Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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2/11/2022

Relatório de contas com irregularidades

No regime condominial, o legislador não cuidou de estabelecer quaisquer formalidades atinentes à prestação de contas, ressalvando apenas a obrigatoriedade da sua apresentação e aprovação em sede plenária, deixando à arbitrariedade dos condóminos a forma de o fazer. No entanto, é do senso comum que as contas devem transmitir sempre uma imagem fiel e verdadeira na informação prestada.

No entanto, a obrigação de prestação de contas, isto é, a necessidade de dar a conhecer a situação económica e financeira do condomínio, já não é nos dias de hoje, uma mera actividade de carácter meramente informativo, passando a ser uma necessidade de carácter formal, com o máximo de transparência, uma vez que o conhecimento do estado financeiro do condomínio, que nos é facultado pela prestação de contas, revela-se cada vez mais elementar para que todos os condóminos, quer numa perspectiva de avaliação do regular da forma como feita a gestão dos dinheiros, quer numa perspectiva da saúde económica e financeira do condomínio.

Seria de facto importante que existissem regras que facultasse aos condóminos um mecanismo que garantisse a clareza e a exactidão quer dos documentos contabilísticos quer dos relatórios realizados pelo Administrador, tornando assim possível, impugnar situações não detectadas aquando a prestação das contas e que não correspondam à realidade patrimonial versada nesses documentos, e assim, responsabilizar o administrador pelo incumprimento das regras em matéria de prestação de contas, até porque, existe uma total omissão sobre a invalidade das deliberações sociais relativamente à existência de irregularidades no relatório de contas. 

Nesta factualidade, por força do art. 10º do CC, podemos analisar esta matéria à luz do regime plasmado no art. 69º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), onde, de forma a solidificar a citada ideia de transparência e verdade na apresentação dos documentos de prestação de contas, o legislador traçou um regime para a invalidade das deliberações sociais de prestação de contas.

Ora, o regime geral da invalidade das deliberações dos sócios, em particular o regime para anulidade e anulabilidade, vem elencado nos arts. 56º e 58º do CSC, respectivamente. No entanto, no que diz respeito à matéria das deliberações sobre a prestação de contas, o legislador optou por criar um regime especial no art. 69º do CSC, o que gerou um grande impacto ao nível da interpretação desta nova norma face ao regime geral já existente. 

Importa reter o que enuncia a norma prevista no art. 69º do CSC, sob a epígrafe “regime especial de invalidade das deliberações”, relativamente à nulidade e à anulabilidade. De acordo com o preceito legal, temos que:

“ 1. A violação dos preceitos legais relativos à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas torna anuláveis as deliberações tomadas pelos sócios. 

2. É igualmente anulável a deliberação que aprove contas em si mesmas irregulares, mas o juiz, em casos de pouca gravidade ou fácil correcção, só decretará a anulação se as contas não forem reformadas no prazo que fixar. 

3. Produz, contudo, nulidade a violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público.” 

Face ao exposto, apreendemos que, estando em causa desconformidades (contas - ou documentos que lhes sirvam de suporte - imprecisas ou fictícias) por violação dos critérios de apresentação e mensuração previstos na lei, a deliberação que aprovou tais contas deve ser considerada, em regra, anulável (cfr. art. 1433º do CC), salvo quando são postos em causa interesses de terceiros ou de ordem pública, em que funciona excepcionalmente o regime da nulidade (cfr. art. 286º do CC)

1/26/2022

Prazo caducidade AG sem convocação

O pressuposto do início da contagem do prazo de caducidade da acção de anulação de deliberações sociais é a de que a mesma tenha sido tomada mediante convocatória regular e válida do impugnante. Não existindo convocatória para a assembleia nem posterior comunicação da deliberação, o prazo de caducidade só começa a correr a partir do conhecimento da deliberação por parte do sócio ausente (cfr. Ac. Relação de Lisboa de 20/9/2012).
 
Vamos supor que a assembleia de condomínio reune, sem se ter convocada nos termos fixados nos nºs 1 e 2 do art. 1432º do CC (foi convocada, por exemplo, com um papel afixado na parede da entrada do edifício). Nestas circunstâncias ocorre perguntar. Será que se aplica, mesmo assim, o dito prazo de 60 dias? Certamente que não.

O pressuposto do início da contagem do prazo de caducidade é, como já se disse, que a deliberação tenha sido tomada mediante convocatória regular e válida do condómino impugnante (de sublinhar que - como já fui de abordar em um outro meu escrito -, só pode impugnar quem não comparecer na reunião, sob pena de, não obstante a irregularidade, aquele se considerar, para todos os efeitos, convocado). 
 
A convocação da assembleia necessita de obedecer aos requisitos explicitamente discriminados no nº 1 e 2 do art. 1432º do CC e deve, além disso, ser dirigida a todos os condóminos, caso contrário a reunião será irregular e as suas deliberações susceptíveis de impugnação, nos termos do art. 1433º (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, págs. 380/381). A falta de envio da convocatória a todos os condóminos é causa de anulação das deliberações que a assembleia vier a tomar (cfr. Giuseppe Branca, “Comentário del Códice Civile, págs. 548 e 549, citado por Moitinho de Almeida, “Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais”, 2ª edição, pág. 81).
 
Portanto, não existindo uma formal convocatória para a assembleia de condóminos nem uma posterior comunicação da deliberação, nos precisos termos fixados no art. 1432º, nº 6 do CC, o prazo de caducidade previsto no art. 1433º, nº 4, do CC (no caso, 60 dias) só começa a correr a partir do conhecimento da deliberação por parte do condómino ausente. É o que resulta da aplicação, por analogia (cfr. art. 10º do CC), do disposto no art. 396º, nº 3, do CPC, segundo o qual o prazo para requerer a suspensão de deliberação social só começa a contar a partir da data em que o requerente, não regularmente convocado para a assembleia, teve conhecimento da deliberação.

Como referido, é este o entendimento que se considera mais adequado à harmonia do sistema, pois que as finalidades supra elencadas, resultantes da alteração legislativa introduzida pelo DL 267/94, de 25/10 (designadamente a que pretende responsabilizar os condóminos menos atentos ou negligentes) só têm verdadeiro sentido se existe a prévia certeza de que foram validamente convocados para a assembleia, não se vendo qualquer incompatibilidade entre o disposto nos art. 1432º e 1433º do CC..

1/21/2022

Impugnações fora da alçada dos Julgado de Paz

Os condóminos podem recorrer aos Julgados de Paz para impugnarem as deliberações contrárias à lei porquanto o requerimento enquadra-se no diploma das atribuições dos mesmos, desde que o conteúdo das deliberações não exceda o valor da competência que lhes é atribuída.

Importa ressalvar que o valor da causa é fixado nos Julgados de Paz nos precisos termos do CPC aplicável por remissão do art. 63º da Lei dos Julgados de Paz. Assim, dispõe o art. 296º nº 1 do CPC que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.

Resulta assim do citado preceito que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543) escreve que há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela – conclui aquele Mestre – não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa…Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina…”(sublinhado nosso)  

Acresce que o art. 301º também do CPC preceitua que “quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-à ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”. Por outro lado, o art. 303º do mesmo código estabelece que “as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01”.

Nesta conformidade, caso a deliberação a anular tenha como base a validade da deliberação (por exemplo deliberação estranha à convocatória ou tomada com falta de quórum) ou um interesse não quantificável não nos parece possível fazer intervir o Julgado de Paz. Na verdade, as acções sobre interesses imateriais compreendem as acções cujo objecto não tem expressão pecuniária, as acções cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro (cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª edição, pág. 414»).

Cumpre sublinhar que na nossa jurisprudência verifica-se uma unanimidade no sentido de se considerar que “numa cação em que é pedida a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, onde, entre outras, estão em causa questões inerentes à validade da sua convocatória, terá de se entender, para efeitos de atribuição do valor à acção, estarmos face a situação que visa a salvaguarda de valores imateriais, correspondendo-lhe, por isso, o valor de 30.000,01€" (cfr. Ac. da Relação de Lisboa 20-09-2013).

Encontramos na nossa jurisprudência uma situação algo idêntica, reportada a uma acção em que se pedia a anulação de deliberações sociais: «Estando em causa a anulação de deliberações sociais, tomadas em assembleia geral de uma sociedade, com fundamento na falta de qualidade de sócio de um dos presentes nessa assembleia geral, o valor da respectiva acção deve ser fixado de acordo com o disposto no art. 312º do CPC, pois estamos perante uma acção que visa sobre interesses imateriais.» (cfr. Ac. da Relação do Porto de 04-10-2001, Proc. nº 0130793, em que foi Relator o Desembargador, Dr. Camilo Camilo, disponível em www.dgsi.pt ).

1/19/2022

Impugnação após 60 dias

A questão colocada prende-se com a contagem do prazo de caducidade, previsto no nº 4 do art. 1433º do Código Civil, da acção anulatória das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou aos regulamentos (nº 1 do mesmo artigo), proposta pelo condómino ausente (embora notificado para comparecer na assembleia). 

Há duas grandes correntes doutrinais e jurisprudenciais sobre tal matéria.
 
No Ac. TRL, de 22/6/1999, CJ 1999 III-121 e do STJ, de 11/1/2000 – defendeu-se que o início de contagem do prazo se faz a partir da data da deliberação impugnada. Ou seja, “actualmente os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava”.
 
É esta a tese que melhor se coaduna com uma interpretação histórico-actualista, sistemática e teleológica (racional), onde se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº s 1 e 3).
 
Por sua vez, outra tese – estribando-se no acórdão do STJ, de 21/1/2003 e na opinião de autores como Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª edição, página 86 e Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos", página 241 - vai no sentido de que a contagem de tal prazo só se inicia a partir da comunicação da deliberação impugnada
 
Como é sabido, a actual redacção do artigo 1433º do Código Civil - aplicável foi-lhe dada pelo DL 267/94 de 25/10. Na anterior redacção, o nº 2 do referido artigo não deixava margem para dúvidas, ao prescrever expressamente que o prazo em causa se contava da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Numa interpretação literal, o correspondente número (o nº 6) do actual 1433º também não nos deixa margem de dúvida, pois que não faz qualquer referência a essa comunicação como início da contagem do prazo, fazendo apenas distinção entre os prazos para a propositura das acções – 60 dias para a anulação da primitiva deliberação e 20 dias para a anulação da deliberação da assembleia extraordinária.

Dispõe o art. 1433º:
- «as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado» (nº 1);
- «no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» (nº 2);
- «no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem» (nº 3);
- «o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação» (nº 4).

Como se vê, a lei fez iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC - da deliberação impugnanda. Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias. Seguramente foi pensado pelo legislador.

Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal (cfr. nº 1 do art. 9º do CC), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. nºs 2 e 3 do mesmo artigo).

Ora, o legislador de 1994 foi tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL 267/94, que só podemos entender como sendo querida expressamente esta diferença de regime.

A intenção do legislador foi fundamentalmente, de privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º do CC. Aragão Seia, ob. cit., páginas 185/186 escreveu que com tal alteração se pretendeu:
-«obstar a recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias"exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária"»;
-« procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.».
 
Esta finalidade tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº 6 do art. 1432º e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº 4 do art. 1433º, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei.

Neste caso e no nosso entender, porque já não pode intentar a acção anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respectivos prazos legais, recorrer:
-ou à assembleia extraordinária;
-ou ao centro de arbitragem.

E se, lançar mão da assembleia extraordinária, a respectiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respectiva acção de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do art. 1433º do CC.

A deliberação extraordinária se for confirmatória da primitiva deliberação – sendo revogatória não há fundamento para a intervenção judicial, como é óbvio, o objecto da acção de anulação é aquela e não esta. O direito de anulação da primitiva deliberação morreu com o decurso do prazo de 60 dias - prazo este que, evidentemente, jamais poderá renascer.

O que nasce com a deliberação extraordinária é o prazo de 20 dias para o condómino ausente pedir a anulação judicial desta mesma deliberação e não da primitiva (não obstante esta ter sido objecto daquela). Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do art. 26º da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial.

Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº 1 do art. 1433º do CC. Basta estar atento – como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (cfr. nº 4 do art. 1432º do CC), para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº 6 do art. 1432º do mesmo Código), tomar conhecimento do respectivo teor.

De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indirecta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados – não a revogue.

Entendimento diverso - no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC - propiciará o laxismo/absentismo e a indefinição das questões condominiais, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei. 

Nesta conformidade, concluindo-se, como se conclui, que o prazo de caducidade de 60 dias a que alude o nº 4 do art. 1433º do CC se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes.

4/21/2021

Contagem prazos para impugbação

Para os condóminos presentes na assembleia, o prazo de 10 dias conta-se, para todos os efeitos, a data em que aquela se realizou, contagem essa que obedece às regras consignadas nas als. b) e e) do art. 279º do CC, isto é, não se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e se o prazo terminar em fim de semana ou dia feriado, transfere-se para o primeiro dia útil, o mesmo é dizer que o prazo em apreço é de dias de calendário, seguidos.

Tratando-se de condóminos que não compareceram à assembleia, o mencionado prazo para exigir a convocação de uma assembleia geral extraordinária conta-se apenas da data em que receber cópia da acta que contenha a deliberação em apreço; todavia, no tocante à suspensão judicial da deliberação, o que releva é a data da assembleia em que foi tomada, só relevando a data do conhecimento da deliberação na hipótese de o condómino não ter sido regularmente convocado para a assembleia, ou seja, a mera ausência voluntária ou por impedimento justificado não influi na contagem daquele prazo de 10 dias, no âmbito do procedimento cautelar da suspensão.

Após a recepção do pedido de convocação da aludida assembleia extraordinária, o administrador deve convocá-la, para que se realize dentro do prazo de 20 dias contados daquela recepção, a qual terá como ordem de trabalhos a revogação da deliberação ou deliberações que o, ou os, condóminos tiverem identificado como comportamento vício que conduzam à sua anulação, declaração de nulidade, ou ineficácia.

O prazo de impugnação judicial das deliberações da assembleia de condóminos é igual quer eles estejam presentes ou ausentes na assembleia.

Uma questão a resolver é a de saber como se conta o prazo de caducidade, previsto no nº 4 do art. 1433º do CC, da acção anulatória das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou aos regulamentos (nº 1 do mesmo artigo), proposta pelo condómino ausente (embora notificado para comparecer na assembleia).


Como é sabido, a actual redacção do art. 1433º do CC foi-lhe dada pelo DL nº 267/94 de 25/10. Como é sabido, a actual redacção do artigo 1433 do Código Civil - aplicável ao caso -- foi-lhe dada pelo DL 267/94 de 25/10. Na anterior redacção, o nº 2 do referido artigo não deixava margem para dúvidas, ao prescrever expressamente que o prazo em causa se contava da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Numa interpretação literal, o correspondente número (o 6) do actual 1433º também não nos deixa margem de dúvida, pois que não faz qualquer referência a essa comunicação como início da contagem do prazo, fazendo apenas distinção entre os prazos para a propositura das acções - 60 dias para a anulação da primitiva deliberação e 20 dias para a anulação da deliberação da assembleia extraordinária.

Mas, para uma melhor apreciação, relembremos o teor dos 4 primeiros dos seis números do artigo 1433º:
- as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (nº1);
- no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes (nº2);
- no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (nº3);
- o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação (nº4).

Como se vê a lei faz iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC - da deliberação impugnanda. Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias.

Terá sido distracção do legislador? Ou foi caso pensado?

Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal cfr. (nº 1 do art. 9º do CC), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 2 e 3 do mesmo artigo).

Ora, tendo sido o legislador de 1994 tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL nº 267/94, só se pode entender como sendo de caso pensado esta diferença de regime. Então qual a contagem?

Crê-se que, fundamentalmente, o desiderato de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º do CC.

Desse desiderato legal - embora perfilhando o outro entendimento sobre a contagem do prazo em análise - nos dá conta Aragão Seia, ob. cit., páginas 185/186: (i) Para obstar a recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias para exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária; (ii) Continuando a procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que se possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.

Este desiderato tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº 6 do art. 1432º e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº 4 do art. 1433º, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei. Neste caso e porque já não pode intentar a acção anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respectivos prazos legais, recorrer: (i) ou à assembleia extraordinária; (ii) ou ao centro de arbitragem.

E se, lançando mão da assembleia extraordinária, a respectiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respectiva acção de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do art. 1433º do CC.

Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do art. 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial. Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº 1 do art. 1433º do CC.

Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (cfr. nº 4 do art. 1432º do CC) -, para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº 6 do art. 1432º do mesmo Código), tomar conhecimento do respectivo teor.

De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indirecta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária - a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados - não a revogue.

Meios de impugnação

Os condóminos dispõem os seguintes meios de impugnação das deliberações das assembleias de condóminos:

- A anulação a requerimento de qualquer condómino que não as tenha aprovado, sendo dirigida à assembleia de condóminos, na pessoa do administrador do condomínio, no prazo de. 10 dias, contados da deliberação, para os condóminos presentes e 10 dias, contados da sua comunicação por carta registada com aviso de recepção, para os condóminos ausentes, devendo o administrador do condomínio proceder à convocação de uma assembleia extraordinária, no prazo de 20 dias para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

- A sujeição da deliberação, a requerimento por qualquer condómino, no prazo de 30 dias a um centro de arbitragem, nos termos da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto. A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre estes e o administrador, mediante disposição contida no regulamento do condomínio (cfr. art. 1429ºA do CC) ou do TCPH (cfr. art. 1418, nº 2, al. b) do CC), aprovada por unanimidade e nos termos do art. 1432º, nº 5 e segs. do CC.

- A acção judicial de anulação apresentada à autoridade judiciária (tribunal ou julgado de paz), a requerimento por qualquer condómino, a qual caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas, ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação impugnada. O prazo de caducidade previsto no nº 4 do art. 1433º do CC, de propositura das acções anulatórias a que se reporta o nº 1 do mesmo artigo, conta-se desde a data da deliberação impugnanda mesmo para os condóminos ausentes.

- A suspensão das deliberações nos termos da lei de processo, mediante um procedimento cautelar da suspensão das deliberações, requerido por qualquer condómino, nos termos dos art. 396º e ss do CPC, e art. 381º e 382º também do citado Código.

Embora as deliberações ineficazes não produzam efeitos, enquanto não ratificadas por quem não as aprovou, estes condóminos que não as aprovaram podem:

- Optar pela via da excepção, ignorando o teor das mesmas.

- Segundo os princípios gerais, intentar uma acção de natureza meramente declarativa da ineficácia da deliberação.

As acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.

4/17/2021

Legitimidade passiva na impugnação de deliberações II

 Enquadramento jurídico da legitimidade passiva
na impugnação de deliberações da assembleia de condóminos

2ª parte

Mas será mesmo exigível a demanda de todos os condóminos para assegurar o caso julgado quanto a todos?

A personalidade judiciária ou processual consiste na susceptibilidade de ser parte (cfr. art. 11º, nº 1, do CPC), sendo que a personalidade jurídica coincide, em princípio com a personalidade judiciária (cfr. nº 2 do citado preceito), pelo que, no que concerne às pessoas coletivas, o legislador estendeu a personalidade judiciária a entidades, realidades ou coisas desprovidas de personalidade jurídica, como resulta do art. 12º do CPC.

À enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/96, acrescentou o condomínio, prevendo-se no art. 6º, al. e), do CPC de 1961 (actual art. 12º, al. e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária «o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador».

Este preceito aponta na direção do art. 1437º do CC, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o art. 1436º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a al. h), a execução das deliberações da assembleia. Por seu turno, o nº 6 do art. 1433º do CC prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.

A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (cfr. art. 1431º e 1432º do CC), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em PH (cfr. art. 1430º, nº 1, do CC), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (cfr. art. 1435º a 1438º, todos do CC).

Assim, a solução mais correta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação».

Senão, vejamos. A tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do art. 1433º, nº 6, do CC, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações». E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as acções».

O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a acção incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos, sem embargo, a redação deste preceito deriva do DL 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível.

Só com a Reforma de 1995/96, o art. 6º, al. e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231º, nº 1, do CPC de 1961 (actual art. 223º, nº 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).

Chegados a este ponto, verificamos que a actividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico. Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no art. 9º do CC para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.

Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).

Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008).

Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos. Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).

Isto leva-nos a aderir à interpretação actualista do citado art. 1433º, nº 6, do CC, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio. À pergunta se actuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:

«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância. O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa.

A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.

Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas. Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - obra citada, pp. 50 e 51.

E esta interpretação actualista tem também como alvo o art. 383º, nº 2, do CPC (art. 398º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967. Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».

Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54). E dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».

Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador» (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).

Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação atualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:

«Nas palavras do acórdão do TRL, de 14/5/1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no art. 1433º, nº 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no art. 476º, nº 1, al. e), do CPC, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).

Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte: «(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437º do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».

Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).

Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação actualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006. Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do nº 6 do art. 1433º do CC «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.

Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que: «(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (art. 1436º, al. h), do CC), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio».

Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de acção. Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1º do DL 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433º, nº 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).

E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56). 

Resta acrescentar que não é obstáculo a este entendimento a eventualidade de o administrador perder o poder de representação de ser ele próprio, na qualidade de condómino, a propor contra o condomínio uma ação de impugnação da deliberação. Nesta hipótese, decorre do art. 1433º, nº 6, in fine, do CC, que a assembleia terá de nomear um representante para esse efeito.

Legitimidade passiva na impugnação de deliberações I

Enquadramento jurídico da legitimidade passiva
na impugnação de deliberações da assembleia de condóminos

1ª parte

Há quem sustente que a legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete apenas aos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações (cfr. art. 1433º, nº 1, do CC). Por outro lado, há quem sustente a tese de que a acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra todos os condóminos.

A problemática da legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores (aqui com correntes mais díspares), bem como a doutrina.

Deve ser intentada contra os condóminos que votaram a favor da deliberação, como defendem uns? Ou contra todos os condóminos, na tese plasmada por outros? Ou ainda segundo outras duas teses plausíveis: contra o condomínio ou contra o administrador do condomínio?

No sentido de que têm legitimidade passiva os condóminos (sem especificação de quais), alinham-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 26.3.1998,  de 16.6.2005,  de 24.6.2008 com um voto de vencido, e de 29.11.2006. Perfilham o entendimento de que a legitimidade passiva radica nos condóminos que votaram favoravelmente à deliberação impugnada, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2007 com dois votos de vencido, e de 6.11.2008, do TRL de 12.2.2009, de 13.7.2010 e de 31.3.2011.

No sentido de que a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo administrador, destacam-se os acórdãos do STJ de 14.2.1991, do TRL de 14.5.1998, de 28.3.2006 e de 14.12.2006, do STJ de 29.5.2007, do TRE de 18.9.2008, do TRL de 25.6.2009, do TRG de 3.4.2014, do TRP de 11.5.2015 e de 13.2.2017. Registe-se ainda neste sentido o acórdão mais recente do TRL de 7.3.2019, em que é 2.ª adjunta a ora relatora (com um voto de vencido da 1.ª adjunta).

Na doutrina, no sentido da tese da legitimidade passiva na acção de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete apenas aos condóminos, pronunciou-se Abílio Neto, referindo que «Como demandados devem figurar nominativamente todos os condóminos que aprovaram a deliberação ou deliberações impugnadas, por serem estes que têm interesse em contradizer, embora representados seja pelo administrador, seja pela pessoa que a assembleia tiver designado para esse efeito (cfr. art. 1433º, nº 6 do CC).

Assim, tal acção não deve ser intentada contra os condóminos a título singular, nem apenas contra o condomínio, nem contra o administrador, uma vez que este apenas intervém como representante judiciário dos condóminos que, através da sua vontade individual, contribuíram para a formação da vontade colectiva» (in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 3.ª edição – Outubro 2006, pp. 348 e 349).

Ainda seguido o mesmo diapasão, Abrantes Geraldes escreveu o seguinte: «Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6º al. e), do CPC), mas aos condóminos que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433º, n.º 6, do CC» (in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra: Almedina, 2010, p. 109).

No sentido de o condomínio ter personalidade judiciária nestes casos, ainda que com matizes diversas, destacam-se os seguintes autores:

- Aragão Seia, que diz, a propósito, que «Face à actual redacção da al. e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1, do artigo 231º, do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção» - Propriedade Horizontal in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios –, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra: Almedina, 2002, pp. 216 e 217;

- Sandra Passinhas, ainda que referindo que a legitimidade passiva cabe ao administrador, entidade que, como é sabido, representa o condomínio, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina 2000, pp. 336 a 338,;

- Miguel Mesquita, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, Julho/Setembro 2011, em artigo intitulado A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos - anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de junho de 2009, pp. 41 a 56;

- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora 2014, p. 41, anotação 5.

Destas sortes, cumpre encontrar a rota mais apurada por entre vasta panóplia de razões, porquanto, não obstante as conhecidas divergências jurisprudenciais acerca da legitimidade passiva na acção de impugnação das deliberações do condomínio e da interpretação do disposto no art. 1433º, nº 1 e 6 do CC, afigura-se-nos que a única forma de garantir que a decisão do Tribunal produzirá o seu efeito útil normal é através da vinculação de todos os condóminos, que têm de ser parte na acção.

Uma vez que as deliberações são vinculativas para todos os condóminos (cfr. art. 1º, n.º 2 do DL nº 268/94 de 25/10) independentemente do seu sentido de voto, abstenção ou não comparência na assembleia, não faz sentido que uma deliberação do condomínio se mantenha válida e vinculativa para alguns - v.g. porque votaram contra e não se quiseram associar ao autor na propositura da acção, tendo-se conformado com a vigência da deliberação ou porque se abstiveram - e para os que a votaram favoravelmente esteja anulada por decisão cujo caso julgado os vincule.

Ou seja, não fazendo sentido que uma deliberação do condomínio seja simultaneamente válida e vinculativa para os condóminos que votaram contra ou se abstiveram – mas não foram autores na acção de impugnação - e não o seja para outros, que votaram favoravelmente e foram réus na acção - afigura-se que a decisão a proferir só produzirá o seu efeito útil normal se todos os condóminos forem parte na acção, tal como todos os contraentes têm de ser parte na acção em que se discuta a validade do contrato.

Assim, quem não for autor terá de ser réu.

A acção de anulação é uma ação constitutiva, operando uma mudança na ordem jurídica existente – art. 10º, nº 3, al. c) do CPC. “Se o pedido for procedente, a sentença cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres fundados em situações jurídicas anteriores.” Uma acção de impugnação de deliberação do condomínio julgada procedente eliminará do ordenamento jurídico uma deliberação da assembleia do condomínio, a qual só deixará efetivamente de produzir os seus efeitos, na sua totalidade, se todos os destinatários dessa deliberação – todos os condóminos – estiverem abrangidos pelo caso julgado que se formará.

Face a esta necessidade de abarcar pela decisão a proferir todos os destinatários da deliberação cuja anulação se pede, conclui-se que a exigência do litisconsórcio natural se sobrepõe ao critério de legitimidade singular do interesse em contradizer, que a priori se verificará apenas naqueles que votaram favoravelmente a deliberação e por isso estarão, à partida, interessados em defender a sua manutenção.

Da letra da lei não resulta posição expressa sobre a legitimidade passiva, mas apenas quanto à legitimidade ativa, no nº 1 do art. 1433º do CC: “qualquer condómino que as não tenha aprovado”. O nº 6 refere-se-lhes apenas como “condóminos contra quem são propostas as acções”, nada referindo quanto à posição que esse condómino manifestou – ou não – quanto à deliberação posta à votação e aprovada. Pelo que, não havendo indicação da lei em contrário, tais condóminos poderão ser todos os demais.

Para reforçar o que acima se refere, note-se por exemplo a deliberação que fixa a quotização devida por cada condómino na comparticipação para os encargos e despesas comuns do prédio, e a deliberação vier a ser anulada, os condóminos que não tenham sido parte na acção continuam vinculados ao pagamento dos valores aprovados nessa deliberação, ao passo que os demais estão desvinculados. Os que foram parte na acção poderão ficar, porventura, e até à realização de nova assembleia, obrigados a pagar até então os valores que tinham sido aprovados na assembleia ordinária do ano anterior. 

Se os valores forem diferentes, existirá uma desigualdade injustificável entre os condóminos, que a imposição do litisconsórcio evitaria. Os condóminos poderão repor a igualdade da repartição dos encargos numa nova assembleia, fixando novos valores, por deliberação que não seja anulada, com efeitos retroativos, abrangendo o período temporal a que respeitava a deliberação anulada. 

O que evidencia à saciedade que a decisão de anulação da deliberação que não vincule todos os condóminos não compôs definitivamente o litígio, nem produziu o seu efeito útil normal, pois poderá ser necessário um ato extrajudicial, posterior para, v.g., repor a igualdade – embora em termos de proporcionalidade das respetivas permilagens, se não for outro o critério adotado - das contribuições entre condóminos».