Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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7/08/2023

Reparações indispensáveis e urgentes


Estatui o nº 1 do art. 1427º do CC que "As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino".

Se dúvidas haviam sobre o que se deve entender por «reparações indispensáveis e urgentes», a Lei nº 8/2022 de 10/01, acrescentou o nº 2 ao preceito com o seguinte teor: "São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas".

Ora, é uma das funções do administrador do condomínio, como resulta do disposto no art. 1436º, especialmente a sua alínea g), promover quando seja necessário à reparação e conservação dos bens comuns.

Se ele não o fizer, o preceito supra mencionado faculta a qualquer condómino a possibilidade de tomar a iniciativa dessas reparações, quando, além de indispensáveis, elas tenham o carácter de urgentes.

Para tanto, não carece esse condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador do condomínio, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com o espaço temporal que se demora a obter essa autorização em sede plenária (vide art. 1432º/1 do CC).

Dado que, todavia, pode surgir dúvida sobre a natureza das obras efectuadas e algum condómino contestar o seu carácter de reparação indispensável e urgente, será de boa prudência que o condómino que as deseje levar a cabo . quando a urgência na sua realização seja compatível com as delongas de uma deliberação prévia - submeta o problema à assembleia dos condóminos e esta sobre ele se pronuncie, deliberando.

Resolvido, desse modo, que há necessidade das pretendidas reparações, o condómino que tome a iniciativa de as efectuar estará validamente prevenido contra possível oposição de qualquer outro, a contestar a sua natureza.

Assim não sendo, "a assembleia poderá sempre, dentro dos poderes que lhe competem, apreciar a natureza das reparações efectuadas (...) e discutr, portanto, a regularidade da actuação de quem tomou a iniciativa de as promover (do preâmbulo do DL 40 333)..

E se o condómino (ou o administrador) avançar com a feitura das reparações e a assembleia posteriormente deliberar pela sua não indispensabilidade e urgência?

A circunstância de o condómino (ou administrador) pretender ressarcir-se das despesas que efectuou nas partes comuns do condomínio alegando indispensabilidade e urgência (cfr. art. 1427º do CC) que não se provou, não significa que essas despesas sejam inexoravelmente exigíveis ao condomínio com base no enriquecimento sem causa (cfr. art. 473º do CC).

O enriquecimento sem causa constitui outra causa de pedir, rectius, integrada pelos factos jurídicos que a lei tipifica:

- Enriquecimento
- sem causa justificativa
- à custa de outrem

A natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa (cfr. art. 474º do CC) impõe que a parte, que dispõe de outro meio de ser indemnizado ou restituído, deduza pedido subsidiário (cfr. art. 469º do CPC) se quiser ressarcir-se com base no enriquecimento sem causa.

O enriquecimento, que constitui um dos elementos constitutivos do direito à restituição com base no enriquecimento sem causa, tem de ser alegado enquanto facto integrativo desta causa de pedir. 

4/24/2023

Realização Coerciva de Obras de Conservação em Edifícios


O art. 89º do RJUE impõe que o proprietário realize obras de conservação do seu edifício, podendo essas obras ser ordenadas pelo município caso não sejam realizadas voluntariamente. No âmbito de contratos de arrendamento, essa obrigação legal continua a recair, em última instância, sobre o proprietário, ainda que seja contratualmente estipulado que as obras ficarão a cargo do arrendatário. No presente texto, os autores defendem que, nos contratos de locação financeira imobiliária, tal obrigação de conservação é legalmente transferida do proprietário/locador para o locatário e que, consequentemente, o município não pode ordenar ao locador que este realize obras de conservação.

1. Enquadramento da questão
 
Através do presente texto procura-se responder a uma questão que tem sido colocada recorrentemente: Pode a CM ordenar que uma instituição de crédito realize obras de conservação num edifício de que esta última é proprietária por força de um contrato de locação financeira imobiliária? Ou deve tal ordem dirigir-se exclusivamente ao locatário do edifício? 
 
Apesar de a questão se colocar com alguma frequência, a mesma não se encontra tratada de forma detida pela doutrina e pela jurisprudência civil ou administrativa. O presente texto, visa, pois, dar um modesto contributo para o aprofundamento da mesma.
 
Comecemos então pelas suas premissas. Nos termos do RJUE, aprovado pelo DL 555/99, de 16/12, o proprietário tem a obrigação de proceder à conservação dos seus edifícios. Mais concretamente, o nº 1 do art. 89º dispõe que o proprietário deve realizar obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos e que, independentemente desse prazo, deve realizar todas as obras necessárias à manutenção da segurança, salubridade e arranjo estético dos seus edifícios. Caso o proprietário não realize, voluntariamente, aquelas obras, o município poderá, nos termos do nº 2 ordenar a execução das obras necessárias à conservação do edificado. Se o proprietário não obedecer àquela ordem, a CM poderá, por um lado, tomar posse administrativa do edifício e executar, por si, as obras ordenadas (nº 1 do art. 91º). Por outro lado, nos termos da al. s) do nº 1 e do nº 4 do art. 98º, poderá punir a conduta do proprietário (pessoa colectiva) com uma coima graduada de 1 500€ até 250 000€. 
 
Assim, à luz destas disposições, vistas isoladamente, parece que seria sempre o proprietário, ainda que locador ao abrigo de contrato de locação financeira imobiliária, o responsável pela realização das obras de conservação.
 
Sem prejuízo, em sentido aparentemente contrário ou especial, as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do DL 149/95, de 24/06, conforme alterado, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, dispõem que são obrigações do locatário: (i) “assegurar a conservação do bem” e (ii) “realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública”. 
 
De acordo com estas normas parece, pois, que sempre que tenha sido celebrado contrato de locação financeira, a responsabilidade por realizar as obras de conservação, incluindo quando ordenadas por autoridade pública, seria transferida do proprietário/locador para o locatário. Quid iuris?
 
2. Da responsabilidade exclusiva do locatário
 
Na nossa opinião, parece-nos que o entendimento que melhor se coaduna com os elementos literal, sistemático e teleológico das normas em questão é o de que a responsabilidade pela realização de obras de conservação se transfere legalmente, com a celebração do contrato de locação financeira imobiliária, do proprietário/locador para o locatário.
 
Assim, parece-nos que, mais do que uma mera obrigação contratual — i.e. que produz apenas efeitos entre as partes do contrato de locação financeira —, o dever de realizar obras de conservação por parte do locatário, conforme previsto nas al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF, constitui uma verdadeira obrigação legal que é transferida do proprietário/locador para o locatário.
 
Na verdade, como se passará a demonstrar, parece claro que o legislador procurou estabelecer uma nítida distinção entre, por um lado, as obrigações legais do locador e do locatário, nos contratos de locação financeira, e, por outro lado, as obrigações legais do senhorio e do arrendatário, nos contratos de arrendamento.
 
Efectivamente, nos contratos de arrendamento, apesar de o gozo da coisa ter sido cedido ao arrendatário, o nº 1 do art. 1074º do CC dispõe que caberá ao senhorio (i.e. ao locador) executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pela lei e pelo fim do contrato. No mesmo sentido dispõe também o nº 1 do art. 2º do DL 157/2006, de 08/08, conforme alterado (DL 157/2006), que “cabe ao senhorio efectuar as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, nos termos dos art. 1074º e 1111º do CC, bem como da legislação urbanística aplicável, nomeadamente do RJUE e do RJRU”. 
 
Contrariamente, as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF são claras em cometer legalmente a obrigação de realizar as obras de conservação, ainda quando ordenadas por autoridades públicas, ao locatário financeiro. Ou seja, nos termos da legislação especialmente aplicável aos contratos de locação financeira o locador não é responsável pela conservação e pela realização de obras de conservação no imóvel locado, sendo esta obrigação legalmente transferida para o locatário, por força daquelas disposições do RJCLF. Neste sentido milita, também, a própria função do contrato de locação financeira e as suas principais diferenças em relação ao contrato de locação.
 
Como reconhece unanimemente a doutrina, o contrato de locação financeira tem por função financiar a aquisição de um determinado bem por parte de um consumidor ou de uma empresa. É, pois, sobretudo, um contrato de crédito. Como ensina António Menezes Cordeiro “a locação financeira é, essencialmente, um negócio de crédito, ainda que vertido nos moldes da velha locação”(1). No mesmo sentido, refere Miguel Pestana de Vasconcelos que este contrato “desempenha ao mesmo tempo as funções de crédito e garantia” sendo, no seu entendimento, “um dos mais importantes instrumentos de concessão de crédito em termos económicos e sociais, tanto empresarial, como ao consumo”(2,3).
 
Este contrato tem vindo a ser apelidado de um contrato de financiamento, exactamente porque, do lado do locatário, (i) é este que escolhe a coisa a adquirir pelo locador e a ser dada em locação, (ii) usufrui desse bem durante o período de duração do contrato e (iii) no final pode exercer o seu direito potestativo a adquiri-lo por um valor residual. Do lado do locador, este apenas se limita a adquirir a coisa escolhida pelo locatário, (ii) a permitir o seu gozo e (iii) a receber o valor das rendas e do preço residual, para assim reaver o capital investido, acrescido dos respectivos juros. 
 
Neste sentido, parece-nos evidente que o locador não pretende explorar economicamente o bem locado, servindo este, apenas e tão-só, como garantia do financiamento concedido (4). Contrariamente, no contrato de arrendamento, o senhorio já é proprietário do imóvel aquando da celebração do contrato. Assim, pretendendo explorá-lo economicamente ou rentabilizá-lo, o senhorio concede o seu gozo a um terceiro a troco de uma remuneração, nunca tendo qualquer intenção de se desfazer da sua propriedade (5).
 
Verifica-se, pois, que no primeiro caso o imóvel serve de garantia a um financiamento concedido a um terceiro. Já no segundo caso, o imóvel serve de fonte de rendimento ao seu proprietário.É esta distinção funcional que explica, entre outras, as seguintes diferenças de regime entre os dois tipos de contrato: i. Na locação financeira, o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato (art. 12º do RJCLF), ao contrário do que sucede na simples locação (art. 1032º e 1033.º do CC); e ii. Na locação financeira, é o locatário que corre o risco de perda ou deterioração do bem (art. 15º do RJCLF), ao passo que na locação esse risco recai, sobretudo, sobre o locador (art. 1044º do CC)(6). 
 
Ora, na nossa opinião — e aparentemente no entendimento da maioria da doutrina que se pronunciou sobre o tema —, é também essa distinção funcional que justifica porque é que o legislador, como adiantámos supra, previu que, nos contratos de arrendamento, o dever de conservar o edifício recai sobre o locador/senhorio (nº 1 do art. 1074º do CC e no nº 1 do art. 2º do DL 157/2006); ao passo que, nos contratos de locação financeira imobiliária, previu que esse mesmo dever recai legalmente, até quando decorre de ordem de autoridade pública, sobre o locatário (al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF)(7).
 
Com efeito, se é o locatário que escolhe o imóvel a adquirir, faz uso do mesmo e é sobre ele que recai o risco de deterioração e perda do imóvel — ao ponto de se entender que é este que detém a propriedade económica sobre o imóvel (8) — é evidente que será sobre o locatário que recairá, também e exclusivamente, a obrigação de realizar obras de conservação sobre o edifício locado. Neste exacto sentido, entende João Calvão da Silva que: “Por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador. Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato. Nada mais natural, portanto, do que a transferência legal para o locatário dos riscos e responsabilidades conexos ao gozo e disponibilidade material da coisa que passa a ter após a entrega, incluindo a sua manutenção e conservação (art. 10°, nº 1, al. q) e f), do DL nº 149/95) e o risco do seu perecimento ou da sua deterioração (ainda que) imputável a força maior ou caso fortuito (art. 15° do DL n°149/95). No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos riscos e da responsabilidade relativos à sua utilização” (sublinhado nosso)(9).
 
A este propósito e de forma semelhante, note-se que relativamente à obrigação prevista na al. b) do nº 1 do art. 10º do RJCLF — i.e. a obrigação que impende sobre o locatário de pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas de condomínio — o STJ tem decidido de forma unânime que, por força desta disposição, essa obrigação impende exclusivamente sobre o locatário do imóvel, não podendo ser exigida ao proprietário/locador (10). Isto, apesar de o nº 1 do art. 1424º do CC estatuir que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos [i.e. pelos proprietários] em proporção do valor das suas fracções” (sublinhado nosso).
 
Para o efeito tem entendido o STJ que: “I) – O contrato de locação financeira (imobiliária) (leasing) por alguns considerado um contrato de crédito ao consumo, não obstante pressupor que em campos jurídicos distintos se situam o dono/locador da coisa e o locatário financeiro/fruidor, constitui uma realidade económica que tendo de muito relevante o financiamento da aquisição de bens, estabelece um regime legal que visa, em função do nodal aspecto de fruição económica em vista da expectativa de aquisição do direito de propriedade, que constitui um direito potestativo do locatário contra o qual o locador nada pode, impõe ónus e riscos que, na pura lógica do direito de propriedade, ainda que comprimido, por outro direito real ou obrigacional, mal se compreenderiam. (...) IV) – Sendo traço comum da locação financeira, mobiliária e imobiliária, a fruição onerosa e temporária de um bem, o legislador quis colocar a cargo do locatário de fracção autónoma o pagamento das despesas comuns do edifício e os serviços de interesse comum, certamente em homenagem à vocação do tipo contratual, que visa o financiamento do locatário” (sublinhado nosso)(11).
 
Ou seja, na sua jurisprudência, o STJ entendeu que o disposto na al. b) do nº 1 do art. 10º do RJCLF, mais do que consagrar uma obrigação contratual do locatário, importa, na verdade, uma transferência legal da obrigação de pagamento do condomínio do proprietário / locador para o locatário.Ora, à luz do exposto supra,parece-nos que esta doutrina, mutatis mutandis, tem plena aplicação no que diz respeito às obrigações previstas nas al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF. Neste exacto sentido decidiu o único — ao que sabemos — Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte que se pronunciou expressamente sobre o tema. Com efeito, no seu Acórdão de 11/02/2010 (processo n. 2311/06.2BERPT) o TCA Norte decidiu que: “Com efeito, a situação dos autos não é de contrato de arrendamento, mas sim de contrato de lo-cação [financeira] e, em relação a este contrato de locação, a lei é explicita no sentido de regular expressamente e de forma especial esta matéria, imputando de forma directa a responsabilidade deste tipo de obras ao locatário.Esta imputação de responsabilidade é a nosso ver perfeitamente perceptível, pois, o contrato de locação financeira rege-se por cláusulas substancialmente diferentes daquelas que estão subjacentes a um contrato de arrendamento, designadamente, o direito potestativo que o legislador colocou a cargo do locatário de comprar o bem pelo valor residual, no fim do contrato. Ora, como supra se deixou referido apesar do locatário não ser proprietário do bem locado, e nessa perspectiva não ter que assumir a responsabilidade da realização das obras de conservação, a verdade é que o DL nº 149/95 (...) que regula a locação financeira, é claro ao transferir esta responsabilidade para o locatário, nesta parte especifica de quaisquer obras impostas pela autoridade pública”(12). 
 
Assim, e em conclusão, entendemos que as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF devem ser interpretadas no sentido de que é sobre o locatário que impende a obrigação de realizar obras de conservação no imóvel locado — incluindo as que sejam determinadas por uma autoridade pública — não podendo, portanto, exigir-se ao locador o cumprimento daquela obrigação.
 
3. Em jeito de conclusão: da invalidade da ordem municipal
 
Considerando o exposto, parece-nos que se, ao abrigo do nº 2 do art. 89º do RJUE, um município ordenar a um locador que realize obras de conservação num edifício adquirido ao abrigo de um contrato de locação financeira, tal ordem padecerá do vício de violação de lei. Mais concreta-mente tal ordem violará as al. e) e f) do nº 1 do art. 10º do RJCLF que, como observámos, transferem para o locatário o dever de realizar obras de conservação no edifício locado.
 
Assim, caso tal suceda, será tal ordem anulável, nos termos do nº 1 do art. 163º do CPA. Para obter essa anulação deverá o locador intentar a respectiva acção administrativa de impugnação, no prazo de três meses, nos termos do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Visto, porém, que a impugnação não suspende, por si só, os efeitos produzidos pela ordem do município, poderá ser ponderada a propositura de uma providência cautelar para suspender esses efeitos. No nosso entender, em face da urgência em determinar quem será responsável pela realização das obras de conservação, a via cautelar poderá até servir para obter uma resposta final mais célere por parte do Tribunal ao abrigo do nº 1 do art. 121º do CPTA, que permite antecipar o juízo sobre a causa principal no âmbito do processo cautelar.
 
Notas
 
1 CORDEIRO, António Menezes (2015). Direito Bancário, Almedina, 5.ª edição revista e atualizada, p. 722.
2 VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, Almedina, pp. 263 e 264.
3 Ainda no mesmo sentido, dando nota da função financiadora do contrato de locação financeira, entre muitos outros, vide DUARTE, Rui Pinto (1983). A locação financeira (Estudo jurídico do leasing financeiro), Editora Danubio, Lda., p. 12; VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 45, Lisboa, p. 266; SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário, Programa, Conteúdos e Métodos de Ensino, Almedina, p. 425; PASSINHAS, Sandra (2000). A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, p. 209.
4 Assim, VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, op. cit., p. 277; CAMPOS, Diogo Leite de (1994). A Locação Financeira, Lex Edições Jurídicas, pp. 68 e 69; VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; e SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., p. 426.
5 Neste sentido, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274.
6 Assim, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; e SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., pp. 425 e 426. 
7 Aparentemente no mesmo sentido, VASCONCELOS, Miguel Pestana de (2017). Direito Bancário, op. cit., p. 274; PASSINHAS, Sandra (2000). A Assembleia de Condóminos..., op. cit., p. 209; DUARTE, Rui Pinto (1983). A locação financeira..., op. cit., p.12; CAMPOS, Diogo Leite de (1994). A Locação Financeira, op. cit., pp. 68 e 69; e VASCONCELOS, Duarte V. Pestana de (1985). A Locação Financeira, op. cit., p. 277.
8 Assim, MORAIS, Fernando Gravato (2014). A justa repartição dos riscos na locação financeira. Scientia Ivridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXVIII, n.º 335, pp. 251 e 252.
9 SILVA, João Calvão da (2001). Direito Bancário..., op. cit., p. 425. Sem prejuízo, tal não significa que o locador não mantenha, ainda assim, um certo interesse no imóvel dado em locação, visto que este continua a ser o principal garante do financiamento em causa. É por isso que mantém, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 9.º do RJCLF, o direito de examinar o bem e defender a sua integridade.
10 Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2008 (processo n.º 08A1057), de 6 de novembro de 2008 (processo n.º 08B2623) e ainda de 2 de março de 2010 (processo n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1). Defendendo ainda esta solução, vide ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 11 de fevereiro de 2020 (processo n.º 26112/17.3T8LSB.P1) e de 28 de janeiro de 2021 (processo n.º 2672/19.3T8LOU-A.P1). Em sentido contrário, vide Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de junho de 2022 (processo n.º 1489/20.7T8VIS.C1) e Acórdãos da Relação de Guimarães de 10 de maio de 2018 (processo n.º 501/15.6T8PTL.G1) e 4 de novembro de 2021 (processo n.º 216/20.3T8GMR.G1).
11 Acórdão de 2 de março de 2010 (processo n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1).
12 Acórdão não disponível no site:www.dgsi.pt. Está, porém, disponível o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu recusar preliminarmente a admissão do recurso de revista deste mesmo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de junho de 2010, processo n.º 0475/10).

2/17/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - VI


Ruídos no âmbito dos licenciamentos 
 
Chegados aqui, existem inúmeros concelhos caracterizados pela coabitação de múltiplas actividades antropogénicas em áreas de residência que são susceptíveis de gerar conflitos ao nível do ruído.
 
É no âmbito das competência de fiscalização conferidas pelo Regulamento Geral do Ruído, já citado, que os municípios têm na sua esfera a gestão da fase instrutória das reclamações relativas a actividades ruidosas (ex: medições acústicas para despiste da violação dos limites legais sonoros, como elemento probatório em sede de reposição da legalidade).
 
Recorde-se que as competências em matéria legislativa no tema que nos ocupa abarcam diversos domínio de intervenção, nomeadamente local, regional e central, correlacionando-se com o planeamento territorial, o licenciamento e medidas ou procedimentos de fiscalização e controlo destas. Na prática, é ainda no âmbito das responsabilidades de cada Município o licenciamento das actividades ruidosas temporárias, a título meramente exemplificativo, trabalhos ou obras urgentes, competições desportivas, corrida de automóveis, casamentos, aniversários, música ao vivo, treinos de aeronaves, campos de tiro, tendas de circo, mediante a Licença Especial de Ruído(ou “LER”), que têm gerado inúmeras queixas por parte das/dos cidadã/ãos.
 
Parece-nos assim importante que se chama à colação da necessidade imperiosa de criar e fomentar critérios harmoniosos para a emissão e implementação da LER (21), com a colaboração das autoridades policiais e polícia municipal (no âmbito das suas atribuições e competências). 
 
Torna-se assim cada vez mais prioritário que o decisor sobre a aplicação (boa) das regras impostas e das condicionantes em cada caso concreto tenham ainda como objectivo, a prevenção de procedimentos mais céleres e eficazes no futurona atribuição de LER.
 
A (não) decisão de licenciar e as condições da imposição do exercício devem ter na sua balança a equação entre as obrigações de fiscalização num prato, e noutro, alguns aspectos que são contraditórios (ex: promoção de qualidade de vida das populações)que, à luz do regime actual, não são isentos de divergente doutrina (22).
 
De reter, que no âmbito de qualquer procedimento de emissão de LER, no quadro das actividades previstas na lei, cada município deverá, desde logo: (i) analisar a fundamentação para o pedido de excepção e as suas implicações; (ii) avaliar e validar as medidas de prevenção e de redução do ruído propostas e (iii) fixar as condições do exercício da actividade, considerando, a localização, a data, duração e medidas de minimização. 
 
Não é apenas o Provedor de Justiça que vai alertando que este tipo de licenças especiais de ruído se devem abster de estipular condições individuais, sob pena de invalidade, é a própria lei, a doutrina, e a jurisprudência, sempre que, em causa, estejam formas de renúncia ao exercício de uma competência que é a da aplicação de norma geral e abstracta por meio de ato administrativo (23).
 
Alerta-se para o facto de as medidas de minimização puderem assumir um papel de enorme relevância na compatibilização entre o exercício da actividade com a colisão de eventuais direitos de não exposição ao ruído que “perturbe” a população residente numa determinada zona da sua residência, cabendo aos municípios o bom rastreio e a concretização dos maus elementares princípios gerais a que estão adstritos. A transparência dos procedimentos deve estar disponível nos sítios electrónicos quer dos Municípios, Juntas de Freguesia, autoridades policiais e CCDR ́s, bem como nos locais de realização das actividades que vejam a sua autorização emitida.

Notas

(21) Foi inclusive criado um grupo de trabalho (GTLER) que envolveu elementos da APA e das CCDR, entre outros, com o escopo de criar as Boas Práticas em cada território no âmbito do processo da emissão destas licenças especiais em prol da qualidade de vida dos seus munícipes. 
 
(22) A proibição do exercício de actividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas, na proximidade de escolas durante o seu horário de funcionamento, e na proximidade de hospitais ou estabelecimentos similares pode ser excepcionada mediante emissão de LER, ao abrigo do artigo 15º do RGR, pelo respectivo município - https://www.ccdr-alg.pt/site/sites/ccdr-alg.pt/files/Ambiente/Ruido/guia_ler_jul_2017_.pdf(pág. 11).
 
(23) Relatório do Provedor de Justiça. “Boas Práticas no Controlo Municipal de Ruído” 2013

2/16/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - V



Diferentes ruidos de vizinhança
 
Obras e Comércio
 
Encontrando-se um prédio constituído em regime de PH surgem desde logo limitações ao poder de fruição do mesmo, ainda que estas apenas digam respeito à propriedade autónoma de cada condómino, nos termos do disposto no art. 1420º/1 do CC que refere que “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
 
Pelo que, quaisquer transformações que pretendam executar na sua fracção autónoma estão limitadas, quer por força do disposto no art. 1422º/2 do CC, quer pelas implicações que no decorrer das mesmas possam causar na boa convivência entre vizinhos, deparamo-nos aqui uma vez mais, com o ruído de vizinhança.
 
Aqui chegados, importa analisar o disposto no art. 16º do DL 8/2007, de 17 de Janeiro, do Regulamento Geral do Ruído, no seu nº 1 que refere que obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte de ruído apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 8h e as 20h, e não se encontram sujeitas à emissão de licença especial de ruído.”, pelo que são da responsabilidade dos seus proprietários. 
 
Porém, decorre do nº 2 refere que “o responsável pela execução das obras deve afixar, em local visível e acessível aos utilizadores do edifício, informação relativa à duração prevista das obras e, quando possível, o período horário no qual se prevê que ocorra a maior intensidade de ruído.”
 
Contudo, a execução da obra está sujeita a suspensão, no caso de não ter sido afixado aviso prévio em local visível e/ou violação do período legalmente permitido, conforme o disposto no art. 18º. Nestes casos, a execução das obras (19) são suspensas por ordem das autoridades policiais, oficiosamente ou pedido do interessado, constituindo uma contra-ordenação ambiental leve, conforme o disposto no art. 28º nº 1 al. d). O valor da coima pode variar entre os singulares, de 200€ a 2 000€ em caso de negligência e de 400€ a 4 000€ em caso de dolo, quando praticadas por pessoas, nos termos do disposto no art. 22º nº 2 da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto da Lei Quadro das Contra-ordenações Ambientais, alterado pelo DL nº 42-A/2016, de 12/08.
 
Paralelamente e também incómodo é o ruído proveniente da exploração de espaços dedicados ao comércio (20) integrados em prédios constituídos em propriedade horizontal.

Pelo que, as actividades comerciais encontram-se enquadradas nos termos do disposto no art. 3º al. a) como sendo actividades ruidosa permanentes, isto actividades desenvolvidas com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços. O ruído produzido por esses espaços ainda que devidamente licenciado para o exercício da actividade deve ser aferido por profissionais e através de sonómetro.

Notas

(19) Caso as obras persistam, apesar de todos estes procedimentos, pode ainda recorrer a um Julgado de Paz (a existir na área do imóvel) ou, na sua falta, aos tribunais, in CondomínioDeco +).

(20) Discorre do acórdão do STJ, Processo 7613/09.3TBCSC.L1.S1, de 29-11-2016, relator Alexandre Reis “I -Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade são emanação dos direitos fundamentais de personalidade, à integridade moral e física, à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, corolários da dignidade humana. Por outro lado, são tarefas fundamentais do Estado a prossecução da higiene e salubridade públicas, o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a efectivaçãodo direito ao ambiente, prevenindo e controlando a poluição e os seus efeitos e promovendo a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana. 
II -Os direitos fundamentais, enquanto princípios que são, não se revestem de carácter absoluto, antes são limitados internamente, para assegurar os mesmos direitos a todas as outras pessoas, e também externamente, para assegurar outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos que com eles colidam, mediante a harmonização entre uns e outros,a qual sempre implicará o sacrifício, total ou parcial, de um ou mais valores. 
III -Os conflitos entre o direito fundamental de um sujeito e o mesmo ou outro direito fundamental ou interesse legalmente protegido de outro sujeito hão de ser solucionados mediante a respectiva ponderação e harmonização, em concreto, à luz do princípio da proporcionalidade, evitando o sacrifício total de um em relação ao outro e realizando, se necessário, uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual. 
IV -A essência e a finalidade deste princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos diversos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da sua harmonização e da optimização do meio escolhido com a observação das seguintes regras ou sub-princípios: 
(i) a sua adequação ao fim em vista; 
(ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a colectividade; 
(iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respectivas vantagens e desvantagens.” 
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a4ad03aaa6d934278025807a00589b2f?OpenDocument&Highlight=0,ru%C3%ADdo,obras,condom%C3%ADnio.
Neste seguimento, também o acórdão do STJ, Processo 3920/07.8TBVIS.C1.S1, de 19-04-2012, relator Álvaro Rodrigues,“(...) 8. Merece particular realce a conclusão de que às normas, constitucionais e legais, que tutelam a preservação do direito de personalidade deverá ser conferido o necessário relevo (prevalência) e efectividade na vida em sociedade –não sendo obviamente tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de actividades lúdicas ou de diversão se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito a gozar de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio; na sua casa de habitação, cada um tem o direito de viver em tranquilidade, quer no desenvolvimento dos afazeres de cada dia, quer nos momentos de lazer, e muito especialmente de aí poder passar, sem ruídos importunos vindos do exterior e produzidos por outrem, as horas destinadas ao sono e ao repouso; o repouso e o sossego que cada pessoa necessita de desfrutar no seu lar para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia a dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia.[3] 
Mais adiante, lêem-se na mesma decisão as incisivas palavras que se seguem: No caso dos autos, e perante a matéria de facto apurada, não pode duvidar-se que a actividade de diversão nocturna explorada pelo Réu acarreta uma lesão grave e continuada do direito de personalidade da A., ocasionando dano substancial ao gozo e fruição de um mínimo de tranquilidade na sua própria casa, independentemente da maior ou menor concretização da proveniência/origem dos ruídos inerentes à exploração do mencionado estabelecimento (espaço interior do edifício onde se encontra implantado, esplanada que lhe está afecta ou movimento de clientes e respectivos meios de transporte), sendo certo que os ruídos e perturbações originadas pela actividade desenvolvida raramente se circunscrevem ao interior do estabelecimento. 
(...) Ademais, cabe a quem pretenda exercer uma actividade daquela natureza em edifício habitacional uma obrigação de especial contenção quanto aos níveis de poluição sonora que provoca e o dever de optar pelas soluções técnicas adequadas, no que respeita ao isolamento acústico das suas instalações, que eliminem ou reduzam ao máximo possível os incómodos causados aos outros residentes, degradando a sua qualidade de vida. 
(...) Por isso, bem andou o Tribunal da Relação ao decidir o seguinte: «Na decorrência do já exposto, se, de um ponto de vista normativo, nada obstaria a que o Tribunal, em aplicação dos critérios constantes do art.º 335º, do CC, e que definem as regras gerais de resolução das situações de colisão de direitos, optasse por proferir condenação numa inibição meramente condicional ou temporária da actividade lesiva dos direitos da A. - se a matéria de facto alegada pelas partes e apurada na causa mostrasse que as causas da lesão eram efectivamente elimináveis ou removíveis através de procedimentos técnicos determinados -, por essa forma se limitando o sacrifício do direito do demandado ao estritamente necessário para assegurar o exercício pleno do direito prevalente da demandante, verificamos, porém, que tal não se afigura viável/possível no caso em apreço, na medida em que o Réu [que, agora, parece definitivamente “alheado” dos autos.../cf. fls. 368 e seguintes] não curou efectivamente de alegar, como seria seu ónus, durante o processo, a sua disponibilidade para remover as deficiências construtivas que potenciavam o incómodo substancial da lesada, tal matéria não foi objecto de discussão entre as partes e não foram processualmente adquiridos factos que demonstrassem, por um lado, que as insuficiências do isolamento acústico eram, do ponto de vista técnico e económico, remediáveis, e, por outro lado, quais seriam exactamente as obras e procedimentos que se impunha ao Réu realizar no seu estabelecimento para alcançar plenamente aquele objectivo (definindo, afinal, em termos minimamente consistentes, o projecto de isolamento acústico que se verificou inexistir).[6]». 
Finalmente, importa não olvidar o que se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7-04-2011 ( Relator, o Exmº Conselheiro Lopes do Rego) onde se escreveu expressamente: «A lei processual não admite em regra, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a condenação condicional, ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa –particularmente nos casos em que o facto condicionante sempre exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção e a efectividadeda tutela alcançada pelo demandante» (Pº 419/06.3 TCFUN-L1.S1 in www.dgsi.pt). Defende ainda o Réu/Recorrente que o Tribunal não tem competência para decretar o fecho de um bar, cabendo tal às autoridades administrativas. Não tem razão! 
Convém aqui recordar o que se decidiu no já falado Acórdão do STJ de 7-4-2011 «Impõe-se, por outro lado, distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das actividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação de planos tem justificadamente conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela actividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos ( vejam-se, por exemplo, os Acs. do STJ de 22/10/98-p. 97B1024-de 13/3/97 –p.96B557-e de 17/1/02 –p. 01B4140)», in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fc664c231f3e73cf802579ea003d91d2?OpenDocument

2/10/2023

Marquises


O estatuto regulador do condomínio é fixado pela lei, pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo regulamento do edifício.

Estabelecem-se no art. 1422º, do CC, limitações ao exercício dos direitos dos condóminos, designadamente que, “nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (nº 1). Segundo o que se dispõe o nº 2 al. a) e nº 3 do CC que estabelece limitações ao exercício do direito dos condóminos, nas relações entre si – “É especialmente vedado aos condóminos: prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”.E “as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”
.
Como anotam Pires de Lima e A. Varela in “C.Civil Anotado”, vol. III, 1972, pág. 366: o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”. Ou, como recorda Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais” - LEX, pág. 642, o nº 2 do art. 1422º do CC, concretiza, nalguns sentidos, várias das delimitações negativas ao conteúdo do direito, real que a propriedade horizontal consubstancia.

Por “linha arquitectónica do edifício” deve entender-se o “conjunto de elementos estruturais e sistematizados que conferem à construção a sua individualizada específica”, aquela, “enquanto elemento individualizador de uma construção”, saindo, como é apodíctico, prejudicada pelas alterações ou inovações que coloquem em risco o equilíbrio visual, ou seja a aparência externa, ocorram elas na fachada do edifício onde se inserem, ou tenham sido levadas a cabo nas traseiras daquele, “pois a lei não faz qualquer distinção entre as diversas zonas ou áreas do edifício para tal fim”, cfr. Ac. do STJ de 25.05.2000, in CJ/STJ, Ano VIII, tomo II, págs. 80 e segs.

É pacífico na nossa Jurisprudência que a “linha arquitectónica” a que se refere o art. 1422.º do CC, e as inovações a que se refere o art. 1425º do mesmo diploma, se reportam ao desenho inicial do prédio, ou seja, ao prédio tal como foi projectado, licenciado e construído, e não às situações de facto eventualmente existentes à data em que as alterações foram praticadas.

A expressão “arranjo estético de um edifício” como é defendido por Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios”, pág. 101, “refere-se, em especial, ao conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”, os novos elementos da fracção autónoma que podem afectar o arranjo estético do edifício tendo de “possuir visibilidade do exterior”.

A sanção que face à lei corresponde à realização de obras novas ilegais, conforme o preceituado no art. 1422º n.º 2 al. a) do CC, mesmo que eventualmente licenciadas pelos competentes serviços municipais, é a sua destruição, isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo da equidade estabelecida nos art. 566º, nº 1, in fine, e 829º, nº 2, ambos do CC, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, onde estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio, cfr. vide Aragão Seia, in obra citada, pág. 102.

Nos termos do art. 1421º, nº 1, al. a) do CC, são comuns as seguintes partes do prédio: “O solo, bem com o os alicerces, colunas pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do edifício”.

O termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações, de caixas de escada e interiores ou divisórias.

Conforme foi referido no Ac. do STJ de 16.07.74, in BMJ 239-199, “será de considerar nova a obra que, apreciada em si mesma ou objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelos adquirentes...”. Ou, mais claramente, como se escreve no Ac. do STJ de 19.01.2006, in www.dgsi.pt: “ao projecto inicial do edifício é que há que atender... Não ao “traçado arquitectónico” do edifício, filho da feitura de obras novas ilegais...”.

O art. 1425º do CC, sob a epígrafe “Inovações”, estabelece no seu nº 1 que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”. Depois, no nº 2 do mesmo preceito acrescenta-se que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns”.

Por inovação entende-se toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico. Essa modificação tanto pode ter como fim o de proporcionar a um, a vários ou à totalidade dos condóminos maiores vantagens ou benefícios, ou um uso ou gozo mais cómodo, como traduzir-se na supressão de coisas comuns existentes. O que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício, cfr. Abílio Neto, in “Manual da Propriedade Horizontal”, pág. 282.

Perfilha-se, assim, um conceito amplo de inovação, que é, de resto, o que melhor se adequa ao pensamento do nosso legislador. Não se ignora que se todos estão explícita ou implicitamente de acordo em reconhecer que as inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas, já uns entendem que a inovação se traduz forçosamente numa alteração da forma ou da substância da coisa, ao passo que outros identificam as inovações com todas as modificações na afectação, ou no destino, das coisas comuns.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 434, no conceito de inovação, que corresponde ao art.º 1425.º acima referido, cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, cfr., especialmente, o nº 1, como as modificações na afectação ou destino da coisa, cfr., especialmente, o nº 2.

Com efeito, embora “obras novas” constitua “conceito relativamente fluído... será de considerar nova, para efeito desta alínea a) do nº 2 do art. 1422º CC, a obra que apreciada em si mesma e objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético”, cfr. Abílio Neto, in “Propriedade Horizontal”, pág.104.

“Obra nova, tanto significa a que é feita pela primeira vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo que a modificação seja capaz de alterar o estado da coisa”, cfr. Plácido e Silva – Comentário ao CPC., II pág. 779.

Ora, â luz destes ensinamentos, tendo-se presente que o arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que lhe conferem unidade sistemática ao conjunto (Acs. STJ, CJ/STJ, II, p.80, e RP, CJ, 2000, I, p. 189), parece inegável que ao vedar-se completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, com essa obra nova, prejudicou-se o arranjo estético do prédio.

Basta pois observar o edifício, para se concluir, sem grande esforço ou necessidade de uma apurada sensibilidade estética, pelo prejuízo estético na fachada do prédio, constatando-se que as varandas foram fechadas. Em suma, parece razoavelmente, de afirmar o impacto negativo da referida obra nova quando ponderada a unidade sistemática do conjunto do edifício, concretamente o seu arranjo estético.
 
O que não invalida, porém, que se possa fechar uma varanda, com marquise, se para tanto, se tiver a obra autorizada. Em Ac. datado de 19/9/2008, o TRE decidiu que: "I - As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. II – A construção duma marquise constitui sempre uma modificação da linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, pelo que a sua realização depende da autorização prevista no art. 1422 nº 3 do CC, tomada em assembleia de condóminos". 

Obrando-se sem a devida e requerida autorização, vide Ac. do TRP de 7.7.2003 que decidiu:
"I - O Administrador do condomínio tem legitimidade para demandar qualquer condómino que desrespeite o estatuído no artigo 1422 do Código Civil, e o Regulamento do Condomínio.
II - Cabe ao Autor a alegação e prova de factos, não de juízos de valor, evidenciadores de que as obras efectuadas pelos demandados prejudicam o arranjo estético ou a linha arquitectónica do edifício.
III - O arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto.
IV - Ao vedar completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, a ré, com essa obra nova, prejudicou o arranjo estético do prédio onde se integra a sua fracção".

5/23/2022

Obras indispensáveis e urgentes



Artigo 1427º
(Reparações indispensáveis e urgentes)

1 - As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.
2 - São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

A realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fracção autónoma do edifício incumbe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respectiva conservação e reparação.

Além disso, os próprios administradores do condomínio, enquanto órgão executivo, poderão responder, a título pessoal, perante o proprietário afectado em consequência de patologias sobrevindas nessas partes comuns se, tendo conhecimento das mesmas e dos seus efeitos, não encetarem diligências para lhes pôr cobro, em particular não convocando assembleia extraordinária dos condóminos destinada a apreciação e deliberação sobre as obras de reparação necessárias.

Ao próprio condómino cuja fracção se mostre afectada assiste, à luz do preceituado no art. 1427º do CC, o direito de, por sua iniciativa, e perante uma situação de urgência, realizar essas obras de reparação; Todavia, esse é um direito ou faculdade que lhe assiste e não uma obrigação que lhe possa ser imposta ou exigida pelo administrador ou pelo condomínio.

Na verdade, se à luz do preceituado no art. 1427º do CC qualquer condómino, na falta ou impedimento do administrador, pode levar a cabo por sua própria iniciativa (e consequente vontade) as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns por forma a evitar a ocorrência de danos (ou o seu agravamento) na sua própria fracção – repercutindo, depois, o custo por si suportado pelos demais condóminos segundo os critérios previstos no art. 1424º do mesmo Código -, esse seu direito ou faculdade (que, repete-se, depende da sua iniciativa e da sua vontade em tal sentido, não correspondendo pois a qualquer dever ou obrigação do condómino) não escusa, nem exclui, manifestamente, os deveres que impendem, não só, sobre a administração do condomínio (enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, nomeadamente quanto a eventuais obras de reparação dessas partes do edifício), como, ainda, sobretudo, sobre os condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo integrado pelo conjunto de todos os condóminos, relativamente à administração e conservação das partes comuns (cfr. art. 1424º, nº 1 e 1430º do CC), por forma a que de tais partes comuns não decorram danos para terceiros, ou, ainda, para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma.

Como é consabido, na PH coexistem num mesmo edifício formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio definidos segundo o regime da compropriedade (cfr. art. 1420º, n.º 1 do CC). Destarte, ao lado de um direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fracção autónoma.

Como assim, cada um dos proprietários da respectiva fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro, seja ele outro condómino, seja ele um terceiro alheio ao edifício em propriedade horizontal, seja ele, ainda, o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de actos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fracção. Este direito resulta do preceituado no art. 1305º do CC segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.

Nestes termos e à luz do preceituado no art. 483º do CC a violação desse direito subjectivo pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.

De facto, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014: «Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza do direito real do lesado lhe impõe».

Também no Ac. da mesma Relação, de 23/4/2018 decidiu que: "Este mesmo princípio que emerge do preceituado no art. 483º do CC será, ainda, a nosso ver, aplicável ao próprio administrador, como órgão do condomínio, sendo que não intercede entre este e cada um dos condóminos uma relação contratual, a título de contrato de mandato ou de administração, mas, quando muito, entre o administrador e o condomínio, enquanto conjunto de todos os condóminos e considerado este como um centro de interesses representativo desse conjunto dos condóminos, diverso e autónomo perante o interesse de cada um dos condóminos, individualmente considerados.

Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em PH que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio ou do próprio administrador, a título pessoal, mas para tanto é suposto que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano"

Nestes termos, o órgão condomínio, entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes. Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a alínea a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos.

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (cfr. art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (cfr. art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos.

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da PH, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no aludido Acórdão do TRP de 16.01.2014, "se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas."

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumprindo esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe são exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (cfr. art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevenham como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere ao administrador, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não estava obrigado, mas antes de não ter aquele, como devia, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir de uma parte comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma AGE onde a reclamação do condómino fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não pode a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a AG sempre que tal se mostre conveniente (como é manifestamente, o caso, perante a reclamação do condómino por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC).

5/13/2022

Danos provocados no elevador

Caso concreto:

Um condómino contrata uma empresa para a realização de obras no interior da sua fracção autónoma, porém, aquando da realização das mesmas, os funcionários da empresa utilizam o elevador para transportar material, são provocados danos nas portas e cabine do elevador, pelo que, realizadas as necessárias reparações, a administração imputa as responsabilidades ao condómino que contratou a empresa que provocou os danos, com fundamento na norma do Regulamento: “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino”.

De quem é de facto a responsabilidade?

Ora, compulsando as circunstâncias, verifica-se que a grande questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se estão ou não preenchidos os respectivos pressupostos legais para que se possa responsabilizar, in casu, o condómino que contratou a empresa pelo pagamento da importância referente à reparação dos danos ou estragos que foram causados no elevador do prédio e na sequência das obras que então levaram a efeito na sua fracção, por intermédio empresa que contratou para o efeito, ou seja, para executar tais obras, danos ou estragos esses que foram directamente causados pelo pessoal da referida empresa.

Grosso modo, podemos dizer que no nosso ordenamento jurídico-civil a obrigação de indemnizar pode resultar da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual (abrangendo esta, como é sabido, três formas: a responsabilidade por factos ilícitos – art. 483º e ss do CC -, a responsabilidade pelo risco – art. 499º e ss do CC - e a responsabilidade pelos factos lícitos – a qual muito embora não se encontra expressamente consagrada no nosso CC, ela resulta claramente do estatuído em muitos dos seus normativos legais, vg., por ex., art. 339º, nº 2, 1322º, nº 1, 1347º, nº 2 e 3, 1348º, nº 2, 1349º, nº 3, e 1367º), formas essas que, como é sabido, entroncam no mesmo instituto: a responsabilidade civil.

Atento os factos apurados e acima descritos, avançamos desde já que é manifesto que a obrigação de indemnizar que nesta acção se pretende obter do condómino está, desde logo, votada ao fracasso ao nível da responsabilidade extracontratual, e à luz de qualquer uma das suas três formas ou modalidades supra referidas.

Tendo os danos aqui em causa sido provocados pelo pessoal (vulgo empregados) da empresa que contrataram para a execução das obras que decidiram levar a efeito na sua fracção, parece evidente que o condómino não pode ser responsabilizados a título da responsabilidade civil por factos ilícitos, por falta de alguns dos seus pressupostos. Desde logo porque os danos não resultaram de um facto voluntário por ele praticado, depois porque não se vislumbra qualquer ilicitude na sua conduta, depois ainda porque inexiste qualquer nexo de imputação culposa do facto danoso ao mesmo (sendo certo ainda que, a existir tal responsabilidade, era sempre sobre a administração. que, nos termos do disposto, nas disposições conjugadas dos art. 487º, nº 1, e 342º, nº 1, do CC, impende o ónus de provar a culpa do condómino na produção dos aludidos estragos causados no elevador, e, por fim ainda, porque nem sequer se poderá falar da existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do condómino e o dano que veio a ocorrer no elevador (o facto de aquele ter autorizado a empresa a utilizar o elevador, tal não permite, sem mais, concluir pela existência do referido nexo).

Isto porque é sabido que no nosso ordenamento jurídico se encontra proclamado, como regime geral, o princípio da responsabilidade baseada na culpa., daí que mesmo ao nível da responsabilidade civil a obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 483º, nº 2, do CC).

Ora, como é sabido, a responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui, todavia, uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva.

Porém, é também manifesto que o caso presente não se enquadra em nenhuma das situações de responsabilidade pelo risco previstas no art. 500º e ss do CC. A esse propósito dir-se-á tão somente que a única situação que poderia ter algo a ver com o caso seria a que diz respeito à responsabilidade do comitente prevista no art. 500º.

Todavia, constitui hoje entendimento claramente dominante (quer na nossa doutrina, quer na nossa jurisprudência) de que entre o empreiteiro (qualidade daquele que aparentemente teria a sobredita empresa que efectuou as obras na fracção e cujo pessoal, no decurso das mesmas, causou estragos no elevador do prédio do condomínio) e o dono da obra não existe qualquer relação de comissão, ou seja, do tipo comitente/comissário, dado a inexistência de um vínculo de subordinação jurídica do do empreiteiro ao dono da obra.

É também evidente que não estamos perante numa situação (legalmente prevista) de responsabilidade por factos lícitos, pelo que afastada fica a obrigação do condómino de indemnizar com base na responsabilidade extracontratual (e nomeadamente com base na responsabilidade por factos ilícitos. Aqui chegados resta indagar se no caso em apreço será possível impor ao condómino a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade contratual?

Embora não se saiba em concreto os termos e os moldes do contrato, é possível, todavia, claramente inferir-se que o acesso que o pessoal (vg. os empregados) da referida empresa tinha à fracção era feito tão somente baseado na aludida relação contratual e exclusivamente para aqueles fins específicos, isto é, visando tão somente a realização nele das referidas obras.

E sendo assim, conclui-se que falta um dos pressupostos estabelecidos na referida regra ou “norma” do Regulamento do Condomínio para que o condómino possa ser responsabilizado pelo pagamento da reparação do dito elevador, responsabilidade essa (e respectiva obrigação de indemnizar) que terá, assim, de ser procurada e obtida junto da empresa, cujo pessoal provocou a danificação do bem em causa (e que levou à necessidade da sua reparação).

4/19/2022

Realização de obras

Foi publicado no dia 2 de outubro de 2020 o DL n.º 81/2020) que introduz novas regras para a realização de obras em partes comuns de condomínios, o qual entrou em vigor no dia 2 de novembro de 2020, excepto as alterações ao Programa de Arrendamento Acessível (PAA), que entraram em vigor a 31 de dezembro desse ano.

Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro

O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, passa a ter a seguinte redação:

Artigo 11.º
Obras

1 - Para efeito de aplicação do disposto nos artigos 89.º a 91.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, relativamente a obras necessárias nas partes comuns do edifício, é suficiente a notificação ao administrador do condomínio.

2 - No caso do número anterior, se houver lugar à execução coerciva das obras, cada condómino é responsável pelos encargos com a realização das mesmas na proporção da sua quota, sendo o respetivo pagamento assegurado nos termos dos artigos 108.º e 108.º-B do RJUE.

3 - No caso de edifício em que um dos condóminos é uma entidade pública com atribuições na área da gestão habitacional, as obras necessárias nas partes comuns podem ser determinadas e promovidas por essa entidade nos termos do regime a que se referem os números anteriores, caso em que a notificação e, se necessário, os elementos referidos no n.º 4 do artigo 89.º são por esta remetidos ao município competente, estando a correspondente operação urbanística sujeita a parecer prévio da câmara municipal nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do RJUE.

RJUE

Artigo 89.º
Dever de conservação

1 - As edificações devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade.

3 - A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.

4 - Os actos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário.

Artigo 90.º
Vistoria prévia

1 - As deliberações referidas nos nº 2 e 3 do artigo anterior são precedidas de vistoria a realizar por três peritos a nomear pela câmara municipal.

2 - Do acto que determinar a realização da vistoria e respectivos fundamentos é notificado o proprietário do imóvel, mediante carta registada expedida com, pelo menos, sete dias de antecedência.

3 - Até à véspera da vistoria, o proprietário pode indicar um perito para intervir na realização da vistoria e formular quesitos a que deverão responder os peritos nomeados.

4 - Da vistoria é imediatamente lavrado auto, do qual consta obrigatoriamente a identificação do imóvel, a descrição do estado do mesmo e as obras preconizadas e, bem assim, as respostas aos quesitos que sejam formuladas pelo proprietário.

5 - O auto referido no número anterior é assinado por todos os peritos que hajam participado na vistoria e, se algum deles não quiser ou não puder assiná-lo, faz-se menção desse facto.

6 - Quando o proprietário não indique perito até à data referida no número anterior, a vistoria é realizada sem a presença deste, sem prejuízo de, em eventual impugnação administrativa ou contenciosa da deliberação em causa, o proprietário poder alegar factos não constantes do auto de vistoria, quando prove que não foi regularmente notificado nos termos do n.º 2.

7 - As formalidades previstas no presente artigo podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade.

Artigo 91.º
Obras coercivas

1 - Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 90.º ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata.

2 - À execução coerciva das obras referidas no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 107.º e 108.º

Artigo 107.º
Posse administrativa e execução coerciva

1 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal, em caso de incumprimento de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas nos artigos anteriores o presidente da câmara pode determinar a posse administrativa do imóvel onde está a ser realizada a obra, por forma a permitir a execução coerciva de tais medidas.

2 - O acto administrativo que tiver determinado a posse administrativa é notificado ao dono da obra e aos demais titulares de direitos reais sobre o imóvel por carta registada com aviso de recepção.

3 - A posse administrativa é realizada pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras, mediante a elaboração de um auto onde, para além de se identificar o acto referido no número anterior, é especificado o estado em que se encontra o terreno, a obra e as demais construções existentes no local, bem como os equipamentos que ali se encontrarem.

4 - Tratando-se da execução coerciva de uma ordem de embargo, os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras procedem à selagem do estaleiro da obra e dos respectivos equipamentos.

5 - Em casos devidamente justificados, o presidente da câmara pode autorizar a transferência ou a retirada dos equipamentos do local de realização da obra, por sua iniciativa ou a requerimento do dono da obra ou do seu empreiteiro.

6 - O dono da obra ou o seu empreiteiro devem ser notificados sempre que os equipamentos sejam depositados noutro local.

7 - A posse administrativa do terreno e dos equipamentos mantém-se pelo período necessário à execução coerciva da respectiva medida de tutela da legalidade urbanística, caducando no termo do prazo fixado para a mesma.

8 - Tratando-se de execução coerciva de uma ordem de demolição ou de trabalhos de correcção ou alteração de obras, estas devem ser executadas no mesmo prazo que havia sido concedido para o efeito ao seu destinatário, contando-se aquele prazo a partir da data de início da posse administrativa.

9 - A execução a que se refere o número anterior pode ser feita por administração directa ou em regime de empreitada por ajuste directo, mediante consulta a três empresas titulares de alvará de empreiteiro de obras públicas de classe e categoria adequadas à natureza e valor das obras.

Artigo 108.º
Despesas realizadas com a execução coerciva

1 - As quantias relativas às despesas realizadas nos termos do artigo anterior, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que a Administração tenha de suportar para o efeito, são de conta do infractor.

2 - Quando aquelas quantias não forem pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, são cobradas judicialmente em processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão, passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas efectuadas, podendo ainda a câmara aceitar, para extinção da dívida, dação em cumprimento ou em função do cumprimento nos termos da lei.

3 - O crédito referido no n.º 1 goza de privilégio imobiliário sobre o lote ou terrenos onde se situa a edificação, graduado a seguir aos créditos referidos na alínea b) do artigo 748.º do Código Civil.

4/15/2022

A destruição do edifício

No caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.

Nada impede que, no TCPH, "os condóminos hajam acordado em solução diferente, aceitando desde logo a reconstrução do edifício no caso de destruição total, ou confiando à assembleia dos condóminos, por deliberação da maioria simples ou de qualquer maioria qualificada, a tomada de uma decisão. Pretende-se proteger cada um dos condóminos contra imposições da maioria, que envolvam para qualquer deles um encargo excessivo ou inoportuno, mas não há nenhum interesse público que a lei pretenda acautelar contra a vontade dos condóminos, pois se algum interesse social aflora no caso, esse é apenas o da reconstrução do edifício, que de nenhum modo colide com a validade da convenção das partes em sentido oposto ao prescrito no nº 1 do art. 1428º (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 438, 2).

Acresce sublinhar que a Ley sobre Propriedad Horizontal, considera no seu art. 23º, que a destruição do edifício se considera produzida quando o custo da reconstrução exceda 50% do valor do prédio ao tempo do sinistro, a menos que o excesso esteja coberto por um seguro.

Se a destruição é total (seguindo Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 438 e ss.), ou representa, pelo menos três quartos do total do prédio, não se admite que a assembleia dos condóminos, contra a vontade de qualquer destes, possa deliberar sobre a reconstrução. A lei concede a qualquer dos condóminos a faculdade de se opor à reconstituição do condomínio, exigindo a venda dos terrenos e dos materiais. Não se lhe permite, ao contrário do que resultaria dos princípios válidos em matéria de compropriedade, o direito de exigir a divisão do terreno e dos materiais, restrição que provém da especial afectação ao prédio da área sobre a qual o edifício estava implantado.

Ao condomínio no edifício substitui-se ou sucede, com a destruição daquele, a mera comunhão do solo e dos materiais. Mas como se trata de uma comunhão que resulta de coisa que em parte pertenciam em domínio exclusivo a cada condómino, e são sempre destinados à elevação de um edifício, os condóminos não podem pedir a divisão, mas apenas que sejam vendidos os materiais e o solo. Podem, naturalmente, ser vendidos a um, a vários, ou a todos os condóminos (cfr. Giuseppe Branca, Commentario del Codice Civile, Livro III, STEB, 1955, pág. 292).

Se cada condómino pode exigir a venda do terreno, tal significa, implicitamente, que ele pode exigir a demolição da parte do edifício que ficou de pé, para que o terreno seja vendido livre de qualquer construção, a menos que seja possível aliená-lo em condições igualmente favoráveis para eles, mantendo a parte da construção que não foi destruída (Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 439, 5).

Se a destruição atingir uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste. Neste caso, os condóminos que não queiram participar nas despesas de reconstrução podem ser obrigados (1) a alienar os seus direitos aos outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou fixado judicialmente.

O condómino pode escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita. O condómino pode também vender a sua parte a um terceiro; neste caso, o adquirente sucederá nas obrigações do alienante (cfr. Lino Salis, Il condominio negli edifici, Trattato di diritto civile italiano, Tomo III, Torino, 1950, pág. 241). Enquanto os condóminos interessados na reconstrução não declararem que pretendem exercer esta faculdade de aquisição, os discordantes podem alienar os seus direitos a terceiros. Até ao momento em que a faculdade de adquirir seja exercida, os condóminos discordantes conservam todos os seus direitos sobre o condomínio e, por conseguinte, podem dispor deles a favor de quem quer que seja (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 440, 7).

A aquisição das fracções autónomas é uma faculdade e não uma obrigação imposta ao condóminos (cfr. art. 1305º do CC). Deve revelar-se que o conteúdo do direito de propriedade muda continuamente, com o variar das exigências económicas e sociais da colectividade, no sentido de que se coloquem limitações à faculdade do privado dispor da coisa de que é proprietário (cfr. Edoardo Volterra, Istituziuoni di diritto privato romano, Ed. Ricerche, Roma, 1961, pág. 291).

Estamos perante um caso de nítida prevalência do interesse comum sobre o interesse do condomínio singular, que vai ao ponto de o forçar a alienar os seus direitos. A lei visa defender um interesse comum (a reconstrução do edifício) e já nos deixa antever que o interesse colectivo não é igual à soma do interesse de todos os condóminos. Um deles, pelo menos, não partilha o interesse na reconstrução do edifício.

O instrumento da obrigação legal de contratar, grosso modo, serve para garantir a realização de um interesse considerado prevalecente sobre os outros. O interesse do grupo dos condóminos na reconstrução do edifício merece mais tutela que o interesse do condómino em decidir da sorte dos seus direitos individuais. Este interesse é sempre referível aos condóminos - e é comum, em sentido próprio, com base na circunstância de que são titulares todos os condóminos enquanto membros do grupo. Mas autonomiza-se e distingue-se do conjunto desses interesses, transformando-se em algo diferente: no interesse colectrivo.

(1) A favor da execução específica desta obrigação de emissão de uma declaração contratual, vide Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 18.