Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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07 abril 2025

Substituição elevador


Tribunal: Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 7888/19.0T8LSB.L1-7
Relator: Luís Filipe Pires de Sousa
Data:21 Abril 2020
Votação: Maioria com voto de vencido

Descritores:

Assembleia de condóminos
Acção de impugnação de deliberações
Legitimidade passiva
Elevadores
Inovação

Sumário:

i. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.

ii. Não constitui inovação para os efeitos do nº1 do Artigo 1425º do Código Civil, a obra - aprovada em deliberação da assembleia de condóminos - que consiste na substituição de um elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4º piso para o rés-do-chão, num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção.

Texto integral: vide aqui

17 março 2025

Reparações do terraço


Os terraços de cobertura constituem parte comum do prédio de que fazem parte mesmo quando afectos ao uso exclusivo de uma fracção.

Em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre: (i) obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço - nº 3 do art. 1424º do CC e (ii) obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a sua função enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio.

Só não será assim quando neste último caso esteja comprovado que, aquelas obras estruturais, se devem a uso anormal por parte do proprietário da fracção autónoma.

O art. 1424º, nº 1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta.

Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

O nº 3 do citado art. 1424º do CC estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.

Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O legislador ao considerar os terraços como coisas comuns teve em vista a integração dos mesmos na estrutura do prédio e afectos à função de cobertura como de telhado se tratasse, seja de parte seja da totalidade do edifício. Fundamentalmente interessa a função de protecção do edifício contra os elementos atmosféricos.

Mesmo no quadro do direito anterior a 1994 (alteração legislativa) se entendia que o terraço mesmo que destinado ao uso exclusivo de um dos condóminos não deixava de ser forçosamente comum pela função capital de cobertura ou protecção do imóvel que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.

A mesma posição manteve o Conselheiro Aragão Seia ao dizer que: “são considerados partes comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção… os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar, por servirem de cobertura… como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectos ao uso exclusivo de um condómino”.

Ora, em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, a situação dos terraços de cobertura é algo diversa das situações previstas no nº 3 do art. 1424º do CC.

É que, se enquanto terraço é, são efectivamente de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura servem de forma capital a totalidade dos condóminos.

Como assim, não pode, de forma simplista, ter-se como aplicável aos terraços de cobertura o disposto no nº 3 do citado 1424º do CC para fazer recair sobre o condómino que deles tem o direito de uso exclusivo, toda a responsabilidade pela conservação e reparação dos mesmos.

Haverá sim de fazer-se uma interpretação que, atendendo à referida especificidade, conjugue o disposto no nº 1 do art. 1424º do CC com o disposto no nº 3 do mesmo preceito.

E essa interpretação não pode ser outra que não aquela que tem vindo a ser adoptada maioritária, senão mesmo uniformemente, pelos tribunais, no sentido de distinguir entre obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, e as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura.

E se enquanto às primeiras a responsabilidade pela sua realização e despesas associadas deve ser imputada aos condóminos que têm do terraço o uso exclusivo, atento o disposto no nº 3 do art. 1424º do CC, em relação às segundas a sua responsabilidade recai sobre todos os condóminos na proporção do valor da sua fracção, nos termos previsto no nº 1 do mesmo normativo.

Fazer recair a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição apenas sobre o proprietário da fracção que detém o uso exclusivo do terraço de cobertura, traduzir-se-ia em clamorosa injustiça já que, se enquanto terraço ele é de facto de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura ele é de uso comum e aproveita a todos os condóminos. E por isso mesmo ele é parte comum do prédio.

Como assim, tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido no nº 3 do art. 1424º do CC, mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas efectuadas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos.

Desta forma, sendo as obras para reparar no terraço resultantes, não do uso normal das mesmas pelos condóminos que dele se servem em exclusividade, mas de deficiência na construção ou de não manutenção de materiais exteriores ao dito terraço, todos os condóminos devem participar no custo das reparações.

Não tem, assim, aplicação o nº 3 do art. 1424º do CC impondo-se a regra de que as despesas necessárias à manutenção do terraço, no que à sua impermeabilização respeita são, na ausência de deliberação em contrário, da responsabilidade de todos os condóminos na proporção “do valor das suas fracções”.

Só assim não seria se estivesse provado ter havido por parte dos condóminos que fruem dos terraços qualquer actuação anormal que tivesse dado origem às apuradas falhas de impermeabilização dos terraços, sendo que é sobre o Réu (utilizador), como facto impeditivo do direito do Autor (condomínio), que impende esse ónus probatório (cfr. art. 342º, nº 2 do CC).

08 março 2025

ACTRL 23-03-12: Construção pérgula terraço


Tribunal: TRL
Processo: 6862/10.6TBALM.L1-6
Relator: Tomé Ramião
Data: 23/03/2012

Descritores:

Propriedade horizontal
Condomínio
Condóminos
Obras
Inovação
Assembleia de condóminos
Autorização

Sumário:

1.- Está vedado aos condóminos realizar obras na respetiva fração predial que prejudiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, salvo se for obtida prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, de acordo com o preceituado no art.º 1422.º/2, al. a) e 3 do C. Civil.

2. - Por linha arquitetónica entende-se o “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”.

3 - Prejudica o arranjo estético de prédio urbano com 10 andares, a construção duma pérgola de madeira no terraço privativo da fração correspondente ao 10.º andar, pelo respetivo condómino, atenta a natureza dessa estrutura, suas dimensões e configuração, bem visível do exterior, sem autorização prévia da assembleia de condóminos, quando todas as restantes frações desse piso foram fechadas com marquises.

Texto integral: vide aqui

26 janeiro 2025

Obras conservação ordinária, extraordinária e beneficiação


A nossa legislação estabelece que, salvo disposição em sentido diverso, os senhorios são responsáveis por todas as obras de conservação ordinárias e extraordinárias que sejam consideradas necessárias à manutenção e preservação do imóvel arrendado.

São três os tipos de obras que podem ter lugar nos prédios urbanos usufruídos mediante contrato de arrendamento:

a) Obras de conservação ordinária.

São aquelas que se destinam à manutenção do imóvel em condições de utilização normal, como reparação (tetos, paredes, pavimentos, janelas, portas, torneiras, etc) e limpeza geral do prédio e suas dependências, as obras impostas pela Administração Pública nos termos da lei geral ou local aplicável e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização, e, em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

Regra geral, entende-se por obras de conservação ordinárias, todas aquelas que se encontram relacionadas com o envelhecimento interior e exterior do prédio e bem assim, com o seu uso normal.

A jurisprudência tem vindo a considerar como obras de conservação ordinárias, “a reparação de janelas e portas com vidros partidos, bem como a realização de outras obras que evitem a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado”, bem como “a reparação do telhado e do mais que se mostre necessário para impedir a infiltração no locado das águas das chuvas” ou “as reparações indispensáveis para fazer face ás deteriorações do locado, decorrentes de inundações por entupimento de esgotos do prédio e ainda das águas pluviais do andar de cima”. Em termos gerais uma obra de conservação ordinária não interfere com a estrutura do imóvel.

b) Obras de conservação extraordinária

São aquelas que são ocasionadas por defeitos de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior (ou seja, por causa imprevisível ou inevitável), para melhorar o imóvel (como obras de remodelação ou de ampliação), e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

As obras de conservação extraordinárias serão, a título meramente exemplificativo, as que, em qualquer altura a Administração Pública (por exemplo, as Câmaras Municipais) poderão determinar para corrigir as más condições de segurança ou de salubridade, bem como as pequenas obras de reparação sanitária, tais como, as respeitantes a rupturas, obstruções ou outras formas de mau funcionamento, tanto de canalizações interiores e exteriores de águas e esgotos como das instalações sanitárias e as relativas a deficiências das coberturas e ao mau estado das fossas.

As Câmaras Municipais poderão oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético.

De salientar que uma obra de conservação extraordinária, implicará alterações na estrutura do imóvel.

c) Obras de beneficiação

Por exclusão de partes, são todas as restantes não balizadas nas situações anteriores.

14 dezembro 2024

Garantia dos bens imóveis

Com a entrada em vigor do DL nº 84/2021, de 18 de Outubro (todos os preceitos havidos no presente escrito, salvo indicação diversa, reportam-se a este diploma) foi reforçado o direito dos condóminos caso ocorra uma falta de conformidade nos bens imóveis, alargando-se para 10 anos o prazo de garantia dos mesmos no que respeita à falta de conformidade relativa a elementos construtivos estruturais, mantendo-se contudo o actual prazo de 5 anos quanto às restantes faltas de conformidade.

Estão aqui em causa os contratos de compra e venda havidos celebrados entre o promitente-vendedor (profissional) e o promitente-comprador (consumidor) que tenham por objecto a transmissão de prédios urbanos para fins habitacionais, entendendo-se como tais todos os edifícios incorporados no solo, com os terrenos que lhes sirvam de logradouro, sendo partes integrantes todas as coisas móveis ligadas materialmente aos prédios com um carácter de permanência.

Nesta conformidade, o "profissional" é qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que actue, inclusivamente através de qualquer outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins relacionados com a sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, no que respeita aos referidos contratos, ao passo que o "consumidor" é a pessoa singular que, nos mesmos contratos, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional (cfr. art. 2º).

De acordo com o disposto no citado diploma legal, o referido profissional terá que responder perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista aquando da entrega do bem imóvel ou se manifeste no prazo de 10 anos, relativamente a quaisquer faltas de conformidade inerentes aos elementos construtivos estruturais, e de 5 anos, relativamente às restantes faltas de conformidade (cfr. art. 23º).

Importa salientar que os prazos suspendem-se a partir da data da comunicação da falta de conformidade pelo consumidor ao profissional e bem assim durante o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem (cfr. nº 2 do art. 25º). A falta de conformidade que se manifeste naqueles prazos presume-se existente aquando da entrega do bem imóvel, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (cfr. nº 4 do art. 24º).

Presume-se que os bens imóveis não estão conformes com o contrato caso:
  • não estejam conformes com a descrição que deles é feita pelo profissional ou não possuam as qualidades do bem que o profissional tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo (cfr. al. a) do art. 22º);
  • não sejam adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine, desde que o profissional tenha sido informado de tal uso aquando da celebração do contrato e o tenha aceite (cfr. al. b) do art. 22º);
  • não sejam adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo (cfr. al. c) do art. 22º); ou ainda,
  • quando não apresentem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo profissional, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade (cfr. al. d) do art. 22º).
De observar que as características de qualidade, segurança, habitabilidade, protecção ambiental e de funcionalidade que os bens imóveis devem apresentar, de modo a assegurar a aptidão dos mesmos ao uso a que se destinam durante o seu período de vida útil, são descritas na ficha técnica da habitação (cfr. nº 1 do art. 22º).

No entanto, importa ressalvar que não se considera existir falta de conformidade, caso o consumidor tivesse conhecimento da mesma aquando da celebração do contrato, não a pudesse razoavelmente ignorar ou se aquela decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor (cfr. nº 4 do art. 22º).

Assim, em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que esta seja reposta, a título gratuito, por meio de reparação ou de substituição, à redução proporcional do preço ou à resolução do contrato (cfr. nº 1 do art. 24º). 

Há que atentar que estes direitos caducam decorridos três anos a contar da data da comunicação da falta de conformidade e transmitem-se ao terceiro adquirente do bem imóvel a título gratuito ou oneroso (cfr. nº 1 do art. 25º), sendo que o prazo de caducidade suspende-se desde a data de comunicação da falta de conformidade ao profissional até à conclusão das operações de reparação ou substituição e durante o período temporal em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao profissional ou ao produtor (cfr. nº 2 do art. 25º).

Mais, a reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza da falta de conformidade, sem grave inconveniente para o consumidor (cfr. nº 3 do art. 24º), caso contrário, o profissional pode incorrer na prática de uma contraordenação económica grave, punível nos termos do art. 48º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas.

Cabe, pois, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC, I.P.), fiscalizar e instruir os respetivos processos por contraordenação, competindo ao presidente do seu conselho diretivo aplicar as respetivas coimas e demais sanções acessórias (cfr. art. 47º).

Acresce sublinhar que são ainda incorporadas as soluções, já constantes do actual regime legal, sobre a possibilidade de o consumidor exercer os direitos de reparação e substituição do bem em caso de falta de conformidade directamente perante o produtor - salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado, tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de ser encontrada uma solução alternativa sem grave inconveniente para o consumidor -, bem como a respeito do direito de regresso do profissional perante uma pessoa em estágios anteriores da cadeia contratual, quando esta seja responsável perante uma falta de conformidade (cfr. art. 41º e 42º).

Este diploma visa assim reforçar, assim, os direitos dos consumidores na compra e venda de bens imóveis, mas também na compra e venda de bens móveis e de conteúdos e serviços digitais, procedendo à transposição para a ordem jurídica interna das Directivas (UE) 2019/771 e 2019/770.

No entanto, o citado diploma legal só se aplica aos imóveis adquiridos depois de 1 de Janeiro de 2022, para os quais, a garantia dos elementos construtivos estruturais é de 10 anos. Nas casas compradas até essa data, a garantia continua a ser de 5 anos.

O que são elementos construtivos estruturais?

Estabelece-se no nº 5 do art. 23º que o governo poderá aprovar, por portaria, uma lista exemplificativa dos elementos construtivos estruturais dos bens imóveis. Enquanto se aguarda pela mesma, temos uma lista com as designações técnicas dadas pelo despacho normativo 9/2014 de 31 de Julho.

São as partes resistentes fundamentais da construção que suportam os esforços a que a mesma está sujeita, funcionando em conjunto e sendo objecto de projecto específico. São elementos que comprometem a estabilidade da construção e, por vezes, não estão visíveis e/ou acessíveis.

Por meio de cálculos precisos realizados por engenheiros civis, os elementos estruturais irão servir de base e estrutura para o desenvolvimento da construção de forma que não ocorram incidentes durante ou após o término da empreitada.

Consideram-se, como tais: 
  • As fundações directas (sapatas, lintéis de fundação, ensoleiramentos, poços de fundação, etc);
  • As fundações indirectas (estacas, maciços de encabeçamento, microestacas, etc);
  • As estructuras de contenção (estacas-prancha, paredes moldadas, muros de berlim, muros de munique, etc);
  • As super-estructura (pilares, lajes, vigas, paredes resistentes, etc);
  • Os sistemas de pré-esforço;
  • Os elementos da estructura da cobertura (madres, travessas, etc);
  • A estrutura metálica, estrutura de madeira, estrutura de pedra, estrutura mista.
E elementos construtivos não estruturais?

São as partes não resistentes da construção suportadas pelos elementos estruturais, com funcionalidades diferenciadas, sendo geralmente definidas no projecto de arquitectura. São elementos que não comprometem a estabilidade da construção, sendo normalmente visíveis ou de fácil acesso.

Os elementos estruturais servem como base para os elementos não estruturais.

Consideram-se como tais:
  • As paredes não resistentes;
  • Os elementos de cantaria;
  • Os isolamentos e impermeabilizações (isolamentos térmicos, impermeabilização da cobertura, etc);
  • Os acabamentos e revestimentos (betonilha, pintura, azulejo, telha, etc);
  • Os caixilharia (porta, janela, etc);
  • Os dispositivos de protecção (vedações, guardas de segurança, portões, etc).
Hão ainda mais bens que integrando o imóvel, têm uma garantia de 5 anos, como no caso das instalações eléctricas, telecomunicações, canalizações, louças sanitárias, mobiliário de cozinha e outros bens do mesmo género, ou seja, todo o tipo de bens que não sendo estruturais, fazem parte da habitação.

09 dezembro 2024

Obras no terraço


De acordo com o preceituado no art. 1422º, nº 2, al. a) e 3 do CC, está vedado aos condóminos realizar obras na respectiva fracção predial que prejudiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, salvo se, sendo as obras susceptíveis de prejudicar, for obtida prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

Decorre do art 1422º, nº 1, do CC, que “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis. E reza o nº 2, al. a) que “é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício".

Porém, as obras que prejudiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – seu nº 3.

Este preceito legal visa fundamentalmente as obras realizadas nas frações autónomas, aquelas que pertencem aos condóminos em propriedade exclusiva ( P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 425; e Ac. do STJ, de 17/2/2011, Proc. nº 881/09.2TVLSB.L1.S1, e Ac. T. R. Lisboa, de 20/1/2011, Proc. n.º 6484/04.4.0TVLSB.L1-2).

Tem-se entendido que a linha arquitetónica reporta-se ao “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto” (entre outros, os Ac. do STJ de 20/7/82; e de 17/2/2011, Proc. nº 881/09.2TVLSB.L1.S1, citando Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pág. 105).

Ora, como escreve P. Lima e A. Varela, ob. citada, pág. 425, “quanto às limitações relativas à estética do edifício, é evidente que apenas se aplicam aos elementos da fração autónoma visíveis do exterior (porta ou portas de acesso, janelas, persianas, varandas, etc.). Um condómino, por exemplo, não pode vedar a sua varanda, transformando-a num compartimento fechado, ou substituir as janelas por outras que não se harmonizem com as demais frações”.

Com efeito, de acordo com o nº 3 do mesmo normativo, as obras que sejam suscetíveis de modificar a linha arquitetónica ou o arranjo estético do prédio, não sendo absolutamente proibidas, apenas podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de 2/3 do valor do prédio.

Destas sortes, é patente que, com excepção das obras realizadas no pavimento e no paramento de uma varanda ou terraço, que não sejam visíveis do exterior do prédio, as demais (as visíveis do exterior) por alterarem as características visuais daquele edifício, não se enquadrando no conjunto. Com efeito, quer pela tipologia de materiais usados, quer pela sua dimensão, as referidas obras destoam das demais obras realizadas nas restantes frações do prédio.

De facto, se a cada condómino fosse lícito decorar as respetivas varandas ou terraços da forma que mais lhe aprouvesse, facilmente seríamos conduzidos à situação de cada edifício ser facilmente confundido com uma verdadeira torre de babel, sem qualquer unidade sistemática entre si.

Como se decidiu no Ac. do TRL de 20/1/2011, proc. nº 6484/04.4.0TVLSB.L1-2, “Já a «avaliação do prejuízo ou da modificação da linha arquitetónica de um prédio ou do seu arranjo estético implica um juízo de valor que há de ser formado através do paralelo que se possa estabelecer entre o seu estado e fisionomia atuais e aqueles que detinha antes das obras efetuadas. Para isso, será fundamental que o julgador tenha conhecimento, através da matéria de facto provada, não só da descrição pormenorizada das obras efetuadas, mas, também, do impacto que as mesmas tiveram tanto ao nível estrutural como estético do prédio”.

Prescreve o art. 334º do CC, que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral de Direito Civil”, 3.ª Edição, págs. 663 a 668, a doutrina tem vindo a construir vários tipos de condutas ativas e omissivas que constituem o exercício abusivo do direito subjetivo, sendo os mais comuns o exceptio doli, caso em que o demandado invoca um comportamento fraudulento do titular do direito, e que decorre do dever de honeste (bene) agere, e corresponde ao brocardo fraus omnia corrumpti; o denominado venire contra factum proprium, que traduz comportamentos contraditórios e de frustração de expectativas criadas e nas quais outrem haja legítima e razoavelmente confiado; o exercício em desequilíbrio, que traduz o exercício danoso do direito, nomeadamente quando o titular é movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer mal a outrem (exercício cumulativo), ou quando o exercício do direito não representa qualquer vantagem para o seu titular, enquanto dele resulte para outrem um sacrifício injusto (exercício danoso inútil ou injustificado), ou é abusivo o exercício do direito sempre que a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada com o sacrifício severo de outrem (desproporção no exercício).

Também Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, 2ª Edição, pág. 249, entende que “a conceção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados á atuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e da boa-fé “.

Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. TRL de 16/5/1996, Proc. nº 0012472). Já para Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6.ª ed., pág. 516, "para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”.

Daí que o exercício de um direito só seja tido por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante - Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado", Vol. I, 4ª edição, pág. 299.

E acrescentam: “A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido” – pág. 300.

04 agosto 2024

Auto de vistoria


Tipo de Pedido

Permite solicitar uma competente vistoria para a verificação das condições de segurança, salubridade ou do  arranjo estético de determinado do edifício ou das suas fracções autónomas.

Desta verificação poderá resultar a necessidade de serem executadas as obras que sejam necessárias para corrigir as más condições de segurança ou salubridade ou de conservação que sejam necessárias à melhoria do arranjo estético do prédio ou fracções.

Âmbito do pedido

Sem prejuízo do disposto no nº 1 do art. 89º do RJUE, qualquer interessado (a vistoria só pode ser solicitada por inquilinos, proprietários, locatários e administração de condomínios quando se trate de vistoria a zonas comuns), pode requerer a realização de vistoria para:

  • Determinar a necessidade de execução de obras necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou de obras de conservação necessárias à melhoria do arranjo estético;
  • Determinar a necessidade de ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
Cumpre ressalvar que não podem ser solicitadas vistorias para imóveis de vizinhos ou em situações em que não é o imóvel do requerente que se encontra afectado, mas sim a segurança de peões ou a saúde pública.

Para a marcação da vistoria, é obrigatório que o requerente:
  • indique a qualidade em que faz o pedido (proprietário, inquilino, condomínio ou outro);
  • preencha os campos “Identificação do(s) proprietário(s) do(s) prédio(s) ou fração(ões)” e “Descrição da anomalia”;
  • indique se o prédio possui condomínio constituído, referindo a designação da entidade/pessoa que o administra.

Nos termos do art. 90º do RJUE, a deliberação da CM para determinar a necessidade de execução de obras ou de demolição nos termos dos pontos anteriores é precedida da mencionada vistoria para verificação das condições de segurança, salubridade ou arranjo estético.

  • Do acto que determinar a realização da vistoria e respectivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência;
  • Da vistoria é imediatamente lavrado auto, do qual consta obrigatoriamente a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas e, bem assim, as respostas aos quesitos que sejam formuladas pelo proprietário;
  • O auto é assinado por todos os peritos que hajam participado na vistoria e, se algum deles não quiser ou não puder assiná-lo, faz-se menção desse facto;
  • Quando o proprietário não indique perito até à data acima referida, a vistoria é realizada sem a presença deste, sem prejuízo de, em eventual impugnação administrativa ou contenciosa da deliberação em causa, o proprietário poder alegar factos não constantes do auto de vistoria, quando prove que não foi regularmente notificado;
  • As formalidades previstas podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade
Indicação de perito
 
Até à véspera da vistoria, o proprietário do imóvel tem a possibilidade de indicar um perito para intervir na realização da vistoria e/ou formular quesitos e/ou questões que julgue pertinentes, que serão apreciados e analisadas e aos quais deverão responder os peritos nomeados pela CM que realizam a vistoria
 
Acresce sublinhar que este perito não se pode nomear a si próprio para intervir na vistoria.
 
Como realizar

Considerações a tomar na submissão do seu pedido:

Requerente: Entidade singular ou colectiva com legitimidade para iniciar ou intervir no procedimento.

Representante: Intervém no procedimento a que respeita o formulário em nome do requerente, reflectindo os efeitos da sua actuação na esfera jurídica do requerente:

  • Representação legal – O representante é indicado pela lei ou por decisão judicial;
  • Representação orgânica ou estatutária – Resulta dos estatutos de uma determinada pessoa colectiva;
  • Representação voluntária – Quando voluntária e unilateralmente, por intermédio de uma procuração, o titular atribui ao representante o poder de celebrar negócios jurídicos em seu nome;
  • Mandato – Contrato ao abrigo do qual uma das partes (mandatário) se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (mandante).
Nota:
  • Só existe a necessidade de junção de documento de identificação de entidades singulares, (requerente ou representantes) no caso em que o requerimento seja apresentado por correio postal ou correio electrónico.
  • Em caso de atendimento presencial, para as referidas entidades singulares, bastará a exibição do documento de identificação para a recolha dos dados de identificação necessários ao pedido sem necessidade de retenção/reprodução do mesmo. 
 
Prazo de emissão/decisão

Deverá ser respeitada a seguinte calendarização: 
 
Do acto que determinar a realização da vistoria e respectivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência, ou, não sendo esta possível em virtude do desconhecimento da identidade ou do paradeiro do proprietário, mediante edital, nos termos estabelecidos no CPA, sendo, para este efeito, obrigatória a afixação de um edital no imóvel.
 
Inspecção  para verificação das obras impostas

A inspecção para a verificação de obras impostas pela CM, na sequência da vistoria de segurança, salubridade ou arranjo estético realizada, é solicitada por quem tenha requerido a vistoria de segurança/salubridade/arranjo estético.
 
Importa ressalvar que a feitura da inspecção para a verificação das obras impostas pela CM só pode ser agendada após o prazo concedido para a execução das mesmas ter terminado.
 
 
Exemplo de um Auto de Vistoria:

Auto nº: xxx
Processo nº : xxx/2023

Ao(s) _____ dia(s) do mês de _____ de 2023, a comissão de vistorias, da qual fazem parte os técnicos, __________, __________, e __________, procedeu à vistoria ao prédio situado na Rua _____________________, nº _____, Freguesia de __________, deste Município, cuja vistoria foi requerida através do requerimento n.º _____ por __________, para efeitos de Avaliação das Condições de Segurança e Salubridade. Efectuada a vistoria, verificaram os peritos:

Que o prédio se encontra em estado de degradação avançado com telhado parcialmente abatido para o espaço interior e paredes em taipa degradadas e com falta de estabilidade e ameaçando tombar para a via pública.

Pelos motivos expostos pode-se considerar que o edifício se encontra em estado de ruína. As paredes que confinam com os edifícios adjacentes não estão devidamente impermeabilizadas, situação que favorece a infiltração de água e a degradação das mesmas paredes e dos edifícios adjacentes.

No espaço interior acumula-se o entulho do abatimento do telhado e do material desprendido das paredes, situação que favorece o acumular da água da chuva no espaço e é geradora de uma situação de insalubridade.

Conclusão:

Em face da análise efectuada, ao abrigo do ponto 2 do artigo 89º do RJUE, determina este Município a execução das seguintes obras de conservação, necessárias à correcção das más condições de segurança ou de salubridade verificadas, ou à melhoria do arranjo estético, concedendo 120 dias para o efeito:

Deverão ser realizadas obras no edifício de forma a impedir a infiltração de água para os edifícios adjacentes e a restabelecer a limpeza e a impermeabilização do espaço interior, eliminando-se assim as condições existentes de insalubridade.

Deverá ser dada solução à cobertura e paredes exteriores por forma a evitar a sua posterior queda eminente, quer para o interior, quer para o exterior. Todas as paredes deverão ser revestidas por forma a impermeabilizar a taipa devendo ser demolidas e reconstruidas de novo, as que não tem possibilidade de recuperação e ameaçam ruir para a via pública.

Em alternativa poderá sempre optar por:

Demolição total das construções uma vez que estas ameaçam ruína e ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas, concedendo 60 dias para o efeito.


__________, _____de _____ de 2023

A Comissão de vistoria:

(identificação e assinaturas)

10 maio 2024

Responsabilidade do administrador na realização de obras


O órgão «assembleia dos condomínios» (cfr. art. 1430º nº 1 CC), entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos administrativos relativos às partes comuns do edifício, responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes.

Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º do CC define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos. (1)

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos. 

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da propriedade horizontal, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014, se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas.

Ora, se o condomínio, através da sua administração, toma conhecimento de que ocorreram infiltrações de águas e humidades no interior de uma fracção, provenientes, por exemplo, do respectivo terraço de cobertura, é evidente que terá de se considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuar no sentido de proceder às obras de reparação no dito terraço comum que se mostrassem necessárias para pôr termo às aludidas infiltrações de águas e humidade nessa fracção, bem como, ainda, o dever de proceder à reparação dos danos já existentes no interior da fracção e que, conforme também informado, punham em causa a utilização da fracção para o fim a que a sua proprietária a destinava, ou seja o respectivo arrendamento, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes dessa sua omissão ilícita.

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevieram como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere já aos administradores, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino, não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não está obrigado, mas antes de não terem os mesmo, como deviam, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir do terraço comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma assembleia geral extraordinária de condóminos onde a reclamação fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não podia a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a assembleia de condóminos sempre que tal se mostre conveniente (como era, manifestamente, o caso, perante a reclamação por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causavam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC), sendo certo que à própria autora, por si só, não seria possível provocar a realização dessa assembleia, pois que para tanto seria necessário que a convocatória fosse subscrita por, um mínimo, de condóminos que representassem 25% do valor do prédio – cfr. art. 1431º, nº 2 do CC.

Por consequência, nestas circunstâncias, não convocando a administração a aludida assembleia extraordinária de condóminos como lhe foi solicitado e não estando o condómino em condições de o fazer por si só e declinando o administrador a possibilidade de o condomínio realizar essas obras – remetendo a sua realização para a iniciativa e responsabilidade do próprio condómino -, a esta última apenas lhe restava – para além da opção de ser ela própria a realizar as obras em causa e a suportar o risco quanto ao retorno de tal investimento, a que não estava, a nosso ver, manifestamente, obrigada (2) – a alternativa de aguardar a paulatina degradação da sua fracção pela continuação das infiltrações de águas na mesma e provindas das fachadas e do terraço comum de cobertura, com o consequente avolumar dos consequentes prejuízos.

Ora, com o devido respeito, uma tal posição não pode ser por nós sufragada.

O administrador pode responder civilmente perante os condóminos, nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483°, 562° e 563º do CC). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art. 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do CC - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa mal os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem.

Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

Quanto a saber, por exemplo, se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, o Ac. do TRC de 24/3/2015 decidiu que haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia.

A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado (cfr. Rodrigues Pardal Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Código Civil e Legislação Complementar, 6ª Edição Revista e Actualizada, 1993, pp. 301-302 e 305-306).

Tal tessitura de apreciação pressuponente, significa que ao não realizar quaisquer obras que se hajam necessárias, implica uma omissão da responsabilidade do condomínio, mas não por parte do administrador que é apenas o órgão executivo do condomínio.

Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos arts. 1436º e 1437º do CC.

No caso vertente, decidiu o RTP em Ac. de 23.4.2018 (972/14.8T8GDM.P1) que o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias, mais ainda quando estejam dependentes da proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento.

Notas

(1) Vide, neste sentido, por todos, L. P. Moitinho de Almeira, “ Propriedade Horizontal ”, 2ª edição, pág. 118 e Abílio Neto, op. cit., pág. 363.

(2) Como referem em comentário ao art. 1427º do CC P. LIMA, A. VARELA, III volume, cit., pág. 437, «Quando, porém, não haja administrador, ou este se encontre impedido, e se mostre necessário proceder, com urgência, a reparações indispensáveis, qualquer dos condóminos pode tomar, por si, a iniciativa das obras, cujas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424º.» [sublinhado e negrito nossos]O que vale, pois por dizer, que, como já antes se salientou e ao contrário do sufragado na decisão recorrida, a iniciativa quanto à realização de obras urgentes terá de ficar na estrita disponibilidade e critério do próprio condómino [que pode entender que a situação de urgência justifica essa sua intervenção imediata, sem prévia autorização ou deliberação da assembleia ou do administrador], mas não lhe pode ser imposta ou exigida, nomeadamente por parte do condomínio ou da respectiva administração e para escusa da sua obrigação legal quanto à realização das mesmas.

08 julho 2023

Reparações indispensáveis e urgentes


Estatui o nº 1 do art. 1427º do CC que "As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino".

Se dúvidas haviam sobre o que se deve entender por «reparações indispensáveis e urgentes», a Lei nº 8/2022 de 10/01, acrescentou o nº 2 ao preceito com o seguinte teor: "São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas".

Ora, é uma das funções do administrador do condomínio, como resulta do disposto no art. 1436º, especialmente a sua alínea g), promover quando seja necessário à reparação e conservação dos bens comuns.

Se ele não o fizer, o preceito supra mencionado faculta a qualquer condómino a possibilidade de tomar a iniciativa dessas reparações, quando, além de indispensáveis, elas tenham o carácter de urgentes.

Para tanto, não carece esse condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador do condomínio, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com o espaço temporal que se demora a obter essa autorização em sede plenária (vide art. 1432º/1 do CC).

Dado que, todavia, pode surgir dúvida sobre a natureza das obras efectuadas e algum condómino contestar o seu carácter de reparação indispensável e urgente, será de boa prudência que o condómino que as deseje levar a cabo . quando a urgência na sua realização seja compatível com as delongas de uma deliberação prévia - submeta o problema à assembleia dos condóminos e esta sobre ele se pronuncie, deliberando.

Resolvido, desse modo, que há necessidade das pretendidas reparações, o condómino que tome a iniciativa de as efectuar estará validamente prevenido contra possível oposição de qualquer outro, a contestar a sua natureza.

Assim não sendo, "a assembleia poderá sempre, dentro dos poderes que lhe competem, apreciar a natureza das reparações efectuadas (...) e discutr, portanto, a regularidade da actuação de quem tomou a iniciativa de as promover (do preâmbulo do DL 40 333)..

E se o condómino (ou o administrador) avançar com a feitura das reparações e a assembleia posteriormente deliberar pela sua não indispensabilidade e urgência?

A circunstância de o condómino (ou administrador) pretender ressarcir-se das despesas que efectuou nas partes comuns do condomínio alegando indispensabilidade e urgência (cfr. art. 1427º do CC) que não se provou, não significa que essas despesas sejam inexoravelmente exigíveis ao condomínio com base no enriquecimento sem causa (cfr. art. 473º do CC).

O enriquecimento sem causa constitui outra causa de pedir, rectius, integrada pelos factos jurídicos que a lei tipifica:

- Enriquecimento
- sem causa justificativa
- à custa de outrem

A natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa (cfr. art. 474º do CC) impõe que a parte, que dispõe de outro meio de ser indemnizado ou restituído, deduza pedido subsidiário (cfr. art. 469º do CPC) se quiser ressarcir-se com base no enriquecimento sem causa.

O enriquecimento, que constitui um dos elementos constitutivos do direito à restituição com base no enriquecimento sem causa, tem de ser alegado enquanto facto integrativo desta causa de pedir. 

24 abril 2023

Realização Coerciva de Obras de Conservação em Edifícios


O art. 89º do RJUE impõe que o proprietário realize obras de conservação do seu edifício, podendo essas obras ser ordenadas pelo município caso não sejam realizadas voluntariamente. No âmbito de contratos de arrendamento, essa obrigação legal continua a recair, em última instância, sobre o proprietário, ainda que seja contratualmente estipulado que as obras ficarão a cargo do arrendatário. No presente texto, os autores defendem que, nos contratos de locação financeira imobiliária, tal obrigação de conservação é legalmente transferida do proprietário/locador para o locatário e que, consequentemente, o município não pode ordenar ao locador que este realize obras de conservação.

1. Enquadramento da questão
 
Através do presente texto procura-se responder a uma questão que tem sido colocada recorrentemente: Pode a CM ordenar que uma instituição de crédito realize obras de conservação num edifício de que esta última é proprietária por força de um contrato de locação financeira imobiliária? Ou deve tal ordem dirigir-se exclusivamente ao locatário do edifício? 
 
Apesar de a questão se colocar com alguma frequência, a mesma não se encontra tratada de forma detida pela doutrina e pela jurisprudência civil ou administrativa. O presente texto, visa, pois, dar um modesto contributo para o aprofundamento da mesma.
 
Comecemos então pelas suas premissas. Nos termos do RJUE, aprovado pelo DL 555/99, de 16/12, o proprietário tem a obrigação de proceder à conservação dos seus edifícios. Mais concretamente, o nº 1 do art. 89º dispõe que o proprietário deve realizar obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos e que, independentemente desse prazo, deve realizar todas as obras necessárias à manutenção da segurança, salubridade e arranjo estético dos seus edifícios. Caso o proprietário não realize, voluntariamente, aquelas obras, o município poderá, nos termos do nº 2 ordenar a execução das obras necessárias à conservação do edificado. Se o proprietário não obedecer àquela ordem, a CM poderá, por um lado, tomar posse administrativa do edifício e executar, por si, as obras ordenadas (nº 1 do art. 91º). Por outro lado, nos termos da al. s) do nº 1 e do nº 4 do art. 98º, poderá punir a conduta do proprietário (pessoa colectiva) com uma coima graduada de 1 500€ até 250 000€. 
 
Assim, à luz destas disposições, vistas isoladamente, parece que seria sempre o proprietário, ainda que locador ao abrigo de contrato de locação financeira imobiliária, o responsável pela realização das obras de conservação.
 
Sem prejuízo, em sentido aparentemente contrário ou especial, as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do DL 149/95, de 24/06, conforme alterado, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, dispõem que são obrigações do locatário: (i) “assegurar a conservação do bem” e (ii) “realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública”. 
 
De acordo com estas normas parece, pois, que sempre que tenha sido celebrado contrato de locação financeira, a responsabilidade por realizar as obras de conservação, incluindo quando ordenadas por autoridade pública, seria transferida do proprietário/locador para o locatário. Quid iuris?
 
2. Da responsabilidade exclusiva do locatário
 
Na nossa opinião, parece-nos que o entendimento que melhor se coaduna com os elementos literal, sistemático e teleológico das normas em questão é o de que a responsabilidade pela realização de obras de conservação se transfere legalmente, com a celebração do contrato de locação financeira imobiliária, do proprietário/locador para o locatário.
 
Assim, parece-nos que, mais do que uma mera obrigação contratual — i.e. que produz apenas efeitos entre as partes do contrato de locação financeira —, o dever de realizar obras de conservação por parte do locatário, conforme previsto nas al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF, constitui uma verdadeira obrigação legal que é transferida do proprietário/locador para o locatário.
 
Na verdade, como se passará a demonstrar, parece claro que o legislador procurou estabelecer uma nítida distinção entre, por um lado, as obrigações legais do locador e do locatário, nos contratos de locação financeira, e, por outro lado, as obrigações legais do senhorio e do arrendatário, nos contratos de arrendamento.
 
Efectivamente, nos contratos de arrendamento, apesar de o gozo da coisa ter sido cedido ao arrendatário, o nº 1 do art. 1074º do CC dispõe que caberá ao senhorio (i.e. ao locador) executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pela lei e pelo fim do contrato. No mesmo sentido dispõe também o nº 1 do art. 2º do DL 157/2006, de 08/08, conforme alterado (DL 157/2006), que “cabe ao senhorio efectuar as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, nos termos dos art. 1074º e 1111º do CC, bem como da legislação urbanística aplicável, nomeadamente do RJUE e do RJRU”. 
 
Contrariamente, as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF são claras em cometer legalmente a obrigação de realizar as obras de conservação, ainda quando ordenadas por autoridades públicas, ao locatário financeiro. Ou seja, nos termos da legislação especialmente aplicável aos contratos de locação financeira o locador não é responsável pela conservação e pela realização de obras de conservação no imóvel locado, sendo esta obrigação legalmente transferida para o locatário, por força daquelas disposições do RJCLF. Neste sentido milita, também, a própria função do contrato de locação financeira e as suas principais diferenças em relação ao contrato de locação.
 
Como reconhece unanimemente a doutrina, o contrato de locação financeira tem por função financiar a aquisição de um determinado bem por parte de um consumidor ou de uma empresa. É, pois, sobretudo, um contrato de crédito. Como ensina António Menezes Cordeiro “a locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que vertido nos moldes da velha locação”(1). No mesmo sentido, refere Miguel Pestana de Vasconcelos que este contrato “desempenha ao mesmo tempo as funções de crédito e garantia” sendo, no seu entendimento, “um dos mais importantes instrumentos de concessão de crédito em termos económicos e sociais, tanto empresarial, como ao consumo”(2,3).
 
Este contrato tem vindo a ser apelidado de um contrato de financiamento, exactamente porque, do lado do locatário, (i) é este que escolhe a coisa a adquirir pelo locador e a ser dada em locação, (ii) usufrui desse bem durante o período de duração do contrato e (iii) no final pode exercer o seu direito potestativo a adquiri-lo por um valor residual. Do lado do locador, este apenas se limita a adquirir a coisa escolhida pelo locatário, (ii) a permitir o seu gozo e (iii) a receber o valor das rendas e do preço residual, para assim reaver o capital investido, acrescido dos respectivos juros. 
 
Neste sentido, parece-nos evidente que o locador não pretende explorar economicamente o bem locado, servindo este, apenas e tão-só, como garantia do financiamento concedido (4). Contrariamente, no contrato de arrendamento, o senhorio já é proprietário do imóvel aquando da celebração do contrato. Assim, pretendendo explorá-lo economicamente ou rentabilizá-lo, o senhorio concede o seu gozo a um terceiro a troco de uma remuneração, nunca tendo qualquer intenção de se desfazer da sua propriedade (5).
 
Verifica-se, pois, que no primeiro caso o imóvel serve de garantia a um financiamento concedido a um terceiro. Já no segundo caso, o imóvel serve de fonte de rendimento ao seu proprietário.É esta distinção funcional que explica, entre outras, as seguintes diferenças de regime entre os dois tipos de contrato: i. Na locação financeira, o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato (art. 12º do RJCLF), ao contrário do que sucede na simples locação (art. 1032º e 1033.º do CC); e ii. Na locação financeira, é o locatário que corre o risco de perda ou deterioração do bem (art. 15º do RJCLF), ao passo que na locação esse risco recai, sobretudo, sobre o locador (art. 1044º do CC)(6). 
 
Ora, na nossa opinião — e aparentemente no entendimento da maioria da doutrina que se pronunciou sobre o tema —, é também essa distinção funcional que justifica porque é que o legislador, como adiantámos supra, previu que, nos contratos de arrendamento, o dever de conservar o edifício recai sobre o locador/senhorio (nº 1 do art. 1074º do CC e no nº 1 do art. 2º do DL 157/2006); ao passo que, nos contratos de locação financeira imobiliária, previu que esse mesmo dever recai legalmente, até quando decorre de ordem de autoridade pública, sobre o locatário (al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF)(7).
 
Com efeito, se é o locatário que escolhe o imóvel a adquirir, faz uso do mesmo e é sobre ele que recai o risco de deterioração e perda do imóvel — ao ponto de se entender que é este que detém a propriedade económica sobre o imóvel (8) — é evidente que será sobre o locatário que recairá, também e exclusivamente, a obrigação de realizar obras de conservação sobre o edifício locado. Neste exacto sentido, entende João Calvão da Silva que: “Por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador. Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato. Nada mais natural, portanto, do que a transferência legal para o locatário dos riscos e responsabilidades conexos ao gozo e disponibilidade material da coisa que passa a ter após a entrega, incluindo a sua manutenção e conservação (art. 10°, nº 1, al. q) e f), do DL nº 149/95) e o risco do seu perecimento ou da sua deterioração (ainda que) imputável a força maior ou caso fortuito (art. 15° do DL n°149/95). No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos riscos e da responsabilidade relativos à sua utilização” (sublinhado nosso)(9).
 
A este propósito e de forma semelhante, note-se que relativamente à obrigação prevista na al. b) do nº 1 do art. 10º do RJCLF — i.e. a obrigação que impende sobre o locatário de pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas de condomínio — o STJ tem decidido de forma unânime que, por força desta disposição, essa obrigação impende exclusivamente sobre o locatário do imóvel, não podendo ser exigida ao proprietário/locador (10). Isto, apesar de o nº 1 do art. 1424º do CC estatuir que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos [i.e. pelos proprietários] em proporção do valor das suas fracções” (sublinhado nosso).
 
Para o efeito tem entendido o STJ que: “I) – O contrato de locação financeira (imobiliária) (leasing) por alguns considerado um contrato de crédito ao consumo, não obstante pressupor que em campos jurídicos distintos se situam o dono/locador da coisa e o locatário financeiro/fruidor, constitui uma realidade económica que tendo de muito relevante o financiamento da aquisição de bens, estabelece um regime legal que visa, em função do nodal aspecto de fruição económica em vista da expectativa de aquisição do direito de propriedade, que constitui um direito potestativo do locatário contra o qual o locador nada pode, impõe ónus e riscos que, na pura lógica do direito de propriedade, ainda que comprimido, por outro direito real ou obrigacional, mal se compreenderiam. (...) IV) – Sendo traço comum da locação financeira, mobiliária e imobiliária, a fruição onerosa e temporária de um bem, o legislador quis colocar a cargo do locatário de fracção autónoma o pagamento das despesas comuns do edifício e os serviços de interesse comum, certamente em homenagem à vocação do tipo contratual, que visa o financiamento do locatário” (sublinhado nosso)(11).
 
Ou seja, na sua jurisprudência, o STJ entendeu que o disposto na al. b) do nº 1 do art. 10º do RJCLF, mais do que consagrar uma obrigação contratual do locatário, importa, na verdade, uma transferência legal da obrigação de pagamento do condomínio do proprietário / locador para o locatário.Ora, à luz do exposto supra,parece-nos que esta doutrina, mutatis mutandis, tem plena aplicação no que diz respeito às obrigações previstas nas al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF. Neste exacto sentido decidiu o único — ao que sabemos — Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte que se pronunciou expressamente sobre o tema. Com efeito, no seu Acórdão de 11/02/2010 (processo n. 2311/06.2BERPT) o TCA Norte decidiu que: “Com efeito, a situação dos autos não é de contrato de arrendamento, mas sim de contrato de lo-cação [financeira] e, em relação a este contrato de locação, a lei é explicita no sentido de regular expressamente e de forma especial esta matéria, imputando de forma directa a responsabilidade deste tipo de obras ao locatário.Esta imputação de responsabilidade é a nosso ver perfeitamente perceptível, pois, o contrato de locação financeira rege-se por cláusulas substancialmente diferentes daquelas que estão subjacentes a um contrato de arrendamento, designadamente, o direito potestativo que o legislador colocou a cargo do locatário de comprar o bem pelo valor residual, no fim do contrato. Ora, como supra se deixou referido apesar do locatário não ser proprietário do bem locado, e nessa perspectiva não ter que assumir a responsabilidade da realização das obras de conservação, a verdade é que o DL nº 149/95 (...) que regula a locação financeira, é claro ao transferir esta responsabilidade para o locatário, nesta parte especifica de quaisquer obras impostas pela autoridade pública”(12). 
 
Assim, e em conclusão, entendemos que as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF devem ser interpretadas no sentido de que é sobre o locatário que impende a obrigação de realizar obras de conservação no imóvel locado — incluindo as que sejam determinadas por uma autoridade pública — não podendo, portanto, exigir-se ao locador o cumprimento daquela obrigação.
 
3. Em jeito de conclusão: da invalidade da ordem municipal
 
Considerando o exposto, parece-nos que se, ao abrigo do nº 2 do art. 89º do RJUE, um município ordenar a um locador que realize obras de conservação num edifício adquirido ao abrigo de um contrato de locação financeira, tal ordem padecerá do vício de violação de lei. Mais concreta-mente tal ordem violará as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF que, como observámos, transferem para o locatário o dever de realizar obras de conservação no edifício locado.
 
Assim, caso tal suceda, será tal ordem anulável, nos termos do nº 1 do art. 163º do CPA. Para obter essa anulação deverá o locador intentar a respectiva acção administrativa de impugnação, no prazo de três meses, nos termos do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Visto, porém, que a impugnação não suspende, por si só, os efeitos produzidos pela ordem do município, poderá ser ponderada a propositura de uma providência cautelar para suspender esses efeitos. No nosso entender, em face da urgência em determinar quem será responsável pela realização das obras de conservação, a via cautelar poderá até servir para obter uma resposta final mais célere por parte do Tribunal ao abrigo do nº 1 do art. 121º do CPTA, que permite antecipar o juízo sobre a causa principal no âmbito do processo cautelar.
 
Notas
 
1 CORDEIRO, António Menezes (2015). Direito Bancário, Almedina, 5.ª edição revista e atualizada, p. 722.
2 VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, Almedina, pp. 263 e 264.
3 Ainda no mesmo sentido, dando nota da função financiadora do contrato de locação financeira, entre muitos outros, vide DUARTE, Rui Pinto (1983). A locação financeira (Estudo jurídico do leasing financeiro), Editora Danubio, Lda., p. 12; VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 45, Lisboa, p. 266; SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário, Programa, Conteúdos e Métodos de Ensino, Almedina, p. 425; PASSINHAS, Sandra (2000). A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, p. 209.
4 Assim, VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, op. cit., p. 277; CAMPOS, Diogo Leite de (1994). A Locação Financeira, Lex Edições Jurídicas, pp. 68 e 69; VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; e SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., p. 426.
5 Neste sentido, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274.
6 Assim, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; e SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., pp. 425 e 426. 
7 Aparentemente no mesmo sentido, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; PASSINHAS, Sandra (2000). A Assembleia de Condóminos..., op. cit., p. 209; DUARTE, Rui Pinto (1983). A locação financeira..., op. cit., p.12; CAMPOS, Diogo Leite de (1994). A Locação Financeira, op. cit., pp. 68 e 69; e VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, op. cit., p. 277.
8 Assim, MORAIS, Fernando Gravato (2014). A justa repartição dos riscos na locação financeira. Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXVIII, n.º 335, pp. 251 e 252.
9 SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., p. 425. Sem prejuízo, tal não significa que o locador não mantenha, ainda assim, um certo interesse no imóvel dado em locação, visto que este continua a ser o principal garante do financiamento em causa. É por isso que mantém, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 9.º do RJCLF, o direito de examinar o bem e defender a sua integridade.
10 Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008 (processo n.º 08A1057), de 6 de novembro de 2008 (processo n.º 08B2623) e ainda de 2 de março de 2010 (processo n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1). Defendendo ainda esta solução, vide ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 11 de fevereiro de 2020 (processo n.º 26112/17.3T8LSB.P1) e de 28 de janeiro de 2021 (processo n.º 2672/19.3T8LOU-A.P1). Em sentido contrário, vide Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de junho de 2022 (processo n.º 1489/20.7T8VIS.C1) e Acórdãos da Relação de Guimarães de 10 de maio de 2018 (processo n.º 501/15.6T8PTL.G1) e 4 de novembro de 2021 (processo n.º 216/20.3T8GMR.G1).
11 Acórdão de 2 de março de 2010 (processo n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1).
12 Acórdão não disponível no site:www.dgsi.pt. Está, porém, disponível o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu recusar preliminarmente a admissão do recurso de revista deste mesmo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de junho de 2010, processo n.º 0475/10).