Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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12/06/2023

Limitações a que os condóminos estão sujeitos

 A regra geral, formulada no art. 1420º do CC, é a de que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence.

Em princípio, portanto, ele goza essa fracção como qualquer outro proprietário singular pode fruir a coisa de que é dono.

Segundo o art. 1305º do CC, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem", contudo, sendo este um direito pleno, não é absoluto, porquanto, tem de ser exercido "dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".

O direito de propriedade não é pois, como se disse, absoluto, porquanto está este limitado pela função social ou económica que desempenha.

No caso da PH, a sua peculiar fisionomia requer especial atenção à interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio, com relevo para a comodidade e tranquilidade destes e para a sua segurança e a do próprio edifício,

Daí que, para além das restrições que de um modo geral a lei assinala ao direito de todo o proprietário, se torne indispensável a imposição de outras que atendam àquelas circunstâncias, sem que isso leve a desvirtuar o domínio pleno do condómino, pois se trata apenas de manifestação do princípio consignado naquele art. 1305º.

É precisamente a essas restrições que este artigo se refere.

Em lugar de formulação genérica e de certo modo vaga que fora dada no art. 12º do DL 40 333, o nº 1 deste art. 1422º veio dispor, de forma objectiva, que os condóminos sofrem as limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários das coisas imóveis, consoante esteja em causa o exercício do seu direito sobre a fracção autónoma ou sobre as partes comuns.

O facto de o preceito não se ter referido, como fazia a lei anterior, ao bem de todos a dever nortear o exercício do direito dos condóminos não quis significar desatenção a essa circunstância, pois é ela uma das que se devem ter em conta por exigência da regra geral do art. 334º, que taxa de ilegítimo o exercício de um direito"quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

A estas circunstâncias devem, pois, os condóminos atender sempre e como regra geral ao exercerem o seu direito quer como proprietários singulares, quer como comproprietários.

 De um modo especial, e naquela primeira qualidade, devem observar as regras dos seguintes preceitos:

Artigo 1346.º
(Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes)

O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.

Nota: A expressão "prédio vizinho", pode e deve ler-se, no âmbito do regime da PH, como "fracção vizinha", seja ela contígua ou situada no mesmo edifício.

Artigo 1347.º
(Instalações prejudiciais)

1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.
2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo.
3. É devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido.

Nota: A expressão "no seu prédio", pode e deve ler-se, no âmbito do regime da PH, como "no interior da sua fracção", englobando esta a área habitacional, garagem, arrecadações. etc..

Artigo 1348.º
(Escavações)

1. O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.
2. Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.

Nota: Embora não se antevejam situações frequentes entre os condóminos que devam ser reguladas por este preceito, certo é que elas se poderão verificar, sobretudo em prédios onde os condóminos tenham a fruição exclusiva de um logradouro de certa extensão.

Artigo 1349.º
(Passagem forçada momentânea)

1. Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
2. É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu dono.
3. Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido.

Artigo 1350.º
(Ruína de construção)

Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492.º, as providências necessárias para eliminar o perigo.

Artigo 1351.º
(Escoamento natural das águas)

1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente.
2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida.

Nota: Embora não se antevejam situações frequentes entre os condóminos que devam ser reguladas por este preceito, certo é que elas se poderão verificar, sobretudo em prédios onde os condóminos tenham a fruição exclusiva de um logradouro de certa extensão.

Artigo 1352.º
(Obras defensivas das águas)

1. O dono do prédio onde existam obras defensivas para conter as águas, ou onde, pela variação do curso das águas, seja necessário construir novas obras, é obrigado a fazer os reparos precisos, ou a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios que padeçam danos ou estejam expostos a danos iminentes.
2. O disposto no número anterior é aplicável, sempre que seja necessário despojar algum prédio de materiais cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco de terceiro.
3. Todos os proprietários que participam do benefício das obras são obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu interesse, sem prejuízo da responsabilidade que recaia sobre o autor dos danos.

Destas sortes, como comproprietários, os condóminos estão sujeitos à regra geral do nº 1 do art. 1406º do CC, em razão do que, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer deles "é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito".

7/19/2023

Esplanada em parte comum



Decidiu o TRP, em Ac. datado de 11/7/2012 que "No conceito de inovação cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, como as modificações na afectação ou destino da coisa comum. A instalação de uma esplanada, mesmo que amovível, numa parte comum do prédio consubstancia inovação para os efeitos do art. 1425° do Cód. Civil".

Destarte, a autorização requerida para a instalação de uma esplanada numa determinada parte de uma área comum, por força da citada disposição, carecerá, não da unanimidade, mas de uma aprovação composta por uma dupla maioria qualificada: a maioria dos condóminos (metade mais um), devendo essa maioria representar 2/3 do valor total do prédio (67 ou 667 votos, consoante se delibere em percentagem ou permilagem).

No entanto, se se provar que a esplanada prejudica a utilização das partes comuns por algum dos condóminos (e aqui tem que haver um manifesto prejuízo, não basta discordar da inovação), então, carecerá a autorização da unanimidade dos condóminos. Neste sentido, o Ac. do TRE de 11/9/2014: "Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns, pelo que quando assim seja, nem com o voto de maioria qualificada se pode fazer a inovação contra a vontade de qualquer condómino que se tenha por lesado (artº 1425º n.º 2 do CC, na redacção aplicável)."

No limite, o administrador executivo do condomínio pode e deve disciplinar o uso daquele espaço (cfr. al. g) do art. 1436º do CC), nomeadamente, estabelecendo um perímetro que possibilite a normal utilização da entrada para o prédio por parte dos senhores condóminos (cfr. com devida analogia parte final do nº 2 art. 1406º do CC).

Acresce sublinhar que, disciplinando-se o uso, onde cada parte deve ceder na medida do necessário para que ambos os efeitos (o de livre circulação vs o de esplanada), produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (cfr. nº 1 art. 335º do CC), podendo a assembleia prever penas pecuniárias para o incumprimento desse balizamento (cfr. art. 1434º do CC).

2/03/2023

Corrimão parte próprio ou comum?



Nos termos do art. 1421º, nº 1, alínea a), do Código Civil:
“São comuns as seguintes partes do edifício:
O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio”.
 
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, págs 416 a 417: “Não só o espaço geométrico, porém, constitui objecto do direito de propriedade. Tudo o que se contenha neste espaço e não seja considerado comum (pela lei ou pelo título constitutivo), pertence ao titular da fracção: paredes divisórias que não sejam paredes mestras, revestimento interior destas, revestimento das placas correspondentes ao chão (ladrinhos, tacos de madeira, etc.) e ao tecto de cada fracção autónoma, portas interiores, louças, banheiras e outros materiais dos quartos de banho, bancas de cozinha, etc. 
 
Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nestas existentes e as janelas, com tudo o que integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. Em sentido contrário, poderá dizer-se que, encontrando-se estes elementos implantados em paredes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica. 
 
Esta consideração, porém, conforme sublinham alguns autores (cfr., por exemplo, F. Aeby) peca por excesso de lógica, não ponderando devidamente a realidade. Com efeito, os elementos em questão, alguns de natureza muito frágil, estão sujeitos ao uso contínuo por parte dos utentes da fracção em que se integram, dependendo o seu estado, essencialmente, do modo como cada um se sirva dele e os conserve. Há toda a conveniência, por isso, em atribuir-lhes natureza privativa”. (no mesmo sentido, vide Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, Almedina, Fevereiro 2001, a págs 60 a 61). 
 
Entendendo que todo o revestimento do edifício é comum, tal como as varandas, vide Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, Principia Editora, Lda., 2ª edição, Fevereiro de 2007, a pág. 110.
 
Escreve o citado autor in “A Propriedade Horizontal”, Almedina 2019, a pág. 46: “Se se entender (como nos parece que se deve entender) que todo o revestimento dos edifícios é comum, nenhum condómino poderá, sem autorização do conjunto de condóminos, intervir (mesmo que essa intervenção não reentre nas proibições do nº 2 do art. 1422º) na parte exterior do edifício, mesmo “apenas” para aí colocar equipamento de ar condicionado, placas publicitárias, estendais de roupa, etc... Na doutrina, Jorge Alberto Aragão Seia (ob. cit. a pág. 72 e Sandra Passinhas (ob. cit., pág. 33) são claros na defesa de que todas as paredes exteriores (ainda que não mestras) são partes comuns.”. 
 
Ora, a figura da varanda entendida como “um prolongamento, normalmente, em suspensão, da edificação de que faz parte, desprovida de uma base de sustentação que a suporte” (vide a noção constante do acórdão do STJ de 15 de Maio de 2012 (relator Hélder Roque) e ainda a do acórdão do TRL de 2 de Julho de 2015 (relator Tomé Ramião), ambos publicados in www.dgsi.pt, revestirá, enquanto parte interior (chão) destinada à sua exclusiva utilização pelo condómino respectivo, a natureza parte própria da fracção autónoma pertencente ao condómino respectivo, e não parte comum objecto da compropriedade de todos os condóminos.
 
Escreve, sobre esta matéria, Henrique Mesquita, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, Ano XIII, a págs 112 a 113: “Sendo comuns as paredes mestras do prédio, e tudo o mais que constitua a estrutura deste (colunas, pilares, placas de cimento, telhado, terraços de cobertura, etc.) o direito de propriedade sobre as fracções autónomas como que fica esvaziado de conteúdo material. O seu objecto é fundamentalmente constituído, como salientam alguns autores, por um espaço geométrico, um volume ou um cubo de ar. Este espaço é erigido pelo legislador à categoria de objecto autónomo de direitos, com todas as consequências que daí resultam, em matéria de, v.g., alienação (mediante negócio jurídico inter vivos ou mortis causa), oneração (com direitos de gozo ou de garantia), penhora, expropriação, etc.”. 
 
E seguidamente, na nota 82, refere o mesmo autor: “Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nesta existentes e as janelas, com tudo o que as integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. 
 
Em sentido contrário, poderá dizer-se que, estando estes elementos colocados em partes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica”. Trata-se portanto – a parte interior daquele espaço - de uma parte própria e não comum, como se nos afigura claro, inequívoco e indiscutível. 
 
Todavia, o gradeamento metálico (corrimão) que circunda a varanda, delimitando-a, não fazendo parte da zona interior desta, mas antes da sua parte exterior e destinando-se basicamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, tem, nessa mesma medida, uma objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular. 
 
Se a parte interior da varanda (chão), como parte privativa e simples prolongamento da sua própria fracção (com ela se confundindo indissociavelmente, inclusive do ponto de vista material), serve exclusivamente os interesses do respectivo condómino, já o equipamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, integrando-se de pleno na parte exterior dessa mesma varanda e do próprio edifício tomado enquanto unidade, não tem outra utilização definida e específica que não a de completá-la e circunscrevê-la, no âmbito próprio da respectiva fachada, em cuja visualização global se integra, coerente e harmoniosamente. 
 
Entendemos, por conseguinte, que tal gradeamento metálico – entendido nesta exacta perspectiva, isto é, enquanto elemento da parte exterior da varanda em causa e do prédio constituído em regime de propriedade horizontal - deverá receber a qualificação de parte comum do edifício, cuja responsabilidade pela manutenção e conservação impende sobre o Condomínio em geral e não sobre o condómino respectivo em particular. 
 
Ou seja, trata-se de um equipamento autónomo colocado da parte de fora da varanda – não se destinando propriamente a ser usufruído enquanto tal (isto é, enquanto local de disfrute, lazer ou distracção do condómino), mas a servir simplesmente de apoio protector a quem utilize tal espaço. 
 
Trata-se assim de um simples elemento estrutural de segurança, sem outro significado em termos do seu gozo e fruição por parte do condómino a quem cabe o uso exclusivo da respectiva varanda. 
 
Por esta razão o dever de manutenção e conservação do dito gradeamento metálico não é da responsabilidade dos condóminos que individualmente o utilizam, enquanto proprietários das fracções respectivas, mas do conjunto de todos eles enquanto Condomínio, entidade que ao mesmo deve estar atenta e pelo ele deve cuidar e zelar, uma vez que se integra arquitectónica na estrutura do edifício, comportando problemas de protecção e segurança que são indiscutivelmente comuns, sem descurar, todavia, que é ao condómino da fracção respectiva que incumbe, em especial e compreensivelmente, o acrescido dever de sinalizar e diligenciar pela rápida e pronta superação de qualquer problema urgente que detecte neste espaço de edifício. 
 
Esta qualificação jurídica da parte exterior da varanda como parte comum, da responsabilidade de manutenção e conservação a cargo do condomínio, não tem a ver, propriamente e em rigor, com a obrigação de cada um dos condóminos de respeitar a arquitectura e a estética do edifício, em termos da aparência da respectiva fachada, a qual não recai apenas sobre as partes comuns do prédio, mas que se impõe imperativamente às modificações (ditas inovações – cfr. art. 1425º do CC) que cada um dos condóminos tente operar nas suas partes privativas. 
 
O art. 1422º, nº 2, al. a), do CC, onde se consigna que “É especialmente vedado aos condóminos (...) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”, reporta-se igualmente – ou mesmo em especial - às obras que venham a ser introduzidas nas partes próprias da titularidade exclusiva de cada condómino. 
 
Daí não poder subscrever-se o argumento constante da decisão recorrida no sentido de que “o gradeamento de uma varanda, na propriedade horizontal é propriedade dos condóminos” uma vez que “o direito de alterar ou modificar esse gradeamento cabe à comunidade, e não apenas ao proprietário desse andar, a quem está vedada a possibilidade de o alterar a seu belo prazer, sob pena de subverter a fachada do prédio”, tratando-se “de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de elemento estético da fachada do imóvel que, no interesse colectivo, exerce em relação a toda a construção”. 
 
Tal circunstância trata-se, ao invés, de uma obrigação de natureza geral que impende sobre todos e cada um dos condóminos com referência, precisamente, às suas partes próprias, relativamente às quais existirá, à partida, a possibilidade e a maior facilidade de – por serem da sua titularidade exclusiva – introduzirem as modificações que bem lhes aprouver. 
 
O que acontece é que tal gradeamento metálico (corrimão) pertencente à parte exterior da varanda e inerente à configuração física de todo o prédio tomado como uma unidade, bem como à sua imagem visual própria aprovada pelas entidades oficiais competentes, deverá qualificar-se juridicamente como elemento pertinente à própria estrutura do prédio, concretamente à fachada e às suas paredes exteriores. 
 
Logo, constitui, a nosso ver, uma parte comum do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, em termos da responsabilidade pela sua manutenção e conservação, não obstante se encontrar, como é óbvio, totalmente afecto ao uso exclusivo do condómino titular dessa mesma fracção, com exclusão de todos os demais, que nem sequer à mesma têm acesso, uma vez que a parte interior e exterior da varanda são, em si, materialmente indissociáveis.
 
O que significa que a respectiva obrigação de manutenção e conservação competia ao condomínio e não ao condómino. (Neste mesmo sentido, vide a seguinte jurisprudência:
- acórdão do STJ de 18 de Março de 1986 (relator Lopes das Neves), cujo sumário é do seguinte teor: “o condomínio deve contribuir para as despesas de conservação e reparação do prédio, certo é que as varandas, na sua parte exterior, são partes comuns”.
- acórdão do TRP de 13 de Março de 2012 (relator Vieira e Cunha), publicado in www.dgsi.pt, onde se referencia as obras realizadas como denominadas “frente das varandas” como partes comuns.
- acórdão do TRL de 7 de Março de 1985 (relator Calixto Pires), cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt, nos seguintes termos: “As varandas, como componentes da fachada do edifício, são comuns. O que da varanda está exclusivamente ao serviço do condómino proprietário da fracção que dá acesso é a sua base, a sua parte interior. Sendo as obras, a reparar nas varandas, consistentes em fendas pronunciadas, resultantes, não do uso normal, mas de deficiència na construção das paredes externas, todos os condóminos devem participar no custo das mesmas, na proporção do valor das suas fracções”. 
 
Em sentido contrário – e amplamente minoritário – vide o acórdão do TRL de 19 de Abril de 1995 (relator Silva Caldas), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano III, tomo II, páginas 44 a 46).

Responsabilidade despesas conservação corrimão



Fazendo a varanda parte integrante da fracção autónoma respectiva, conforme resulte do título constitutivo da propriedade horizontal, a mesma assume a qualidade parte própria, no que respeita à sua parte interior (incluindo o chão).

O gradeamento metálico (corrimão) que a circunda, pertencente à parte exterior da mesma varanda, delimitando-a e destinando-se exclusivamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, revela, nessa mesma medida, objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício constituído no regime de propriedade horizontal, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular.

Pelo que, ao invés da parte interior da varanda (chão), enquanto parte privativa e simples prolongamento da fracção (com ela se confundindo indissociavelmente inclusive do ponto de vista material), o equipamento de gradeamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, deve ser qualificado como parte comum do prédio, incumbindo a responsabilidade pela sua manutenção e conservação ao Condomínio em geral.

Havendo perfeita e absoluta consciência do foco de perigo que pode existir numa varanda, isto é, uma eventual instabilidade do gradeamento metálico (corrimão), o qual se destina precisamente a resguardar e proteger a integridade física dos respectivos utentes obstando a que viessem a cair, desemparados, para o exterior, deve o proprietário alertar de imediato a administração para o problema, porquanto sobre este impende o dever de zelar individualmente pela segurança daquele espaço, atentando que pertence a cada um dos proprietários das fracções o dever de expor por escrito a sua situação particular (referente à instabilidade do dito gradeamento metálico) de forma a ser analisada com a atenção e os cuidados que serão devidos; e sendo ainda o proprietário o principal interessado em que tal problema se resolva com a urgência que a existência de um foco de perigo desta natureza exige – para sua defesa e de terceiros -, o mesmo pode e deve desenvolver, na omissão ou impossibilidade de uma pronta intervenção, efectuar as diligências ou tomar as providências no sentido de corrigir a situação.

Se parente o problema, o proprietário não tomar qualquer providência ou efectuar qualquer diligência no sentido de reparar o defeito, tal postura de facilitismo por parte deste condómino concorre significativamente, em termos culposos, em um eventual trágico desfecho, a que acresce o facto de, a ser premente a reparação do dito gradeamento, sempre o próprio condómino, actuando preventivamente, poderia realizar motu proprio as intervenções que tivesse por adequadas, responsabilizando de seguida o Condomínio pelo pagamento do inerente custo, nos termos gerais do art. 1427º do Código Civil.

Acresce resalvar que a sua própria qualidade de condómino, e nessa medida comproprietário das partes comuns do prédio, obriga-se este a manter-se particularmente vigilante e activo quanto à sanação de qualquer vício no corrrimão, sendo certo que este se trata da pessoa que se encontra em melhores condições para aperceber-se da gravidade da situação e agir prontamente em termos preventivos.

Perante o estado de degradação e a notória ausência de segurança de um gradeamento metálico, ao proprietário da fracção autónoma é-lhe perfeitamente exigível que evite de todo a aproximação a esse espaço – inclusive que não se utilize -, e em especial que ninguém se apoie nesse gradeamento em estado de conservação tão periclitante, que a acontecer – ainda que em circunstâncias não concretamente apuradas – pode alguém efectivamente fazê-lo e a sofrer as consequência trágicas associadas à respectiva cedência ao seu peso e subsequente projecção para o exterior com violenta e desemparada queda no solo e que se pode revelar fatal.

À luz destes ensinamentos, a responsabilidade pela reparação de um corrimão, enquanto parte comum, impende sobre o condomínio. Se a reparação se considerar indispensável e urgente, pode e deve o proprietário, com fundamento no art. 1427º do CC, providenciar a reparação, imputando posteriormente as despesas à administração. Se assim não proceder e enquanto a administração não proceder à competente reparação, deve o proprietário diligenciar no sentido de vedar todo e qualquer acesso à varanda, sob pena de responder por qualquer fatalidade que ocorra.

Todo este conjunto de circunstâncias revelam que tanto a conduta do proprietário da fracção, é relevante para a verificação de um evento lesivo, para o mesmo contribuindo culposamente, pelo que deve proceder-se a uma redução adequada, ao abrigo do comando geral consignado no art. 570º, nº 1, do Código Civil, na indemnização a atribuir, decorrente da responsabilidade do condomínio pela manutenção e conservação daquela parte comum. 
 
Dispõe o art. 570º, nº 1, do CC: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Conforme refere Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações. Programa 2010/2011. Apontamentos”, AAFDL 2010/2011, a páginas 170 a 171: “Atendendo ao disposto no artigo 570º é necessário que:
-exista culpa do lesado, pelo que não se aplica quando se estiver perante uma causa de exclusão, por exemplo, desculpabilidade;
-tenha havido uma omissão de diligência para evitar ou reduzir os danos;
-o lesante prove a culpa do lesado (artigo 572º).” 

Escrevem, sobre a questão do nexo causal entre o facto e o dano, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 578: “ A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada – que Galvão Telles formulou nos seguintes termos : “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” ( ... ) 

Vaz Serra ( ... ) afirma igualmente : “ Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física, ou de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar. “. 

Vide ainda, sobre o mesmo tema, José Carlos Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, páginas 615 e 635 a 640, onde este insigne enfatiza que: “A figura nebulosa e heterogénea da “assunção do risco“, traduz, essencialmente, a atitude do lesado de se expor conscientemente a um perigo típico ou específico conhecido, sem a isso ser obrigado, mas conservando a esperança de o perigo não se concretizar em dano.
(...) Mesmo que se queira autonomizar a “ assunção “, ( ... ) não se pode esquecer que, na exposição ao perigo, o potencial lesado não se conforma antecipadamente com a possibilidade danosa.
( ... ) Sendo, pois problemática, a defesa de um círculo próprio de relevância da “assunção de risco”, quem sufragar a sua natureza bifronte não poderá esquecer que, na maioria dos casos, a conduta do potencial lesado relevará como forma patente de culpa, em concurso com o facto do lesante, e, portanto, sujeita ao tratamento flexível daquele normativo.
( ... ) A articulação do conhecimento e da exposição consciente ao perigo com a possibilidade-previsibilidade de ocorrer certo dano, ligado adequadamente à conduta e à falta de cuidado no não afastamento do perigo, com prejuízo para os bens do lesado, pode configurar um quadro concursal – pressuposta a responsabilidade do criador do perigo – que nos dirige para o critério fixado no artº 570º, nº 1, e para uma avaliação global da situação danosa.
( ... ) O caso mais interessante ( ... ) é o da entrada não autorizada num espaço não isento de perigosidade. O normal desconhecimento do perigo concreto existente, bem como o facto de o eventual lesado não prever a ocorrência do dano, se coloca obstáculos à afirmação categórica de uma culpa, não parece infirmar, contudo, que se venha a imputar todo o dano ao prejudicado, atento o perigo abstracto envolvido na conduta (com o “ salto no desconhecido “) e a consciência, mesmo que difusa, de uma possibilidade real e não remota de ocorrer algum dano. Essa percepção, que não se confunde com a intuição, e que é mais ou menos intensa, em função dos sinais de alerta existentes, pode, sem grandes dificuldades, vir a traduzir-se num juízo de culpa do lesado, justificado pela factualidade do caso e por uma avaliação mais global da hipótese danosa. É claro que esse juízo de culpa (ou a verificação de uma “ assunção de risco “ culposa) não será duvidoso se o intruso tiver deparado com um aviso indicador do perigo efectivo existente ou se o perigo for notório.
( ... ) Se quisermos traduzir numa síntese impressiva o quadro factual a que não conduz a exclusão da responsabilidade, mas que suscita a aplicação ponderada do artigo 570º, nº 1, há que dizer que lidamos com uma hipótese danosa que deriva da interferência recíproca de duas condutas culposas, ou em que o perigo existente, ultrapassando o grau de aptidão danosa normal ou típica, não encontra uma resposta adequada por parte do eventual lesado, o qual actualiza, sem necessidade, e com a sua atitude imprevidente ou temerária, aquele perigo.
( ... ) Atendendo ao perigo criado, à manifesta desproporção entre o perigo assumido e o interesse procurado e à previsibilidade, não afastada, de vir a ocorrer uma dano, a sedes natural de resolução da hipótese danosa é, sem dúvida, e como o entende a nossa doutrina, a do artº 570º, nº 1, com o efeito relevante de também aqui se colocar a questão da maior ou menor flexibilidade do preceito, da sua “justiça concreta”, maxime no tocante ao tratamento desculpabilizante das culpas leves do lesado“.
 
Salienta sobre esta mesma temática, Luís Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Volume I, Novembro de 2010, a página 342: “O regime de culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade civil subjectiva, uma vez que, não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em relação à conduta do lesante, não seria justificado obrigá-lo a indemnizar todos os danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efectuar uma ponderação de ambas as culpas e das consequências que delas resultaram, sendo em função dessa ponderação que se estabelecerá a indemnização. Para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando a mera concausalidade da sua conduta em relação aos danos”. (vide, ainda, sobre esta temática, Prof. Luís Cunha Gonçalves, in “Tratado de Direito Civil”, Vol. XII, pags. 774 a 779 ; Prof. Vaz Serra, in “Conculpabilidade do Prejudicado”, in BMJ nº 86, pags. 140 a 142). 

Pode ler-se, a este propósito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1995, publicado in BMJ nº 443, pags. 366 a 373, com particular acuidade: “Compreende-se que a concorrência de culpas possa influir na indemnização por imperativos de justiça. 

Mas, assim como a culpa do lesante assenta num prévio nexo de causalidade entre o facto e o dano, também a culpa do lesado deve ser causalmente adequada à existência do evento.  Há-de pois ocorrer paralelamente uma concausalidade.
 
O nexo de causalidade encontra a sua expressão legal no artº 506º, segundo o qual a indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
 
A doutrina dominante encontra expressa a teoria da causalidade adequada, a qual selecciona dentre as várias condições que produzem o resultado danoso aquelas que justificam juridicamente a sua atribuição a determinadas pessoas, segundo um critério objectivo e abstracto de normalidade ou probabilidade para produzir o dano, de harmonia com a experiência da vida.
 
Dentro desta concepção há uma formulação dita positiva (mais restrita) no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente) ; e uma fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excepcionais (não conhecidas do agente)”.
 
Conforme se salienta igualmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, publicado in BMJ nº 475, pags. 635 a 648 : “Pode, assim, afirmar-se que a causa juridicamente relevante será a causa em abstracto adequada ou apropriada à produção desse dano segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante e que pode ainda sem vista, numa formulação negativa, que apenas exclui a condição inadequada, pela sua indiferença ou irrelevância, verificando-se então o efeito por força de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias “. 

Sobre o mesmo tema, vide ainda, entre muitos outros: 

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2018 (relatora Graça Amaral), publicado in www.dgsi.pt. 

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018 (relator Tomé Gomes), publicado in www.dgsi.pt., onde se sublinha que “para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, a conduta ilícita e culposa imputada a este se mostre causal da produção do acidente, à luz da consabida teoria da causalidade adequada, ou seja, que se revele como causa típica desse resultado”.
 
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018 (relatora Maria da Graça Trigo), publicado in www.dgsi.pt.
 
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2009 (relator Nuno Cameitra), publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza: “Como observa o Prof. Mário Júlio Almeida Costa, a formulação legal “afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura”. O que significa, ainda segundo este Autor, que “a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos”. Na mesma linha de pensamento, o Prof. Antunes Varela, analisando este preceito legal em anotação a um acórdão do STJ, escreveu o seguinte: “A lei e os autores, aludindo ao facto culposo do lesado como pressuposto da diminuição ou exclusão da indemnização, querem manifestamente afastar os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável. Censura ou reprovação, não por ter havido omissão da diligência imposta para tutela de um interesse alheio. Mas por ter havido negligência, imprevidência, imperícia em prejuízo do próprio, independentemente portanto da violação ou ofensa do direito ou interesse alheios ”. E logo a seguir, pronunciando-se sobre o fundamento técnico-jurídico da solução consagrada neste preceito legal, este mesmo autor ensina que ela se explica à luz de “um critério de justiça, baseado na reprovabilidade ou censurabilidade da conduta de ambos os participantes no facto danoso ou no dano em causa”. O artº 570º, nº 1, manda atender exclusivamente à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências delas resultantes. Contrariamente ao que se afirma na sentença (fls 1172), não é permitido o julgamento segundo a equidade (artº 4º do CC). Na verdade, a solução segundo a equidade é a solução de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, e não com quaisquer injunções, mesmo indirectas, do sistema jurídico; quando decide segundo a equidade o juiz não o faz segundo uma norma (geral e abstracta), mas sim considerando, justamente, aquelas particulares circunstâncias da situação a julgar . No caso presente as coisas não se passam assim. Há uma regra de direito estrito a aplicar. E é de notar que os dois factores têm que ser considerados pelo julgador para decidir, quer se a indemnização deve ou não ser reduzida, quer para fixar o montante da redução, caso seja afirmativa a resposta à primeira questão”.

5/13/2022

Danos provocados no elevador

Caso concreto:

Um condómino contrata uma empresa para a realização de obras no interior da sua fracção autónoma, porém, aquando da realização das mesmas, os funcionários da empresa utilizam o elevador para transportar material, são provocados danos nas portas e cabine do elevador, pelo que, realizadas as necessárias reparações, a administração imputa as responsabilidades ao condómino que contratou a empresa que provocou os danos, com fundamento na norma do Regulamento: “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino”.

De quem é de facto a responsabilidade?

Ora, compulsando as circunstâncias, verifica-se que a grande questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se estão ou não preenchidos os respectivos pressupostos legais para que se possa responsabilizar, in casu, o condómino que contratou a empresa pelo pagamento da importância referente à reparação dos danos ou estragos que foram causados no elevador do prédio e na sequência das obras que então levaram a efeito na sua fracção, por intermédio empresa que contratou para o efeito, ou seja, para executar tais obras, danos ou estragos esses que foram directamente causados pelo pessoal da referida empresa.

Grosso modo, podemos dizer que no nosso ordenamento jurídico-civil a obrigação de indemnizar pode resultar da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual (abrangendo esta, como é sabido, três formas: a responsabilidade por factos ilícitos – art. 483º e ss do CC -, a responsabilidade pelo risco – art. 499º e ss do CC - e a responsabilidade pelos factos lícitos – a qual muito embora não se encontra expressamente consagrada no nosso CC, ela resulta claramente do estatuído em muitos dos seus normativos legais, vg., por ex., art. 339º, nº 2, 1322º, nº 1, 1347º, nº 2 e 3, 1348º, nº 2, 1349º, nº 3, e 1367º), formas essas que, como é sabido, entroncam no mesmo instituto: a responsabilidade civil.

Atento os factos apurados e acima descritos, avançamos desde já que é manifesto que a obrigação de indemnizar que nesta acção se pretende obter do condómino está, desde logo, votada ao fracasso ao nível da responsabilidade extracontratual, e à luz de qualquer uma das suas três formas ou modalidades supra referidas.

Tendo os danos aqui em causa sido provocados pelo pessoal (vulgo empregados) da empresa que contrataram para a execução das obras que decidiram levar a efeito na sua fracção, parece evidente que o condómino não pode ser responsabilizados a título da responsabilidade civil por factos ilícitos, por falta de alguns dos seus pressupostos. Desde logo porque os danos não resultaram de um facto voluntário por ele praticado, depois porque não se vislumbra qualquer ilicitude na sua conduta, depois ainda porque inexiste qualquer nexo de imputação culposa do facto danoso ao mesmo (sendo certo ainda que, a existir tal responsabilidade, era sempre sobre a administração. que, nos termos do disposto, nas disposições conjugadas dos art. 487º, nº 1, e 342º, nº 1, do CC, impende o ónus de provar a culpa do condómino na produção dos aludidos estragos causados no elevador, e, por fim ainda, porque nem sequer se poderá falar da existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do condómino e o dano que veio a ocorrer no elevador (o facto de aquele ter autorizado a empresa a utilizar o elevador, tal não permite, sem mais, concluir pela existência do referido nexo).

Isto porque é sabido que no nosso ordenamento jurídico se encontra proclamado, como regime geral, o princípio da responsabilidade baseada na culpa., daí que mesmo ao nível da responsabilidade civil a obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 483º, nº 2, do CC).

Ora, como é sabido, a responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui, todavia, uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva.

Porém, é também manifesto que o caso presente não se enquadra em nenhuma das situações de responsabilidade pelo risco previstas no art. 500º e ss do CC. A esse propósito dir-se-á tão somente que a única situação que poderia ter algo a ver com o caso seria a que diz respeito à responsabilidade do comitente prevista no art. 500º.

Todavia, constitui hoje entendimento claramente dominante (quer na nossa doutrina, quer na nossa jurisprudência) de que entre o empreiteiro (qualidade daquele que aparentemente teria a sobredita empresa que efectuou as obras na fracção e cujo pessoal, no decurso das mesmas, causou estragos no elevador do prédio do condomínio) e o dono da obra não existe qualquer relação de comissão, ou seja, do tipo comitente/comissário, dado a inexistência de um vínculo de subordinação jurídica do do empreiteiro ao dono da obra.

É também evidente que não estamos perante numa situação (legalmente prevista) de responsabilidade por factos lícitos, pelo que afastada fica a obrigação do condómino de indemnizar com base na responsabilidade extracontratual (e nomeadamente com base na responsabilidade por factos ilícitos. Aqui chegados resta indagar se no caso em apreço será possível impor ao condómino a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade contratual?

Embora não se saiba em concreto os termos e os moldes do contrato, é possível, todavia, claramente inferir-se que o acesso que o pessoal (vg. os empregados) da referida empresa tinha à fracção era feito tão somente baseado na aludida relação contratual e exclusivamente para aqueles fins específicos, isto é, visando tão somente a realização nele das referidas obras.

E sendo assim, conclui-se que falta um dos pressupostos estabelecidos na referida regra ou “norma” do Regulamento do Condomínio para que o condómino possa ser responsabilizado pelo pagamento da reparação do dito elevador, responsabilidade essa (e respectiva obrigação de indemnizar) que terá, assim, de ser procurada e obtida junto da empresa, cujo pessoal provocou a danificação do bem em causa (e que levou à necessidade da sua reparação).

4/20/2022

Avaria nos intercomunicadores

Nos termos estatuidos no art. 1421º, nº 1, al. d) do CC, são partes do edifício, imperativamente comuns, as instalações gerais de comunicação, portanto, resulta daqui que o sistema de intercomunicadores e vídeo-porteiro, consiste necessariamente numa coisa comum por se ter transversal a todo o edifício, embora parte do mesmo (como o telefone, por exemplo) se encontre no interior das frações autónomas. 

Resulta óbvio que o sistema de intercomunicação sem os respectivos telefones individuais e eventual vídeo-porteiro (dispositivos receptores), não funciona de forma adequada, pelo que estes últimos integram o dito sistema. Acresce salientar que, além dos telefones e dos equipamentos individuais de vídeo-porteiro, toda a cablagem e painel geral (dispositivo emissor) integram também o referido sistema, que além da sua componente de comunicação, pode-se considerar um dispositivo de segurança comum.

Em bom rigor, o legislador, através desta disposição legal, considerou comuns todos os equipamentos necessários ao uso comum do prédio e que revistam o interesse colectivo (como as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações, saneamento e semelhantes).

À luz destes ensinamentos, sempre que se seja necessária a reparação e/ou a substituição do equipamento de comunicação por um novo, com a colocação de painéis novos na portaria e telefones novos em cada fracção, por força do preceituado no art. 1420º, nº 2 do CC, as despesas recaem sobre os condóminos em proporção do valor das habitações (cfr. art. 1424º, nº 1 do CC).

No entanto, se se verificar que um condómino foi o responsável pela avaria do equipamento no interior da sua fracção autónoma, devido a uma má utilização do mesmo, a despesa de reparação ou substituição é da sua exclusiva responsabilidade.

4/01/2022

Renúncia à coisa comum


Nos termos do art. 1411º, nº 1, os comproprietários devem contribuir para as despesas, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo renunciando ao seu direito. Está-se aqui perante uma norma do regime da compropriedade que não se aplica, ex vi art. 1422º, nº 1, ao regime da propriedade horizontal. Nos termos do art. 1420º, nº 2, não é lícito ao condómino renunciar à parte comum como meio de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição.

O condómino pode renunciar às coisas comuns (que não sejam imperativamente comuns), perdendo qualquer direito que tenha sobre a coisa comum, mas isso não o eximirá da obrigação de contribuir para as eventuais despesas. A renúncia é um negócio unilateral de disposição, através do qual uma pessoa extingue um direito de que é titular. Trata-se da renúncia pura e simples ou abdicativa (cfr. Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, pág. 365).

A renúncia ao direito sobre os bens comuns é perfeitamente lícita, mas absolutamente inidónea a produzir um efeito típico: a não vinculação do renunciante pelas obrigações derivadas da titularidade dos bens.

O condómino pode renunciar à sua fracção autónoma como meio de se desonerar das despesas. Neste sentido, Giuseppe Branca, Commentario del Codice Civile, 1955, pág. 315, considerando que o condómino, para evitar o pagamento das despesas, tem de renunciar à fracção autónoma. Outros autores defendem que o condómino pode renunciar ao direito sobre a coisa comum se simultaneamente renunciar ao direito sobre a fracção autónoma.

A renúncia liberatória (que só pode ter lugar quando o titular está vinculado ao cumprimento de uma obrigação propter rem) constitui um negócio oneroso, e realiza-se através de uma declaração unilateral receptícia, em que o devedor põe o seu direito à disposição do credor.

O nº 2 do art. 1420º - norma de carácter imperativo não alterada pelo DL nº 267/94 de 25/10 - que, na sua formação, apenas sofreu correcções de natureza formal, manteve fundamentalmente o regime da lei anterior.

Não se especificou, como nesta se fazia, a sujeição da propriedade horizontal ao regime da propriedade de coisas imóveis porque isso decorre necessariamente da natureza do instituto e da sistematização do Código. Pois se a propriedade horizontal só pode ter por objecto imóveis - mais propriamente, prédios urbanos -, e constitui uma modalidade do direito de propriedade, como tal regulada no respectivo título do Código Civil, manifesto é que está sujeita ao regime geral desse direito, em tudo que não esteja especialmente regulamentado, sem necessidade de expressa declaração da lei nesse sentido. 

Também se eliminou a ressalva, feita no parágrafo único do art. 10º do DL nº 40 333, de disposição legal em contrário do regime da incindibilidade dos direitos de propriedade singular e de compropriedade, porque igualmente não foi reproduzido o parágrafo segundo do art. 13º do mesmo diploma, designadamente a sua parte final que constituiria a excepção a que no preceito se aludia.

É que, na verdade, esta última disposição legal não contrariava o princípio da incindibilidade, como em nota ao artigo imediato se esclarecerá, além de que não seria concebível que a própria lei, depois de definir o traço mais característico da propriedade horizontal, admitisse que ele pudesse ser excluído.

A eliminação do advérbio "acessoriamente", que se lia no art. 10º do DL nº 40 333, acabou por outro lado com as dúvidas que se levantaram no domínio da lei anterior. Com efeito, embora a compropriedade continue a ser de natureza complementar - e nesse sentido teria sido utilizado o termo acessoriamente - na medida em que constitui um meio de fruição da propriedade singular, como já ficou salientado, a lei é bem expressa no sentido de que o conjunto desses dois direitos é o cerne do direito de propriedade horizontal.

Em bom rigor, não se pode falar de compropriedade relativamente aos bens comuns na propriedade horizontal, visto que o seu regime jurídico difere substancialmente do daquele instituto, como bem resulta do disposto neste artigo e ainda nos art. 1423º e 1425º.

Há por isso quem proponha a designação de condomínio, não especialmente referida àquela peculiar forma de compropriedade, mas para englobar o conjunto dos direitos inerentes à propriedade horizontal. 

Alguns sistemas legislativos têm acolhido expressamente esta nomenclatura vendo-se que a lei portuguesa que começou por não lhe ser hostil na medida em que designou por condóminos os titulares do direito de propriedade horizontal, a aceitou expressamente nos DL 267/94, 268/94 e 269/94, todos de 25/10.

A conveniência de uma designação específica para essa peculiar forma de compropriedade resulta ainda do facto de poderem existir num prédio em regime de propriedade horizontal bens sujeitos ao regime geral da compropriedade. Veja-se neste sentido, José A. Negri, Dominio y condomínio en la propriedad horizontal, na Revista del Notariado, Buenos Aires, ano LIV, pág. 138.

A sua cisão é impossível em qualquer caso e quer a compropriedade recaia sobre coisas obrigatória e facultativamente comuns, desde que essa compropriedade seja indispensável ao gozo da propriedade singular. Deste modo, não apenas é ilícita nos casos expressamente referidos no nº 2 deste art. 1420º - que faz excepção às regras dos art. 1408º e 1411º, nº 1 - como ainda em todos os outros, designadamente no que se aponta no nº 2 do art. 1406º, não sendo, assim, possível a inversão do título da posse de um condómino (cfr. art. 1265º) relativamente a essas coisas comuns e a consequente aquisição, por usucapião, de quota superior à sua.

Da incindibilidade dos dois direitos decorre ainda que, constituído qualquer ónus sobre uma fracção autónoma em propriedade horizontal, ele abrange o conjunto deles, como, aliás,  expressamente referia a lei anterior. É que o conceito normativo de fracção autónoma aglutina a parte do edifício que é objecto de propriedade singular e os elementos desse prédio que, sendo necessário complemento estrutural e funcional daquela, têm a natureza de comuns.

3/23/2022

Carregamento veículos eléctricos

Se um condómino adquirir um automóvel electrificado, seja um híbrido plug-in com motores de combustão e eléctrico ou um veículo totalmente eléctrico, necessitará de o recarregar regularmente. Se no regime de propriedade vertical tem-se este desiderato pacífico, o mesmo pode não ocorrer no regime de propriedade horizontal, principalmente se se tratar de edifícios.

Assim, carregar a bateria do carro num edifício pode revelar-se, nalguns casos, numa solução particularmente dispendiosa, quando não mesmo impossível, por causa da capacidade energética do prédio, normalmente tendo potência suficiente para alimentar a iluminação das partes comuns e os elevadores, muitas vezes assente num sistema eléctrico que não aguentará mais carga.

O condómino que pretenda instalar um ponto de carregamento na garagem do prédio pode fazê-lo, bastando para tanto seguir as regras preceituadas no DL nº 90/2014 de 11/6, o qual procede à terceira alteração ao DL nº 39/2010, de 26/4, que estabelece o regime jurídico da mobilidade eléctrica, aplicável à organização, acesso e exercício das actividades relativas à mobilidade eléctrica, bem como as regras destinadas à criação de uma rede piloto de mobilidade eléctrica.

Artigo 29.º
Pontos de carregamento em edifícios existentes

1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é admitida a instalação, por qualquer condómino, arrendatário ou ocupante legal, a expensas do próprio, de pontos de carregamento de baterias de veículos eléctricos ou de tomadas eléctricas que cumpram os requisitos técnicos definidos pela DGEG para o efeito de carregamento de baterias de veículos eléctricos, destinados a uso exclusivo ou partilhado, nos locais de estacionamento de veículos dos edifícios já existentes, de acordo com os termos definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais, da energia, das obras públicas, dos transportes e da habitação.

2 - No caso de a instalação de ponto de carregamento ou de tomada eléctrica prevista no número anterior ser efectuada ou passar em local que integre uma parte comum do edifício, esteja ou não afecta ao uso exclusivo do respectivo condómino, a instalação carece sempre de comunicação escrita prévia dirigida à administração do condomínio e, quando aplicável, ao proprietário, com uma antecedência de, pelo menos, 30 dias sobre a data pretendida para a instalação.

3 - No caso referido no número anterior, a administração do condomínio e, quando aplicável, o proprietário só podem opor-se à instalação do ponto de carregamento ou tomada eléctrica nos seguintes casos:

a) Quando, após comunicação da intenção de instalação por parte de um condómino, arrendatário ou ocupante legal, procederem, no prazo de 90 dias, à instalação de um ponto de carregamento de baterias de veículos eléctricos para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços, a mesma tecnologia e as necessidades de todos os seus potenciais utilizadores;

b) Quando o edifício já disponha de um ponto de carregamento de baterias de veículos eléctricos ou tomada eléctrica para uso partilhado que permita assegurar os mesmos serviços e a mesma tecnologia;

c) Quando a instalação do ponto de carregamento ou tomada eléctrica coloque em risco efectivo a segurança de pessoas ou bens ou prejudique a linha arquitectónica do edifício.

4 - As decisões a que se referem as alíneas b) e c) do número anterior são adoptadas no prazo máximo de 60 dias após a comunicação da intenção de instalação referida no n.º 2 e, no caso da administração do condomínio, carecem de aprovação por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

5 - As decisões a que se refere o n.º 3 são comunicadas, por escrito, ao condómino, arrendatário ou ocupante legal em causa no prazo de 15 dias após a sua adopção, devendo ser fundamentadas quando sejam negativas.

6 - O regime de propriedade e operação dos pontos de carregamento ou tomadas eléctricas previstos no presente artigo é o do local de instalação dessa infraestrutura, com excepção dos casos de pontos de carregamento de acesso privativo para uso exclusivo instalados em partes comuns do edifício, em que a operação cabe aos respectivos utilizadores.

7 - Aplica-se à instalação, disponibilização, exploração e manutenção dos pontos de carregamento previstos no presente artigo o disposto no artigo 26.º ou no artigo 27.º, consoante aplicável.

Edifícios anteriores a 2010

Com a introdução do DL nº 39/2010, de 26 de Abril, as instalações eléctricas nos edifícios passaram a ser obrigatoriamente montadas de forma prever este tipo de situações. Nas construções anteriores, caso algum condómino pretenda instalar um ponto de carregamento na garagem do prédio poderá optar por uma wallbox, a qual permitirá carregar a viatura de uma forma mais rápida. Esta permite ainda que o condómino tenha acesso a informação detalhada relativamente a quanto gastou, podendo posteriormente acertar contas com a administração do condomínio.

De salientar que, as wallbox são unidades de carregamento montadas na parede, as quais são alimentadas por corrente alternada, em modo monofásico ou trifásico, aumentam a velocidade com que a energia é fornecida à viatura. Importa ressalvar que a instalação das wallbox nas partes comuns do edifício, devem respeitar os requisitos técnicos, estabelecidos pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG).

Caso seja o condomínio que pretenda avançar com a instalação de unidades de carregamento de veículos eléctricos, compete ao administrador do condomínio solicitar uma vistoria a realizar por um técnico especializado, com a finalidade de se verificar se o sistema eléctrico da garagem permite esse desiderato. Se não permitir, o passo seguinte será o de se avançar para um projecto com vista à montagem de uma nova instalação eléctrica que permita carregar as viaturas eléctricas na garagem.

Outro pormenor prende-se com a questão da rede eléctrica, porquanto na localização do edifício pode não haver energia suficiente para alimentar várias garagens com carregadores de eléctricos (o ideal é que o edifício se situe nas imediações de um posto de transformação, que transforma energia de alta e média tensão em baixa tensão).

A título meramente ilustrativo, se considerarmos um edifício com 30 fracções autónomas, que careça de uma potência de 7 kw, a energia total necessária será de 200 kw, à qual haverá que acrescentar a energia consumida pelos elevadores e iluminação geral. Acresce que será ainda necessário fazerem-se as obras para a instalação da nova rede de energia da garagem, nomeadamente com a instalação de cabos para os pontos de carregamento, a adaptação dos quadros de coluna, e bem assim, a instalação de novos contadores.

Posto isto, cada condómino teria que despender, no total, cerca de 5 mil euros.
 
Consumo de energia

Quando os postos de carregamento são colocados nas partes comuns, a lei é omissa quanto à imputação dos custos de electricidade. E tese, dimana do art. 1424º nº 3 do CC que as partes comuns (e por extensão, as coisas comuns) do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem. No entanto, se existir apenas um contador, serão de aplicar as regras do uso das coisas comuns. Assim o art. 1406º, nº 1 do CC que preceitua que, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito".

No entanto, o mais avisado (e correcto) é optar-se a uma de duas hipóteses: (i) um contador próprio a solicitar à empresa distribuidora de rede eléctrica ou (ii) a separação de consumos na conta de electricidade do condomínio (também a solicitar à referida empresa distribuidora). Neste concreto, importa sublinhar que a instalação só pode ser recusada em condições muito especiais, sobretudo se estiverem relacionadas com a segurança do edifício, como decorre do citado diploma legal.

No mais, quanto à responsabilidade pela legalidade da instalação, compete desde logo ao administrador do condomínio verificar se existe alguma irregularidade procedimental, devendo comunicá-la prontamente à empresa fornecedora de energia, solicitando a sua desinstalação e corte de fornecimento ou contactar o site www.e-redes.pt e efectuar a competente denúncia. Cumpre ainda ressalvar que, se a instalação irregular foi autorizada pelo administrador do condomínio, qualquer condómino pode recorrer para a assembleia nos termos do art. 1438º do CC..

3/15/2022

Sorteio uso partes comuns

Decorre do art. 1406º, nº 1 do CC que, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquela a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito".

Um possível acordo, na impossibilidade de todos poderem fruir de um qualquer espaço comum, é efectuar-se um sorteio. No entanto, importa ressalvar que a disciplina deste uso (cfr. art. 1429º-A, nº 1 do CC), só será possível se se tiver aprovado por todos os condóminos. Neste sentido, vide Acórdão infra relativamente a esta matéria, do qual podemos e devemos retirar os devidos ensinamentos.

Acórdão: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B2487
Data: 8/5/2008

Sumário: 

1 - Se os autores, condóminos de um prédio em regime de propriedade horizontal, aceitaram por si próprios a divisão do uso do espaço comum das garagens pelos vários condóminos de forma individual, e aceitaram o sorteio como forma de atribuição desse uso especificado a cada um dos condóminos, não podem posteriormente recusar a utilização individual acordada por se não conformarem com a sorte que lhes atribuiu, em concreto, um espaço que lhes não agrada.
2 - Os condóminos de um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal podem disciplinar o uso das partes comuns ou de uma parte comum do prédio por forma a distribuir por cada condómino o uso concreto de determinado espaço parcelar desse espaço comum.
3 - Contra a vontade de um qualquer dos condóminos não pode a maioria, ainda que qualificada, impor obras que lhe prejudiquem a utilização do seu espaço próprio ou do espaço comum.

Fundamentação:

No caso vertente, os condóminos aproveitaram a existência de um determinado espaço comum para se criar uma sala para o condomínio e ainda de uma zona de parqueamento automóvel, a qual, não teria lugares suficientes para todos, pelo que, em plenário, decidiram sortear os referidos. No entanto, alguns condóminos, não conformados com o resultado daquele, pretenderam impugnar o mesmo.

Este tribunal considerou o recurso Improcedente na parte em que viu declaradas válidas as deliberações da mesma assembleia na parte em que aprovaram o que deve ser entendido como “regulamento” do aparcamento no rés-do-chão, parte comum, destinado à recolha de veículos automóveis, como consta do título constitutivo da propriedade horizontal, bem como a criação e utilização de uma sala de condomínio.

Ou seja, nessa parte, a que o tribunal de 1ª instância chegou com fundamento em que « nada impede que a assembleia delibere sob a forma como deve ser organizado o aparcamento, no referido espaço comum, de que todos são comproprietários, o que foi feito, no caso, aproveitando-se o decidido, artigo 292º do CCivil, que passa a valer como “regulamento” do aparcamento. Os autores estão de acordo com as obras para encerramento do rés-do-chão, só não aceitam a divisão duma parte comum em partes individuais, próprias ou afectas individualmente a cada fracção autónoma, seja à alteração do título. Não podem é impedir que a assembleia, bastando a maioria dos condóminos, que representem 2/3 do valor total do prédio, requisito verificado in casu, a votar, nesse sentido, arts.1425º, nº1 e 1432º, nº2 do CCivil, delibere no sentido de regulamentar a forma de utilização dos comproprietários, em relação ao rés-do-chão, para aparcamento e criação de uma sala de condomínio ...

... Não pode, por isso, o direito, acolher a tese dos autores de não estarem, nunca, representados, nas assembleias de condomínio que se foram efectuando através dos tempos, o que além do mais importa a caducidade, pelo decurso do prazo legal, para o efeito, do direito de impugnar as deliberações, consagrado no art.1433º do CCivil », a sentença está transitada em julgado.

Fica sem objecto, assim, a (re)discussão à volta das questões de saber da genuinidade da representação dos autores nas sucessivas assembleias de condóminos e da afirmação nestas das deliberações ( e da sua sequente validade ) que disciplinaram o uso de um espaço comum. 

É caso até para fazer ressaltar que, no momento chave do processo deliberativo, os autores estavam aliás presentes por si próprios e não apenas representados. Ou seja, nesta assembleia, o autor esteve presente, pessoalmente e anuiu e concordou com tudo o que foi discutido, tendo-se analisado o projecto apresentado pelo engenheiro.

Em suma: o autor aceita até ao fim – até à possibilidade de trocar o “seu” espaço por um espaço de outro condómino - aquilo que o direito pode controlar ( o uso e a divisão do uso de um espaço comum e o sorteio como forma acordada de atribuição desse uso ); só não aceita aquilo que o direito já não pode controlar – a sorte na qual a livre expressão da vontade das partes colocou a atribuição individual do uso de espaços concretos do espaço comum por todos os condóminos.

Ora o direito pode e deve afirmar – como acertadamente concluiu o acórdão recorrido – que os condóminos de um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal podem disciplinar o uso das partes comuns ou de uma parte comum do prédio por forma a distribuir por cada condómino o uso concreto de determinado espaço parcelar desse espaço comum – o art.1422º, nº1 do CCivil remete para as regras da compropriedade e – art.1406º, nº1 – deixa no acordo dos comproprietários exactamente a disciplina do uso da coisa comum. E já se disse que os autores afirmaram o acordo nessa disciplina ( inclusive na definição concreta dela através da ... sorte ).

Como o direito também pode e deve afirmar – como mais uma vez acertadamente concluiu o acórdão recorrido – que se esse novo uso implica obras essas dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio – art.1425º, nº1.

É certo que o nº2 da mesma disposição estabelece que nas partes comuns não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

Mas isto quer apenas dizer que, contra a vontade de um qualquer dos condóminos não pode a maioria, ainda que qualificada, impor obras que lhe prejudiquem a utilização do seu espaço próprio ou do espaço comum.

3/10/2022

Portas corta-fogo

Muitos são os condóminos que, por razões de segurança contra a intrusão de estranhos nas partes comuns do condomínio, adoptam medidas de vigilância e alarme para evitarem, nomeadamente, a ocorrência de furtos. No entanto, entre estas medidas, há quem pretenda trancar as portas corta-fogo.

Estas portas de compartimentação corta-fogo, são obrigatoriamente dotadas de um fecho automático, o qual, regra geral, pode ter-se realizado de duas formas: através das dobradiças que são dotadas de mola ou através de uma mola colocada no cimo da mesma, de forma a que as mesmas fiquem sempre na posição fechada, em particular quando instaladas em Câmara Corta fogo.

No entanto, é proibido, alterar as características das portas, assim como a colocação de quaisquer elementos, mesmo que provisórios que inibam o correcto funcionamento das ditas portas. E quem, de forma desavisada procede a qualquer tipo de obstrução, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal (caso existam danos materiais ou humanos), a obstrução, redução ou anulação das portas resistentes ao fogo que façam parte dos caminhos de evacuação, das câmaras corta-fogo, das vias verticais ou horizontais de evacuação, ou das saídas de evacuação, é punível com coima de 370 até 3 700 euros, no caso de pessoas singulares, ou até 44 000 euros, no caso de pessoas colectivas.

A actual legislação de segurança contra incêndios em edifícios, publicada através do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, e respectivos diplomas complementares, responsabiliza de forma igualitária todos os intervenientes na concepção, implementação e manutenção das condições de segurança contra incêndios dos edifícios, designadamente:
  • Os proprietários dos edifícios e recintos destinados à utilização-tipo I, durante todo o ciclo de vida dos mesmos, com excepção das suas partes comuns na propriedade horizontal, que são da responsabilidade do administrador do condomínio, no referente à manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio aprovadas e a execução das medidas de auto-protecção que lhes são aplicáveis.
  • Para as restantes utilizações-tipo, os proprietários, no caso dos edifícios ou recintos estarem na sua posse, os responsáveis pela exploração dos edifícios ou do recintos, e as entidades gestoras, no caso de edifícios ou recintos que disponham de espaços comuns, espaços partilhados ou serviços colectivos, no referente à manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio aprovadas e a execução das medidas de auto-protecção que lhes são aplicáveis.
 
A concretização destas responsabilidades é efectuada no Capítulo IV do Regime Jurídico de Segurança contra Incêndio em Edifícios, através da definição do processo contra-ordenacional aplicável à segurança contra incêndios em edifícios ressalvado supra.

Pode ser efectuado denuncia à ANEPC ou mesmo à Câmara Municipal, quando o edifício se inclua na 1ª categoria de risco de incêndio.

2/09/2022

Uso do sótão

Nos termos do art. 1414º do CC, as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos, em regime de propriedade horizontal. Foi a tendência para o crescimento no sentido vertical dos centros urbanos que veio conferir relevância e actualidade à propriedade horizontal. 

Com efeito, nesta forma de crescimento ou urbanização, «há a maior vantagem em admitir e fomentar a propriedade horizontal». Por um lado, ela proporciona o acesso à propriedade urbana a classes económicas que, de outra forma, não conseguiriam alcançá-la. «Por outro, potencia a construção imobiliária e o próprio crescimento vertical dos centros urbanos, na medida em que permite canalizar para a edificação de grandes imóveis poupanças que não possibilitariam aos titulares a construção de edifícios independentes» (cfr. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume III, págs. 391 e seguintes).

Na propriedade horizontal, os titulares das várias fracções ou unidades independentes são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afectadas ao serviço daquelas fracções (cfr. art. 1421º do CC). O que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária – o que, necessariamente, há-de criar especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo pelo que respeita às fracções autónomas.

A propriedade horizontal pressupõe a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais – por forma que, entre dois planos, se compreenda uma ou várias unidades independentes – ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas (cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 393). Quanto às fracções autónomas, elas pertencem em propriedade aos condóminos e, como tal, poderão ser alienadas pelo respectivo titular, oneradas, dadas de arrendamento, etc.. 

No que respeita às partes comuns, os condóminos estão sujeitos, antes de mais, às regras especialmente fixadas no capítulo da propriedade horizontal. Nos pontos em que não exista regulamentação específica, valerá o regime geral da compropriedade.

Sobre a matéria, rege o art. 1421º do CC, que especifica no seu nº 1 as partes do edifício necessariamente comuns e descreve no nº 2 as partes presumidamente comuns, dispondo o nº 3 sobre a possibilidade de, no título constitutivo da propriedade horizontal, se afectarem ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns. Ao que aqui importa pôr em evidência, o nº 1 do citado preceito identifica como necessariamente comuns “b) O telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção”, do mesmo passo que o nº 2 declara que se presumem comuns “e) Em geral, as coisa que não sejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos”.

A introdução no preceito desta cláusula geral residual determina que, diferentemente do que sucede em relação às partes imperativamente comuns, a enumeração constante do nº 2 deve considerar-se meramente exemplificativa, de sorte que por ela podem ser abrangidos, como pertencentes em compropriedade aos condóminos, partes do edifício não especificamente destinados ou afectados pelo título constitutivo, mediante a especificação prevista no art. 1418º do CC.

No caso sob apreciação, se houver uma absoluta omissão do título constitutivo relativamente ao sótão ou vão de telhado, a cuja existência nem sequer se aluda (sua natureza e afectação), coloca-se, então o problema de saber se, apenas por isso, ou seja, por falta dessa especificação, deve considerar-se parte necessariamente comum, esteja ou não no gozo exclusivo de um dos condóminos. Em síntese, poder-se-à dizer que em edifício submetido ao regime de propriedade horizontal, o sótão ou vão de telhado não é de considerar parte imperativamente comum, mas apenas presuntivamente comum.

Portanto, o vão de telhado não é identificável com os conceitos de telhado ou terraço de cobertura, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional.

Destarte, o sótão - espaço compreendido entre o tecto da fracção ou fracções superiores e o telhado - não se confunde com o telhado, não faz parte da estrutura do edifício, não está compreendido no art. 1421, n. 1 b) do CC. O sótão cabe no art. 1421 n. 2 b) do CC desde que nada se disponha em contrário no título constitutivo, o sótão presume-se parte comum quando não afecto ao uso exclusivo de uma das fracções autónomas. Neste sentido, replico algumas competentes decisões:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-1999:
I – Os espaços compreendidos entre o tecto do último andar de um edifício e as telhas (vão, sótão ou águas furtadas), não sendo telhado ou terraço de cobertura, não têm de ser considerados obrigatoriamente coisa comum, nos termos do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC.
II – Não se trata de parte do edifício que, pela função que desempenha, careça de ficar afecta a todos os condóminos, como sucede com todas aquelas que se enumeram no citado n.º 1.
III – Deixam de ser comuns as coisas que estejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos, para tal bastando uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da constituição do condomínio, não se exigindo que ela conste do respectivo título constitutivo.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-02-2000:
I – O sótão (ou “vão do telhado”) não é parte necessariamente comum do edifício, não integrando os conceitos de estrutura do prédio ou de telhado, para efeitos do artigo 1421º do Código Civil.
II – O sótão (ou “vão do telhado”) trata-se antes de parte do edifício que se presume comum, se do título constitutivo da propriedade horizontal não constar a sua afectação a alguma fracção autónoma, podendo, pois, tal presunção ser ilidida.
III – Se um sótão, desde o início da construção do prédio, esteve afecto em exclusivo a uma fracção autónoma, só através dela tendo comunicação, deve considerar-se que não é parte comum e que pertence a essa fracção autónoma, ficando, por conseguinte, ilidida aquela presunção.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-05-2002:
I - Nos termos do artigo 1421 nº2 alínea e) do Código Civil os sótãos dos prédios constituídos em propriedade horizontal presumem-se integrados nas partes comuns do respectivo condomínio .
II - Essa presunção pode ser ilidida através de prova de que o mesmo sótão se encontra afectado "ab initio" ao uso exclusivo de qualquer condómino.
 
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/11/2014:
I - O sótão ou vão do telhado, como o espaço compreendido entre o tecto do último andar do edifício e as telhas, não sendo telhado ou terraço de cobertura, não constitui a estrutura do edifício e, portanto, não deve ser incluído nas partes obrigatoriamente comuns.
II - Não constando do título constitutivo da propriedade horizontal que o sótão se encontra afectado ao uso exclusivo de qualquer fracção, daí resulta que aquele se presume parte comum, presunção que pode ser ilidida.

Quanto ao uso

Do art. 1305º do CC dimana que "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas". Este preceito coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei. Tais restrições podem ser de direito público, como a expropriação por utilidade pública, ou de direito privado, como as que derivam de relações de vizinhança, que têm em vista regular conflitos de interesses que surgem entre vizinhos.

De facto e atenta a estrita letra do art. 1305º CC, o legislador entendeu que o conteúdo do direito de propriedade se encontra perfeitamente preenchido quando "o proprietários goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso", o que lhe possibilita destinar os usos dos diversos cómodos em função dos seus interesses e necessidades. Assim, nada obsta a que, um condómino proprietário de um T2 converta uma sala num terceiro quarto ou vice-versa; ou até que derrube a parede entre dois quartos para os converter num quarto.

Numa outra situação mais extrema, se um proprietário não possuir uma viatura automóvel, ou já não a puder utilizar por um qualquer constrangimento, vê-se aquele necessariamente obrigado a manter a garagem fechada, sem qualquer uso ou aproveitamento? Obviamente que não. Constituiria mesmo um manifesto abuso de direito tal exigência, pelo que, nessa situação, poderia utilizar aquela como armazém ou atelier. Mas também o poderia fazer aquele que, possuindo uma garagem com 40m2, espaço mais do que suficiente para parquear uma viatura.

O mesmo é válido para os sótãos. Sendo muito diferentes as suas configurações, no que às suas destinações se refere temos que dar o devido relevo à sua materialidade concreta desvendada a partir da factualidade aparente, isto é, para poderem ser utilizados (mesmo como mansardas) para habitação, devem ter as condições próprias já atrás ressalvadas e consideradas desde o início da construção, constando do próprio projecto. Se assim não for, os sótãos não passam de simples caixas de ar do telhado.

Portanto, para se aferir da legalidade, importa saber-se o que resulta do TCPH quanto à afectação, se própria, exclusiva ou comum e subsequentemente, caso se enquadre nas duas primeiras opções, se aquele espaço - por possuir evidentemente divisões - se presta a uma qualquer outra utilidade, além de arrumos de coisas, nomeadamente, de habitação de pessoas.