Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/16/2023

Usufruto vs Uso e Habitação


João e Ana são avós de Cláudia e pretendem doar-lhe o imóvel onde residem. No entanto, pretendem continuar a viver no mesmo imóvel até ao fim dos seus dias. Para acautelar o seu direito à posse do imóvel estão em dúvida se é mais vantajoso constituir um usufruto sobre o imóvel ou um direito de uso e habitação. 
Quid iuris?

Apreciando

Apesar de o usufruto e o direito de uso e habitação constituírem direitos reais, em termos práticos, são muito distintos, como veremos de seguida:

O artigo 1439º do Código Civil define o usufruto como o “direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa ou direito alheio sem alterar a sua forma ou substância”. Já a noção de uso vem consagrado no art. 1484º do CC ao referir que o direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família. Quando este direito se refere a casa de morada chama-se direito de habitação.

A partir da análise das duas noções supra facilmente se conclui que se tratam de dois institutos jurídicos distintos, mas vejamos, de seguida, as principais diferenças: O beneficiário do usufruto beneficia de um poder muito mais vasto sobre o bem imóvel uma vez que poderá usar o bem de boa-fé como se do real proprietário se tratasse, pelo que será igualmente responsável pelo pagamento dos impostos, como por exemplo, o pagamento anual do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI);

O direito de uso é um direito pessoal, intransmissível e impossível de ser onerado, dado que o uso do imóvel visa apenas a satisfação das necessidades pessoais do seu titular e agregado familiar mas já não de terceiros, pelo que o seu titular apenas o poderá usar como sua habitação e da sua família e apenas para satisfação das suas necessidades. No entanto, o direito de uso e habitação pertence apenas ao seu titular e já não à sua família.

Denote-se que extinguindo-se o direito de uso e habitação do seu titular o mesmo acontece relativamente aos membros da sua família. Já o usufruto caracteriza-se pela possibilidade de transmissão ou de oneração, salva as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei (cfr. art. 1444º do CC).

O direito de uso e habitação é um direito pessoal e como tal não pode ser penhorado. No entanto, existe uma situação excepcional que ocorre quando o imóvel sobre o qual índice o direito de uso e habitação tiver registada uma garantia real como por exemplo uma hipoteca, anterior ao registo da constituição do direito de uso e habitação.

Existindo uma garantia real registada e o imóvel venha a ser vendido em processo executivo, o direito de uso e habitação é inatacável no âmbito da execução movida contra o titular do direito de uso e habitação mas a mesma conclusão já não se aplica ao proprietário porque o seu direito de propriedade é atacável em sede de processo executivo.

3/12/2023

Definição de prédios

 

O Código Civil distingue coisas imóveis de coisas móveis, nos termos do art. 203º do CC. O legislador optou, no entanto, por não definir coisa imóvel, apresentando antes uma lista de coisas que considera imóveis. 

Confrontando as várias categorias de coisas imóveis, existem dois tipos fundamentais: coisas imóveis por natureza e coisas imóveis por relação. As coisas imóveis por natureza compreendem os prédios rústicos e urbanos e as águas, no seu estado natural. As coisas imóveis por relação, não sendo em si imóveis, têm tal categoria por disposição da lei, nelas se incluindo todas as demais coisas enumeradas pela mesma como tal. 

Assim sendo, nesta segunda categoria de imóveis encontramos realidades que teriam a natureza de coisas móveis. A sua qualificação como imóveis advém de certa relação que mantêm com as coisas imóveis, o que permite concluir que quebrada a referida relação, estas coisas readquirem a sua qualidade de móveis e, por outro lado, o objectivo do legislador terá sido o de aplicar-lhes o regime das coisas imóveis, muito mais do que qualificar essas coisas como imóveis. 

A lei tem preocupação em definir prédio rústico e prédio urbano (cfr. nº 2 do art. 204º do CC). Assim sendo, prédio rústico é uma parte delimitada do solo terrestre e as construções nela existentes que não tenham autonomia económica. Já prédio urbano é qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. 

Existem, contudo, de prédios mistos. O CC adoptou, porém, a solução de não admitir prédios mistos e alargar o conceito de prédios rústico e urbano, de forma a incluir nessas categorias, as situações referidas. 

A lei qualifica também como imóvel os direitos inerentes aos imóveis elencados, o que significa que aqui estão abrangidos os direitos reais (direitos sobre as coisas, tal como o direito de propriedade ou o direito de usufruto). Finalmente, são elencados como imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos, ou seja, toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, nos termos do nº 3 do art. 204º do CC.

O que é um prédio rústico
 
São designados rústicos, os terrenos que se encontrem fora de uma zona urbana, não podendo estes estar classificados como terrenos para construção e podendo apenas ser utilizados para fins agrícolas. Caso se encontrem dentro de zonas urbanas, serão considerados rústicos caso tenham unicamente rendimentos agrícolas. Podem igualmente ser considerados prédios rústicos, os edifícios e construções, que no terreno estejam construídos, desde que estejam somente afectos à produção de rendimentos agrícolas
 
Para a AT são prédios rústicos os edifícios e construções implantados em terrenos classificados como prédios rústicos, desde que esses edifícios e construções estejam directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas. Assim, os edifícios e construções, ainda que situados em prédios rústicos, só podem ser classificados como prédios rústicos (na medida em que são parte integrante dos prédios rústicos em que se situam) desde que estejam directamente afectos ao exercício e apoio da actividade agrícola ou silvícola que é desenvolvida nos prédios rústicos onde se integram, o que implica que sejam utilizados na produção ou no armazenamento das espécies vegetais dela resultantes ou na instalação e arrumo das alfaias e máquinas necessárias ao exercício daquelas actividades.

O que significa que os edifícios e construções situados em prédios rústicos que não estejam a ter esta afectação directa à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas não podem ser classificados como prédios rústicos, por não serem parte integrante dos prédios rústicos onde se situam, antes constituindo uma realidade física autónoma sem qualquer ligação funcional a esses prédios rústicos, devendo por isso ser classificados como prédios urbanos.

O que é um prédio urbano
 
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, nem mistos. São considerados prédios urbanos, as construções de carácter habitacional, comercial, industrial ou para serviços, terrenos para construção, entre outros. 
 
Assim, considera-se prédio urbano, para além dos imóveis já edificados e incorporados no solo, qualquer terreno para construção, considerando-se como tal o terreno para o qual tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção, e ainda aquele que assim tenha sido declarado no título aquisitivo, nos termos previstos no nº 3 do art. 6º do Código da Contribuição Autárquica;

Considera-se ainda prédio urbano, para os mesmos efeitos, qualquer terreno situado em solo urbano, considerando-se como tal aquele para o qual esteja reconhecida vocação para o processo de edificação, de acordo com o estabelecido em plano municipal de ordenamento do território (art. 15º da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto; art. 72º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro; e art. 41º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 177/2001, de 4 de Junho);

O que é um prédio misto
 
Sempre que um prédio tenha uma parte rústica e urbana será classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio será havido na sua totalidade como misto. 

3/03/2023

Personalidade jurídica do condomínio


A lei não confere personalidade jurídica ao condomínio resultante de propriedade horizontal. Os interesses respeitantes ao prédio constituído em propriedade horizontal são titulados por cada um dos respectivos condóminos, esses sim, pessoas singulares ou colectivas, como tal providos de personalidade jurídica.

O condomínio não dispondo de personalidade jurídica não pode por isso ser titular de direitos. Ao atribuir personalidade judiciária ao condomínio o legislador confere-lhe a possibilidade de ser parte em juízo, mas apenas nas acções que se integrem no âmbito das funções e dos poderes do administrador do condomínio e só nestas, como decorre do art.º 1437º do CC.
 
Neste sentido pronunciou-se o TRP, em Acórdão datado de 16.12.2015: "A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais".

No que diz respeito à administração das partes comuns, os condóminos exprimirão a sua vontade através da assembleia de condóminos, vontade essa que, concretizada em deliberações, deverá ser executada pelo administrador. Apenas para o efeito de actuação em juízo dos condóminos nas questões atinentes às partes comuns do edifício é que a lei reconhece personalidade judiciária ao condomínio (cfr. art.º 6º al. e) do CPC), o qual será representado pelo administrador (cfr. art. 1437º do CC).

O Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) tem por fim organizar e gerir o ficheiro central de pessoas colectivas, apreciar a admissibilidade de firmas e denominações, aí se contendo informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições. Para o mesmo fim conterá esse ficheiro central informação de interesse geral relativa a entidades públicas ou privadas não dotadas de personalidade jurídica (cfr. art. 1º e 2º do DL nº 129/98, de 13/5, o qual foi objecto de diversas alterações que, porém, não buliram com as regras e artigos ora citados). Será nesta última categoria que caberá a inscrição dos condomínios no RNPC. 

Porém, tal inscrição não é condição para a relevância, na ordem jurídica, dos condomínios. Estes formam-se através da constituição do prédio em regime de propriedade horizontal, nos termos e com os requisitos previstos nos art. 1417º e 1418º do CC, seguida da respectiva inscrição no registo predial (cfr. art. 2º nº 1 al. b) do CRP, aprovado pelo DL nº 224/84, de 06/7, alterado por diversos diplomas que não modificaram o preceito citado).

Assim, a inicial omissão de inscrição do prédio no RNPC não interfere em nada com a actividade dos condóminos.

Unidade de conta (UC) - Custas Processuais em 2023



A Unidade de Conta (UC) que serve de cálculo para as custas judiciais não terá qualquer atualização no ano de 2022, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2021.

Efetivamente, já o artigo 9º da Lei nº 99/2021, de 31 de dezembro, que aprovou "Contribuições especiais e valor das custas processuais para 2022" estipulou que:

“Artigo 9.º
Valor das custas processuais 
 
Mantém-se em 2022 a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2021."

O Orçamento de Estado para 2022, no seu artigo 174º confirmou a manutenção do valor da UC:

"Artigo 174.º
Valor das custas processuais 
 
Em 2022, mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2020."

Assim, a Unidade de Conta (UC) fica fixada em €102,00 para vigorar no ano de 2022.
 
in, homepagejuridica.pt 

O Governo manteve os valores das custas processuais, assim, o valor a pagar para se aceder aos tribunais mantém-se inalterado. Segundo a lei do OE/2023, “mantém-se a suspensão da actualização automática da unidade de conta processual prevista no nº 2 do art. 5º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2022”.

Se salientar que as custas judiciais ou processuais correspondem ao preço que o cidadão paga ao Estado pela prestação do serviço público nos tribunais em cada processo judicial. As custas processuais incluem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

A taxa de justiça — a parta mais expressiva das custas — é expressa com recurso à unidade de conta processual (UC). A UC é actualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor de UC respeitante ao ano anterior. Actualmente cada UC corresponde a 102 euros. E assim vai continuar. A unidade de conta dos diversos tipos de processo varia entre o 1 e o 6. Ou seja: um cidadão tanto pode pagar apenas 102 euros por aceder aos tribunais, como 612 euros (no máximo).

Segundo os dados mais recentes disponibilizados pela Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) — relativos a 2020 — o Estado tem recebido cada vez menos de custas judiciais. Os últimos dados revelam que em 2020, em plena pandemia, o Estado recebeu apenas cerca de 215 milhões de euros. Um valor bem mais baixo do que o recebido em 2016 (cerca de 258 milhões). A tendência desde 2016 até 2020 (dados mais recentes disponíveis) tem sido de diminuição (ver tabela em baixo).
 
O que é a taxa de justiça?

A taxa de justiça é o valor a pagar por cada interveniente num processo e o seu valor é calculado em função da complexidade da causa. Os valores estão fixados numa tabela publicada em Diário da República. A taxa de justiça pode ter uma redução de 90% nos processos em que o recurso aos meios eletrónicos não seja obrigatório, mas em que a parte entregue todas as peças processuais através dos meios eletrónicos disponíveis.

O pagamento da taxa de justiça poderá ser feito em duas alturas diferentes. Na primeira parte, e única em alguns casos, é paga a taxa de justiça inicial, ou sejam o valor devido até ao momento da prática do ato processual. A segunda parte é paga no prazo de 10 dias após a notificação para a audiência final. O pagamento é feito através do Documento Único de Cobrança (DUC).
 
O que são os encargos?

Os encargos correspondem às despesas concretas a que haja lugar no processo: por exemplo, os custos com correio e comunicações telefónicas, as compensações a testemunhas ou retribuição de peritos, os transportes em diligências no processo. Em certas circunstâncias, devem ser pagos antecipadamente pela parte requerente ou interessada nos atos que impliquem essa despesa.
 
O que são as custas de parte?

As custas de parte, por sua vez, são as despesas que cada parte foi fazendo com o processo — incluindo a taxa de justiça — e de que tenha direito a ser reembolsada pela parte vencida. Este reembolso deve ser pago diretamente à parte vencedora. O pagamento das custas no final do processo, em regra, cabe a quem ficou vencido, na proporção em que o for. No processo penal, o arguido só tem responsabilidade pelas custas quando é condenado. Em certos casos, devem ser pagas por quem se constituiu assistente (acompanhando a acusação como interessado) no processo, quando, por exemplo, o arguido for absolvido. O denunciante de crime que tenha feito a denúncia de má‑fé (com intenção de prejudicar ilegalmente a pessoa contra quem fez a denúncia) ou com negligência grave (prejudicando a pessoa pela falta de cuidado grosseira) também pode ser condenado nas custas.


3/02/2023

O fim, o uso, a fruição e a disposição



Estipula o art. 1418º do CC que «2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum». Por outro lado, dispõe o art. 1305º do CC que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
 
O proprietário, no uso destes direitos, na verdade, está a exercê-los em harmonia com o fim social que a lei visa ao atribuir-lhos, e que é precisamente o de lhe assegurar exclusivismo no uso, fruição ou gozo e disposição da coisa que lhe pertence. Importa contudo salientar que este preceito coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei. 
 
Teoricamente, porém, a possibilidade de se incorrer em uma situação de manifesto abuso de direito tem de admitir-se, correspondendo este, outrossim, a uma restrição que se tem legalmente consagrada ao direito de propriedade.

No que respeita aos termos usados em ambos preceitos, importa desde logo balizar o significado de cada um.

O fim

É o TCPH que se define o fim a que se destina a fracção. E este fim não se confunde com o “uso ,fruição e conservação”” a que se refere o art. 1305º do CC, que respeita ao modo como é exercido o direito, dentro do “fim” que é atribuído na escritura da PH. O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção. 

O TCPH pode mencionar o fim a que se destina cada fracção autónoma ou parte comum, ou seja, pode definir que as fracções se destinam a habitação, garagem, armazém, para a prestação de serviços, comércio, etc..

O direito de uso

O uso consiste no poder do proprietário se servir da sua fracção autónoma para a satisfação das suas necessidades (como por exemplo, transformar um quarto num escritório), ou seja, a lei possibilita destinar os usos dos diversos cómodos em função dos interesses e necessidades dos proprietários das respectivas fracções autónomas. Assim, nada obsta a que, um condómino proprietário de um T2 converta uma sala num terceiro quarto, que elimine um quarto para o transformar num ginásio caseiro ou numa biblioteca; ou até que derrube a parede entre dois quartos para os converter um único quarto.
 
O direito de fruição

A fruição traduz-se no poder que o proprietário tem de gozar a fracção directa ou indirectamente, através de tudo o que ela possa produzir periódica ou esporadicamente (como por exemplo, exercer uma qualquer actividade laboral ou industrial - nos termos do art. 1092º do CC, «1 - No uso residencial do prédio arrendado inclui-se, salvo cláusula em contrário, o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada. 2 - É havida como doméstica a indústria explorada na residência do arrendatário que não ocupe mais de três auxiliares assalariados.), sem prejuízo da sua substância».

O direito de disposição
 
O poder de disposição refere-se aos poderes materiais, como são os de transformar a coisa (vide supra, o fim), e os poderes jurídicos (como por exemplo, onerar com servidão, hipoteca ou constituição de nova hipoteca, arrendar, alienar ou conceder um direito de usufruto). 
 
Direito de uso, fruição e disposição da habitação
 
O legislador português define o direito de uso e habitação no art. 1484º do CC, distinguindo entre direito de uso e direito de habitação. 
 
No nº 1 do referido art. 1484º do CC, direito de uso é definido como a “faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”. Depois, no nº 2, caracteriza-se o direito de habitação como um tipo de direito de uso – quando este direito de uso “se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”. 
 
O direito de uso abrange, para além do uso da coisa, a obtenção dos frutos dessa mesma coisa; o direito de uso implica a fruição para a satisfação directa das necessidades do titular e da sua família, enquanto que o direito de habitação não inclui nenhuma modalidade de fruição, apenas o direito de habitar a casa. 
 
O art. 1488º do CC consagra a intransmissibilidade dos direitos de uso e de habitação, ao contrário do que vigora no usufruto, onde o art. 1444º do CC estabelece o princípio da livre transmissibilidade. 
 
Não sendo o direito de uso e o direito de habitação transmissíveis, não podem tais direitos ser onerados com qualquer garantia real – penhor, hipoteca, etc.. Esse regime de intransmissibilidade é a natural consequência do carácter estritamente pessoal desses direitos – envolvendo o uso e habitação a ideia da utilização directa da coisa ou do consumo dirceto dos frutos, a sua transmissão colidiria com a referida natureza desses direitos.

INRAU - perguntas e respostas - III


Questões

1. No caso de contratos de arrendamento para habitação celebrados após a entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro e de contratos de arrendamento não habitacionais celebrados depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, a renda pode ser atualizada pelo coeficiente previsto no artigo 24.º da Lei n.º 6/2006?
2. No caso de se verificar incumprimento do contrato de arrendamento, por falta de pagamento da renda, pode o senhorio fazer cessar o referido contrato?
3. Em que consiste o procedimento especial de despejo, criado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, alterada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro?
4. Trâmites seguidos pelo procedimento especial de despejo.
5. No caso em que o contrato de arrendamento de duração limitada tenha sido celebrado em 2004, como se opera a respetiva renovação?
6. Quais as especificidades do regime de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais?
7. O que se entende por microempresa?
8. O senhorio pode denunciar o contrato para habitação própria?



1. No caso de contratos de arrendamento para habitação celebrados após a entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro e de contratos de arrendamento não habitacionais celebrados depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, a renda pode ser atualizada pelo coeficiente previsto no artigo 24.º da Lei n.º 6/2006?

Nos contratos de arrendamento urbano para habitação celebrados após a entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como nos contratos para fins não habitacionais celebrados após a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 257/95, de 30 de setembro, haverá lugar à atualização anual da renda feita em função da inflação, de acordo com o coeficiente publicado anualmente em Diário da República.

2. No caso de se verificar incumprimento do contrato de arrendamento, por falta de pagamento da renda, pode o senhorio fazer cessar o referido contrato?

A mora pelo arrendatário igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do mesmo, confere ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento. O arrendatário poderá fazer cessar a mora, no prazo de um mês, sendo que esta faculdade só poderá ser utilizada uma única vez, com referência a cada contrato.

O senhorio deverá desencadear a resolução do contrato mediante o envio de comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida, por uma das seguintes formas:

a) notificação avulsa;
b) contacto pessoal através de representante legal (advogado, solicitador ou agente de execução) comprovadamente mandatados para o efeito;
c) escrito assinado e remetido pelo senhorio.

Prevê-se também ser inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, no caso do arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de doze meses, com referência a cada contrato.

3. Em que consiste o procedimento especial de despejo, criado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, alterada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro?

Através da alteração ao NRAU operada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, alterada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, criou-se um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou naquela que resultou do acordo das partes. Este procedimento aplica-se às seguintes situações:

a) resolução do contrato por comunicação, com fundamento no não pagamento de renda, igual ou superior a dois meses, ou por mora superior a oito dias no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, no período de 12 meses;
b) revogação;
c) caducidade do contrato por decurso do prazo;
d) cessação por oposição à renovação;
e) cessação por denúncia para habitação do senhorio/filhos, para obras profundas ou, ainda, por livre denúncia (alínea c) do art.º 1101.º do CC);
f) por denúncia do arrendatário.

4. Trâmites seguidos pelo procedimento especial de despejo

Com competência em todo o território nacional, foi criado, junto da Direção-Geral da Administração da Justiça, o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), destinado a assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo. Este procedimento é constituído pelas seguintes fases:

a) O senhorio apresenta o requerimento de despejo, junto do BNA;
b) O BNA promove a notificação do arrendatário;
c) Se o arrendatário não deduzir oposição ao pedido de despejo, o balcão emite o título de desocupação do imóvel, com base no qual o senhorio pode proceder ao despejo imediato, só havendo intervenção do tribunal quando o arrendatário se recuse a entregar o imóvel;
d) Se o arrendatário deduzir oposição ao pedido de despejo, alegando que não se verifica o fundamento invocado pelo senhorio, há lugar à intervenção do juiz, num processo judicial especial e urgente, para o qual é necessário a prestação da caução, o pagamento da taxa de justiça e o depósito das rendas vencidas.

Releve-se que o procedimento especial de despejo apenas pode ser utilizado relativamente aos contratos de arrendamento cujo imposto de selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos e IRS ou IRC.

Decorre do acima referido que no âmbito do procedimento especial de despejo só é obrigatória a constituição de advogado no caso de dedução de oposição ao requerimento de despejo e atos subsequentes.

Informações adicionais sobre os trâmites a observar no âmbito do procedimento especial de despejo podem ser obtidas em www.bna.mj.pt

5. No caso em que o contrato de arrendamento de duração limitada tenha sido celebrado em 2004, como se opera a respetiva renovação?

Se se tratar de um contrato para fins habitacionais, de duração limitada, celebrado na vigência do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 do Outubro, ou, no caso de contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, quando não sejam denunciados por qualquer das partes, a renovação é automática no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, em ambos os casos se outro superior não tiver sido previsto.

6. Quais as especificidades do regime de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais?

A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem da iniciativa do senhorio que deve comunicar ao arrendatário:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI;
c) Cópia da caderneta predial urbana;
d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar a resposta , ou seja:

i) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
ii) opor-se ao valor da renda proposto por este contrapondo outro valor;
iii) Pronunciar-se quanto ao tipo e ou à duração do contrato propostos pelo senhorio;
iv) Denunciar o contrato de arrendamento.

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta e no mesmo prazo, bem como a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, ou seja:

i) Que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microempresa;
ii) Que no locado funciona uma pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica à atividade cultural, recreativa, de solidariedade social ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal, ou uma pessoa coletiva de direito privado que prossiga uma atividade declarada de interesse nacional;
iii) Que o locado funciona como casa fruída por república de estudantes, nos termos previstos na Lei n.º 2/82, de 15 de janeiro, alterada pela Lei n.º 12/85, de 20 de junho;
iv) Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico.

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das referidas circunstâncias.

O arrendatário pode, no prazo de 30 dias, reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado junto do serviço de finanças competente, a qual não suspende a atualização da renda mas quando determine uma diminuição do valor da mesma, há lugar à respetiva recuperação pelo arrendatário desde a data em que foi devida a renda atualizada.

O montante a deduzir a título de recuperação da diminuição da renda não pode ultrapassar, em cada mês, metade da renda devida, salvo acordo das partes ou cessação do contrato.

No caso de o arrendatário invocar uma das referidas circunstâncias, o contrato só fica submetido ao NRAU, mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de dez anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário. No período de dez anos, o valor da renda é determinado de acordo com os seguintes critérios:

a) o valor atualizado da renda tem como limite máximo 1/15 do valor do locado;
b) o valor do locado corresponde ao valor da avaliação realizada, nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI.

Nos anos seguintes ao da invocação de uma das circunstâncias acima indicadas, o arrendatário faz prova da circunstância pela mesma forma e até ao dia 30 de setembro, quando essa prova lhe seja exigida pelo senhorio até ao dia 1 de setembro do respetivo ano, sob pena de não poder prevalecer-se dessa circunstância.

Findo o período de dez anos, o senhorio pode iniciar novo processo de atualização da renda, sendo que o arrendatário não poderá invocar novamente quaisquer das circunstâncias supra referidas. No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado, com prazo certo, pelo período de cinco anos.

Durante o referido período de cinco anos e na falta de acordo das partes acerca do valor da renda, o senhorio pode atualizar a renda de acordo com os seguintes critérios, com aplicação dos coeficientes de atualização anual:

a) o valor atualizado da renda tem como limite máximo 1/15 do valor do locado;
b) o valor do locado corresponde ao valor da avaliação realizada, nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI.

7. O que se entende por microempresa?

Microempresa é a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes:

a) Total do balanço: € 2 000 000;
b) Volume de negócios líquido: € 2 000 000;
c) Número médio de empregados durante o exercício: 10.

8. O senhorio pode denunciar o contrato para habitação própria?

Sim. O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada, quando necessite da habitação para ele próprio ou para os seus descendentes em 1.º grau.

O referido direito de denúncia depende do pagamento do montante equivalente a um ano de renda e da verificação dos seguintes requisitos:

a) Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de dois anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão;
b) Não ter o senhorio, há mais de um ano, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País, casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau.

Contudo, importa referir que, nos casos de contratos de arrendamento celebrados em data anterior ao NRAU (junho de 2006), ainda que se encontrem preenchidos todos os requisitos para a denúncia do contrato, para que aí possa residir, o senhorio não o poderá fazer, sempre que se verifique alguma das seguintes situações em relação ao arrendatário ou subarrendatário autorizado:

a) ter idade igual ou superior a 65 anos;
b) encontrar-se em situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho.