Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

1/29/2024

O art. 1422-B do Código Civil



Redacção actual:

Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.

Artigo 1422.º-B
Alteração do uso da fração para habitação

1 - A alteração do fim ou do uso a que se destina cada fração para habitação não carece de autorização dos restantes condóminos.
2 - No caso previsto no número anterior, cabe aos condóminos que alterem a utilização da fração junto da câmara municipal o poder de, por ato unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.
3 - A escritura pública ou o documento particular a que se refere o número anterior devem ser comunicados ao administrador no prazo de 10 dias.

Reforma e simplificação dos licenciamentos


Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro

Procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria

Artigo 10.º
Alteração ao regime jurídico das autarquias locais

O artigo 38.º do regime jurídico das autarquias locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

Artigo 38.º
[...]

1 - [...]
2 - [...]
3 - [...]
a) [...]
b) [...]
c) [...]
d) [...]
e) [...]
f) [...]
g) [...]
h) [...]
i) [...]
j) [...]
k) [...]
l) [...]
m) [...]
n) As competências previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua redação atual.
4 - [...]
5 - [...]

Artigo 11.º
Alteração ao Código Civil

O artigo 1422.º do Código Civil, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

Artigo 1422.º
[...]

1 - [...]
2 - [...]
3 - [...]
4 - Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fração autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, com exceção do previsto no artigo 1422.º-B.

Artigo 12.º
Aditamento ao Código Civil

É aditado o artigo 1422.º-B ao Código Civil, com a seguinte redação:

Artigo 1422.º-B
Alteração do uso da fração para habitação

1 - A alteração do fim ou do uso a que se destina cada fração para habitação não carece de autorização dos restantes condóminos.
2 - No caso previsto no número anterior, cabe aos condóminos que alterem a utilização da fração junto da câmara municipal o poder de, por ato unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.
3 - A escritura pública ou o documento particular a que se refere o número anterior devem ser comunicados ao administrador no prazo de 10 dias.

Texto integral do diploma: vide aqui

Artigo 26.º
Entrada em vigor

O presente decreto-lei entra em vigor a 4 de março de 2024, com as seguintes exceções:

a) As alterações aos artigos 6.º, 6.º-A, 7.º e 93.º do RJUE entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;

b) O novo artigo 40.º-A do RJUE entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;

c) As alterações ao RGEU entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;

d) A alteração ao artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;

e) A alteração ao artigo 1422.º e o aditamento do artigo 1422.º-B ao Código Civil entram em vigor a 1 de janeiro de 2024;

f) A eliminação da obrigação de apresentação da autorização de utilização e da ficha técnica de habitação nos atos de transmissão da propriedade de prédios urbanos entra em vigor a 1 de janeiro de 2024;

g) A disponibilização no Diário da República, de forma sistematizada e por município, dos regulamentos urbanísticos entra em vigor a 8 de abril de 2024;

h) A obrigação de solicitar e emitir pareceres através do Sistema Eletrónico para a Emissão de Pareceres entra em vigor a 6 de janeiro de 2025;

i) O regime jurídico aplicável à Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos entra em vigor a 5 de janeiro de 2026;

j) A apresentação obrigatória do projeto de arquitetura de acordo com a metodologia BIM entra em vigor a 1 de janeiro de 2030.

1/21/2024

Assembleias telemáticas

A legislação mais recente sobre o regime da propriedade horizontal implementou novidades relacionadas com o uso das novas tecnologias nas reuniões de condóminos.

No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, foi aprovada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, cujo art. 5º-A (Realização de assembleias de condóminos), estipulava:

1 - A realização de assembleias de condóminos obedece às regras aplicáveis à realização de eventos corporativos, vigentes em cada momento e para a circunscrição territorial respetiva.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é permitida e incentivada a realização de assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância no ano de 2021, nos termos seguintes:
a) Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar através de meios de comunicação à distância, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto, presencialmente e por videoconferência;
b) Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia ter de se realizar presencialmente ou em modelo misto.
3 - A assinatura e a subscrição da ata podem ser efetuadas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.
5 - Compete à administração do condomínio a escolha por um ou por vários dos meios previstos na alínea a) do n.º 2, bem como a definição da ordem de recolha das assinaturas ou de recolha das declarações por correio eletrónico, a fim de assegurar a aposição das assinaturas num único documento.
6 - As assembleias de condóminos e a assinatura ou subscrição das respetivas atas que tenham sido realizadas antes da data de entrada em vigor do presente regime são válidas e eficazes desde que tenha sido observado o procedimento previsto nos números anteriores.

Este preceito foi contudo revogado pela Lei n.º 31/2023, de 04 de Julho.

Com a introdução da 3ª versão ao DL 268/94 de 25 de Outubro, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, foi incorporado um novo preceito:

Artigo 1.º-A
Assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância

1 - Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência.
2 - Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários, sob pena de a assembleia não poder ter lugar através daqueles meios.

Destarte, o administrador do condomínio pode escolher entre realizar a assembleia dos condóminos presencialmente ou por quaisquer meios telemáticos, dando-se preferência ao uso de tecnologia por som e imagem, excepto se assembleia dos condóminos aprovar a sua realização mediante uma deliberação aprovada por maioria simples. 

Acresce salientar que, caso algum condómino não possua meios que lhe permitam participar nas assembleias telemáticas, deve o mesmo de tal facto, fundamentadamente (cfr. art. 342º CC) e com antecedência, informar o administrador para que lhe providencie os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia dos condóminos não se poder realizar por videoconferência.

Lamentavelmente, não cuidou o legislador de fixar um prazo mínimo a observar pelo condómino, para a feitura da referida comunicação, pelo que, pode e deve: 
(i) o administrador em sede do aviso convocatório alertar para que, se até à fixada data algum condómino não possuir os meios necessários, realizar-se-á aquela presencialmente no local a indicar no mesmo, ou
(ii) a assembleia fazer prever esta situação em sede do regulamento do condomínio.

No entanto, e em bom rigor, se até à data da realização da assembleia, algum condomínio informar - justificadamente - o administrador da impossibilidade de usar os meios telemáticos e não podendo este facultar-lhe no imediato, tais meios, a assembleia não se poderá realizar online, restando a opção presencial, contanto que, se tenha a mesma, devidamente acautelada em sede do aviso convocatório.

1/17/2024

Glossário de latinismos - A


absente reo - Na ausência do réu (quando do julgamento) ou na falta do réu ou do comparecimento de réu.

absolvere debet judex potius in dúbio, quam condenare - Em caso de dúvida, o juiz deve absolver a vítima e não condená-la, optando pela absolvição e não pela condenação. Cf. in dubio pro reo.

ab initio - Desde o começo.

ab intestato - Sem deixar testamento. Diz-se da sucessão sem testamento, ou dos herdeiros que dela beneficiam.

ab origine - Desde a origem; desde o princípio.

abolitio criminis - Abolição do crime.

abusus non tollit usum - O abuso não impede o uso.

accessorium sequitur pricipale - O acessório segue o principa, i.e., subordina-se à quetão principal.

A contrario sensu - Argumento em sentido contrário; resultado de um exercício de raciocínio que conduz a uma conclusão inversa à que se encontra descrita pela letra do texto.

actus curiae neminem gravabit - Um ato do Tribunal, no contexto do processo, não prejudica ning uém.

ad argumentandum tantum - Somente para argumentar.

ad cautelam - Por precaução. De forma a prevenir algum inconveniente.

ad diem - Até o dia. Prazo último para o cumprimento de uma obrigação.

ad hoc - Para isso. Diz-se relativamente a uma pessoa ou coisa preparada para determinada função ou circunstância: secretário ad hoc, tribuna ad hoc.

adhuc sub judice lis est - O processo ainda se acha em poder do juiz. (refere-se a um processo que ainda não foi julgado em última instância).

ad nutum - Segundo a vontade de; ao arbítrio de. Expressão usada relativamente a um ato que pode ser revogado pela vontade de uma das partes. Com maioria de razão.

ad lidem - Na demanda de.

ad probationem - Para fins de prova.

ad quem - Para quem.

ad venira factum roprium - Expressão latina que significa que as partes não podem agir de forma contraditória com o que prometeram.

ad referendum - Para ser referendado

A fortiori (ratione) - Com maioria de razão, com mais forte razão.

a latere - Ao lado.

a limine - Desde o limiar, isto é, desde o começo sem maior exame. Ex. rejeitar uma petição a límine.

alibi - Meio de defesa pelo qual o acusado alega e prova que, no momento do delito, se encontrava em lugar diferente daquele onde ocorreu o crime

altera pars auditur - Necessidade de ouvir a «outra parte».Princípio geral de Direito relacionado com o contraditório, determinando que ambas as partes digam de sua justiça antes de ser proferida uma sentença ou decisão

a maxima (poena) - Em razão de pena exagerada (máxima).

a mínima (poena) - Em razão da pena mínima.

amicus curiae - «Amigo da corte». Usa-se em casos em que uma terceira pessoa é convocada para auxiliar o juiz para definir o veredito. O amicus curiae é uma figura muito comum em casos de grande apelo popular, com cobertura ampla mediáticatradicionais e mobilização considerável.

animus abutendi - Intenção de abusar.

animus furandi - Intenção de roubar.

animus laedendi - Intenção de prejudicar.

animus necandi - Intenção de matar.

apud acta - Nos autos; junto aos autos.

a pari - Pelo mesmo motivo/argumento.

a pari (rationi) - Semelhantemente.

a patre, a matre - Filhos concebidos em adultério, do pai ou da mãe.

A quo - Expressão utilizada para se referir ao Juízo de origem, ou ao juiz ou Tribunal que proferiu uma decisão que está em recurso

ad quem - Termo utilizado em relação ao juiz ou Tribunal para o qual um processo é encaminhado ou que julgará um recurso.

1/16/2024

Impugnação das deliberações da assembleia de condóminos


Tribunal: TRP
Processo: 17683/21.0T8PRT.P1
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Data: 27/06/2022

Sumário:

As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.

Texto integral: vide aqui

Requisitos da providência cautelar de suspensão das deliberações

Tribunal: TRE
Processo: 432/19.0T8PTM.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Data: 26-09-2019

Sumário:

- são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos a invalidade da deliberação, a qualidade de condómino e a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação;
- se se conclui pela não afirmação do dano apreciável em decorrência da execução da deliberação, a pretensão do Requerente soçobra, sem necessidade de apreciação dos demais fundamentos.

Texto integral: Vide aqui

1/12/2024

Resumo projecto de alteração ao regime PH - lei 8/2022


Atenta a importância da última alteração ao regime da propriedade horizontal, replica-se infra o resumo do projecto de alteração ao mesmo, através da lei nº 8/2022 de 10 de Janeiro.

A exposição de motivos do projecto de lei nº 718/XIV/2ª anunciava mudanças significativas e respostas não só ao sector – administradores de condomínio e condóminos – mas também a todos os profissionais que se deparam com questões jurídicas relacionadas com o regime da PH, nomeadamente com a modificação do TCPH, com os procedimentos de cobrança de dívidas, com a responsabilização do administrador do condomínio, com os requisitos de exequibilidade das actas das AG, com a legitimidade processual activa e passiva em sede judicial e com a responsabilidade pelos encargos do condomínio em caso de alienação da fracção autónoma.

O primeiro anseio foi o de criar uma forma de suprir a falta de unanimidade necessária para a alteração do TCPH. Na verdade, segundo o disposto no art. 1419º/1 do CC e salvo a situação contemplada no art. 1422º-A/3 (em que é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas se tal for autorizado pelo TCPH ou pela AG em deliberação aprovada sem oposição) e do disposto em lei especial, o TCPH só pode ser modificado se tal modificação for acordada por todos os condóminos. Ora, a Lei nº 8/2022, de 10/01, veio criar um mecanismo facilitador da alteração do TCPH, quando tal alteração incide sobre partes comuns. Assim, sendo certo que tal alteração continua a carecer do acordo unânime dos condóminos, passará a ser agora possível que a falta de acordo seja suprida judicialmente. Mas tal só será exequível nas seguintes condições: quando os votos representativos dos condóminos que discordam da modificação sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não interfira com as características das respectivas fracções no que concerne às condições de uso, ao valor relativo [1] ou ao fim a que as mesmas se destinem.

Por outro lado, foi evidente a intenção do legislador em terminar com algumas controvérsias pendentes durante largos anos na doutrina e na jurisprudência, como é exemplo a controvérsia sobre a responsabilidade pelas dívidas ao condomínio. Sendo a obrigação de pagamento uma obrigação propter rem, a discussão reside em saber se tais obrigações são ambulatórias ou não, ou seja, se acompanham ou não o direito real ao qual estão intrinsecamente associadas [2]. Com a alteração ao art. 1424º do CC, cuja epígrafe é “encargos de fruição e conservação”, a referida discussão não tem, salvo melhor opinião, razão para continuar a existir, pelo menos nos moldes que até então existia.

Na verdade, o legislador vem agora consagrar que “…as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções”. Não restam, assim, dúvidas de que é sobre quem é proprietário das fracções, no momento das deliberações que aprovam tais despesas e encargos, que reside a responsabilidade pelo pagamento. Por outro lado, o legislador veio também consagrar no novo art. 1424º-A que “a responsabilidade pelas dívidas existentes no momento da alienação da fracção é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada…”, devendo o administrador emitir declaração escrita da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à fracção, bem como das dívidas existentes. Este documento passa, assim, em princípio, a constituir documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado (DPA) de alienação da fracção. Só assim não será se o adquirente declarar expressamente, na escritura ou no DPA, que prescinde de tal declaração do administrador o que, a acontecer, equivalerá à aceitação da responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.

Esta novidade, há muito desejada, originou uma alteração ao Código do Notariado, o qual, no seu art. 54º passou a fazer referência expressa à declaração prevista no art. 1424º, nº 2 do CC, a qual deverá constar do registo predial.

A Lei n.º 8/2022 veio também clarificar aquilo que se deve entender por reparações indispensáveis e urgentes, como sendo aquelas que são necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns, as quais possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no prédio, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas (art. 1427º, nº 2 do CC).

As clarificações não ficaram por aqui e as alterações visaram ainda contribuir para definir regras quanto à legitimidade processual activa e passiva, a qual, como sabemos, fez e faz correr muita tinta quando, em litígios entre condóminos e condomínio, está em causa julgar a excepção dilatória de ilegitimidade e decidir pela absolvição do réu da instância. O art. 1437º cuja epígrafe deixa de ser “legitimidade do administrador” para passar a ser “representação do condomínio em juízo”, consagra que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. A legitimidade, activa ou passiva, é do condomínio, o qual tem como seu representante o administrador que representa a universalidade dos condóminos. Além disso, passou a consagrar-se também que a apresentação de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece da autorização da assembleia de condóminos, devendo ser apresentadas pelo administrador.

Do ponto de vista das AG, definiram-se novas regras as quais respondem às necessidades provocadas por momentos de restrições à circulação de pessoas, como o momento que vivemos. Simplifica-se, assim, a forma de convocar as assembleias e o respectivo funcionamento, a saber:

– Convocatória: para além da carta registada, passa a ser possível convocar a AG por meio de correio electrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em AG realizada anteriormente, devendo tal manifestação de vontade ficar lavrada em acta, com a indicação do respcetivo endereço de correio electrónico. A nova regra impõe ao condómino o dever de enviar recibo de recepção do respectivo email convocatório (art. 1432º);

– Funcionamento: passa a ser possível realizar a AG por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência. Será assim sempre que a administração o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, desde que todos os condóminos tenham condições, por si ou porque a administração do condomínio isso assegurou, para participar na AG por meios de comunicação à distância. Caso contrário, a assembleia terá que ser presencial (art. 1º-A do DÇ nº 268/94 de 25/10).

Quanto às actas das AGs, as regras também foram alteradas da seguinte forma:

– Elaboração e assinatura das actas: as catas são redigidas e assinadas por quem tenha intervindo como presidente nas AG e subscritas por todos os condóminos nelas presentes;

– Menções obrigatórias na acta: deve conter um resumo do que de essencial se tiver passado, a data e o local da realização da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas, com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada. A aprovação da acta é condição de eficácia das deliberações tomadas na respectiva reunião da assembleia de condóminos. Esta regra tem a vantagem de reduzir significativamente, como se espera, as dúvidas acerca da exequibilidade da acta enquanto título executivo para acção executiva para pagamento de quantia certa;

– Assinatura da acta: pode ser efectuada através de assinatura electrónica qualificada [3] ou através assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas;

– Subscrição da acta: vale como subscrição da ata a declaração do condómino, enviada por correio electrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via (art. 1º do DL n.º 268/94, de 25/10);

– Exequibilidade: a acta da reunião da AG é título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, quando tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respectivas obrigações. Além disso, consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio (art. 6º do DL nº 268/94, de 25/10).

Em relação ao administrador, este vê os seus poderes-deveres reforçados com a presente alteração. Desde logo, resulta claro que o administrador deve instaurar a acção destinada a cobrar as quantias em divida pelos condóminos e deve fazê-lo dentro de determinado prazo. Segundo o ar. 6º/5, o administrador deve apresentar a indicada acção judicial no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, não necessitando, por isso, de autorização ou qualquer deliberação da assembleia de condóminos para o fazer, desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil. Só assim não será se a AG deliberar em sentido contrário.

Além disso, o administrador vê as suas funções alargadas no que respeita também à vida corrente do condomínio. É exemplo disso a obrigação de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas e a obrigação de executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação, devendo fazê-lo no prazo máximo de 15 dias úteis ou no prazo que tiver sido fixado para o efeito pela AG.

Incumbe também ao administrador o dever de informar os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou administrativo. Verifica-se, assim, a existência de um reforço dos direitos dos condóminos, a quem assiste o direito de ser informado acerca da existência e do estado dos referidos processos. Na verdade, pelo menos semestralmente, o administrador deve informar os condóminos acerca dos desenvolvimentos de tais processos, salvaguardando-se, obviamente, os que estiverem sujeitos a segredo de justiça e aqueles cuja informação deva ser mantida sob reserva como, por exemplo, os procedimentos cautelares.

Em situações de urgência, o administrador deve intervir, convocando posteriormente e imediatamente uma AG extraordinária para a necessária ratificação da sua actuação.

No que respeita às deliberações relativamente a obras de conservação extraordinária ou obras que constituam inovações, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos 3 orçamentos de diferentes proveniências para a execução das obras. Só assim não será se o regulamento de condomínio ou a AG dispuser de forma diferente.

Finalmente, o legislador veio salientar que o incumprimento das funções por parte do administrador, torna-o civilmente responsável em caso de omissão, sem prejuízo da responsabilidade criminal, caso exista. Na verdade, tal responsabilidade civil e/ou criminal decorreria sempre, como até aqui, da lei civil e da lei penal. A consagração que agora se faz de tais consequências no art. 1436º/3, mais não é do que alertar o administrador e os condóminos para as mesmas, reflectindo, pois, as preocupações de clarificação explanadas na exposição de motivos do projecto de lei que veio originar a Lei nº 8/2022, de 10/01.

Notas:

[1] O valor relativo é expresso em percentagem ou permilagem, tal como é referido no art. 1418º/1 do CC: “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”.

[2] A propósito da controvérsia doutrinal e jurisprudencial remete-se para o artigo intitulado “A quem deve a Administração do Condomínio exigir o pagamento no caso de aquisição/alienação de fracções autónomas mantendo o alienante dívidas para com o Condomínio?” de Pedro Gonçalves, Rosa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes, publicado na Revista Jurídica Portucalense Law Journal n.º 18, Porto, 2015, in file:///C:/Users/marcia.passos/Downloads/7493-Texto%20do%20Trabalho-23135-1-10-20160201.pdf

[3] O regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital foi aprovado pelo DL nº 290-D/99, de 02/08, para o qual se remete, para os devidos efeitos. Além disso, reveste idêntico interesse para consulta o DL nº 12/2021, de 09/02 que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno.

1/10/2024

Alterações ao regime da PH - art. 1424º e 1424-A - III


4. A NOVIDADE DO ARTIGO 1424º-A, Nº 1 E 2 
 
Nos termos do art. 1424º-A/1 do CC, actualmente a escritura ou o documento particular autenticado de alineação da fracção tem de ser instruída com a declaração emitida pelo administrador da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio, em vigor relativamente à fracção, com especificação da sua natureza, respectivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respectiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento (28). 
 
De acordo com o nº 2 do citado artigo, o alienante antes da alienação terá de requerer ao administrador a dita declaração, que este emitirá no prazo máximo de 10 dias, e que será um documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado de alienação da fracção em causa (salvo o disposto no nº 3). Esta declaração, por um lado terá de descrever todas as obrigações inerentes ao condomínio no que concerne aos encargos e por outro lado terá de conter as obrigações reais vencidas e não vencidas. 
 
Pretendeu assim, o legislador com esta imposição assegurar que o adquirente tome conhecimento das suas obrigações, enquanto condómino. Preocupante parece-nos o constante do art. 1424º-A/3 do CC que consigna que será civilmente responsável o administrador de condomínio se não emitir a declaração, não a emitir a atempadamente, ou não a emitir de forma exacta e completa. Na verdade, a imposição desta obrigação e as consequências advenientes do seu incumprimento, farão com que muitos condóminos venham a recusar assumir o cargo de administrador, com receio de não conseguirem cumprir de forma adequada a sua obrigação e incorrerem em litígios judiciais indesejáveis. 
 
Julgamos que, sendo o negócio realizado entre o alienante e o adquirente da fracção, deveria ser o alienante, ao abrigo do princípio da boa-fé, a fornecer as informações constantes da dita declaração e não o administrador, que não é sequer um dos contratantes. Por outro lado, esta solução legal provocará uma crescente profissionalização da administração de condomínio, que penalizará os pequenos edifícios, com encargos crescentes. 
 
Tal como anteriormente se referiu, é responsável pelo pagamento das dividas, o proprietário da fracção no momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas, mas de forma surpreendente, o art. 1424º-A/3 estabelece que se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fracção, que prescinde da declaração do administrador, aceitará, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor para com o condomínio. 
 
Temos dificuldade em aceitar esta solução como equilibrada e correcta. Isto significa que na sequência de tal declaração, o adquirente irá assumir a responsabilidade pelo pagamento de serviços e despesas dos quais não beneficiou, nem irá beneficiar (29). 
 
Para além disso, o regime do direito das obrigações em geral, particularmente quanto à transmissão singular de dívidas - art. 595º e ss. do CC (assunção de dívida) que exige a intervenção do credor ratificando ou intervindo contratualmente - é aqui preterido, sendo uma alteração que retira coerência e unidade ao sistema jurídico. 
 
5. A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 6º, Nº 5 DO DL 268/94 ALTERADO PELA LEI 8/2022 
 
O artigo 6º nº 5 do DL 268/94 com a redacção que lhe foi dada pela lei 8/2022 de 10 de Janeiro pretende “obrigar” o administrador a cobrar os créditos do condomínio, fixando-lhe para tal um prazo de 90 dias, a partir do primeiro incumprimento. No entanto, mais uma vez, a sua redacção não nos parece a mais feliz, levantando-se dúvidas interpretativas, senão vejamos: consta do referido nº 5 que “A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil”. 
 
Ora, o legislador pretende impor duas condições cumulativas para que o administrador não tenha de interpor a acção, nomeadamente a existência deliberação e estar perante dívidas de pequeno valor. A exigência de duas condições cumulativas parece resultar da utilização do “e”? Ou pelo contrário, basta estarmos perante uma dívida de pequeno montante para o administrador não esteja obrigado a intentar a acção? De igual forma, se existir apenas a deliberação da Assembleia já não será o administrador obrigado a intentar acção, independentemente do valor do crédito? 
 
Na verdade, parece que o legislador terá tido a intenção de obrigar o administrador a intentar acção judicial no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, sem necessidade de qualquer autorização da Assembleia, quando que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil. 
 
O administrador só não estará obrigado a fazê-lo quando a Assembleia deliberar no sentido da não cobrança judicial. Assim o refere Márcia Passos, uma das autoras do Projecto de Lei 718/XIV/2 (30). Se esta foi a intenção de legislador parece-nos que a redacção do nº 5 do art. 6º do DL 268/94 deveria ter sido outra, pelo que deveria ter constado: A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos. 
 
Em conclusão se dirá que, a interpretação do pensamento legislativo que parece mais adequada, será no sentido de que:
 - Se o administrador se deparar com um primeiro incumprimento superior a 90 dias, de valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, não está obrigado a intentar acção judicial; 
- Estando perante valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, só poderá intentar a competente acção se a assembleia deliberar nesse sentido, conferindo-lhe poderes para o efeito. 
- Se a dívida for superior ao valor indexante de apoios sociais do respectivo ano civil e se o primeiro incumprimento do condómino for superior a 90 dias, não só o administrador não necessita de deliberação ou autorização, como estará obrigado a intentar acção (salvo deliberação da Assembleia no sentido da não cobrança).

6. CONCLUSÃO 
 
Da análise que fizemos às alterações introduzidas nas normas referidas, cumpre salientar em conclusão que não nos parece necessária, nem feliz a alteração efectuada ao art. 1424º/1 do CC tanto mais que esta norma já definia quem era o responsável pelo pagamento das despesas condominiais, embora não o fizesse em caso de alienação. 
 
Acresce que, a redacção constante do art. 1424º/1 do CC, encontra-se em contradição com os nº 3 e 4 do art. 1424-A, o que veio provocar dúvidas quanto à sua interpretação, que poderão fomentar a litigiosidade dentro e fora dos tribunais. Não podemos afirmar que o nº 1 do art. 1424º estabelece a regra, e que o nº 3 e 4 do art. 1424º-A, contêm uma excepção, uma vez que o art. 1424º/1 do CC e o art. 1424º-A nº 3 e 4 tratam agora da mesma questão de saber quem será o responsável pelo pagamento das dívidas ao condomínio, em caso de alienação. 
 
De qualquer forma, o art. 1424º-A do CC vem estabelecer que a responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas (nº 3) e os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fracção, são da responsabilidade do novo proprietário (nº 4). 
 
Neste sentido, em caso de alienação da fracção, resulta que o adquirente só será responsável pelo pagamento das dividas condominiais que se vençam após a sua aquisição. Foi assim abandonada a doutrina e a jurisprudência dominante que efectuavam uma análise casuística tendo em atenção a clássica relação entre a obrigação de cumprimento e o gozo da coisa, o que permitia uma solução justa e equilibrada. No entanto, em abono da verdade, a solução legal ao terminar com a análise casuística permite uma maior segurança e certeza na aplicação do direito. 
 
O constante do art. 1424º-A/3 do CC consigna que será civilmente responsável o administrador de condomínio se não emitir a declaração, não a emitir atempadamente, ou se a emitir de forma inexacta e incompleta. A imposição desta obrigação e as consequências advenientes do seu incumprimento, farão com que muitos condóminos venham a recusar assumir o cargo de administrador, provocando uma maior profissionalização da administração de condomínio e um aumento de despesa para os condóminos. 
 
É responsável pelo pagamento das dividas, o proprietário da fracção no momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas, mas o art. 1424º-A/3 estabelece que se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fracção, que prescinde da declaração do administrador, aceitará, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio. 
 
Temos dificuldade em aceitar esta solução como equilibrada e correcta. Isto significa que o adquirente irá suportar o pagamento de serviços e despesas dos quais não beneficiou, nem irá beneficiar. Acresce que a punição sofrida pelo facto de não ter pedido uma declaração – suportar o pagamento de dívida alheia - não se mostra adequada, nem razoável. No que diz respeito ao art. 6º, nº 5 do DL 268/94 com a redacção que lhe foi dada pela Lei 8/2022, podemos concluir que se administrador se deparar com um primeiro incumprimento superior a 90 dias, de valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, não está obrigado a intentar acção judicial. 
 
Por outro lado, estando perante valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, só poderá intentar a competente acção se a assembleia deliberar nesse sentido, conferindo-lhe poderes para o efeito. Por fim, como já se referiu, se a dívida for superior ao valor do indexante de apoios sociais do respectivo ano civil e se o primeiro incumprimento do condómino for superior a 90 dias, não só o administrador não necessita de deliberação ou autorização, como estará obrigado a intentar acção (salvo deliberação da Assembleia no sentido da não cobrança).
 
Notas:

28 Em consonância foi alterado o Código do Notariado - art. 54º/3:” Os instrumentos pelos quais se partilhem ou transmitam direitos sobre prédios, ou se contraiam encargos sobre eles, não podem ser lavrados sem que se faça referência à declaração prevista no nº 2 do art. 1424º-A do CC, sem prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo artigo.” 
29 Veja-se a este propósito, Margarida Costa Andrade na exposição de 4/5/2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5/9/2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY
30 Assim o refere Márcia Passos, uma das autoras do Projecto de Lei 718/XIV/2 - https://observatorio.almedina.net/ index.php/2022/01/13/propriedade-horizontal-resumo-das-alteracoes-ao-regime-lei-n-o-8-2022-10-01/. Consultado em12/05/2022

1/02/2024

Alterações ao regime da PH - art. 1424º e 1424-A - II


3. ANÁLISE DA QUESTÃO DA AMBULATORIEDADE DAS OBRIGAÇÕES CONDOMINIAIS
 
Para melhor enquadramento da problemática em análise é essencial analisarmos e percebermos uma questão que vinha sendo trabalhada pela doutrina e jurisprudência e que pretendia responder à questão de saber, se as obrigações relacionadas com os encargos de condomínio, se transmitem ou não ao novo titular do direito real. Neste sentido, para tentarmos analisar esta alteração legislativa torna-se necessário abordar a questão da ambulatoriedade das obrigações condominiais, no que concerne aos encargos, nomeadamente aferir se estas obrigações se transmitem, ou não, para o novo titular do direito real. 
 
Diga-se que as obrigações serão ambulatórias quando se transmitem com o direito real, passando a onerar o seu titular. Ora, no passado discutia-se, se em caso de transmissão do direito de propriedade, a obrigação de pagamento era sempre ambulatória, ou não. Uma parte da doutrina defende que se trata de obrigações reais ou propter rem (4) e em consonância, a obrigação acompanha sempre o direito real. De acordo com esta orientação, o condómino que adquirisse o direito de propriedade seria responsável pelo pagamento não só dos encargos que se vencessem após a sua aquisição, mas também por aqueles que se tenham vencido antes e que não se encontrassem ainda liquidados. 
 
Para José Alberto Vieira, a fonte da obrigação propter rem é o direito real, pelo que havendo transmissão do direito real, a obrigação propter rem irá incidir sobre o novo titular. Neste sentido, “a transmissão do direito real exonera o transmitente do dever de prestar, fazendo-o recair no novo adquirente. E isto, mesmo em relação a dívidas vencidas” (5). Também Alessandro Natucci (6) defende o carácter ambulatório das obrigações reais. Este autor defende a obrigação propter rem é uma obrigação do proprietário, ou do titular de outro direito real ou até apenas do possuidor, transmitindo a quem vier a ocupar essa posição jurídica. 
 
A outra parte da doutrina que julgamos ser maioritária, encabeçada por Henrique Mesquita, defende que se deve avaliar cada situação, em concreto (7): - As obrigações de facere (8), “que imponham ao devedor a prática de actos materiais na coisa (9) “serão ambulatórias, transmitindo-se por isso para o novo titular do direito real. Tal como refere Henrique Mesquita é o caso do usufrutuário que vendeu o seu direito de usufruto quando o edifício necessitava de reparações ordinárias indispensáveis para a sua conservação (art. 1472º do CC). Aqui o adquirente tem de realizar as obras porque a “obrigação resulta directa e imediatamente, da aplicação do estatuto do direito à situação em que a coisa objectivamente se encontra” (10); - As obrigações de dare, isto é, as obrigações cuja prestação consiste na entrega de uma coisa, serão não ambulatórias, sendo devidas pelo titular do direito real, no momento em que surgissem (11). 
 
É o caso do condómino que suporta mensalmente o pagamento da quota de condomínio tendo em vista a conservação e a fruição das partes comuns. Henrique Mesquita (12) refere que se estivermos perante prestações em atraso, relativas a despesas normais não será justo fazê-las recair sobre o adquirente da fracção porque o adquirente não dispõe de elementos objectivos que relevem a existência de dívidas (13) e também porque estamos perante uma contrapartida de um uso ou fruição das partes comuns do edifício de que o alienante beneficiou, pelo que deverá ser este a suportar o seu pagamento. No entanto, aqui existe uma excepção dado que seriam ambulatórias as obrigações de dare “que se encontrem objectivados na coisa sobre o que o direito real incide”,(14) sendo aqui o adquirente o responsável pelo pagamento. 
 
Adoptando um exemplo de Henrique Mesquita, se estivermos perante uma reparação de um telhado danificado numa tempestade da qual o alienante não irá beneficiar deverá ser o adquirente a suportar o seu pagamento (15). Na verdade, se o administrador de condomínio contrata um empreiteiro para reparar o telhado, mas antes de ser efectuado o pagamento, um dos condóminos vende a sua fracção, a obrigação propter rem já havia nascido antes da venda. No entanto, esta obrigação deve transmitir-se para o novo proprietário, porquanto o alienante não terá nenhum benefício com a mesma, o mesmo não acontecendo com o novo proprietário que gozará da obra e por isso mesmo, deverá suportar o seu custo, tanto mais que o adquirente objectivamente dispunha de elementos para conhecer a despesa que existia. 
 
Do ponto de vista jurisprudencial existem acórdãos de sentido oposto, no que diz respeito à questão de saber quem é o responsável pelo pagamento das dívidas de condomínio: o alienante ou o adquirente. Tal como consta do Acórdão do TRP de 16-12-1997, que tem como relator Manuel Domingues Fernandes referente ao processo n.º 9720870, existem duas correntes opostas (16): “- A primeira tem entendido que, apesar de se tratar de típicas obrigações propter rem, não têm uma das suas características definidoras, que é a ambulatoriedade. Comportam as obrigações que decorrem do uso normal do bem, em que o pagamento do condomínio é a contrapartida disso, de forma a fazer face às despesas com a limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração. O mesmo não sucede com as obrigações que implicam melhorias, alterações ou reparações, em que é o novo proprietário a tirar proveito delas, mesmo tendo sido o anterior proprietário a deliberar e aprovar as mesmas em assembleia de condóminos;- A segunda, por seu turno, entende que toda e qualquer obrigação propter rem tem como característica a ambulatoriedade. É essa, até, a sua principal característica, a par da sua titularidade ser definida pela titularidade do direito real.” 
 
No âmbito da primeira corrente jurisprudencial, que é largamente dominante, podemos citar o STJ referente ao Proc 10076/03.3TVLSB.L1.S1 de 08- 06-2017 (17) que no fundo adopta a posição de Henrique Mesquita: “As obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação. As prestações de dare previstas nos artigos 1411º/1 e 1424º/1 do CC destinadas a um fundo de maneio, na base de uma mera estimativa, tendo em vista a futura reparação da fachada de imóvel (benfeitoria necessária) constituído em propriedade horizontal que se vencerem depois da venda do imóvel, não são, em princípio, da responsabilidade do alienante. Podem, no entanto, verificar-se situações em que não deva considerar-se o subadquirente obrigado ao pagamento das prestações vencidas após a venda, considerando o montante do valor a pagar, o prazo de pagamento e a ausência de conhecimento relativamente à deliberação, anterior à aquisição da fracção pelo novo consorte, que fixou o montante a pagar para fundo de maneio, salvo sempre nova deliberação da assembleia que o vincule.” 
 
Também o Ac. do TRP referente ao Proc. 2332/20.2T8PNF.P1, de 09/06/2021 (18) relaciona a obrigação de pagamento com a fruição: “No caso de prestações destinadas a custear as despesas do edifício constituído em propriedade horizontal, em caso de alienação de fracção, as mesmas representam uma contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício), devendo ser pagas pelo alienante ou pelo adquirente que delas usufrua efectivamente, independentemente da data da sua aprovação em assembleia de condóminos”. 
 
Por sua vez, se estivermos perante despesas relativas à conservação das partes comuns, o TRP (19) entende que deveremos efectuar uma análise casuística, em consonância com a doutrina de Henrique Mesquita. Se estivermos perante reparações que não se encontram ainda executadas ou não concluídas, os respectivos encargos, deverão ser suportados pelo adquirente, pois este tinha ao seu dispor objectivamente, não só os elementos que lhe permitiam conhecer a existência da obrigação acrescendo que será ele que irá retirar o proveito das mesmas. Se as reparações já estiverem concluídas, como o adquirente não dispõe de elementos objectivos que indiciem a existência da obrigação o encargo deverá ser suportado pelo alienante. 
 
O mesmo sucede com o Ac. do TRL referente ao Proc. nº 14836/14.1T8LSB.L1 de 14-09-2017 (20): “A obrigação de pagamento das despesas de condomínio, correspondentes a prestações ordinárias e de vencimento periódico, destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar o normal funcionamento do condomínio, não deve, em regra, transmitir-se para o novo adquirente de determinada fracção, não sendo justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diverso – por outra pessoa (o anterior proprietário), que foi quem fruiu da fracção durante o período que originou as despesas em causa, pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento (21).” 
 
No mesmo sentido, o Acórdão do TRE a referente ao Processo 8632/15.6T8STB--A.E1, de 07-06-2018 (22) decidiu que “Tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção”. 
 
Igualmente representativo é o Ac. do TRL referente ao Proc. 364/2006-6 em que foi Relator Pereira Rodrigues, de 02-02-2006 (23), em que se refere que: “Tem entendido a doutrina Henrique Mesquita in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, RDES, XXIII, 130 e jurisprudência Ac. da RL de 14.12.2004, in Cj, 2004, V, 117 e ss. que esta obrigação de contribuir para estas despesas das partes comuns é uma típica obrigação propter rem. Este tipo de obrigação define-se como “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa ”Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, Reprint, 366-367. 
 
A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em PH é, assim, uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da facção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efectuar para a realização das aludidas obras. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respectiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fracção. 
 
Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fracção de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular. E este entendimento é o que parece mais razoável em face de quem tira proveito do gozo do bem. Assim, no que concerne ao alienante, não se justifica que ele tenha de contribuir para uma despesa de que nenhum proveito lhe poderá advir, uma vez que deixou de usufruir do gozo do prédio. Porém, já parece inteiramente justificável que o adquirente se sujeite ao pagamento de uma despesa de que ele irá de futuro ter benefício. 
 
Abra-se um parêntesis para referir, de acordo com a doutrina e jurisprudência acima aludidas, que deve considerar-se como não “ambulatória”, apesar de obrigação “propter rem”, a obrigação que recai sobre cada condómino de contribuir periodicamente, por regra mensalmente, com uma prestação pecuniária para as despesas do condomínio, por se tratar de prestações que são devidas como contrapartida da fruição das partes comuns, pelo que seria ilógico e infundado fazer recair sobre o adquirente da fracção o pagamento de prestações em atraso e da responsabilidade do alienante”. 
 
No âmbito da segunda corrente jurisprudencial, o Ac. do TRG referente ao Proc. 1521/20.4T8GMR-A.G1, em que foi relator Eduardo Azevedo, de 08/04/2021 (24) veio decidir que a obrigação de pagamento de obras de conservação do telhado e fachadas, já aprovadas à data da transmissão da fracção se transmitem ao novo proprietário não tendo ainda sido realizadas. Para fundamentar tal decisão invoca a fundamentação atinente à segunda corrente doutrinal: ”A resposta à questão colocada está longe de ser pacífica, mas, face ao exposto, perfilha-se a seguinte conclusão: no caso da alienação de frcações com dívidas ao condomínio, este, para reaver o seu crédito coercivamente deve, em princípio, intentar uma acção executiva contra o adquirente da fracção em questão, pois estamos perante uma típica obrigação propter rem e, por isso, ambulatória. Só assim se concretiza uma correta interpretação das normas jurídicas e se prevê o equilíbrio das posições de todos os interessados. Como salienta José Alberto C. Vieira, para quem a transmissão do direito real implica a transmissão da obrigação real “Se a fonte da obrigação propter rem é o direito real, o titular respectivo está investido no dever de a cumprir, mesmo que eventualmente haja adquirido o direito após o vencimento da mesma”. 
 
Ora, da análise realizada podemos afirmar que a orientação que foi adoptada maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, correspondente ao pensamento de Henrique Mesquita, na qual se concede enfase à relação entre a obrigação de pagamento e a fruição. Sucede que esta relação entre o proveito e a responsabilidade do pagamento das despesas não foi acolhida pelo legislador, com a Lei 8/2022 de 10 de Janeiro. O legislador impõe agora a obrigação de pagamento a quem é proprietário da fracção no momento do vencimento da obrigação. Verifica-se que deixou de existir a clássica relação entre a obrigação de cumprimento e o gozo da coisa, o que não nos parece justo e coerente (25). 
 
A redcação constante do art. 1424-A, nº 3 e 4 do CC impõe que se o alienante já gozou a obra, mas a obrigação de pagamento só se venceu após a transmissão do direito de propriedade será o adquirente a suportar o seu pagamento. Se a alienação ocorrer depois do vencimento da obrigação será sempre quem aliena o direito de propriedade, o responsável pelo pagamento, mesmo que a obra ainda não tinha sido realizada, revertendo a favor de quem adquiriu (26). 
 
Foi assim afastada a análise casuística que vinha sendo realizada, por parte significativa da doutrina e da jurisprudência, como já se referiu. Por outro lado, como o art. 1424º/1 do CC não respondia à questão da ambulatoriedade, parece que o legislador pretendeu extinguir a controvérsia existente. De realçar que, de qualquer forma, fica de ora em diante fixado legislativamente quem é o responsável pelo pagamento da dívida ao condomínio, evitando-se deste modo, a análise casuística que poderia ser potenciadora de decisões judiciais contraditórias, ou aparentemente contraditórias, o que não deixa de ser positivo tendo em vista a certeza e a segurança na aplicação do direito. Diga-se que a questão de saber quem é que gozava da coisa e por tal motivo seria o responsável pelo pagamento, nem sempre era de fácil resposta (27).

Notas:

3 Neste sentido, Margarida Costa Andrade na sua brilhante exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY 
4 Refere José Alberto Vieira, a propósito de conceito situação jurídica propter rem que nelas o sujeito passivo da obrigação surge determinado pela titularidade do direito real. Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 103. 
5 José Alberto C. Vieira Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 109. 
6 Alessandro Natucci La Tipicitá dei Diritti Reali, 2 Vols, Pádua, Cedam, 1982 e 1985, pag. 119, citado por Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 23. 
7 Luis A. Carvalho Fernandes refere que aceita a solução proposta por Henrique Mesquita nesta matéria. Fernandes, Luís A. Carvalho, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, Lisboa, 6ª Edição (atualizada e revista), 2009, pág 188. 
8 Antunes Varela, a propósito da prestação de coisa distingue as obrigações de dare, facere e non facere:” As duas últimas (facere e non facere) correspondem às prestações de facto (positivas e negativas); as primeiras, à actual prestação de coisa”. Antunes Varela, João de Matos, “Das Obrigações em Geral, Vol I, Coimbra Editora, Coimbra, 10º Edição, 2005, pág 87. 
9 Tal como refere Rui Pinto Duarte, as obrigações serão ambulatórias quando se transmitem com o direito real, Pinto Duarte, Rui, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 23 e 23.
10 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s 330 a 332. 
11 Refere a este propósito Henrique Mesquita que “aquilo que na lei se estabelece (…) não é que os condóminos são obrigados a conservar as partes comuns do edifício (hipótese em que se trataria de uma obrigação de facere), mas sim que devem contribuir, proporcionalmente ao valor das respetivas frações autónomas para as despesas necessárias à prática de qualquer ato conservatório (obrigação de dare)”. Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s 319 a 320. Também Antunes Varela e Pires de Lima referem que “Devedor, neste caso é quem for titular da compropriedade na altura em que a despesa se torna necessária e enquanto a necessidade estiver por satisfazer. Uma vez, porém, que a obra seja efetuada, por iniciativa de qualquer dos consortes, ou que os consortes tomem uma deliberação nesse sentido, a obrigação fixa-se na pessoa daqueles que são comproprietários nesse momento (…). Mesmo que algum dos consortes transmita entretanto a sua quota a estranhos, antes da haver cumprido a sua obrigação de comparticipação, esta já não se transmite ao adquirente da quota (Varela, Antunes, de Lima, Pires, Código Civil Anotado, Vol III, 2ª edição revista e atualizada (reimpressão), 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 385). 
12 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág. 321 e 322. 
13 No mesmo sentido Sandra Passinhas - A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina Coimbra, 2ª Edição, 2009, pag. 319 e ss. 
14 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág. 336. 
15 A este propósito refere Henrique Mesquita que “o mais razoável, porém, face aos princípios que regem os direitos reais e ponderados os interesses em jogo, é, também neste caso, fazer recair a dívida sobre o adquirente da fracção autónoma. Começaremos por observar que o titular de qualquer direito real está sujeito às vinculações e gravames decorrentes do respectivo estatuto e, pelo que toca à hipótese de que nos ocupamos, este estatuto diz que cada condómino deve contribuir, em proporção do valor da respectiva fracção autónoma, para as despesas de conservação das partes comuns do edifício. Ora, carecendo o telhado do prédio, à data da transmissão da fracção autónoma, de obras de reparação, o adquirente não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito. A transmissão da obrigação, por conseguinte, não o colhe de surpresa. É um efeito jurídico com que ele devia contar, pois decorre directa e imediatamente da aplicação da lei às condições objectivas ou materiais em que o edifício se encontrava à data da alienação. Por outro lado, o mais natural é que, na fixação contratual do preço da fracção alienada, tenha sido tomada em linha de conta a circunstância de uma parte comum do edifício carecer de reparações que iriam originar um encargo para o adquirente, na parte proporcional à sua participação no condomínio. Nenhuma razão se divisa, portanto, para que a obrigação propter rem não vincule o adquirente da fracção autónoma e para que o alienante não fique dela liberto” Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s. 319, e 342. Rui Pinto Duarte defende que os critérios de Henrique Mesquita “podem ser tomados como indiciários, Assim são tendencialmente ambulatórias as obrigações cujo cumprimento implique a titularidade do direito real, como é o caso, por exemplo, da obrigação de um condómino de destruir obras ilícitas; são tendencialmente não ambulatórias aquelas cujo cumprimento não implique essa titularidade, como é o caso da obrigação dos condóminos de contribuírem para as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum”. Pinto Duarte, Rui, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 24, 25. Ac. da Relação do Porto de 16-12-1997, que tem como relator Manuel Domingues Fernandes referente ao processo n.º 9720870, acedido em www.dgsi.pt em 15/07/2022 
17 Ac. do STJ referente ao Proc 10076/03.3TVLSB.L1.S1 em que foi Relator Salazar Casanova de 08-06-2017, acedido em www.dgsi.pt em 11/07/2022. Veja-se também Ac. do STJ, referente ao Proc. 07B577, em que foi relator Pereira da Silva de 17-04-2007, acedido em www.dgsi.pt em 27/07/2022. 
18 Ac. do TRP referente ao Proc. 2332/20.2T8PNF.P1, em que foi relator Fernanda Almeida de 09/06/2021, acedido em www.dgsi.pt em 15/07/2022. 
19 Ac. do TRP referente ao Proc. 99/18.3T80VR-A.P1 em que foi relator Manuel Domingues Fernandes de 09-03-2020 acedido em www.dgsi.pt , em 25/07/2022, de cujo sumário consta: “I - A obrigação de pagamento das despesas com partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal constitui uma típica obrigação propter rem. II- Todavia, a sua natureza ambulatória ou não ambulatória nem sempre se apresenta com a mesma linearidade.III- Assim, quando se trate de despesas relativas à conservação das partes comuns (conservação das coberturas fachadas etc.) do edifício, importa distinguir se as reparações estavam ou não executadas e concluídas à data da alienação da fracção. IV- No primeiro caso (reparações ainda não executadas ou não concluídas) o encargo das respectivas despesas, na proporção respectiva, deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo adquirente, pois que, dispunha objectivamente de todos os elementos para se aperceber da existência da obrigação, além de que será ele a retirar proveito do gozo do bem ao qual foi incorporada aquela beneficiação. V- No segundo caso (reparações já executadas e concluídas) o encargo deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo alienante, pois que, o adquirente não dispõe agora de quaisquer elementos objectivos que indiciem ou denunciem a existência da obrigação.” 
20 Ac. do TRL referente ao Proc. n.º 14836/14.1T8LSB.L1 em que foi Relator Carlos Marinho de 14-092017 acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022. 
21 Veja-se também no mesmo sentido; Ac. do TRLa referente ao Proc. 20315/19.3T8SNT-B.L1-2 em que foi relator Carlos Castelo Branco de 09/09/2021, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022; Ac. do TRL referente ao Proc. 6642/17.8T8FNC.L1-8 em que foi relator Tereza Prazeres Pais, de 29/11/2018, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022; Ac. do TRL referente ao Proc. 17191/07.2YYLSB-B.L1-6, em foi relator Anabela Calafate, de 13-03-2014, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022. 
22 Ac. do TRE referente ao Processo 8632/15.6T8STB-A.E1 em que foi Relatora Conceição Ferreira de 07-06-2018 acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022. 
23 Acórdão do TRL referente ao Proc. 364/2006-6 em que foi Relator Pereira Rodrigues, de 02-02-2006, acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022.
24 Ac. do TRG referente ao Proc. 1521/20.4T8GMR-A.G1, em que foi relator Eduardo Azevedo, de 08/04/2021, acedido em www.dgsi.pt em 27/07/2022. 
25 Veja-se Margarida Costa Andrade na sua exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https:// www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY 
26 Concordamos com a opinião expressada por Margarida Costa Andrade na exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY
27 Sobre esta temática veja-se, Miguel Assis Raimundo - Responsabilidade do adquirente de fracção autónoma por prestações de condomínio já vencidas. Cadernos de Direito Privado n.º 26, abril/junho 2009;

Alterações ao regime da PH - art. 1424º e 1424-A - I


Atenta a importância do tema, sou de replicar o artigo «Alterações ao regime da propriedade horizontal, no âmbito dos encargos de condomínio, decorrentes da Lei 8/2022 - Análise de algumas questões, da autoria de Miguel Dinis Pestana Serra - miguelserra@ipcb.pt; Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova do Instituto Politécnico de Castelo Branco e Instituto Superior de Contabilidade de Administração do Instituto Politécnico de Coimbra, Advogado. Investigador do Instituto Jurídico Portucalense e do Coimbra Business School - Research Centre (CBS-RC).
 
Resumo

Aborda-se no presente algumas questões que decorrem das alterações ao regime da propriedade horizontal introduzidas pela Lei 8/22 de 10 de Janeiro, circunscrevendo-se este artigo à análise de três questões essenciais: em primeiro lugar, procura-se determinar a quem compete o pagamento ao condomínio das despesas que sejam devidas. 
 
Será analisada a lei, a doutrina e jurisprudência anteriores, com enfase na questão da ambulatoriedade das obrigações condominiais, efectuando um confronto com a redacção actual da lei. Em segundo lugar, aborda-se a novidade constante do art. 1424º–A do CC, nomeadamente a obrigatoriedade de a escritura ou o documento particular autenticado de alineação da fracção ter de ser instruída com uma declaração emitida pelo administrador de condomínio da qual constem os elementos previsto no nº 1 da citada norma legal. Por fim, interpreta-se o art. 6º/5 do DL 268/94 de 25 de Outubro com a redacção que lhe foi dada pela Lei 8/2022 referente ao dever do administrador promover a cobrança judicial dos créditos do condomínio, fixando-lhe para tal, um prazo de 90 dias a partir do primeiro incumprimento.

1 INTRODUÇÃO 
 
No âmbito das alterações ao regime da PH operadas através da Lei 8/2022 de 10 de Janeiro foram alterados diversos artigos do CC, tendo mesmo sido acrescentado um novo artigo (art. 1424º-A). Foi também revisto o DL 268/94 de 25 de Outubro que regulamenta a PH (de forma significativa a ponto de o diploma ter sido republicado), assim como o art. 54º do Código do Notariado. 
 
Será oportuno analisar algumas das alterações operadas no âmbito dos encargos de condomínio, dado que a redacção conferida pelo legislador aos art. 1424º e 1424º-A do CC, e art. 6º, nº 5 do DL 268/94 suscita dúvidas interpretativas, e por outro lado pretende-se investigar se as soluções adoptadas serão as mais adequadas. Desta forma, procura-se responder a quem compete o pagamento ao condomínio das despesas que sejam devidas, face à lei actual (Lei 8/2022 de 10 de Janeiro). 
 
No âmbito da investigação efectuada analisa-se a lei, a doutrina e jurisprudência anteriores, com enfase na questão da ambulatoriedade das obrigações condominiais, confrontando-as com a redacção actual da lei. Na verdade, embora a lei estabelecesse que era o condómino o responsável pelo pagamento das despesas de condomínio, não consignava quem tinha a responsabilidade de pagar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, em caso de transmissão da propriedade da fracção: o anterior ou o novo proprietário? 
 
A resposta a esta questão tinha sido construída pela doutrina e jurisprudência, tendo agora sido definida pela lei, solução diversa da adotpada pela maioria da doutrina e jurisprudência. 
 
Posteriormente, aborda-se a novidade constante do art. 1424º-A, nº 1 e 2 do CC, nomeadamente a obrigatoriedade de a escritura ou o documento particular autenticado de alineação da fracção, ter de ser instruída com uma declaração emitida pelo administrador de condomínio da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à sua fracção, com especificação da sua natureza, respectivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respectiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento. 
 
Procura-se perceber a razão de ser do nascimento desta obrigatoriedade e quais os seus aspectos positivos e negativos. 
 
Por fim, analisa-se o art. 6º/5 do DL 268/94 com a redacção que lhe foi dada pela Lei 8/2022 que obriga o administrador a cobrar os créditos do condomínio, estabelecendo um prazo de 90 dias a partir do primeiro incumprimento, para o efeito, o que também constitui uma novidade, tendo sido conferida a esta norma legal uma redacção que também suscita algumas dúvidas, como se verá.

2. A QUEM COMPETE O PAGAMENTO AO CONDOMÍNIO DAS DESPESAS QUE SEJAM DEVIDAS – ART. 1424º E 1424º-A, N.ºS 3 E 4 DO CC
 
Com a Lei 8/2022 passou a constar do art. 1424º do CC que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções”. 
 
Resulta da leitura deste artigo em singelo, que o legislador veio agora estabelecer que o condómino que seja proprietário no momento das deliberações é quem tem a responsabilidade de pagar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum. Isto parece significar, que o legislador neste artigo pretendeu estabelecer temporalmente quem é o responsável pelo pagamento das despesas ao condomínio. 
 
Neste sentido, resulta que, por exemplo, tendo sido deliberado o pagamento das quotas de condomínio no valor de X de Janeiro a Dezembro, será responsável pelo pagamento das mesmas quem era proprietário no momento da deliberação. Mas se a fracção for alienada em Março será o anterior proprietário, o responsável pelo seu pagamento até Dezembro? A verdade é que o legislador introduziu o novo art.º 1424º-A do CC, que nos seus nº 3 e 4 define quem é o responsável pelo pagamento ao condomínio das despesas devidas quando ocorra transmissão da fracção e a solução que o legislador aí fez constar, contradiz o exemplo por nós anteriormente invocado e aparentemente a redacção do art. 1424º/1 do CC. 
 
O nº 4 do art. 1424º-A do CC vem agora estabelecer que “Os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fracção, são da responsabilidade do novo proprietário.” Deste modo é o proprietário da fracção, que o seja no momento em que se vençam os encargos ao condomínio, o responsável pelo seu pagamento. Se existe uma transmissão do direito de propriedade em Março, as quotas que se vencerem daí em diante são da responsabilidade do novo proprietário. 
 
Por sua vez, a primeira parte do nº 3 do art. 1424º-A do CC consigna em consonância com o nº 4 do mesmo artigo que “a responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas (…)”. O art. 1424º do CC na redacção anterior à Lei 8/2022 estabelecia uma regra, segunda a qual, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”. 
 
Diga-se que, a questão de saber quem tem obrigação de pagar o encargo ao condomínio, anteriormente deliberado, mas em que só mais tarde surge a obrigação de pagamento e existindo transmissão do direito de propriedade antes da obrigação nascer, não era propriamente respondida por este artigo - nem objetivamente por qualquer outro, como já se referiu, tendo a resposta a esta questão sido construída pela doutrina e jurisprudência. 
 
Não se percebe a razão de ser da sua alteração, tanto mais que parecem incompatíveis as redacções dos art. 1424º, nº 1 e 1424º-A, nº 3 do CC, senão vejamos: por um lado, o art. 1424º/1 estabelece que, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações. 
 
Ora, se se está agora, a consignar que responsável é o proprietário no momento da deliberação é porque está-se, desde já, a equacionar uma possível futura alienação do direito. Sublinhe-se uma vez mais, que a redacção anterior do art. 1424º nº 1 do CC já estabelecia que devedor é o condómino, mas não respondia à questão de saber quem era o responsável em caso de transmissão do direito de propriedade! 
 
Mas por outro lado, o novo art. 1424º-A do CC vem estabelecer que a responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas (nº 3) e os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fracção, são da responsabilidade do novo proprietário (nº 4).

Não parece, pois, que a redacção apresentada nos art. 1424º, nº 1 do CC, tenha sido a mais feliz, dado que gera dúvidas interpretativas, que poderão fomentar a litigiosidade dentro e fora dos tribunais. Nem se diga, que o nº 1 do art. 1424º estabelece a regra, sendo que o nº 3 e 4 do art. 1424º-A, contêm uma excepção. É que o art. 1424º, nº 1 e 1424-A nº 3 e 4 do CC tratam agora da mesma questão de saber quem é que é responsável pelo pagamento das dívidas ao condomínio, particularmente tendo havido transmissão do direito de propriedade, sendo difícil a sua compatibilização. 
 
Salvo melhor opinião contrária, teria sido melhor que não tivessem ocorrido alterações à redacção do artigo 1424º, nº 1 do CC.