31-12, e pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29-01

[2] O art. 4.º-4, exige autorização do condomínio para instalação de AL na modalidade hostel, quando esta venha a coexistir com fim “habitação”.

2/08/2024

Caducidade acção anulação


Tribunal: STJ
Processo: 23757/19.0T8PRT-A.L1.S1
Data: 11-11-2021
Relator: Fernando Baptista

Sumário:

I - Compaginando a primitiva redacção do art. 1433.º do CC com a nova, constata-se que com o DL n.º 267/94 o legislador introduziu no novo texto duas sensíveis alterações: alargou de 20 para 60 dias o prazo para os condóminos ausentes impugnarem as deliberações; deixou de se fazer referência à comunicação da deliberação como início do prazo da impugnação (como primitivamente se estipulava), passando tão só a aludir-se à data da deliberação.

II - Não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de acção de anulação opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (ut n.º 4 do art. 1433.º do CC).

III - Solução que não deixa desprotegido o condómino ausente, pois, como reza o n.º 2 do art. 1433.º, tem sempre à sua mercê o recurso à assembleia extraordinária (que pode exigir ao administrador, no prazo de 10 dias contado da comunicação da deliberação) e, caso a deliberação não tenha sido revogada por essa mesma assembleia extraordinária, pode, ainda, recorrer à acção de anulação, no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária, com vista a lograr obter essa mesma revogação (n.º 4 do art. 1433.º do CC).

IV - E nem se diga que esta interpretação da posição do ausente equivale ao renascimento de um direito caducado. Não equivale, pois que, embora a deliberação extraordinária seja uma deliberação confirmatória da primitiva deliberação (sendo revogatória, obviamente que não há fundamento para a intervenção judicial), o objecto da acção de anulação instaurada pelo ausente (já) não é a primitiva deliberação, mas, sim, a deliberação extraordinária.

V - Acresce que esta interpretação do art. 1433.º do CC é a que mais se ajusta aos critérios interpretativos ínsitos no art. 9.º do CC, ponderando a apontada evolução legislativa e o contexto da solução no seio do sistema jurídico e das soluções consagradas quanto à necessidade de comunicar aos condóminos o teor das deliberações adoptadas.

VI - O campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante da parte inicial do art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25-10, deve ser perspectivado de forma restrita.

VII - Como tal, a acta da assembleia de condóminos que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias a aplicar aos condóminos incumpridores das respectivas obrigações, não constitui título executivo no que diz respeito a essas penalizações, por tais quantias não estarem abrangidas pelo preceituado no art. 6.º, n.º 1, do referido DL n.º 268/94, não podendo, assim, servir de base à execução a instaurar pelo administrador para cobrança coerciva das mesmas.

III - Solução que não deixa desprotegido o condómino ausente, pois, como reza o n.º 2 do art. 1433.º, tem sempre à sua mercê o recurso à assembleia extraordinária (que pode exigir ao administrador, no prazo de 10 dias contado da comunicação da deliberação) e, caso a deliberação não tenha sido revogada por essa mesma assembleia extraordinária, pode, ainda, recorrer à acção de anulação, no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária, com vista a lograr obter essa mesma revogação (n.º 4 do art. 1433.º do CC).

IV - E nem se diga que esta interpretação da posição do ausente equivale ao renascimento de um direito caducado. Não equivale, pois que, embora a deliberação extraordinária seja uma deliberação confirmatória da primitiva deliberação (sendo revogatória, obviamente que não há fundamento para a intervenção judicial), o objecto da acção de anulação instaurada pelo ausente (já) não é a primitiva deliberação, mas, sim, a deliberação extraordinária.

V - Acresce que esta interpretação do art. 1433.º do CC é a que mais se ajusta aos critérios interpretativos ínsitos no art. 9.º do CC, ponderando a apontada evolução legislativa e o contexto da solução no seio do sistema jurídico e das soluções consagradas quanto à necessidade de comunicar aos condóminos o teor das deliberações adoptadas.

VI - O campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante da parte inicial do art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25-10, deve ser perspectivado de forma restrita.

VII - Como tal, a acta da assembleia de condóminos que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias a aplicar aos condóminos incumpridores das respectivas obrigações, não constitui título executivo no que diz respeito a essas penalizações, por tais quantias não estarem abrangidas pelo preceituado no art. 6.º, n.º 1, do referido DL n.º 268/94, não podendo, assim, servir de base à execução a instaurar pelo administrador para cobrança coerciva das mesmas.

2/02/2024

Andaimes em fachada prédio; Assalto


Acórdão: TRP
Processo: 2670/20.4T8PRT.P1
Data: 04-05-2022
Relator: EUGÉNIA CUNHA

Sumário:

I - Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, com a, inerente, consequência da imediata rejeição do recurso, nessa parte, a recorrente que se limita a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco sem fazer concreta, especificada e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão de facto impugnada (v. nº1, al. b) e nº2, al. a), do art. 640º, do CPC).
II - A responsabilidade civil comporta a contratual (obrigacional), fundada em violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários) e a extracontratual (delitual/aquiliana) que emerge não de violação de contratos mas sim da violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado (violação de normas gerais que tutelam interesses alheios, de deveres genéricos de respeito).
III - É violadora de obrigação concretamente assumida, logo se desenhando, por isso, ilicitude contratual, a qual sempre, inevitavelmente, decorreria do próprio princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (nº2, do art. 762º), a atuação da empreiteira que estando obrigada à vigilância do andaime que colocou na fachada do prédio, para reabilitação desta, por efetiva vigilância ao mesmo não executar, facilitando a entrada, pelas janelas, dos desconhecidos que se apropriaram de bens dos Autores, entrando, para o efeito, nas suas habitações, no 2º, 6º e 9º andares, e a saída dos mesmos pelos andaimes com os objetos de que se apropriaram, incorrendo em responsabilidade contratual por violação de deveres contratuais, quer principais quer secundários e acessórios de conduta, como o de proteção e de consideração pelos interesses dos condóminos, por si colocados em situação de maior vulnerabilidade e expostos a perigos.

Testo integral: vide aqui

1/16/2024

Impugnação das deliberações da assembleia de condóminos


Tribunal: TRP
Processo: 17683/21.0T8PRT.P1
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Data: 27/06/2022

Sumário:

As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.

Texto integral: vide aqui

Requisitos da providência cautelar de suspensão das deliberações

Tribunal: TRE
Processo: 432/19.0T8PTM.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Data: 26-09-2019

Sumário:

- são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos a invalidade da deliberação, a qualidade de condómino e a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação;
- se se conclui pela não afirmação do dano apreciável em decorrência da execução da deliberação, a pretensão do Requerente soçobra, sem necessidade de apreciação dos demais fundamentos.

Texto integral: Vide aqui

11/03/2023

Penhora fracção autónoma pelo condomínio


Tribunal: Relação do Porto
Processo: 1167/15.9T8PVZ.P1
Data: 16/12/2015

Sumário:

I - A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais.
II - Decorre do n.º 1 do artigo 686.° do Código Civil a natureza jurídica da hipoteca como direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência -, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
III - A penhora não constitui, em rigor, um direito real de garantia real, resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
IV - Mesmo que se considere a penhora como garantia real, a mesma não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos estritamente limitados ao processo no âmbito do qual é registada.
V - Nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do condomínio (exequente), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
VI - Em suma: não merece censura a decisão do Conservador do Registo Predial que recusou o registo de uma hipoteca proposta pela executada, no âmbito de uma execução instaurada pelo condomínio, visando prestar caução com efeito suspensivo dos termos da execução (art.º 733.º, n.º 1, a) do CPC).

Decisão integral: vide aqui

8/09/2023

Remover piscina em terraço


Tribunal: Julgado de Paz do Porto
Processo: 187/2011-JP
Data: 31-05-2012

Sentença:

A Demandante veio propor contra os Demandados a presente acção declarativa enquadrada na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação destes a remover a piscina identificada no requerimento inicial, repondo a situação anterior.
Os Demandados devidamente citados, apresentaram contestação nos termos plasmados a fls. 17 a 27.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 4.950,00 – artºs 306º nº1 e 315º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandante por representação - artº 21º do C.P.Civil) e são legítimas.
Não há excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
 
FACTOS PROVADOS
 
A. Mediante deliberação da Assembleia de Condóminos do A, sito na Rua A, no Porto, a Demandante foi eleita como administradora do referido imóvel.
B. A Demandada M é proprietária da fracção “BD”.
C. No último andar do edifício identificado em A. supra, situa-se um terraço que, sendo parte comum desse edifício, é de uso exclusivo da fracção “BD”.
D. A Demandante fez incluir na ordem de trabalhos da Assembleia realizada a 17 de Junho de 2009 a questão da instalação de um jacuzzi por parte dos Demandados.
E. Nessa Assembleia de Condóminos, o Demandado D participou e fez-se acompanhar de dois convidados, o Arquitecto V e o J.
F. Na qual, foram discutidos vários aspectos da questão em apreço, tendo os condóminos, quanto à matéria da instalação do jacuzzi no terraço ao uso da fracção dos Demandados, aprovado por unanimidade a seguinte deliberação: “Necessidade de avaliação do impacto de instalação da piscina no terraço e, no caso de parecer técnico escrito ser positivo, que se exija seguro de responsabilidade civil extracontratual à primeira instância”.
G. Trata-se de um jacuzzi que consiste numa estrutura amovível (de 4,20m x 2,30 m e com 1,20 m de profundidade) e construída num molde único.
H. Na sequência da Assembleia de Condóminos de 17 de Junho de 2009, os Demandados obtiveram da parte do construtor do edifício - a sociedade E - uma informação escrita sobre as cargas que o piso 8, onde se encontra a fracção “BD” estava dimensionado para suportar.
I. Tendo obtido a informação que a área em questão poderia suportar uma sobrecarga total de 897,72 KN, ou seja, cerca de 90 toneladas.
J. De seguida, os Demandados requisitaram ao Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, um parecer técnico sobre a viabilidade da execução/montagem do jacuzzi no seu terraço.
K. O parecer teve um custo de € 4.200,00.
L. As conclusões do parecer referido em K. supra, são as seguintes:
- O projecto de estruturas contabilizou a acção de uma piscina com l.0m de altura no piso 8 (...), tendo a laje desse piso sido dimensionada para suportar essa carga (carga global de,750 KN);
- A instalação do jacuzzi, de acordo com as pretensões do proprietário (numa área máxima de 16 m2), representa um acréscimo de carga total (160 KN) ao nível das fundações dos elementos de estrutura portante vertical da zona estudada de 1,7% face às cargas actualmente instaladas, o que é um valor manifestamente baixo;
- A avaliação dos elementos do projecto da estrutura da laje do piso 8, permitiu concluir que esta laje apresenta a capacidade resistente para suportar a carga adicional da piscina contemplada no projecto;
- Em termos estruturais verificou-se que a estrutura do piso 8 tem condições para suportar a carga devida à instalação do jacuzzi, não se tendo identificado qualquer impedimento à sua instalação como pretendido pelo proprietário nas condições apresentadas.
M. Após ter recebido o parecer técnico positivo, os Demandados obtiveram por e-mails datados de 14 e 15/06/2009, a confirmação da Demandante, na qualidade de Administradora de Condomínio, de que podiam avançar com a realização da obra.
N. Já após a instalação do jacuzzi que ocorreu em Julho de 2010, teve lugar a Assembleia de Condóminos que ocorreu em 09.09.2010.
O. Na qual foi deliberada a remoção do jacuzzi.
 
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
 
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, sendo que o facto constante em A., considera-se admitido por acordo – artº 490º, nos termos do nº 2 do CPC.
 
O DIREITO
 
A Demandante pretende com a presente acção a remoção da piscina identificada no requerimento inicial e que seja reposta a situação anterior.
Alega para tal e em síntese, que os Demandados sem prévia autorização do condomínio, instalaram no terraço de cobertura que serve a sua fracção uma piscina/jacuzzi, mas que é uma parte comum do edifício, sendo que a mesma, pelas suas dimensões e localização é bem visível e, para além de chocar a sensibilidade dos condóminos, modifica o arranjo estético do edifício, a própria segurança foi colocada em causa, uma vez que a laje do piso em questão, bem como a restante estrutura do edifício, não foi projectada para receber uma estrutura tão pesada como uma piscina, pelo que violaram quer o disposto no artº 1422º nº1 e nº2 alínea a), bem como o estatuído no artº 1425º nº2, todos do CC.
Por sua vez, os Demandados sustentam que a instalação do jacuzzi não precisa sequer de autorização da assembleia de condóminos, pois é amovível, não constituindo inovação para os efeitos do artº 1425º do CC, nem interfere com a estrutura e/ou a linha arquitectónica do prédio. Contudo, foi requerida previamente autorização da assembleia de condóminos, o que foi dado, ficando apenas condicionado à obtenção de parecer técnico positivo e à realização de um seguro de responsabilidade civil.
Daqui decorre, que os Demandados entendem que a piscina/jacuzzi não constitui uma inovação para os efeitos do artº 1425º do CC e que por isso, não necessita de autorização do condomínio.
Será assim?
A propriedade horizontal caracteriza-se pela co-existência em simultâneo da propriedade singular – sobre a fracção autónoma e a compropriedade – sobre as partes comuns, constituindo assim uma figura distinta da compropriedade, sendo por isso alvo de tratamento pela lei em capítulo à parte.
Resulta do nº1 do artº 1421º do CC que: “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns.
Em matéria jurídica dos direitos e encargos dos condóminos está especialmente vedado a estes prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício – art. 1422º, nº 2, al. a), do CC.
Por sua vez, em matéria de inovações, estabelece o art. 1425º do citado código que: “As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” – seu nº 1.“Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns” – cf. seu nº 2.
Ou seja, o campo de aplicação de cada norma varia em função do tipo e natureza de obras realizadas. No que respeita às que integram a qualificação de “inovações”, constata-se que as obras aqui previstas são aquelas que dizem respeito às partes comuns – cf. seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos, devendo representar dois terços do valor total do prédio. Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a). Relativamente às partes comuns, o nº 2 do art. 1425º do CC prevê que não serão permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como comuns.
Ora, não é motivo de discórdia de que o terraço que está ao uso exclusivo da fracção “BD” é uma parte comum do edifício.
Vejamos então se a instalação do jacuzzi é ou não uma inovação?
Resulta do regime legal supra citado que o legislador optou por não definir o que são obras inovadoras nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação, deixando tal tarefa para a jurisprudência, que tem vindo a entender que “Inovar” é “trazer algo de novo” àquilo que está. Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que está ou seja, algo diferente daquilo que está. Será, pois, toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como originariamente foi concebido.
Nessa perspectiva, a instalação do jacuzzi, não pode deixar de considerar-se uma inovação. Com efeito, da própria alegação dos Demandados resulta que para a instalação do mesmo foram retiradas aproximadamente 350 lajetas, que substituíram por deck em madeira à volta do jacuzzi. Acresce ainda, a instalação de toda a canalização necessária para o respectivo funcionamento.
Sendo uma inovação, necessita pois, de autorização da assembleia de condóminos.
Nesta matéria, resultou provado que a Demandante fez incluir na ordem de trabalhos da Assembleia realizada a 17/06/2009 a questão da instalação de um jacuzzi por parte dos Demandados, na qual, foram discutidos vários aspectos da questão em apreço, tendo os condóminos, quanto a esta matéria, aprovado por unanimidade a seguinte deliberação: “Necessidade de avaliação do impacto de instalação da piscina no terraço e, no caso de parecer técnico escrito ser positivo, que se exija seguro de responsabilidade civil extracontratual à primeira instância”.
Ou seja, a autorização ficou condicionada a dois pressupostos: o parecer técnico positivo e o seguro de responsabilidade civil extracontratual.
Nessa sequência, os Demandados obtiveram da parte do construtor do edifício - a sociedade E - uma informação escrita sobre as cargas que o piso 8 (piso da fracção dos Demandados) estava dimensionado para suportar, tendo obtido a informação que a área em questão poderia suportar uma sobrecarga total de 897,72 KN, ou seja, cerca de 90 toneladas. De seguida requisitaram ao Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, um parecer técnico sobre a viabilidade da execução/montagem do jacuzzi no seu terraço, o qual foi positivo.
Faltaria o seguro de responsabilidade civil.
Após ter recebido o parecer técnico positivo, os Demandados obtiveram por e-mails datados de 14 e 15 de Junho de 2009, a confirmação da Demandante, na qualidade de Administradora de Condomínio, de que podiam avançar com a realização da obra.
Das funções do Administrador definidas no artº 1436º do CC, não consta das alíneas aí mencionadas, que tenha poderes para permitir o início da obra em causa, pois tal matéria, mesmo a questão de apreciar o parecer técnico obtido, seria da competência exclusiva da assembleia de condóminos.
Acresce que, terminada a obra e encontrando-se em funcionamento o jacuzzi, pelo menos há um mês, conforme se retira do conteúdo da acta nº 10 relativa à assembleia de condóminos realizada aos nove dias do mês de Setembro de 2010, o comprovativo da existência do seguro de responsabilidade civil ainda não tinha sido entregue pelos Demandados.
Nessa sequência, veio a ser deliberada a remoção do jacuzzi, deliberação essa, que não foi sequer posta em causa pela Demandada condómina M, pelo que é vinculativa.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, deverá ser dado cumprimento à deliberação supra referida.
 
DECISÃO
 
Face ao que antecede, julgo a acção procedente e em consequência condeno os Demandados a remover a piscina/jacuzzi identificada no requerimento inicial, repondo a situação anterior.

8/01/2023

Condomínio como pessoa colectiva

Acórdão: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo: 9970/17.9T8PRT-B.P1
Data: 27-09-2018

Sumário:

I - O condomínio não integra a previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 mas antes o n.º 2 al. a), 2ª parte, do transcrito artigo, por isso, não é obrigatória a inscrição do condomínio no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. A sua inscrição é facultativa e efectuada como "entidade equiparada a pessoa colectiva".
II - Por outro lado, perante as normas do CC e CPC que regulam o regime de propriedade horizontal, entendemos que no nosso ordenamento jurídico o condomínio não pode ser considerado uma pessoa colectiva.
III - O condomínio não tem personalidade jurídica. Trata-se de uma situação em que um prédio materialmente indiviso ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre fracções determinadas (cf. neste sentido Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 281).
IV - Nos termos do art. 1430 do Código Civil a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Nos termos do art. 1437 do C. Civil, o administrador pode agir quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, no exercício das funções que lhe pertencem.

Texto integral: vide aqui

7/15/2023

Acta - Falta de assinaturas


Tribunal: Relação do Porto
Processo: 0336205
Data: 18/12/2003

Sumário:

A acta de uma assembleia de condominos não deixa de ser válida, e constituir título executivo, mesmo que não contenha todas as assinaturas a que alude o art. 1º, nº 1, do DL nº 268/94.

Texto integral:

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
A Administração do Condomínio ..............., sito na Rua ............, nºs ../../.., freguesia de ..........., ........., instaurou execução ordinária contra Fundo de Investimento Imobiliário ..............., para pagamento da quantia de € 3.991,13, acrescida de juros vincendos.

Alegou, para tanto, e em síntese, que a executada é proprietária das fracções autónomas CB e EK; que, nas Assembleias Gerais de Condóminos realizadas em 9.2.2001 e 1.2.2002, foi aprovado o orçamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, a suportar pelos condóminos, tendo a executada ficado obrigada a contribuir, no ano de 2001, com as quantias trimestrais de € 93,69 e 410,76, respectivamente para as fracções CB e EK, e de € 92,46 e 405,38, no ano de 2002; apesar de interpelada, a executada não pagou o 4º trimestre de 2001, nem todo o ano de 2002.

A exequente apresentou, como título executivo, certidão das actas das referidas Assembleias Gerais, encontrando-se a primeira assinada apenas pela presidente e pela secretária da assembleia (que aí intervieram por si e em representação de várias “fracções”) e, a segunda, contendo apenas uma assinatura.

Por despacho de fls. 41/42 foi a execução liminarmente indeferida, por se ter considerado que a acta dada à execução, junta a fls. 9 a 13, porque não se encontrava assinada por todos os condóminos presentes, não poderia valer como tal e, consequentemente, era insusceptível de constituir título executivo.
Inconformada, interpôs a exequente o presente recurso de agravo, em cuja alegação e respectivas conclusões sustenta que a acta em causa cumpre os requisitos legais e constitui título executivo válido.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O M.mo Juiz a quo proferiu tabelar despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II.
A única questão que constitui o objecto do recurso consiste em saber se as actas das assembleias de condóminos, para valerem como tal e como título executivo, têm de estar assinadas pela pessoa que presidiu à assembleia e por todos os condóminos que nela hajam participado.
Esse foi o entendimento expresso na decisão recorrida, e de que a recorrente discorda.
Vejamos de que lado está a razão.

Nos termos da al. d) do art. 46º do CPC, às execuções podem servir de título executivo “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Uma disposição especial atributiva de força executiva a determinado documento é o art. 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25.10, preceito segundo o qual “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

O nº 1 do art. 1º do mesmo diploma estatui que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado”.

Ora, não sendo a acta assinada por todos os condóminos que participaram na assembleia – como sucedeu no caso em apreço – coloca-se a questão de saber se a mesma pode valer como acta, designadamente para efeitos do disposto no art. 6º do citado diploma legal.
Julgamos que a resposta deverá ser afirmativa.

Dir-se-á, em primeiro lugar, que a lei não sanciona expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia. Designadamente, não comina com a inexistência, ineficácia ou nulidade uma acta lavrada sem tais assinaturas.
E afigura-se-nos não ser aqui aplicável a disciplina que rege as sociedades comerciais, pois estamos perante um instituto (propriedade horizontal) com regime específico do direito civil. De qualquer modo, o Cód. das Sociedades Comerciais não deixa de considerar o documento como acta, nem, sem mais, lhe retira a sua força probatória, quando aquela, devendo ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia, alguns deles o não façam, podendo fazê-lo (vd. art. 63º, nº 3). De acordo com esse preceito, a exigência da assinatura por todos os sócios vem a converter-se, ao fim e ao cabo, “na exigência menor, juridicamente relevante, de assinatura apenas pela maioria dos sócios presentes” [Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 698].

Por outro lado, é de salientar que, “uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na reunião (...)”[P. de Lima e A. Varela, CC anotado, III, 2ª ed., 446; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 173; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 257]. Ou seja, a acta a que se refere o DL nº 268/94 é também vinculativa para os condóminos que faltem à assembleia, como resulta do disposto no nº 2 do art. 1º deste diploma. Ponto é que as deliberações sejam devidamente comunicadas aos condóminos ausentes, como, de resto, o impõe o nº 6 do art. 1432º do CC.
Ora, não se compreenderia tal regime relativamente aos condóminos ausentes e não se considerar a acta válida e eficaz no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, por qualquer motivo não assinaram a acta.
O entendimento seguido no despacho posto em crise conduziria a que – porque ninguém pode ser materialmente obrigado a assinar um acta - qualquer condómino poderia obstar continuamente à validade das decisões da assembleia. Bastaria, para tanto, e como escreve o ilustre conselheiro Aragão Seia [Ob. e loc. Cit], que um condómino se recusasse a assinar a acta. O que seria inaceitável.
Para este autor, o condómino que se recuse a assinar a acta deve, em última instância, ser notificado “como se de ausente se tratasse”, podendo, nesse caso, “vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou arguir a falsidade da acta em tribunal”. E, segundo o Ac. desta Relação, de 26.10.98, proc. nº 9850708, in www.dgsi.pt, “a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo, nos termos do art. 6º do D.L. nº 268/94, mesmo que o condómino devedor não tenha estado presente na assembleia ou se tenha recusado a assinar a acta”.
Ora, não vemos qualquer razão para a acta não tenha igual força e natureza quando os condóminos, por qualquer outro motivo, não tenham assinado a acta.
Se “a acta da assembleia de condóminos onde está fixada a obrigação de pagamento para as despesas comuns do prédio constitui título executivo, ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia” [Ac. da RC, de 29.6.99, CJ, 1999, III, 43], por maioria de razão tal acta valerá como tal e constituirá título executivo no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, não assinaram a acta, por se haverem recusado a tal ou por outro motivo. É que “a força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada em acta” (Aragão Seia [Ob. cit., p. 198] e citado Ac. da RC, de 29.6.99).
Assim sendo, dever-se-á concluir, como neste último acórdão, que a acta a que se refere o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar, tenha participado ou não na assembleia de condóminos e tenha ou não assinado a acta. Também segundo o Ac. da RP, de 19.3.2001, in www.dgsi.pt (processo nº 0051128) “a acta da assembleia de condóminos (...) que deliberou a realização de obras em partes comuns, por certa quantia global, sem especificação do valor a pagar por cada condómino, embora não esteja por eles assinada, é título executivo”.
Concluímos, portanto, que a acta não deixa de ser válida, e constituir título executivo, mesmo que não contenha todas as assinaturas a que alude o art. 1º, nº 1, do DL nº 268/94.
Procedem, pois, as conclusões do recurso.

III.
Em face do exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro a dar prosseguimento aos termos da execução, salvo se, por outra razão, não for de prosseguir.
Sem custas (art. 2º, nº 1, o) do CCJ).

Porto, 18 de Dezembro de 2003
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo

2/10/2023

Marquises - Linha arquitectónica


Acórdão: Tribunal Relação Évora
Processo: 895/08-2
Data: 18/9/2008

Sumário:

I - As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
II – A construção duma marquise constitui sempre uma modificação da linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, pelo que a sua realização depende da autorização prevista no art.º 1422 n.º 3 do CC, tomada em assembleia de condóminos.
III – O condómino que exige, apenas dos RR., e não aos demais condóminos que possuem no imóvel construções idênticas à sua e realizadas também sem qualquer autorização da assembleia de condóminos, está a agir em abuso de direito, ou seja, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, na modalidade de “venire contra factum proprium”, o que obstaculiza o exercício do seu direito.
 
Fundamentação

3.1.3.a.) Saber se a montagem da marquise operou a uma modificação estética e ofensiva da linha arquitectónica. 
 
Segundo a sentença recorrida é inegável que as vulgares conhecidas marquises, prejudicam a linha arquitectónica e o arranjo estático do edifício. Opinião oposta têm os recorrentes.
Vejamos.
 
Segundo o que se dispõe no artº 1422º nº2 al. e nº 3 do CC que estabelece limitações ao exercício do direito dos condóminos, nas relações entre si - «É especialmente vedado aos condóminos:" prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício».
 
E «As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio».
 
Como anotam Pires de Lima e A. Varela in “C.Civil Anotado”, vol. III, pág. 366: o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”.
 
Por “linha arquitectónica do edifício” deve entender-se o “conjunto de elementos estruturais e sistematizados que conferem à construção a sua individualizada específica”, aquela, “enquanto elemento individualizador de uma construção”, saindo, como é apodíctico, prejudicada pelas alterações ou inovações que coloquem em risco o equilíbrio visual, ou seja a aparência externa, ocorram elas na fachada do edifício onde se inserem, ou tenham sido levadas a cabo nas traseiras daquele, “pois a lei não faz qualquer distinção entre as diversas zonas ou áreas do edifício para tal fim”, cfr. Ac. do STJ de 25.05.2000, in CJ/STJ, Ano VIII, tomo II, págs. 80 e segs.
 
Está assente na nossa Jurisprudência que a “linha arquitectónica” a que se refere o artº 1422º do C.Civil, e as inovações a que se refere o artº 1425º do mesmo diploma, se reportam ao desenho inicial do prédio, ou seja, ao prédio tal como foi projectado, licenciado e construído, e não às situações de facto eventualmente existentes à data em que as alterações foram praticadas.
 
A expressão “arranjo estético de um edifício” como é defendido por Aragão Seia, ”refere-se, em especial, ao conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”, os novos elementos da fracção autónoma que podem afectar o arranjo estético do edifício tendo de “possuir visibilidade do exterior”, in “Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios”, pág. 101).
 
Conforme foi referido no Ac.do STJ de 16.07.74, in BMJ 239-199, “será de considerar nova a obra que, apreciada em si mesma ou objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelos adquirentes...». Ou, mais claramente, como se escreve no Ac. do STJ de 19.01.2006, in www.dgsi.pt: “ao projecto inicial do edifício é que há que atender!... Não ao “traçado arquitectónico” do edifício, filho da feitura de obras novas ilegais ...”.
 
No caso concreto dos autos, na fachada sul do imóvel, onde havia um vão que constituía a varanda da fracção, passou a existir uma a área coberta por uma estrutura de alumínio e vidro.
 
Dúvidas não subsistem pois de que o réu realizou obra nova.
 
Sendo ainda evidente que a marquise ali e assim colocada pelos RR., afecta a linha arquitectónica do prédio e o arranjo estético do mesmo e nisso consiste o “prejuízo” a que se refere a al.a) do nº2 do artº 1422º do C.Civil.
 
A fachada do imóvel passou a ter aspecto diverso ou passou a apresentar uma diferente configuração, relativamente à que tinha à data da sua construção. Como se escreveu no Ac. da Relação do Porto de 14.04.93, in CJ, Ano XVIII, Tomo 2, pág. 42 “prejuízo para a linha arquitectónica de um prédio existirá sempre desde que ela seja modificada”. Ou seja, qualquer modificação arquitectónica de um edifício, desde que não prevista no respectivo projecto, prejudica, em princípio, a linha arquitectónica do mesmo. Pelo exposto é manifesto concluir, como em 1.ª instância que a construção da marquise, prejudica a linha arquitectónica do imóvel.
 
Como se viu as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada pela maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, cfr. nº3 do artº 1422º do C.Civil.
 
No caso dos autos os RR. não provaram que tivessem solicitado autorização, previamente à realização de tais obras, e junto da assembleia de condóminos do edifício, autorização para as realizar.
 
Assim, escreve Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, pág. 106 que: “A sanção correspondente à realização das referidas obras novas é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artº 566º nº 1 e 829º nº 2, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio”.
 
Assim, e quanto a este ponto a pretensão dos recorrentes seria improcedente.

3.1.3.b.) – Saber se houve abuso de direito por parte dos AA. Referem os recorrentes que os AA. procederam com abuso de direito.
Vejamos
 
Como vem sendo vulgarmente qualificado, a figura do abuso de direito apresenta-se como válvula de segurança do nosso ordenamento jurídico. Ora, segundo o disposto no artº 334º do C.Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costume ou pelo fim social ou económico desse direito.”
 
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. I, pág. 299, “o exercício de um direito só poderá ser ilegítimo quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamaorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante.”
 
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo 1, pág, 241 e segs., “o abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar”.
 
E segundo o Prof. Baptista Machado, in “Obra dispersa” vol I, págs. 415 a 418, “o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:
1. Uma situação objectiva de confiança; uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico”.
 
A figura do abuso de direito pode apresentar-se, na prática, em quatro formas-padrão ou modalidades de violação do princípio da boa fé, traduzidas:
1. na proibição de tomar, dolosamente, posições processuais ou “exceptio doli”;
2. a proibição de “venire contra factum propprium”;
3. a proibição de abuso de poderes processuais e 4. a dupla formada pela “surrectio” e pela “suppresio”.
 
E mais em pormenor: O “venire contra factum propprium” acontece, por exemplo, quando uma situação de aparência jurídica é criada, em termos tais, que cria nas pessoas a legítima confiança ou expectativa de que a posição jurídica contrária não será actuada.
 
A “surrectio” ou surgimento, como oposto que é da “suppresio” ou neutralização, acontece quando uma pessoa, por força da boa-fé da outra parte, vê surgir na sua esfera jurídica uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria, cfr. Menezes Cordeiro, in obra citada, pág. 241 e segs.
 
A “suppresio” consiste na situação em que uma pessoa incorre quando, tendo suscitado noutra, por força de um não exercício prolongado, a confiança de que a posição em causa não seria actuada, não pode mais fazê-lo, por imposição da boa fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que da inactividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido.
 
Depois destas considerações gerais, vejamos o caso dos autos. Ora, com interesse para a presente questão está assente que no mesmo prédio existem outras marquises, noutros apartamentos. Assim sendo, consistirá a presente actuação do condomínio-autor numa situação de “venire contra factum propprium”, no que concerne ao analisado em 3.3.1.a. ?
 
Entendemos que sim na verdade o facto de existirem outras marquises noutros apartamentos do prédio incutiu nos RR. a confiança legítima de que se eregessem na sua fracção, como fizeram, uma marquise idêntica às pré-existentes no imóvel, mesmo sem solicitar, para o efeito, prévia autorização à assembleia de condóminos, o condomínio não iria exercer, contra si, os direitos de acção consubstanciados no nº 3 do artº 1422º do C.Civil. E assim sendo, os RR. decidirem investir na realização da tais obras, cuja demolição lhe acarretará naturais danos. 
 
Por tudo isto, não nos repugna considerar que o condomínio-autor ao exigir, apenas dos RR., e não aos demais condóminos que possuem no imóvel construções idênticas à sua e realizadas também sem qualquer autorização da assembleia de condóminos, está a agir em abuso de direito, ou seja, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, na modalidade de “venire contra factum propprium”, o que obstaculiza o exercício do seu direito, pelo que nesta questão acompanhamos os recorrentes, no que concerne apenas quanto ao ponto 3.1.3.a. Porém, a sentença recorrida assentou também a sua decisão na violação dos direitos de personalidade a que alude o art.º 70, do C.C.
 
Por essa razão referem os recorrentes que há conflito de direitos, vejamos, então essa questão.
*
3.1.3.c.) Saber se existe colisão de direitos entre os AA. e os RR. Referem os recorrentes que procederam à montagem da marquise na varanda da sua fracção, ao abrigo do disposto nos artigos 1346 e 337, do C.C., porque esta evita a sua invasão por cheiros, odores e baratas., sendo que a marquise não viola os direitos de personalidade dos recorridos porque a abertura a manter-se, continuaria a ter um ponto de saída e ainda porque a cozinha dos recorridos além de ter um exaustor em condições de funcionar tem ligação a outras divisões do mesmo apartamento.
Vejamos 
 
Não há dúvidas que quer a lei constitucional (designadamente artºs 1º, 2º, 69º, nº 1, 70º, nº 2, 72º, nº 2 da CRP), quer a Declaração Universal dos Direitos do Homem (v. respectivo preâmbulo e designadamente os artºs 6º, e 29º, nº 1) garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano (designadamente enquanto manifestação da salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana). O mesmo acontece com a lei ordinária, conforme resulta designadamente do artº 70º do CC. Também não suscita grandes dúvidas que a lei tutela a personalidade enquanto reportada à especificidade de cada pessoa. 
 
Parafraseando Rabindranath Capelo de Sousa (v. O Direito Geral de Personalidade, pág 116), podemos dizer que a lei não tutela aqui um arquétipo como a personalidade normal, física ou sócio-culturalmente abstractamente dominantes, mas cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e psíquica e moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à sua concepção e actuação moral próprias.
 
É também ponto assente que os direitos de personalidade têm como objecto as mais variadas realidades atinentes à pessoa humana: vida, o próprio corpo, elementos anatómicos destacados do corpo, equipamento psíquico, identidade, honra ... saúde fisico-psíquica...
 
É igualmente certo que quando se fala de saúde não se pode deixar de ter em vista também as realidades que lhe são co-envolventes, como o sossego, o descanso, o lazer, o sono reparador, o ar puro, o ambiente sadio...
 
É ainda indiscutível que os direitos de personalidade são absolutos, no sentido de que geram uma universal obrigação de respeito e abstenção de lesão (oponibilidade erga omnes), incorrendo em responsabilidade civil indemnizatória quem os violar (exige-se aqui que se verifiquem os necessários pressupostos da responsabilidade civil) e permitindo a lei a imposição de medidas preventivas, atenuadoras e supressoras da lesão (aqui independentemente de culpa do sujeito passivo e até independentemente de dano efectivo). Isto resulta claro do disposto no artº 70º do CC, e não deixa de ser afirmado pela doutrina (v. R. Capelo de Sousa, ob. cit., pág 451 e sgts).
 
É também certo que os direitos de personalidade não são postergados pelo facto de quem os viola o fazer no exercício de uma actividade lícita e respeitar as normas atinentes a esse exercício, a começar pelas que se referem aos níveis máximos de poluição (designamente sonora, rectius ruído) legalmente estabelecidos. Trata-se de asserção mais que garantida por toda uma jurisprudência constante e pacífica.
 
Feitos estes considerando gerais a respeito do direito de personalidade, temos para nós, evidente que a feitura da marquise viola esses direitos. Na verdade resulta provado que a marquise construída pelos RR. no terraço referido, diminui a luz natural recebida e impede a circulação de ar que se fazia através da “abertura” que dá para o terraço, sendo que a circulação do ar entre a cozinha e o exterior fazia-se directamente apenas pela referida “abertura”.
 
Face a estes factos não restam dúvidas que os direitos de personalidade dos AA. foram violados, pois não é pelo facto de a cozinha ter ligações a outras divisões ou o facto dos AA. poderem utilizar fogão a electricidade que lhe evita a violação dos deveres de personalidade dos AA., como pretendem os recorrentes. Na verdade os AA. não são obrigados a utilizar fogão a electricidade nem são obrigados a estar com as portas abertas e janelas quando cozinham. Assim, não restam dúvidas que os direitos de personalidade dos AA. foram violados com a construção da marquise. 
 
Referem os recorrentes que a feitura da marquise ficou a dever-se ao facto de existirem cheiros e a vinda de baratas e que a mesma foi feita ao abrigo do disposto nos art.ºs 1346 e 337 do C.C. Nos termos do art.º 1346, do C.C. o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.
 
E refere o art.º 337, do mesmo diploma considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.
 
Dos factos provados e com interesse para estar matéria resulta provado junto à varanda do apartamento referido no Facto 2º, apartamento dos RR., existe uma chaminé colocada no terraço do bloco de apartamentos em banda que lhe é contíguo, de onde emanam cheiros e odores e saem baratas que invadem a varanda do referido apartamento e que a marquise limita a entrada de baratas e odores.
 
Destes factos não resulta que a feitura da marquise seja a única forma de evitar os cheiros e os odores nem a entrada de baratas na fracção dos RR. sendo que também não resultou provado, embora os RR. alegassem que a construção da marquise foi feita para evitar a invasão de maus cheiros e baratas provenientes da chaminé.
 
Pois o que se provou foi apenas que a marquise limita a entrada de baratas e odores. Assim, não se vislumbra a existência de colisão de direitos invocada pelo recorrentes, desde logo, por os RR. não terem provado que a única forma de evitar os cheiros e a invasão de baratas fosse a feitura da marquise, nem que esta fosse feita para evitar tais odores e a invasão de baratas.
 
Pelo exposto, esta pretensão dos recorrentes não pode proceder. Diga-se, ainda que face ao referido em 3.1.3.b) a respeito do abuso de direito este não se verifica no que concerne à matéria analisada no ponto 3.1.3.c), razão pela qual a decisão recorrida será de manter.