Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/21/2021

Contagem prazos para impugbação

Para os condóminos presentes na assembleia, o prazo de 10 dias conta-se, para todos os efeitos, a data em que aquela se realizou, contagem essa que obedece às regras consignadas nas als. b) e e) do art. 279º do CC, isto é, não se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e se o prazo terminar em fim de semana ou dia feriado, transfere-se para o primeiro dia útil, o mesmo é dizer que o prazo em apreço é de dias de calendário, seguidos.

Tratando-se de condóminos que não compareceram à assembleia, o mencionado prazo para exigir a convocação de uma assembleia geral extraordinária conta-se apenas da data em que receber cópia da acta que contenha a deliberação em apreço; todavia, no tocante à suspensão judicial da deliberação, o que releva é a data da assembleia em que foi tomada, só relevando a data do conhecimento da deliberação na hipótese de o condómino não ter sido regularmente convocado para a assembleia, ou seja, a mera ausência voluntária ou por impedimento justificado não influi na contagem daquele prazo de 10 dias, no âmbito do procedimento cautelar da suspensão.

Após a recepção do pedido de convocação da aludida assembleia extraordinária, o administrador deve convocá-la, para que se realize dentro do prazo de 20 dias contados daquela recepção, a qual terá como ordem de trabalhos a revogação da deliberação ou deliberações que o, ou os, condóminos tiverem identificado como comportamento vício que conduzam à sua anulação, declaração de nulidade, ou ineficácia.

O prazo de impugnação judicial das deliberações da assembleia de condóminos é igual quer eles estejam presentes ou ausentes na assembleia.

Uma questão a resolver é a de saber como se conta o prazo de caducidade, previsto no nº 4 do art. 1433º do CC, da acção anulatória das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou aos regulamentos (nº 1 do mesmo artigo), proposta pelo condómino ausente (embora notificado para comparecer na assembleia).


Como é sabido, a actual redacção do art. 1433º do CC foi-lhe dada pelo DL nº 267/94 de 25/10. Como é sabido, a actual redacção do artigo 1433 do Código Civil - aplicável ao caso -- foi-lhe dada pelo DL 267/94 de 25/10. Na anterior redacção, o nº 2 do referido artigo não deixava margem para dúvidas, ao prescrever expressamente que o prazo em causa se contava da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Numa interpretação literal, o correspondente número (o 6) do actual 1433º também não nos deixa margem de dúvida, pois que não faz qualquer referência a essa comunicação como início da contagem do prazo, fazendo apenas distinção entre os prazos para a propositura das acções - 60 dias para a anulação da primitiva deliberação e 20 dias para a anulação da deliberação da assembleia extraordinária.

Mas, para uma melhor apreciação, relembremos o teor dos 4 primeiros dos seis números do artigo 1433º:
- as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (nº1);
- no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes (nº2);
- no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (nº3);
- o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação (nº4).

Como se vê a lei faz iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC - da deliberação impugnanda. Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias.

Terá sido distracção do legislador? Ou foi caso pensado?

Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal cfr. (nº 1 do art. 9º do CC), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 2 e 3 do mesmo artigo).

Ora, tendo sido o legislador de 1994 tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL nº 267/94, só se pode entender como sendo de caso pensado esta diferença de regime. Então qual a contagem?

Crê-se que, fundamentalmente, o desiderato de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º do CC.

Desse desiderato legal - embora perfilhando o outro entendimento sobre a contagem do prazo em análise - nos dá conta Aragão Seia, ob. cit., páginas 185/186: (i) Para obstar a recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias para exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária; (ii) Continuando a procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que se possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.

Este desiderato tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº 6 do art. 1432º e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº 4 do art. 1433º, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei. Neste caso e porque já não pode intentar a acção anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respectivos prazos legais, recorrer: (i) ou à assembleia extraordinária; (ii) ou ao centro de arbitragem.

E se, lançando mão da assembleia extraordinária, a respectiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respectiva acção de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do art. 1433º do CC.

Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do art. 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial. Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº 1 do art. 1433º do CC.

Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (cfr. nº 4 do art. 1432º do CC) -, para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº 6 do art. 1432º do mesmo Código), tomar conhecimento do respectivo teor.

De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indirecta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária - a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados - não a revogue.

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