Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/21/2023

NRAU - perguntas e respostas - II


Questões

1. Qual a renda que vigora no período compreendido entre a receção da comunicação pela qual o senhorio denuncia o contrato e a produção de efeitos da denúncia?
2. E no caso de se tratar de arrendatário com rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), como proceder?
3. E no caso de arrendatário com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%?
4. No caso de o arrendatário, em resposta à iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e atualização da renda, pretender denunciar o contrato, como deve proceder?
5. No caso de um contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro e em que o arrendatário tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, como se processa a transição para o NRAU e a atualização da renda?
6. O arrendatário de um contrato para habitação tem de comprovar que o seu RABC é inferior a cinco RMNA nos anos seguintes ao da invocação dessa condição?
7. Qual a definição de agregado familiar para a determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC)?
8. Sou arrendatário titular de um contrato de arrendamento antigo. Com as alterações ao NRAU permite-se a transmissão do arrendamento para os filhos?
9. O senhorio pode denunciar o contrato para obras?
10. O senhorio pode denunciar o contrato para obras quando o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%?
 

1. Qual a renda que vigora no período compreendido entre a receção da comunicação pela qual o senhorio denuncia o contrato e a produção de efeitos da denúncia?

No período compreendido entre a receção da comunicação pela qual o senhorio denuncia o contrato e a produção de efeitos da denúncia vigora a renda antiga ou a renda proposta pelo arrendatário, consoante a que for mais elevada.

2. E no caso de se tratar de arrendatário com rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), como proceder?

O arrendatário, na sua resposta ao processo de atualização da renda desencadeado pelo senhorio, pode invocar e comprovar que o seu agregado familiar tem um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes ou, na falta deste no prazo de oito anos a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário.

No referido período transitório de oito anos, a renda pode ser atualizada da seguinte forma:

a) O valor atualizado da renda tem como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado;
b) O valor do locado corresponde ao valor da avaliação realizada nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI;
c) O valor atualizado da renda corresponde, até à aprovação dos mecanismos de proteção e compensação social:

i. A um máximo de 25% do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a);
ii. A um máximo de 17% do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 1500 mensais;
iii. A um máximo de 15% do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 1000 mensais;
iv. A um máximo de 13% do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 750 mensais;
v. A um máximo de 10% do RABC do agregado familiar do arrendatário, com o limite previsto na alínea a), no caso de o rendimento do agregado familiar ser inferior a (euro) 500 mensais.

Findo o período de oito anos o senhorio pode promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU e no silêncio ou falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, período de cinco anos.

3. E no caso de arrendatário com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%?

Caso o arrendatário na sua resposta, invoque, e comprove ter idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência igual ou superior a 60%, poderá haver lugar a atualização de renda pelo valor negociado ou pelo valor do locado determinado de acordo com o valor patrimonial tributário do imóvel, exceto se se verificar simultaneamente uma situação de carência económica (agregado familiar tem um RABC inferior a cinco RMNA), situação em que o valor da renda é determinado nos termos da resposta anterior e vigora por um período de 10 anos, correspondente ao valor da primeira renda devida.

Findo o período de dez anos, o senhorio pode atualizar a renda, no entanto, a transição do contrato para o NRAU depende de acordo entre as partes.

4. No caso de o arrendatário, em resposta à iniciativa do senhorio para transição para o NRAU e atualização da renda, pretender denunciar o contrato, como deve proceder?

Neste caso não há lugar à atualização da renda e o arrendatário dispõe de 3 meses para desocupar o locado, sendo de 2 meses a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário o prazo de produção de efeitos da denúncia e de 1 mês o prazo para desocupar e entregar a habitação.

Neste caso, o arrendatário tem direito à compensação pelas obras licitamente feitas, independentemente do estipulado no contrato de arrendamento e ainda que as obras não tenham sido autorizadas pelo senhorio.

5. No caso de um contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro e em que o arrendatário tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, como se processa a transição para o NRAU e a atualização da renda?

Caso o arrendatário invoque e comprove que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes.O valor das rendas, findo o prazo de 10 anos a contar da primeira renda devida, pode ser atualizado por iniciativa do senhorio, pese embora o arrendatário não possa invocar que o RABC é inferior a cinco RMNA, poderá ter direito ao subsídio de renda, atualmente previsto no Decreto – Lei n.º 156/2015, de 10 de agosto.

6. O arrendatário de um contrato para habitação tem de comprovar que o seu RABC é inferior a cinco RMNA nos anos seguintes ao da invocação dessa condição?

Nos anos seguintes ao da invocação da circunstância de que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco remunerações mínimas nacionais anuais (RMNA), o arrendatário faz prova dessa circunstância pela mesma forma e até ao dia 30 de setembro, quando essa prova lhe seja exigida pelo senhorio até ao dia 1 de setembro do respetivo ano, sob pena de não poder prevalecer-se daquela circunstância.

7. Qual a definição de agregado familiar para a determinação do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC)?

A definição de agregado familiar é importante para efeito de se apurar o RABC. Assim, de acordo com o disposto no artigo 2.º do DL 158/2006, considera-se agregado familiar, em cada ano, o conjunto de pessoas constituído pelo arrendatário e pelas seguintes pessoas que com ele vivam em comunhão de habitação: cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes; cônjuge ou ex-cônjuge e os dependentes a seu cargo; pessoa que com o arrendatário viva em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado, e os seus dependentes; ascendentes do arrendatário, do seu cônjuge ou de pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos.

8. Sou arrendatário titular de um contrato de arrendamento antigo. Com as alterações ao NRAU permite-se a transmissão do arrendamento para os filhos?

O arrendamento para fins habitacionais na sequência da morte do primitivo arrendatário continua a poder ser transmitido para os seus descendentes. Com efeito, se o contrato de arrendamento tiver sido celebrado antes da entrada em vigor do NRAU (antes de Junho de 2006) o arrendamento pode transmitir-se para o filho ou enteado do primitivo arrendatário com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior. Neste caso o contrato ficará sujeito ao NRAU na data em que aquele adquirir a maioridade ou, caso frequente o 11.º ano ou 12.º ano de escolaridade ou cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, na data em que perfizer 26 anos, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de dois anos.

A transmissão para filho ou enteado com deficiência igual ou superior a 60% não está condicionada à idade ou maioridade mas só se verificará para descendente que convivesse com o primitivo arrendatário há mais de um ano.

9. O senhorio pode denunciar o contrato para obras?

A denúncia do senhorio deverá ser feita mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a seis meses sobre a data pretendida para a desocupação, devendo da mesma, sob pena de não ser eficaz, constar de forma expressa o fundamento da denúncia, bem como ser acompanhada dos seguintes documentos:

a) Comprovativo de que foi iniciado, junto da entidade competente, procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado,
b) Termo de responsabilidade do técnico autor do projeto legalmente habilitado que ateste que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição ou de uma obra de remodelação ou restauro profundos e as razões que obrigam à desocupação do locado;
c) De cópia dos elementos entregues juntamente com o requerimento de controlo prévio, bem como de documento emitido pelo município que ateste a entrega pelo senhorio destes elementos, no pedido de controlo prévio da operação urbanística, nos casos em que estejam em causa obras de alteração ou ampliação.

A denúncia é confirmada, sob pena de ineficácia, mediante comunicação ao arrendatário, acompanhada de:

a) Comprovativo de deferimento do correspondente pedido, no caso de operação urbanística sujeita a licença administrativa, ou
b) Comprovativo de que a pretensão não foi rejeitada, no caso de operação urbanística sujeita a comunicação prévia.

A denúncia do contrato de duração indeterminada para realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, obriga o senhorio, mediante acordo e em alternativa:

a) Ao pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos de renda, de valor não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado;
b) A garantir o realojamento do arrendatário por período não inferior a três anos.

Nos casos em que não haja acordo há lugar ao pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos de renda, de valor não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado.

A indeminização deve ser pagar metade após a confirmação da denúncia e o restante no ato de entrega do locado.

10. O senhorio pode denunciar o contrato para obras quando o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%?

A comunicação para efeitos de denúncia, para além dos elementos e documentos constantes da resposta anterior, deve conter o local destinado ao realojamento e a respetiva renda propostos, bem como o prazo legalmente previsto para a resposta e a indicação de que falta de resposta do arrendatário vale como opção pelo realojamento e aceitação do local a tal destinado e renda propostos pelo senhorio.

O arrendatário pode optar pelo:

a) Realojamento, em condições análogas às que este já detinha, devendo o local a tal destinado encontrar-se em estado de conservação médio ou superior;
b) Pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos de renda, de valor não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado.

O senhorio, na falta de acordo entre as partes, é obrigado a garantir o realojamento do arrendatário em condições análogas às que este já detinha, devendo o local a tal destinado encontrar-se em estado de conservação médio ou superior.

No caso de haver lugar ao realojamento, deve ser celebrado novo contrato de arrendamento no prazo de 30 dias, a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário ou não havendo resposta do termo do prazo para o efeito, sob pena de ineficácia da denúncia do contrato primitivo.

Caso o arrendatário invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA, o senhorio pode comunicar ao arrendatário que, em alternativa à denúncia do contrato, quando esta tenha por fundamento a realização de obra de remodelação ou restauro profundos, opta por suspender a execução desse contrato pelo período necessário à execução das obras, ficando obrigado a garantir o realojamento do arrendatário durante esse período.

2/17/2023

NRAU - perguntas e respostas - I

Questões abordadas:

1. Que tipos de contrato de arrendamento podem ser celebrados?
2. Qual a forma exigível para a celebração do contrato de arrendamento?
3. Qual é o regime aplicável à transmissão por morte no arrendamento para habitação?
4. Em que casos não se verifica o direito à transmissão por morte, no arrendamento para habitação, nos termos referidos na resposta anterior?
5. Que outras especificidades quanto ao regime de transmissão por morte do primitivo arrendatário, no arrendamento para habitação?
6. Qual o regime aplicável à transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais?
7. Modo como o senhorio deverá proceder para desencadear o mecanismo de atualização da renda?
8. Qual o prazo de resposta, à proposta do senhorio, de que dispõe o arrendatário?
9. O que pode o arrendatário fazer?
10. No caso de o arrendatário aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio, o que acontece?
11. E não concordando com os termos apresentados pelo senhorio, como pode o arrendatário opor-se ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos e quais as consequências dessa oposição?
12. Qual o prazo de que dispõe o senhorio para responder à contraproposta/oposição do arrendatário?
13. Se o senhorio aceitar o valor da renda contraposto pelo arrendatário?
14. E se o senhorio não aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário?
15. Se o senhorio pretender denunciar o contrato, qual o prazo para a respetiva produção de efeitos? 

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1. Que tipos de contrato de arrendamento podem ser celebrados?

O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada, sendo que no contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.

Na ausência de estipulação das partes, o contrato considera-se celebrado, com prazo certo, pelo período de dois anos. O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato e não pode ser superior a 30 anos, considerando-se automaticamente reduzido ao referido limite quando o ultrapasse.

No que respeita aos arrendamentos para fins não habitacionais as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

2. Qual a forma exigível para a celebração do contrato de arrendamento?

O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, independentemente do prazo da sua duração.

3. Qual é o regime aplicável à transmissão por morte no arrendamento para habitação?

O regime de transmissão por morte no arrendamento para habitação prevê que o contrato de arrendamento não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:

a) cônjuge com residência no locado;
b) pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano;
c) ascendente em 1º. grau que com ele convivesse há mais de um ano;
d) filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de 1 ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) filho ou enteado que convivesse com o primitivo arrendatário há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovativo de incapacidade igual ou superior a 60%.

No caso de contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL 321-B/60 de 15 de outubro, o arrendamento não caduca, por morte do primitivo arrendatário realojado por motivos de demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem á desocupação do locado, transmitindo-se nos termos gerais da lei.

4. Em que casos não se verifica o direito à transmissão por morte, no arrendamento para habitação, nos termos referidos na resposta anterior?

O direito à transmissão por morte não se verifica se, à data da morte do arrendatário, o titular desse direito tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País.

5. Que outras especificidades quanto ao regime de transmissão por morte do primitivo arrendatário, no arrendamento para habitação?

Quando a posição do arrendatário se transmita para ascendente com idade inferior a 65 anos à data da morte do arrendatário, o contrato fica submetido ao NRAU, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos. Esta situação aplica-se ao caso da transmissão por morte entre os ascendentes que tiverem sobrevivido ao primitivo arrendatário e a quem a posição deste se transmitiu.

Por outro lado, quando a posição do arrendatário se transmita para filho ou enteado - à exceção do caso de se tratar de filho ou enteado, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60% - com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior, o contrato fica submetido ao NRAU na data em que aquele adquirir a maioridade ou, caso frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou de cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, na data em que perfizer 26 anos, aplicando-se, na falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos com prazo certo, pelo período de 2 anos.

6. Qual o regime aplicável à transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais?

No que diz respeito à transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais, o arrendamento termina com a morte do primitivo arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, exerça profissão liberal ou explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local.

7. Modo como o senhorio deverá proceder para desencadear o mecanismo de atualização da renda?

A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia:

a) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato que pretende;
b) o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da referida caderneta predial;
d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar essa resposta, ou seja, indicar expressamente as opções de que dispõe o arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto e pela lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro;
f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta, ou seja, o rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA) e idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, bem como a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos nos termos referidos no artigo 32.º do NRAU.
g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das referidas circunstâncias

8. Qual o prazo de resposta, à proposta do senhorio, de que dispõe o arrendatário?

O arrendatário tem o prazo de 30 dias, a contar da receção da comunicação do senhorio, para responder.

9. O que pode o arrendatário fazer?

Na resposta, o arrendatário, pode:

a) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
b) opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio contrapondo novo valor, tipo e duração do contrato;
c) pronunciar-se quanto ao tipo e ou à duração do contrato proposto pelo senhorio;
d) denunciar o contrato.

O arrendatário deve ainda, sendo caso disso, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA);
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.


No prazo de 30 dias, o arrendatário pode reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado, junto do serviço de finanças competente. A referida reclamação não suspende a atualização da renda, mas quando determine a diminuição do valor da mesma, há lugar à recuperação, pelo arrendatário da diminuição desse valor desde a data em que foi devida a renda atualizada.

O montante a deduzir a título de recuperação da diminuição da renda não pode ultrapassar, em cada mês, metade da renda devida, salvo acordo das partes ou cessação do contrato.

A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato, ficando este submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do segundo mês seguinte ao termo do prazo de 30 dias referido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 31 do NRAU.

10. No caso de o arrendatário aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio, o que acontece?

Neste caso, a renda é atualizada e o contrato fica submetido ao NRAU, a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção da resposta.

Quanto ao tipo e duração do contrato, ele considera-se celebrado pelo período de cinco anos, no caso de não se verificar acordo entre senhorio e arrendatário ou no silêncio das partes.

11. E não concordando com os termos apresentados pelo senhorio, como pode o arrendatário opor-se ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos e quais as consequências dessa oposição?

O arrendatário pode opor-se ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros.

Se o arrendatário manifestar oposição ao valor da renda proposta pelo senhorio mas não apresentar novo valor essa oposição vale como proposta de manutenção do valor da renda em vigor à data da comunicação do senhorio.

A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário.

12. Qual o prazo de que dispõe o senhorio para responder à contraproposta/oposição do arrendatário?

O senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta do arrendatário deve comunicar se aceita ou não a proposta, sendo que a falta de resposta vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário.

13. Se o senhorio aceitar o valor da renda contraposto pelo arrendatário?

No caso de o senhorio aceitar o valor da renda contraposto pelo arrendatário, a renda é atualizada e o contrato fica submetido ao NRAU de acordo com o tipo e a duração acordados, a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação do senhorio ou do termo do prazo de 30 dias que este dispõe para responder à contraposta do arrendatário.

No que diz respeito ao tipo ou duração do contrato, verificando-se o silêncio ou a falta de acordo entre as partes, ele considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos.

14. E se o senhorio não aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário?

Se o senhorio não aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário pode denunciar o contrato, pagando a este uma indemnização equivalente a 5 anos de renda resultante do valor médio das rendas propostas por cada um deles.

Em alternativa, pode atualizar a renda, de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º do NRAU, caso em que o contrato se considerará celebrado com prazo certo, pelo período de 5 anos, a contar da referida comunicação. A alínea a) citada refere que o valor atualizado da renda tem como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado, sendo este, nos termos da alínea b), igualmente citada, o que corresponder à avaliação realizada nos termos do artigo 38.º e seguintes do CIMI.

No caso de arrendatários com rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA) e de idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, aplicam-se as regras especialmente previstas nos artigos 35.º e 36.º do NRAU.

15. Se o senhorio pretender denunciar o contrato, qual o prazo para a respetiva produção de efeitos?

A denúncia do senhorio produz efeitos no prazo de seis meses a contar da receção da correspondente comunicação, devendo o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias.

Este prazo de seis meses é, contudo, alargado até 1 ano, no caso de arrendatário que tenha a seu cargo filho ou enteado menor de idade ou que, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ano ou o 12.º ano de escolaridade ou cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, mantendo-se a obrigação de o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias.

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - VI


Ruídos no âmbito dos licenciamentos 
 
Chegados aqui, existem inúmeros concelhos caracterizados pela coabitação de múltiplas actividades antropogénicas em áreas de residência que são susceptíveis de gerar conflitos ao nível do ruído.
 
É no âmbito das competência de fiscalização conferidas pelo Regulamento Geral do Ruído, já citado, que os municípios têm na sua esfera a gestão da fase instrutória das reclamações relativas a actividades ruidosas (ex: medições acústicas para despiste da violação dos limites legais sonoros, como elemento probatório em sede de reposição da legalidade).
 
Recorde-se que as competências em matéria legislativa no tema que nos ocupa abarcam diversos domínio de intervenção, nomeadamente local, regional e central, correlacionando-se com o planeamento territorial, o licenciamento e medidas ou procedimentos de fiscalização e controlo destas. Na prática, é ainda no âmbito das responsabilidades de cada Município o licenciamento das actividades ruidosas temporárias, a título meramente exemplificativo, trabalhos ou obras urgentes, competições desportivas, corrida de automóveis, casamentos, aniversários, música ao vivo, treinos de aeronaves, campos de tiro, tendas de circo, mediante a Licença Especial de Ruído(ou “LER”), que têm gerado inúmeras queixas por parte das/dos cidadã/ãos.
 
Parece-nos assim importante que se chama à colação da necessidade imperiosa de criar e fomentar critérios harmoniosos para a emissão e implementação da LER (21), com a colaboração das autoridades policiais e polícia municipal (no âmbito das suas atribuições e competências). 
 
Torna-se assim cada vez mais prioritário que o decisor sobre a aplicação (boa) das regras impostas e das condicionantes em cada caso concreto tenham ainda como objectivo, a prevenção de procedimentos mais céleres e eficazes no futurona atribuição de LER.
 
A (não) decisão de licenciar e as condições da imposição do exercício devem ter na sua balança a equação entre as obrigações de fiscalização num prato, e noutro, alguns aspectos que são contraditórios (ex: promoção de qualidade de vida das populações)que, à luz do regime actual, não são isentos de divergente doutrina (22).
 
De reter, que no âmbito de qualquer procedimento de emissão de LER, no quadro das actividades previstas na lei, cada município deverá, desde logo: (i) analisar a fundamentação para o pedido de excepção e as suas implicações; (ii) avaliar e validar as medidas de prevenção e de redução do ruído propostas e (iii) fixar as condições do exercício da actividade, considerando, a localização, a data, duração e medidas de minimização. 
 
Não é apenas o Provedor de Justiça que vai alertando que este tipo de licenças especiais de ruído se devem abster de estipular condições individuais, sob pena de invalidade, é a própria lei, a doutrina, e a jurisprudência, sempre que, em causa, estejam formas de renúncia ao exercício de uma competência que é a da aplicação de norma geral e abstracta por meio de ato administrativo (23).
 
Alerta-se para o facto de as medidas de minimização puderem assumir um papel de enorme relevância na compatibilização entre o exercício da actividade com a colisão de eventuais direitos de não exposição ao ruído que “perturbe” a população residente numa determinada zona da sua residência, cabendo aos municípios o bom rastreio e a concretização dos maus elementares princípios gerais a que estão adstritos. A transparência dos procedimentos deve estar disponível nos sítios electrónicos quer dos Municípios, Juntas de Freguesia, autoridades policiais e CCDR ́s, bem como nos locais de realização das actividades que vejam a sua autorização emitida.

Notas

(21) Foi inclusive criado um grupo de trabalho (GTLER) que envolveu elementos da APA e das CCDR, entre outros, com o escopo de criar as Boas Práticas em cada território no âmbito do processo da emissão destas licenças especiais em prol da qualidade de vida dos seus munícipes. 
 
(22) A proibição do exercício de actividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas, na proximidade de escolas durante o seu horário de funcionamento, e na proximidade de hospitais ou estabelecimentos similares pode ser excepcionada mediante emissão de LER, ao abrigo do artigo 15º do RGR, pelo respectivo município - https://www.ccdr-alg.pt/site/sites/ccdr-alg.pt/files/Ambiente/Ruido/guia_ler_jul_2017_.pdf(pág. 11).
 
(23) Relatório do Provedor de Justiça. “Boas Práticas no Controlo Municipal de Ruído” 2013

2/16/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - V



Diferentes ruidos de vizinhança
 
Obras e Comércio
 
Encontrando-se um prédio constituído em regime de PH surgem desde logo limitações ao poder de fruição do mesmo, ainda que estas apenas digam respeito à propriedade autónoma de cada condómino, nos termos do disposto no art. 1420º/1 do CC que refere que “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
 
Pelo que, quaisquer transformações que pretendam executar na sua fracção autónoma estão limitadas, quer por força do disposto no art. 1422º/2 do CC, quer pelas implicações que no decorrer das mesmas possam causar na boa convivência entre vizinhos, deparamo-nos aqui uma vez mais, com o ruído de vizinhança.
 
Aqui chegados, importa analisar o disposto no art. 16º do DL 8/2007, de 17 de Janeiro, do Regulamento Geral do Ruído, no seu nº 1 que refere que obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte de ruído apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 8h e as 20h, e não se encontram sujeitas à emissão de licença especial de ruído.”, pelo que são da responsabilidade dos seus proprietários. 
 
Porém, decorre do nº 2 refere que “o responsável pela execução das obras deve afixar, em local visível e acessível aos utilizadores do edifício, informação relativa à duração prevista das obras e, quando possível, o período horário no qual se prevê que ocorra a maior intensidade de ruído.”
 
Contudo, a execução da obra está sujeita a suspensão, no caso de não ter sido afixado aviso prévio em local visível e/ou violação do período legalmente permitido, conforme o disposto no art. 18º. Nestes casos, a execução das obras (19) são suspensas por ordem das autoridades policiais, oficiosamente ou pedido do interessado, constituindo uma contra-ordenação ambiental leve, conforme o disposto no art. 28º nº 1 al. d). O valor da coima pode variar entre os singulares, de 200€ a 2 000€ em caso de negligência e de 400€ a 4 000€ em caso de dolo, quando praticadas por pessoas, nos termos do disposto no art. 22º nº 2 da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, alterado pelo DL nº 42-A/2016, de 12/08.
 
Paralelamente e também incómodo é o ruído proveniente da exploração de espaços dedicados ao comércio (20) integrados em prédios constituídos em propriedade horizontal.

Pelo que, as actividades comerciais encontram-se enquadradas nos termos do disposto no art. 3º al. a) como sendo actividades ruidosa permanentes, isto actividades desenvolvidas com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços. O ruído produzido por esses espaços ainda que devidamente licenciado para o exercício da actividade deve ser aferido por profissionais e através de sonómetro.

Notas

(19) Caso as obras persistam, apesar de todos estes procedimentos, pode ainda recorrer a um Julgado de Paz (a existir na área do imóvel) ou, na sua falta, aos tribunais, in CondomínioDeco +).

(20) Discorre do acórdão do STJ, Processo 7613/09.3TBCSC.L1.S1, de 29-11-2016, relator Alexandre Reis “I -Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade são emanação dos direitos fundamentais de personalidade, à integridade moral e física, à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, corolários da dignidade humana. Por outro lado, são tarefas fundamentais do Estado a prossecução da higiene e salubridade públicas, o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a efectivaçãodo direito ao ambiente, prevenindo e controlando a poluição e os seus efeitos e promovendo a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana. 
II -Os direitos fundamentais, enquanto princípios que são, não se revestem de carácter absoluto, antes são limitados internamente, para assegurar os mesmos direitos a todas as outras pessoas, e também externamente, para assegurar outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos que com eles colidam, mediante a harmonização entre uns e outros,a qual sempre implicará o sacrifício, total ou parcial, de um ou mais valores. 
III -Os conflitos entre o direito fundamental de um sujeito e o mesmo ou outro direito fundamental ou interesse legalmente protegido de outro sujeito hão de ser solucionados mediante a respectiva ponderação e harmonização, em concreto, à luz do princípio da proporcionalidade, evitando o sacrifício total de um em relação ao outro e realizando, se necessário, uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual. 
IV -A essência e a finalidade deste princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos diversos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da sua harmonização e da optimização do meio escolhido com a observação das seguintes regras ou sub-princípios: 
(i) a sua adequação ao fim em vista; 
(ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a colectividade; 
(iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respectivas vantagens e desvantagens.” 
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a4ad03aaa6d934278025807a00589b2f?OpenDocument&Highlight=0,ru%C3%ADdo,obras,condom%C3%ADnio.
Neste seguimento, também o acórdão do STJ, Processo 3920/07.8TBVIS.C1.S1, de 19-04-2012, relator Álvaro Rodrigues,“(...) 8. Merece particular realce a conclusão de que às normas, constitucionais e legais, que tutelam a preservação do direito de personalidade deverá ser conferido o necessário relevo (prevalência) e efectividade na vida em sociedade –não sendo obviamente tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de actividades lúdicas ou de diversão se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito a gozar de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio; na sua casa de habitação, cada um tem o direito de viver em tranquilidade, quer no desenvolvimento dos afazeres de cada dia, quer nos momentos de lazer, e muito especialmente de aí poder passar, sem ruídos importunos vindos do exterior e produzidos por outrem, as horas destinadas ao sono e ao repouso; o repouso e o sossego que cada pessoa necessita de desfrutar no seu lar para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia a dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia.[3] 
Mais adiante, lêem-se na mesma decisão as incisivas palavras que se seguem: No caso dos autos, e perante a matéria de facto apurada, não pode duvidar-se que a actividade de diversão nocturna explorada pelo Réu acarreta uma lesão grave e continuada do direito de personalidade da A., ocasionando dano substancial ao gozo e fruição de um mínimo de tranquilidade na sua própria casa, independentemente da maior ou menor concretização da proveniência/origem dos ruídos inerentes à exploração do mencionado estabelecimento (espaço interior do edifício onde se encontra implantado, esplanada que lhe está afecta ou movimento de clientes e respectivos meios de transporte), sendo certo que os ruídos e perturbações originadas pela actividade desenvolvida raramente se circunscrevem ao interior do estabelecimento. 
(...) Ademais, cabe a quem pretenda exercer uma actividade daquela natureza em edifício habitacional uma obrigação de especial contenção quanto aos níveis de poluição sonora que provoca e o dever de optar pelas soluções técnicas adequadas, no que respeita ao isolamento acústico das suas instalações, que eliminem ou reduzam ao máximo possível os incómodos causados aos outros residentes, degradando a sua qualidade de vida. 
(...) Por isso, bem andou o Tribunal da Relação ao decidir o seguinte: «Na decorrência do já exposto, se, de um ponto de vista normativo, nada obstaria a que o Tribunal, em aplicação dos critérios constantes do art.º 335º, do CC, e que definem as regras gerais de resolução das situações de colisão de direitos, optasse por proferir condenação numa inibição meramente condicional ou temporária da actividade lesiva dos direitos da A. - se a matéria de facto alegada pelas partes e apurada na causa mostrasse que as causas da lesão eram efectivamente elimináveis ou removíveis através de procedimentos técnicos determinados -, por essa forma se limitando o sacrifício do direito do demandado ao estritamente necessário para assegurar o exercício pleno do direito prevalente da demandante, verificamos, porém, que tal não se afigura viável/possível no caso em apreço, na medida em que o Réu [que, agora, parece definitivamente “alheado” dos autos.../cf. fls. 368 e seguintes] não curou efectivamente de alegar, como seria seu ónus, durante o processo, a sua disponibilidade para remover as deficiências construtivas que potenciavam o incómodo substancial da lesada, tal matéria não foi objecto de discussão entre as partes e não foram processualmente adquiridos factos que demonstrassem, por um lado, que as insuficiências do isolamento acústico eram, do ponto de vista técnico e económico, remediáveis, e, por outro lado, quais seriam exactamente as obras e procedimentos que se impunha ao Réu realizar no seu estabelecimento para alcançar plenamente aquele objectivo (definindo, afinal, em termos minimamente consistentes, o projecto de isolamento acústico que se verificou inexistir).[6]». 
Finalmente, importa não olvidar o que se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7-04-2011 ( Relator, o Exmº Conselheiro Lopes do Rego) onde se escreveu expressamente: «A lei processual não admite em regra, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a condenação condicional, ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa –particularmente nos casos em que o facto condicionante sempre exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção e a efectividadeda tutela alcançada pelo demandante» (Pº 419/06.3 TCFUN-L1.S1 in www.dgsi.pt). Defende ainda o Réu/Recorrente que o Tribunal não tem competência para decretar o fecho de um bar, cabendo tal às autoridades administrativas. Não tem razão! 
Convém aqui recordar o que se decidiu no já falado Acórdão do STJ de 7-4-2011 «Impõe-se, por outro lado, distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das actividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação de planos tem justificadamente conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela actividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos ( vejam-se, por exemplo, os Acs. do STJ de 22/10/98-p. 97B1024-de 13/3/97 –p.96B557-e de 17/1/02 –p. 01B4140)», in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fc664c231f3e73cf802579ea003d91d2?OpenDocument

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - IV


Diferentes ruidos de vizinhança
 
Animais
 
Dedica-se um capítulo, ainda que sucinto, relativo ao tema dos animais de companhia precisamente pelo barulho que os mesmos podem provocar e afectar as fracções vizinhas. Relembrando a análise relativa à constituição da PH e que a mesma deve constar de TCPH, nos termos das disposições dos art. 1418º, 1429º-A e 1431º do CC, importa agora referir que no âmbito do direito de propriedade, cada condómino é detentor do direito de propriedade do seu imóvel, ou dito de outro modo, da sua fracção autónoma. E como tal, goza de modo pleno e exclusivo do direito de uso, fruição e disposição da sua fracção. 
 
Não obstante desse gozo pleno e exclusivo se encontrar limitado ao cumprimento das restrições impostas por lei, não decorre da lei qualquer proibição à existência de animais de companhia numa fracção autónoma, mas sim ao proprietário de cada fracção, não podendo o condomínio ter qualquer ingerência sobre a decisão que pertence a cada condómino e à sua fracção. 
 
A ingerência do condomínio, isto é, dos restantes condóminos, apenas ocorre quando têm de se pronunciar sobre questões relativas às partes comuns em assembleia de condomínio. Todavia, o deliberado numa assembleia de condomínio, assim como o que ante venha ou seja transposto para o respectivo regulamento condomínio quanto à existência e/ou permanência de animais, e ainda o número de animais nas fracções autónomas apenas vincula quem aprovou. Assim, o único meio de proibição da detenção de animais de companhia numa fração autónoma apenas pode surgir do título constitutivo (16).

Por sua vez, o DL nº 314/2003 de 17 de Dezembro, que aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal e Outras Zoonoses (PNLVERAZ) - prevê no seu art. 3º nº 1 “O alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e ausência de riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem.”; e ainda no nº 2 “Nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais, excepto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos.” e, por fim o nº 3 “No caso de fracções autónomas em regime de propriedade horizontal, o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto no número anterior.”
 
No que concerne aos barulhos e ruídos provenientes de animais de estimação, comummente o latir e o miar, entre outros, aplica-se a lei geral do ruído. Compreende-se que em causa não falamos de barulhos do dia-a-dia, provenientes do uso normal de habitação e por isso suportáveis por qualquer pessoa. Antes, estaremos perante as situações de manifestações de um ladrar ou miar considerado intenso, repetitivo e incomodativo, de forma a impeça ou a dificulte reiteradamente o descanso dos restantes condóminos. 
 
Uma vez mais, o direito de personalidade, no qual se inclui o direito ao descanso e ao sossego derroga o direito à habitação quando da mesma ocorrem barulhos provenientes da existência de um animal. Embora ambos sejam direitos constitucionalmente protegidos, isto é, os direitos de personalidade e os direitos de habitação, aqui entendidos como o direito a ter um animal e nessa medida entendido como fundamental para o desenvolvimento e harmonia de um lar, na verdade, este direito pode ser derrogado pelos direitos de personalidade (17).

Uma vez mais, quando o barulho ocorra entre as 23 horas e as 07 horas da manhã, qualquer condómino pode apresentar queixa e as autoridades policiais adoptam medidas para fazer cessar o barulho. Se o barulho ocorrer entre as 07 horas e as 23 horas, as autoridades policiais podem fixar um prazo para se pôr fim ao problema. A violação deste período de descanso constitui uma contra-ordenação ambiental, punível com coima (18).

Notas

(16) Discorre do Ac. do Julgados de Paz de Coimbra, Processo 42/2011-JP, de 29-08-2011, relator, Dionísio Campos, “(...) Os órgãos do condomínio existem para a administração apenas das partes comuns (art. 1430º, nº 1 do CC), e não já das fracções autónomas, o que impõe uma demarcação rigorosa entre o que os órgãos do condomínio podem deliberar e executar e o que, não estando na sua competência, cai fora do seu âmbito de actuação. Assim, se um condómino, dentro da sua fracção privativa, produz ou permite barulhos (por exemplo, de cães) superiores ao permitido pela lei administrativa e a horas interditas a tais ruídos, perturbando os seus vizinhos, viola o dever de não produção de ruídos de vizinhança consagrado no art. 1346º do CC e no Regulamento Geral do Ruído. 
(...) Assim, se a assembleia de condóminos aprovar uma cláusula do regulamento que proíba os condóminos de deterem animais domésticos nas suas fracções, estaremos perante uma norma que, em princípio, não vincula os condóminos, dado que atinge o domínio privativo da propriedade sobre as fracções autónomas, cujo aproveitamento pertence exclusivamente aos respectivos proprietários. Isto não significa, obviamente, que os condóminos não estejam sujeitos às restrições de vizinhança nas relações entre si, uma vez que a delimitação negativa da propriedade opera igualmente no campo da propriedade horizontal. 
Porém, em caso de violação de um dever de vizinhança pelo proprietário de uma fracção, cabe ao condómino ou condóminos afectados reagir nos termos gerais de Direito, incluindo o pedido judicial de condenação na cessação da actividade ilícita e a indemnização pelos danos sofridos (cfr. José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2008, pp. 733-734). Mas uma coisa é uma deliberação restritiva imposta a outrem, outra são os comportamentos voluntariamente contratualizados e assumidos. 
Assim, nada obsta a que os condóminos se vinculem voluntariamente a certos comportamentos, dentro dos limites da sua autonomia contratual (cfr. Sandra Passinhas, Os animais e o regime português da propriedade horizontal, 2006, pp. 833-873). Porém, tais acordos condominiais vinculam apenas quem a eles se obrigou, e não já terceiros, como é o caso do arrendatário que a tal não se tenha concretamente obrigado. (...)”,inhttp://www.dgsi.pt/cajp.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/264977471e50638480257ac4003b1804?OpenDocument&Highlight=0,animais,barulho,condom%C3%ADnio,ru%C3%ADdo

(17) Discorre do acórdão TRL, Processo 1229/05.0TVLSB.L1-2, de 01-10-2009, relatora Ondina Carmo Alves, “(...) como refere CAPELO DE SOUSA, ob. cit., 547, em caso de conflito entre um direito de personalidade e um direito de outro tipo, a respectiva avaliação «abrange não apenas a hierarquização entre si dos bens ou valores do ordenamento jurídico na sua totalidade e unidade, mas também a deteção e a ponderação de elementos preferenciais emergentes do circunstancialismo fáctico da subjectivação de tais direitos, máxime, a acumulação, a intensidade e a radicação de interesses concretos juridicamente protegidos. Tudo o que dará primazia, nuns casos, aos direitos de personalidade ou, noutros casos, aos com eles conflictuantes direitos de outro tipo». 
Urge, portanto, averiguar se, no caso concreto, a prevalência de um direito relativo à personalidade não resulta em desproporção inaceitável, visto que, como antes ficou dito, o sacrifício e limitação do direito considerado inferior – direito de propriedade - deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante. Para o efeito, importa lançar mão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, há que sopesar a adequada proporção entre os valores em análise, aquilatando em que medida é que o sacrifício que se impõe ao titular de um direito se justifica face à lesão do outro, vedando-se o uso de um meio intolerável para quem é afectado pela medida restritiva. No caso em apreço, não ficou demonstrado que os cães pertencentes aos réus estivessem constantemente a ladrar não parando de ladrar, de dia e de noite e que, por isso, os autores estivessem impossibilitados ou com enormes dificuldades em dormir e que a filha dos autores tivesse, por virtude desse facto, dificuldade de se levantar de manhã. 
(...) É verdade que ficou provado que os autores, algumas noites, tiveram dificuldade em dormir, admitindo-se que em consequência do ladrar dos cães, mas por provar ficou que, por essa circunstância, os autores não tenham conseguido dormir inúmeras noites –v. resposta negativa dadas aos artigos 20º da Base Instrutória. 
(...) A intensa e imperiosa convivência entre as pessoas leva a considerar que nas relações de vizinhança há que tolerar, obviamente até certo ponto, algum ruído e alguma incomodidade que todos causam uns aos outros como, de resto, ficou demonstrado nos autos. Os próprios autores, pese embora sofram de alguma hipersensibilidade ao ruído provocado pelos cães dos réus, eles próprios são igualmente produtores de ruído – v. nºs 23 a 25 dos Fundamentos e Facto –sendo certo que os autores também têm na sua habitação um cão que não pode deixar de ladrar, sendo susceptível de causar algum incómodo a outras pessoas igualmente hiper-sensíveis ao ruído. 
Em face da prova produzida entende-se que a reduzida intensidade da incomodidade sofrida pelos autores e a ausência de consequências decorrentes dessa incomodidade, não deve levar à pretendida limitação dos direitos dos réus à propriedade privada. Não é aceitável, atento o circunstancialismo fácito apurado, que os réus/apelados não possam utilizar plenamente a respectiva moradia e nela deter os seus cães. (...)”, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/40604c53baeec5978025767a0061e331?OpenDocument
 
(18) Discorre do acórdão do TRL, Processo 613/08.2TBALM.L1-2, de 15-10-2009, relator Neto Neves, “(...) Para o caso, tratando-se de ruídos incómodos provocados por animais de estimação, deverá questionar-se a violação grave e reiterada de regras de sossego. (...) Como se referiu, alguns moradores do prédio, dois das fracções imediatamente por cima e por baixo da arrendada e um terceiro de uma fracção do mesmo andar desta, queixam-se da existência de barulho provocado pelos cães do R. e da interveniente, que ladram durante o dia e esporadicamente durante a noite, quando tocam ou batem à porta daqueles ou quando sentem alguém no patamar do 4º andar ou aquando da paragem do elevador. Este facto não aponta para uma gravidade extrema do ruído. 
Por um lado, o barulho é essencialmente diurno – o qual, por regra, é absorvido pela própria actividade e conversas de cada morador, também elas geradoras de ruído, frequentemente acrescidas de sons hoje em dia provenientes do funcionamento de aparelhos domésticos, entre eles os rádios e as televisões e, portanto, de pequeno impacto, por via de regra, não sendo normal que se durma nessa parte do dia – e, por outro lado, só esporadicamente nocturno, mas, sendo este devido a factos como o tocarem ou baterem à porta do R., passagem de pessoas no patamar do andar ou paragem nele do elevador, não se evidencia que o ladrar dos cães seja constante, prolongado e que ocorra a horas muito tardias da noite. 
(...) Na apreciação da gravidade do ruído deve, ainda, ter-se em conta que, devendo embora ser sempre respeitado no essencial o direito ao sossego e repouso nocturno, mormente em prédios em que, pelo número de habitações que os compõem, os ruídos mais facilmente se multiplicam, é socialmente tolerada, mesmo em tais prédios, a existência de animais domésticos de companhia e de pequeno porte, ainda que causadores de um certo nível de barulho, desde que nem elevado nem constante ou muito repetitivo e não persistentemente nocturno. 
Não se vê, pois, que a conduta do R. e mulher, ao possuírem os três cães causadores dos ruídos incómodos apurados, se revista de gravidade e gere consequências que torne inexigível para um locador normal a subsistência do contrato de arrendamento. (...), in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a7514017d204b39480257673005f3d5d?OpenDocument&Highlight=0,animais,barulho,condom%C3%ADnio,ru%C3%ADdo

2/15/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - III


Diferentes ruídos de vizinhança
 
Doença
 
Situações melindrosas existem quando o condómino se encontra em situação de doença e se depara com ruídos de vizinhança. Nestes casos, a lei não refere qualquer impedimento ao ruído de vizinhança no período compreendido entre as 07h e as 23h, caso inverso ao período de referência entre as 23h às 07h.Encontrando-se um condómino em situação debilitada, recai uma vez mais sobre condómino gerador de ruído o cuidado sobre os barulhos que gera (15).

Ainda assim, sentindo-se o condómino incomodado, tem o direito de solicitar a intervenção das autoridades, sendo atribuído pelas mesmas um prazo para fazer cessar o respectivo ruído de vizinhança. Nestes casos, não estamos perante uma contra-ordenação, mas sim perante uma simples infracção, que é aferida pelo incómodo provocado, quer pela sua intensidade, duração e repetição, proveniente da falta de cuidado, e em prol da sã convivência e urbanidade que deve existir na relação de vizinhança.

Notas

(15) Discorre do Acórdão do TRL, Processo nº 2427/15.4T8LSB.L1-2, de 03-05-2018, relator Farinha Alves: “No caso dos autos, estão em causa os ruídos produzidos pela Ré na sua casa de habitação, entre as sete e as oito de cada dia, especialmente ao andar com calçado ruidoso em pavimento de tijoleira e ao fazer, esporadicamente, uso do aspirador. Sabendo que isso incomoda os vizinhos, em particular os AA., porque a insonorização do prédio é má e porque lhe foi evidenciado pelos AA., que esses ruídos eram muito perturbadores do seu descanso. 
(...) Resultando também da prova produzida que a Ré tinha conhecimento de que a Autora padecia de doença do foro oncológico, e, nesse período, fez tratamentos, pelo menos de quimioterapia. E o ruído do aspirador era perfeitamente evitável naquela hora, deixando para mais tarde a tarefa de aspirar. E os ruídos dos passos podem ser substancialmente atenuados, fazendo uso de calçado não ruidoso e colocando tapetes/passadeiras nas zonas de circulação. 
(...) Assim, a Ré, entre as 7H00 e as 8H00 de cada dia utiliza na sua residência, calçado ruidoso, e ao fim de semana, também antes das 8H00, faz uso de aspirador, em qualquer dos casos, sem qualquer necessidade, e sabendo que isso perturba muito o descanso ou a tranquilidade dos vizinhos. Ora, nos termos do art. art.483º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 
No caso, a Ré permite-se produzir ruídos, inteiramente evitáveis, ao menos naquela hora, sabendo que, com isso está a perturbar o descanso dos AA.. Ou seja, aqueles ruídos são produzidos pela Ré de forma consciente e voluntária, e sem causa justificativa, sabendo a Ré que, com eles está a lesar a tranquilidade dos AA, nos termos bem evidenciados nas diligências que estes realizaram para tentarem fazê-los cessar. Ora, como observam Pires de Lima e Antunes Varela no seu CC Anotado, III Vol., 2.ª edição, em anotação em anotação ao art. 1346º, os ruídos desnecessários, que causem algum prejuízo aos vizinhos, são sempre ilícitos, traduzindo uso anormal do prédio, ou redundando em abuso do direito. Assim a produção daqueles ruídos, procedendo de ato voluntário da Ré, é ilícita.
No mesmo sentido se pronunciou, entre outros o acórdão do STJ invocado pelo Recorrente, proferido no processo nº 161/05.2TBVLG.S1, disponível em www.dgsi.pt, , em cujo sumário se pode ler: «6. O ruído, afectando a saúde, constitui não só uma violação do direito à integridade física, como do direito ao repouso e à qualidade de vida. Direitos que, no seu cotejo com o de exercício de uma actividade comercial ou industrial se lhe sobrepõem e prevalecem, de acordo com o artigo 335.º do Código Civil. 
7. A emissão de ruídos, desde que perturbadores, incómodos e causadores de má qualidade de vida, e ainda que não excedam os limites legais, autorizam o proprietário do imóvel que os sofre a lançar mão do disposto no art. 1346º do CC, que só deve suportar os que não vão para além das consequências de normais relações de vizinhança. 
8. A apreciação da normalidade deve ser casuística, tendo como medida o uso normal do prédio nas circunstâncias de fruição de um cidadão comum e razoavelmente inserido no núcleo social. 
9. Sendo ilícita a emissão de ruídos recai sobre o poluidor sonoro o dever de indemnizar nos termos dos art. 483º e 487º do CC.» (...)”, http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/14c315b6719afe4c802582a600381679?OpenDocument. 
Neste sentido, também o TRL, Processo 7091-10.4TBCSC.L1-6, de 07-04-2016, relatora Maria Manuela Gomes,“3.2.3. “In casu”, demonstrou-se que a Ré mantém na sua casa de habitação, um segundo andar direito, toques de piano, repetidos (por, na maioria, de solfejo e repetição de escalas - “sempre as mesmas músicas” “sempre a mesma coisa”), acompanhados de marcação do ritmo mediante o bater do pé no chão. Mais se provou que a situação, arrastada no tempo (por mais de quatro anos) perturba o Autor – que vive no 1º andar do mesmo lado – e sofre de doença psicótica agravada, por estado depressivo, exaustão emocional, cefaleias e humor deprimido. A Ré tinha conhecimento desse facto e que o Autor trabalhava em casa, como consultor económico-financeiro. 
(...) De um lado, o de repouso do Autor, potenciado por ser portador de uma patologia psíquica [nervosa]. De outra banda, o “jus fruendi” da Ré, ao permitir que sua filha toque piano em casa, instrumento que está a aprender e do qual tem lições, em escola de música, mas que consabidamente deve praticar. Arredando a parte do acompanhamento do ritmo com os pés - manifestamente abusivo, sabendo que há moradores no piso inferior e que o som se propaga do seu soalho ao tecto do vizinho, prática que terá de cessar (porque não a utilização do metrónomo de Winkel, em vez do “sapateado”?), vejamos agora o conflito de direitos, que se perfila. 
(...) Como se refere no Acórdão do STJ de 18.12.2008 – proc. nº 08A2680 – “O Prof. Menezes Cordeiro conceptualiza-a [referindo-se à colisão de direitos] em sentido amplo, (“haverá colisão de direitos quando um direito subjectivo, na sua configuração ou no seu exercício, deva ser harmonizado com outro ou com outros direitos”) e em sentido estrito (“ocorre sempre que dois ou mais direitos subjectivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si.”) apud “Da Colisão de Direitos”, in “O Direito”, 137, 2005, 38; cfr. ainda, Dr.ª. Elsa Vaz de Sequeira, “Dos pressupostos da colisão de direitos no Direito Civil” (2004). 
(...) Ora, na situação em apreço, tal colisão existe. E embora, o direito ao repouso –sobretudo de pessoa doente e a trabalhar –deva prevalecer sobre lições e prática de piano de um vizinho, cremos ser possível a conciliação, em termos hábeis e de equidade. Assim, parece-nos razoável que a Ré só autorize que se toque piano na sua residência, nos dias úteis entre as 10 às 18 horas e nos sábados, domingos e feriados entre as 12 às 20 horas. Sempre, contudo, por um período não superior a 2 horas por dia. E o piano não poderá, como se disse, ser acompanhado, ou seguido, de bater de pés. Quanto ao pedido de indemnização, vistos os factos provados, considera-se que o Autor sofreu um dano patrimonial (despesas médicas e medicamentosas) e não patrimonial (sofrimento por privação de tranquilidade e agravamento da sua patologia).
(...) Efectivamente, na linha do Acórdão do STJ de 19.10.2010 – proc. nº 565/1999.L1.S1 -entendemos que: “Pressuposto essencial da colocação de qualquer questão de responsabilidade civil e obrigação de indemnização é a existência de um dano. “Sem ele, isto é, sem que ocorra um prejuízo resultante da lesão de um bem, direito ou interesse juridicamente protegido, não tem cabimento falar-se de responsabilidade, qualquer que tenha sido a natureza e efeitos da conduta do agente. 
“No caso, emerge a lesão de bens imateriais, com protecção jurídica a nível da Lei Fundamental e com tutela na lei ordinária. “Ali, em conformidade com os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consagram-se o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, acolhe-se, como direito fundamental, a inviolabilidade moral e física das pessoas e reconhece-se a todos os cidadãos o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender - arts. 24° da DUDH, 8º da DEDH e 1º, 25º/1 e 66º/1 da CRP. 
“Além disso, o Código Civil estabelece que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral, prevendo a responsabilidade civil dos autores das ofensas, sendo que, como é entendimento comum, o preceito abrange direitos como o direito à vida, à integridade física, à honra e bom nome, “à saúde e ao repouso essencial à existência física” - art. 70º-1 (cfr. Pires de Lima e A. Varela, “C Civil, Anotado”, I, 4ª ed. 104). (...) Inquestionado, e inquestionável, pois, que o Autor sofreu os referidos danos provocados pela actividade ruidosa levada a cabo pela Ré, consubstanciados e decorrentes da perturbação do descanso e do trabalho. Concorrente, também, ante a violação dos direitos pessoais dos Autores, o carácter ilícito da actuação da Recorrida. (...)”, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/BC7E791CCBB3568880257FA1002D482A

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - II



II – Diferentes Ruídos de Vizinhança.
 
Barulhos de habitação
 
A convivência sadia entre vizinhos/comproprietários é essencial para a coabitação em regime de propriedade horizontal. Sucede que, reiteradamente surgem problemas entre condóminos, pelos variados ruídos que se fazem sentir entre vizinhos. É o designado ruído de vizinhança. O DL nº 9/2007, de 17 de Janeiro, alterado e republicado pelo DL 278/2007, de 1 de Janeiro, conhecido por “Regulamento Geral do Ruído” (12) dá uma definição de ruído de vizinhança como “o ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança” (art. 3º al. r)).
 
Podem ser variados os barulhos de vizinhança, desde logo, o barulho do televisor, rádio, aspirador, do secador, aparelhos de cozinha e electrodomésticos, barulho de tacões sobre o piso, o arrastar de cadeiras, bater de portas, queda de objectos (propositadamente ou não), a projecção de voz no interior de cada fracção, música, entre outros (13).

Vem consagrado neste diploma no artigo supra mencionado, na respectiva al. p) o designado “período de referência” o qual caracteriza o intervalo de tempo a que se refere um indicador de ruído, de modo a abranger as actividades humanas típicas, nomeadamente:
  • o período diurno - das 7 às 20 horas; 
  • o período do entardecer - das 20 às 23 horas; e, 
  • o período nocturno -das 23 às 7 horas.
O período de referência permite estabelecer que o exercício de qualquer actividade ruidosa compreendida entre as 23h e as 07h aos sábados, aos domingos e em dias de feriado é estritamente proibida, excepto quando autorizada por licença especial de ruído concedida respectivo município, conforme art. 15º, e apenas quando preencha o art. 14º do diploma supra mencionado.
 
Nem todo o ruído de vizinhança pode e deve ser considerado como propositado, pois podemo-nos deparar com ruído de vizinhança, isto é, barulho provocado de forma inopinada, irreflectida, considerado pelo próprio como “norma” ou “hábito”, contudo, casos os há em que nem sempre assim ocorre. Nessa medida, o barulho provocado em horário compreendido entre as 23h e as 07h que seja considerado excessivo, desagradável e incomodativo deve pelo condómino ser evitado. Pode o condómino que se sinta incomodado pelo ruído provocado pelo outro condómino, pela sua intensidade, duração e repetição, solicitar que cesse esse mesmo barulho, em prol da saúde pública e tranquilidade da vizinhança. Se o condómino gerador de ruído, não o fizer, pode o condómino lesado, solicitar que as autoridades (14) interpelem o condómino gerador do ruído e o solicitem a cessação do mesmo.

O agente de autoridade constatando, a existência de ruído, precisamente pela intensidade e duração do mesmo, pode exigir a cessação do mesmo. Nestes casos, a análise da intensidade do ruído é aferida apenas pelo aparelho auditivo, sem recurso ao sonómetro, precisamente, pela intensidade, duração do mesmo e respectiva correlação com o horário em que o mesmo é praticado. Aqui se reflecte a prevalência do direito de personalidade, na medida do direito ao descanso, à tranquilidade e ao repouso, sobre o direito individual de propriedade.
 
Notas

(12) Revogando o regime legal da poluição sonora, aprovado pelo DL nº 292/2000, de 14 de Novembro.

(13) Segundo o Ac. do STJ de 02/07/09: “3. A actuação de quem, habitando o 1º andar de um prédio, produz ruído, propositadamente, a partir das 22 horas, batendo com um objecto tipo martelo ou actuando como tal, no soalho da sua habitação, ao longo das divisões, atirando com objectos pesados que produzem estrondo no chão e pondo o volume da aparelhagem sonora e da televisão em registo audível no rés-do-chão do mesmo prédio, impedindo tal ruído, pela sua intensidade, duração e repetição, os habitantes do rés-do-chão – um casal e duas filhas menores – de dormir, e obrigando-os, por vezes, a pernoitar fora de casa, em hotéis e pensões, viola o direito ao descanso e ao sono, à tranquilidade e ao sossego destes, que são aspectos do direito à integridade pessoal.
4. Se, em consequência de tal actuação, o casal e as duas filhas sofreram profundo sofrimento, angústia e dor, as menores mostravam agitação e terror de voltar para casa, a mulher passou a ter crises compulsivas de choro e a andar deprimida, sendo o seu quadro depressivo agravado por estar grávida, e o marido ficou angustiado e ansioso, e perdeu algumas deslocações profissionais ao estrangeiro pelo extremo cansaço decorrente da impossibilidade de dormir, estamos perante danos não patrimoniais que assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
5. A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está, precisamente no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitos integrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.”

(14) PSP ou GNR (aquela que estiver perto da área de residência). A título meramente exemplificativo, para requerer um pedido indemnizatório há que provar os danos, podendo para o efeito ser arrolado testemunhas ou proceder à junção do competente relatório da polícia municipal.
A este propósito, veja-se o Ac. TRL que condenou uma condómina a pagar uma indemnização de 7 500 euros ao vizinho do andar de baixo “Os ruídos desnecessários, que causem algum prejuízo a vizinhos, são sempre ilícitos, traduzindo no uso a normal do prédio, ou redundando em abuso de direito. São ilícitos os ruídos produzidos pela Ré na sua residência, situada no oitavo andar de determinado edifício, ao fazer uso de calçado ruidoso entre as 7h00 e as 8h00 de cada dia, e ao fazer uso de aspirador ao fim de semana, antes das 8h00, sempre sem qualquer necessidade, sabendo que isso perturba muito o descanso ou a tranquilidade dos vizinhos, sendo fundamento de responsabilidade civil.”Ac. TRL, 3.5.2018.
Ora, nos termos da lei, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Como tal, deve a ré cessar imediatamente a produção desses ruídos e, também, indemnizar os vizinhos pelos danos que entretanto lhes causou de forma consciente e voluntária.