Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

6/30/2021

Denuncia contrato empresa de gestão

A respeito da qualificação do contrato celebrado entre o condomínio e uma empresa de administração de condomínios, o mesmo trata-se de um contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, previsto no art. 1154º do CC, através do qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, ao qual, se aplica, na falta de regulamentação específica, o regime do mandato, por força do preceituado no art. 1156º do CC.

Com efeito, assim defende Aragão Seia, in Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, 2001, pág. 186), ao referir que ao administrador se aplicam por analogia as normas do mandato, de acordo com o estabelecido no art. 987º do CC, na medida em que estas sejam compatíveis com as disposições específicas da propriedade horizontal .
Estipula-se no art. 1430º nº 1 do CC que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

De acordo com o ensinamentos de Mota Pinto, in Direitos Reais, 1970/71, pag. 284, «a assembleia de condóminos é um órgão colegial constituído por todos os condóminos, com carácter deliberativo, que tem poderes de controle, de aprovação e decisão final sobre todos os actos de administração. O administrador é o órgão executivo. É um órgão de execução, nomeado e exonerado pela assembleia de condóminos, a quem tem de prestar contas da sua actividade.»

Decorre pois do art. 1435º, nº 1 do CC, que o administrador pode ser exonerado, mas a sua exoneração deve ser fundamentada, ou porque praticou irregularidades, ou porque o desempenho da sua função de administrador não foi desempenhada com a diligência com que deveria sê-lo. Mas mais do que isso, é necessário que tenha existido dolo, ou pelo menos, negligência, no desempenho do seu cargo, enquanto representante das partes comuns do prédio.

É importante, através de exemplos, definir o que se entende como justa causa para exoneração do administrador, para os efeitos do nº 3 do art. 1435.º do CC. Assim, terá justa causa para promover a exoneração a Assembleia do Condomínio em que o Administrador violar as obrigações que tem enquanto administrador, nomeadamente, não convocando a assembleia, não apresentando as contas, não pagando determinadas despesas essenciais, enfim, colocando em causa o vínculo de confiança estabelecido.

Neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do TRP de 14/12/2004, que refere que “No campo do direito civil, a doutrina e a jurisprudência vêm tentando definir o conceito de “justa causa”, colocando o assento tónico quer nos elementos subjetivos, a relação de confiança e de lealdade que devem existir na vigência do contrato, quer nos elementos objetivos, a concretização do resultado visado pelo contrato. Constitui “justa causa”, todo o facto, subjetivo ou objetivo que ponha em crise a continuação do vínculo contratual ou que torne inexigível a um dos contraentes a sua permanência na relação contratual.”

Deste modo, a inclusão de clausulas contratuais em contratos de prestação de serviços de empresas prestadoras de serviços de administração de condomínio que dificultem ou tornem impossível o exercício do direito à sua exoneração é claramente abusivo. Veja-se por exemplo a inclusão de prazos longos (90 dias ou mais por exemplo) para a denúncia tornam praticamente impossível de cumprir o prazo estipulado, tendo como consequência a automática renovação do contrato contratos contra a vontade dos condóminos e abalando toda na relação de confiança e de lealdade que deverá existir nas relações condomíniais.

Assim, nos termos do art. 19º do Regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, tais cláusulas a meu ver devem ser consideradas nulas.

Ocorrendo uma situação de quebra de relação de confiança, verifica-se justa causa, socorremo-nos aos mecanismos da exoneração do administrador, realizada em assembleia de condóminos convocada para o efeito nos termos do art. 1435º, nº 1 do CC e/ou mecanismo do processo de jurisdição voluntária de exoneração judicial do administrador, nos termos do art. 1057º do CPC.

O mais comum, e aconselhável no caso concreto, é que se siga o primeiro mecanismo, sendo que para o efeito, deverá ser convocada uma assembleia de condóminos, nos termos do art. 1431º nº 2 do CC, ou com pelo menos 25% do capital investido, sem segunda convocatória, nos termos do nº 4 do mesmo preceito.

Para a assembleia, poderá o administrador, ser convocado por carta registada e com aviso de recepção, devendo constar expressamente da Ordem de Trabalhos o ponto de “exoneração do administrador”.  Se aquele não for convocado, a exoneração ocorrerá no acto da sua substituição, porém, aquele não poderá ser responsabilizado por actos de administração entretanto realizados no âmbito das suas funções executivas até ao momento em que lhe for formalmente comunicada a exoneração.
 
Importa salientar que, da acta da reunião deverão resultar todos os elementos em que os condóminos assentam a sua falta de confiança no administrador, e que por conseguinte justifiquem a sua exoneração.

Caso não exista quórum em segunda convocação, isto é, não se logre obter os 25% do capital investido para efeitos de se poder deliberar sobre a exoneração, pode a mesma ser feita judicialmente, sendo que para esse efeito qualquer condómino tem legitimidade para a requerer, alegando os factos em que fundamenta a justa causa de exoneração.

6/29/2021

As principais medidas da Lei de Bases da Habitação


A Lei de Bases da Habitação, aprovada pela Lei 83/2019 de 3 de Setembro, teve como objectivo estabelecer as bases do direito à habitação e as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efectiva garantia desse direito a todos os cidadãos, nos termos da Constituição, facto ressalvado que a própria lei ressalva: “Todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de saúde”.

Contudo, a estipulação deste direito não é uma novidade: o mesmo vem incluído na Constituição da República Portuguesa, no seu art. 65º, desde a sua versão de 1976. Então, o que muda agora para os cidadãos portugueses e de que foram é que o seu direito à habitação se encontra mais protegido?

Vejamos, sucintamente as principais medidas deste novo diploma:

Arrendamento

Apesar de ainda de forma incompleta, são tomadas algumas medidas importantes quanto ao arrendamento, designadamente o dever do Estado em promover um mercado público de casas para arrendar, bem como incentivar o mercado de arrendamento de iniciativa social e cooperativa e regular o mercado de arrendamento privado.

Encontra-se também prevista a atribuição de subsídios de habitação dirigidos às camadas populacionais que não consigam aceder ao mercado privado da habitação, nomeadamente subsidiação ao arrendamento jovem, aos inquilinos em situação de vulnerabilidade e às famílias mono-parentais ou numerosas em situação de especial vulnerabilidade económica.

O diploma estabelece ainda que o Estado deverá colocar imóveis em programas destinados ao arrendamento, fomentando o acesso à habitação com rendas compatíveis com os rendimentos das famílias. Nesse sentido já têm surgido algumas iniciativas, nomeadamente o Programa de Arrendamento Acessível (PAA), o Direito Real de Habitação Periódica (DHD) e o Plano de Reabilitação de Património Público para Arrendamento Acessível.

Fiscalização de condomínios ​

​A obrigação dos condomínios de constituição de Fundo Comum de Reserva para custear despesas de conservação nas partes comuns do edifício deverá passar a ser alvo de fiscalização para avaliar se está a ser devidamente cumprida.

Edifícios devolutos ​

​A lei prevê que o Estado deve promover o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade pública e incentivar o uso efectivo de habitações devolutas de propriedade privada, em especial nas zonas de maior pressão urbanística. Assim, para que habitações que não estejam de facto a ser usadas o possam ser, serão consideradas devolutas as propriedades que se encontrem injustificada e continuadamente sem uso habitacional por motivo imputável ao proprietário, ficando este sujeito a sanções.

Ficam de fora as segundas habitações, as habitações de emigrantes e as habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde, assim como edifícios em que estejam a ser realizadas obras devidamente autorizadas ou comunicadas, durante os prazos para elas definidos, ou na pendência de acções judicias que impeçam o seu uso.

Heranças indivisas

​A lei prevê que o Estado deve “assegurar celeridade dos processos de inventário e dos processos judicias de heranças indivisas que incluam bens imóveis com aptidão habitacional”. Neste sentido, a aprovação da Lei 117/2019, de 13 de Spetembro veio determinar que os processos de inventário, desde 2013 da competência dos notários, salvo casos excepcionais, irão, a partir de 1 Janeiro de 2020, regressar aos tribunais.

Despejos ​

​A Lei da Bases da Habitação prevê algumas medidas de protecção aos cidadãos em caso de despejo. Assim, e desde logo, o despejo, procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas, não se pode realizar no período de nocturno, salvo em caso de emergência (incêndio, risco de calamidade ou situação de ruína iminente).

Além disso, a lei prevê que o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento. Acresce, as pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional têm direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário para aceder a uma habitação adequada.

​Penhora

​Embora não seja uma total novidade, esta Lei vem determinar que o Estado garante a não execução da penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos quando esteja em causa a casa de morada de família.

Entrega da casa ao banco

​Uma das principais novidades desta Lei de Bases da Habitação é a possibilidade da dação em cumprimento da dívida à banca no crédito à habitação, extinguindo as obrigações do devedor independentemente do valor atribuído ao imóvel para esse efeito, desde que tal esteja contratualmente estabelecido, sendo que cabe à instituição financeira prestar essa informação em momento prévio à celebração do contrato.

São aprovadas medidas que há muito faltavam, embora algumas já fossem sendo praticadas mesmo sem o apoio da legislação. Contudo, à pergunta inicialmente colocada “o direito à habitação constitucionalmente consagrado estará finalmente a ser cumprido?” a resposta não pode deixar de ser negativa. O caminho a percorrer ainda é longo, mas o começo é esperançoso.

6/26/2021

Actas avulsas vs livro actas

Importa começar por referir os diversos articulados que sobre esta matéria constam quer do Código Comercial (aprovado por Carta de Lei de 28/6/1888 e publicado pelo Decreto de 23/8/1888, do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, no decorrer do reinado de D. Luís, tendo o mesmo sido elaborado por Francisco António da Veiga Beirão), após as alterações que mais recentemente lhes foram introduzidas através do art. 8º do DL nº 76-A/2006, de 29/3, quer do CSC, do CRC, assim como do CPA e do CC.

Assim, e no que se refere ao Código Comercial, o art. 31º - «Livros obrigatórios», estipula que as sociedades comerciais são obrigadas a possuir livros para actas. Estipula ainda que os livros de actas podem ser constituídos por folhas soltas numeradas sequencialmente e rubricadas pela administração ou pelos membros do órgão social a que respeitam ou, quando existam, pelo secretário da sociedade ou pelo presidente da mesa da assembleia geral da sociedade, que lavram, igualmente, os termos de abertura e de encerramento, devendo as folhas soltas ser encadernadas depois de utilizadas.

Referiu-se, atrás, a figura do secretário da sociedade. A estipulação dos seus deveres, obrigações e responsabilidades consta dos art. 446º-A a 446º-F, artigos estes que foram aditados ao CSC pelo DL nº 257/96, de 31/12. Note-se que as al. c) e d) do art. 61º - «Norma revogatória», do DL nº 76-A/2006, de 29/3, revogaram, respectivamente, entre outros articulados, o art. 112º-A - «Legalização de livros», do CRC e os art. 32º - «Legalização de livros», 33º - «Escrituração do livro de inventário e balanços», 34º - «Escrituração do diário», 35º - «Escrituração do razão», 36º - «Função do copiador» e 63º - «Obrigação de prestar contas», do Código Comercial.

Acresce referir que a Lei 3-B/2010, de 28/4, que aprovou o OE/2010, alterou a redacção do nº 6 do art. 23º, revogou a al. j) do art. 5º e o art. 59º, todos do CIS, assim como a verba 13 da Tabela Geral do Imposto do Selo, articulados estes que referiam que a legalização dos livros dos comerciantes, obrigatórios nos termos da lei comercial, estava sujeita à prévia liquidação do imposto do selo. Assim, hoje em dia, tanto os livros de actas como as actas avulso, não estão sujeitas a Imposto do Selo.

Retomando as menções ao Código Comercial, este dispõe, no art. 37º - «Livros das actas das sociedades», que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

Finalmente, o Código Comercial preconiza, ainda e respectivamente, nos art. 39º - «Requisitos externos dos livros de actas», e 40º - «Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos», que “Sem prejuízo da utilização de livros de actas em suporte electrónico, as actas devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras e que no caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da assinatura”, e que “Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos, podendo os mesmos ser arquivados com recurso a meios electrónicos”.

Quanto aos livros de actas de outros órgãos (de administração ou de fiscalização ou órgão consultivo) – serão os respectivos membros, e nos termos referidos no art. 31º do Código Comercial, a numerar e a rubricar as respectivas folhas e a lavrar os termos de abertura e encerramento, não estando sujeitos, conforme se encontra acima explicitado, a imposto do selo.

É, porém, no CSC, nomeadamente no seu art. 63º - «Actas», que vem estabelecido com muito mais pormenor, não só a justificação da sua imprescindibilidade como os requisitos mínimos que as mesmas devem conter. Assim, e segundo o estabelecido no nº 1 deste artigo, “As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.”

Por sua vez, o nº 2 estabelece que a ata deve conter, pelo menos:

a) A identificação da sociedade (recordamos que, relativamente a esta “identificação da sociedade”, deve ser tido em atenção o disposto no artigo 171.º do CSC, pois a sua omissão, segundo o nº 2 do art. 528º, também do CSC, será punida com coima de 250 a 1.500 euros, pelo que aconselhamos a sua leitura para que os requisitos nele constantes fiquem expressos nas correspondentes actas), o lugar, o dia e a hora da reunião;

b) O nome do presidente (significa esta disposição que as assembleias gerais devem ser sempre presididas por um sócio, normalmente pelo que detiver maior participação no capital social, ou, em igualdade de circunstâncias, pelo sócio mais velho, salvo se existir disposição diversa no contrato de sociedade, vide o nº 4 do art. 248º do CSC. É óbvio que no caso das sociedades unipessoais quem preside é o sócio único, como não poderia deixar de ser) e, se os houver, dos secretários;

c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta;

d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta;

e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;

f) O teor das deliberações tomadas;

g) Os resultados das votações;

h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

O nº 3 estipula “Quando a acta deva ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia e algum deles não o faça, podendo fazê-lo (repare-se que não pode deixar de ser tido em atenção, neste caso, o disposto no art. 521º «Recusa ilícita de lavrar acta», do CSC, que dispõe que aquele que, tendo o dever de redigir ou assinar acta de assembleia social, sem justificação o não fizer, ou agir de modo que outrem igualmente obrigado o não possa fazer, será punido, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, com multa até 120 dias), deve a sociedade notificá-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a oito dias, a assine; decorrido esse prazo, a acta tem a força probatória referida no nº 1, desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na assembleia sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem em juízo a falsidade da acta”.

O nº 4 refere que “Quando as deliberações dos sócios constem de escritura pública, de instrumento fora das notas ou de documento particular avulso, deve a gerência, o conselho de administração ou o conselho de administração executivo inscrever no respectivo livro a menção da sua existência”.

O nº 5 estabelece “Sempre que as actas sejam registadas em folhas soltas, deve a gerência ou a administração, o presidente da mesa da assembleia geral e o secretário, quando os houver, tomar as precauções e as medidas necessárias para impedir a sua falsificação”.

O nº 6 dispõe “As actas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com cinco dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais”.

O nº 7 refere que “As actas apenas constantes de documentos particulares avulsos constituem princípio de prova, embora estejam assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia”. Finalmente, o nº 8, estabelece que “Nenhum sócio tem o dever de assinar as atas que não estejam consignadas no respectivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas”.

Chama-se a especial atenção para o facto de que o art, 70º - «Prestação de contas», do CSC, na redacção que lhe foi introduzida pelo art. 11º do DL 8/2007, de 17/1, e pelo art. 3º do DL 185/2009, de 12/8, estipula que a informação respeitante às contas do exercício e aos demais documentos de prestação de contas devidamente aprovados, está sujeita a registo comercial, nos termos da lei respectiva. Estipula ainda este articulado que as sociedades devem disponibilizar aos interessados, sem encargos, no respectivo sítio da Internet, quando exista, e na sua sede, cópia integral dos seguintes documentos: Relatório de gestão, Relatório sobre a estrutura e as práticas de governo societário, quando não faça parte integrante do relatório de gestão, Certificação legal das contas e o Parecer do órgão de fiscalização, quando exista.

Anote-se, desde já, que a legislação atrás referida é a constante do CRC, o qual estabelece, no seu art. 42º - «Prestação de contas», na redacção que lhe foi introduzida pelo art. 12º do já referido DL 8/2007, de 17/1, que “O registo da prestação de contas consiste no depósito, por transmissão electrónica de dados e de acordo com os modelos oficiais previstos em legislação especial, da informação constante dos seguintes documentos – ata de aprovação das contas do exercício e da aplicação dos resultados, - Balanço, demonstração de resultados e anexo ao balanço e demonstração de resultados; - Certificação legal das contas; - Parecer do órgão de fiscalização, quando exista.

Alerta-se, ainda, para o nº 4 do art. 15º - «Factos sujeitos a registo obrigatório», deste mesmo Código (CRC), na sua actual redacção, introduzida pelo artigo 5.º do DL 292/2009, de 13 de Outubro, o qual estabelece que o pedido de registo de prestação de contas de sociedades e de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada deve ser efetcuado até ao 15º dia do 7º mês posterior à data do termo do exercício económico (atente-se que o prazo referido neste articulado está consonante com o prazo estabelecido nos art. 121º, do CIRC, e 113º, do CIRS, ambos com a mesma designação - «Declaração anual de informação contabilística e fiscal».

Retomando as disposições constantes do CSC, e no que respeita ao art. 189º - «Deliberações dos sócios», referente às sociedades em nome colectivo, o mesmo estipula, no nº 1, que “Às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais aplica-se o disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não dispuserem diferentemente”, no nº 2 encontra-se estipulado que “As deliberações são tomadas por maioria simples dos votos expressos, quando a lei ou o contrato não dispuserem diversamente” e, por sua vez, o nº 3 estabelece que “Além de outros assuntos mencionados na lei ou no contrato, são necessariamente objecto de deliberação dos sócios a apreciação do relatório de gestão e dos documentos de prestação de contas, a aplicação dos resultados, a resolução sobre a proposição, transacção ou desistência de acções da sociedade contra sócios ou gerentes, a nomeação de gerentes de comércio e o consentimento referido no art. 180º (Proibição de concorrência e de participação noutras sociedades)”, e, finalmente, o nº 5 deste artigo, estabelece que: “As actas das reuniões das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios, ou seus representantes, que nelas participaram”.

Relativamente às sociedades por quotas devemos atender ao que dispõem os art. 247º e 248º. Estabelece o primeiro, o art. 247º «Formas de deliberação», que além de deliberações tomadas nos termos do art. 54º (Deliberações unânimes e assembleias universais), os sócios, desde que não exista disposição na lei ou cláusula contratual que o proíba, podem tomar deliberações por voto escrito, além das deliberações em assembleia geral. O gerente lavrará acta, em que mencionará a verificação das circunstâncias que permitem a deliberação por voto escrito, transcreverá a proposta e o voto de cada sócio, declarará a deliberação tomada e enviará cópia desta acta a todos os sócios. A deliberação considera-se tomada no dia em que for recebida a última resposta ou no fim do prazo marcado, caso algum sócio não responda. Note-se que não pode ser tomada deliberação por voto escrito quando algum dos sócios esteja impedido de votar.

O art. 248º «Assembleias gerais», estipula no seu nº 1 que às assembleias gerais das sociedades por quotas se aplica o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas. Refira-se que o nº 6 deste artigo estipula que as actas das assembleias gerais devem ser assinadas por todos os sócios que nelas tenham participado.

Quanto às sociedades unipessoais por quotas, o art. 270º-E «Decisões do sócio», estabelece que o sócio único exerce as competências das assembleias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes, devendo as decisões do sócio, de natureza igual às deliberações da assembleia geral, ser registadas em ata por ele assinada.

Referindo-nos agora às sociedades anónimas, o art. 388º «Actas», estabelece que deve ser lavrada uma acta de cada reunião da assembleia geral, devendo estas actas ser redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido como presidente e secretário, podendo a assembleia, contudo, deliberar que a ata seja submetida à sua aprovação antes de assinada. Veja-se, também, o que dispõe, nesta matéria, o CPA, nomeadamente nos seus art. 34º e 35º:

Assim, o art. 34º- «Acta da reunião», estabelece no seu nº 1: “De cada reunião é lavrada acta, que contém um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respectivas votações e as decisões do presidente”.

Por sua vez, os nº 2, 3, 4 e 5 dispõem, respectivamente, “As actas são lavradas pelo secretário e submetidas à aprovação dos membros no final da respectiva reunião ou no início da reunião seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário”, “Não participam na aprovação da acta os membros que não tenham estado presentes na reunião a que ela respeita”, “Nos casos em que o órgão assim o delibere, a ata é aprovada, logo na reunião a que diga respeito, em minuta sintética, devendo ser depois transcrita com maior concretização e novamente submetida a aprovação”, “O conjunto das actas é autuado e paginado de modo a facilitar a sucessiva inclusão das novas atas e a impedir o seu extravio” e “As deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das deliberações constantes da minuta cessa se a acta da mesma reunião não as reproduzir”.

Atente-se, agora, aos seguintes comentários a este art. 34º do CPA, respigados da obra «Código do Procedimento Administrativo – Anotado – Comentado – Jurisprudência» – 2.ª edição – Actualizada e Aumentada – 1992 – Livraria Almedina – da autoria de José Manuel Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho. Note-se que este Código foi alvo de profundas alterações, levadas a efeito pelo DL 4/2015, de 7/1, e republicado em anexo a este mesmo decreto-lei, mas, dado que o art. 34º não sofreu qualquer alteração, os comentários por nós acima referidos têm toda a actualidade.

A pág. 111, desta obra, a nota 3 refere que “A acta representa o registo formal da formação da vontade do órgão descrevendo tudo o que se passou na reunião”. A pág. 112, a nota 13 refere que “A acta, lavrada pelo secretário ou por quem o substitui, deve ser aprovada no final da reunião ou na reunião seguinte, sendo, de seguida, assinada pelo presidente e pelo secretário. Por vezes, a importância da deliberação não se compadece com formalismos que tendam para a morosidade. Por isso, desde que seja deliberado pela maioria dos membros presentes, a ata ou o texto da deliberação podem ser aprovados nessa mesma reunião sob a forma de minuta, numa primeira redacção da acta”.

Na mesma pág., a nota 14 refere que “As deliberações tomadas só são eficazes e, portanto, só estão aptas a produzirem efeitos jurídicos uma vez aprovadas as actas ou assinadas as minutas. Enquanto isso não acontecer, o acto de deliberação pode até ser válido, mas não será eficaz, nem susceptível de execução”. E, na pág. 113, a nota 18, relativa a jurisprudência, refere que “Se a ata da reunião não satisfazer os requisitos legais, é como se não exista, e as declarações nelas contidas consideram-se inexistentes por carência absoluta de forma, nos termos do art. 363º, nº 5, do Código Administrativo. (Ac. do STA de 19/5/50, CA, 367 e Ac. STA de 1/3/46, II Série de 21/5/46”.

Após a leitura destas anotações, que se reportam úteis para a assimilação da importância da existência das actas, importa regressar ao CPA, para transcrever o seu art. 35º - «Registo na acta do voto de vencido», o qual estipula no nº 1 que “Os membros do órgão colegial podem fazer constar da acta o seu voto de vencido, enunciando as razões que o justifiquem”.

Por sua vez, o nº 2, estabelece: “Aqueles que ficarem vencidos na deliberação tomada e fizerem registo da respectiva declaração de voto na acta ficam isentos da responsabilidade que daquela eventualmente resulte”. Finalmente, o nº 3, dispõe: “Quando se trate de pareceres a dar a outros órgãos administrativos, as deliberações são sempre acompanhadas das declarações de voto apresentadas”.

Cumpre importante salientar que o art. 157º «Campo de aplicação», do CC, estipula que as disposições do capitulo em que está inserido (Pessoas colectivas), são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.

Regressando ao CSC, não se pode deixar passar em claro o que dispõe, ainda sobre esta matéria, o art. 515º - «Irregularidade na convocação de assembleias sociais»: “Aquele que, competindo-lhe convocar assembleia geral de sócios, assembleia especial de accionistas ou assembleia de obrigacionistas, omitir ou fizer omitir por outrem a convocação nos prazos da lei ou do contrato social, ou a fizer ou mandar fazer sem cumprimento dos prazos ou das formalidades estabelecidas pela lei ou pelo contrato social, será punido com multa até 30 dias. Se tiver sido presente ao autor do facto, nos termos da lei ou do contrato social, requerimento de convocação de assembleia que devesse ser deferido, a pena será de multa até 90 dias. Se for causado dano grave, material ou moral, e que o autor pudesse prever, a algum sócio que não tenha dado o seu assentimento para o facto, à sociedade, ou a terceiro, a pena será a da infidelidade (Nos termos do nº 1 do art. 527º - «Princípios comuns», do CSC, os factos atrás descritos só serão puníveis quando cometidos com dolo. Considera-se dolo o conhecimento e a vontade de praticar determinado ato que é tipificado na lei como crime. Assim, e de acordo com o disposto no CP, a pena a aplicar ao crime de infidelidade pode consistir em prisão até 3 anos).

Note-se que as irregularidades enumeradas na parte inicial deste art. 515º podem ser ultrapassadas se as deliberações forem tomadas nos termos do art. 54º «Deliberações unânimes e assembleias universais», do CSC (atente-se no que se escreveu acerca do art. 247º), o qual estipula que podem os sócios, em qualquer tipo de sociedade, tomar deliberações unânimes por escrito, e bem assim, reunir-se em assembleia geral, sem observância de formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto.

Estipula ainda este art. 54º que verificada a situação acima mencionada e uma vez manifestada por todos os sócios a vontade de deliberar, devem ser aplicados todos os preceitos legais e contratuais relativos ao funcionamento da assembleia, a qual, porém, só pode deliberar sobre os assuntos consentidos por todos os sócios.

Embora já o tenha referido na análise do nº 3 do art. 63º - Actas, pensamos que não podemos deixar de tornar a alertar para o facto de existir a hipótese de quem tiver a obrigação de redigir as actas se recusar a fazê-lo, e, em tal situação, qual a sanção que o respectivo responsável sofrerá. Ora esta possibilidade está contemplada no art. 521º - «Recusa ilícita de lavrar acta», também ele do CSC, que a seguir se transcreve:

“Aquele que, tendo o dever de redigir ou assinar acta de assembleia social, sem justificação o não fizer, ou agir de modo que outrem igualmente obrigado o não possa fazer, será punido, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, com multa até 120 dias.”

Ao terminar este trabalho, e para fundamentar um pouco mais a importância de que se revestem as actas, não resistimos a transcrever do artigo da autoria do Prof. Albino de Matos, “A documentação das deliberações sociais no Projeto do Código das Sociedades”, respigado da Revista do Notariado, n.º 1, de 1986, a páginas 47, a seguinte afirmação:

“A função de documentação da acta não se esgota numa finalidade puramente informativa dos resultados da assembleia, satisfazendo antes o escopo de garantir o controle da actividade do órgão soberano. Ao exigir a documentação pela acta a lei visa, não tanto facultar aos interessados uma informação genérica sobre as deliberações sociais, mas essencialmente predispor um meio de verificação e controle da legalidade do procedimento formativo da vontade social»”.

6/25/2021

O art. 1419º do Código Civil

 Artigo 1419.º
(Modificação do título)
 
1 — [...]
2 — A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas fracções se destinam.
3 — O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o n.º 1, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos.
4 — (Anterior n.º 3.)
 
(Alterado pela Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro)
 
Notas: 
 
A redacção do anterior nº 1 manteve-se inalterada, sendo introduzido um novo nº 2. Consequentemente, o anterior nº 2, agora nº 3, foi rectificado na parte que remete para o nº 1, sendo que o anterior nº 3, passa a corresponder ao novo nº 4.

 Anterior redacção do artigo 1419.º
(Modificação do título)

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.

2 - O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos.

3 - A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º

(Alterado pelo Art. 4.º do Decreto-Lei n.º 116/2008 - Diário da República n.º 128/2008, Série I de 2008-07-04, em vigor a partir de 2008-07-21)

Notas:

A redacção do nº 1, pelo facto de ter sido aditado ao CC o art. 1422º-A, e o nº 2, resultaram do art. 1º do DL nº 269/94 de 25/10; o nº 3 corresponde ao anterior nº 2. O antecessor do nº 1 teve origem no art. 5º do DL 40 333 de 14 Outubro 1955.

Fontes:

Anteprojecto: 

art. 121º; 

 Texto igual ao da Revisão Ministerial.

 Revisão Ministerial: 

art. 1407º

1. O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por acordo de todos os condóminos.

2. A não observância, neste caso (*), do disposto nos artigos 116º e 117º (**) importa a nulidade do acordo, a qual pode ser pedida pelas pessoas e entidades designadas no nº 2 do artigo 118º (***)

(*) "Na modificação", no texto da 1ª Revisão Ministerial.

(**) "Artigos 1402º e 1403º", no texto da 1ª Revisão Ministerial.

(***) "Nº 2 do artigo 1404º", no texto da 1ª Revisão Ministerial.

Projecto: 

art. 1419º

Tem a mesma redacção do texto original do Código.

Direito anterior:  

art. 5º do Decreto-Lei nº 40 333

O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por acordo de todos os interessados celebrado por escritura pública e, se algum deles for incapaz ou ausente, mediante autorização judicial, nos termos dos artigos 1488º e 1489º do Código de Processo Civil.

§ único. Não pode, todavia, modificar-se a composição das fracções autónomas sem que a observância do artigo antecedente se mostre garantido por vistoria municipal, ou no caso de a modificação exigir obras, pela aprovação do respectivo projecto.

Versão 1994:

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.

2 - O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura pública a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos.

3. A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º

(Alterado pelo Art. 1º do Decreto-Lei n.º 267/94 - Diário da República n.º 247/1994, Série I-A de 1994-10-25, em vigor a partir de 1995-01-01)

Redacção primitiva do artigo:

1. O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.

2. A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º

Maiorias qualificadas em 2ª convocação

O art. 1432º do CC, que se insere na Secção IV sobre a Administração das partes comuns do edifício, na sequência dos preceitos que identificam os órgãos administrativos, os votos que cabem a cada condómino, e as datas de reunião, vem estabelecer, sob a epígrafe “Convocação e funcionamento da assembleia”, as seguintes regras:
“1- A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.
2- A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3- As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4- Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5-As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6-As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7-Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8-O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.
9-Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante”.

Ora, o modo de convocação e de funcionamento da assembleia aplica-se a todo o tipo de deliberações que a referida assembleia haja de tomar, ou seja, quer a questões de mera administração, em que ordinariamente se exige apenas maioria simples, quer aos casos em que os assuntos em discussão exijam maiorias qualificadas, duplas, ou mesmo unanimidade dos condóminos.

Como resulta dos nº 2 e 4, estamos em presença duma norma prática, que resolve problemas práticos, um remédio para a possível complexidade de reunir inúmeros condóminos que pode ser um entrave real ao correcto e agilizado funcionamento de uma administração.

Poderia portanto ler-se cada alínea do preceito como estabelecendo uma regra a propósito de cada possível problema de funcionamento. Neste sentido, o legislador haveria então estabelecido que, funcionando a assembleia em segunda convocatória – no fundo, tendo sido dada uma primeira oportunidade a todos os condóminos para exercerem o seu direito de participação e votação – poderia, excepto no caso de estarmos perante exigência legal de unanimidade, deliberar a assembleia por maioria, desde que esta reflectisse um quarto do valor total do prédio. 

No caso da unanimidade, posto que alcançado determinado percentual de maioria, a perfectibilidade da decisão dar-se por efeito da sua notificação aos condóminos ausentes que, nada dizendo, se presumiria darem o seu assentimento, assim se completando, ainda que num momento posterior, a unanimidade sempre exigida pela lei.

É pois verdade que, literalmente, o preceito em questão não estabelece nenhum dispositivo para o caso das deliberações a tomar deverem sê-lo por maioria qualificada. Mas, haverá aqui uma intenção específica do legislador, de agilização da administração, com reserva de um regime especial preventivo da violação do interesse que justifica o estabelecimento de regras de unanimidade, ou o legislador simplesmente não previu o caso, e se o tivesse previsto teria agido de outro modo? Ou seja, pode o intérprete entender que há uma lacuna que deve ser integrada pelo modo que previsivelmente o legislador, em atenção aos interesses em causa, à importância ou relevância deles, teria regulado (artigo 10º do Código Civil)?

Evidentemente, o caso sobre que se debruçou o referido acórdão da Relação do Porto impressiona bastante: tratava-se da instalação de antenas, com perigo inclusive de radioactividade para os condóminos. Compreende-se assim que fosse intolerável deixar funcionar a regra da parte final do nº 4 do preceito, e obter uma aprovação por condóminos representando apenas um quarto do valor do prédio.

Simplesmente, ou se entende que há uma lacuna ou se entende ao contrário, e no primeiro caso a integração comungará da natureza geral e abstracta das normas, sendo pois indevido considerar que, por exemplo, num caso como o presente que não apresenta particular perigosidade, não se deva operar tal integração. E no fundo, se pensarmos, o caso é dum prédio afinal detido maioritariamente pela Autora, havendo mais dois condóminos apenas, claramente minoritários, e que decidem fazer obras de inovação, contra a posição maioritária da Autora, ou seja, no fundo, o que está em causa é o direito de propriedade, no qual se contém evidentemente o poder de determinar a manutenção ou alteração dum tipo morfológico sobre o qual, no limite, o proprietário pode fazer um juízo relativo ao seu valor de mercado.

A norma em questão não constava da versão original do Código Civil, segundo a qual: “(…) 2. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido. 3. Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, é convocada nova reunião dentro dos dez dias imediatos, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos proprietários presentes, desde que estes representem, pelo menos, um terço do capital”.

A versão actual foi introduzida pelo DL 267/94 de 25.10, em cujo preâmbulo se encontra como justificação das alterações introduzidas o desenvolvimento da construção urbana em altura e por isso das temáticas relacionadas com a propriedade horizontal e com a gestão de condomínio, sem que contudo se encontre referência específica à alteração que introduz a disciplina da unanimidade. 

Podemos pois entender que é apenas porque, da segunda parte da década de 60 do século transacto até aos anos 90, o padrão típico de habitação se alterou consideravelmente, edifícios em propriedade horizontal bem maiores, com bem maior número de condóminos foram sendo construídos, dificultando, por esse maior número, uma situação de consenso ou de gestão facilitada, do mesmo modo que a possibilidade de afectação, pela vontade de poucos, dos interesses de muito mais, e sobretudo no caso de decisões que a lei entende que só todos poderiam tomar, se tornou uma realidade corrente.

Não nos parece absolutamente claro que a leitura do nº 4 do preceito se reporte ao nº 3, ou seja, que perante a regra geral da deliberação por maioria simples, as regras de funcionamento e validade deliberativa em segunda convocatória se reportem apenas a essa regra geral, pois, como vimos, todo o preceito regula todos os tipos de deliberações que podem ser tomadas. 

Mas também não nos parece lógico que, sendo o fim último da lei a protecção da maioria contra actuações minoritárias, e tendo baixado o limite mínimo de votos de um terço do valor do prédio para um quarto do valor do prédio, o legislador afinal tenha introduzido, apenas por uma questão de agilização da administração, uma menorização ou desprezo dos casos em que exige maioria qualificada. 

Se tais casos revestem importância suficiente para o legislador exigir maioria qualificada, como explicar então que relativamente a eles, a circunstância de se frustrar a primeira convocatória seja suficiente para uma minoria que representa apenas um quarto do valor do prédio vincular os restantes três quartos?

Tendemos assim, salvo melhor opinião, a pensar que existe efectivamente uma lacuna, que se verifica analogia pois que no caso das deliberações por maioria qualificada procedem, ainda que com menor intensidade, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei – isto é, a salvaguarda dos interesses maioritários – e que a solução passa por considerar a ficção duma norma que o próprio intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Alinhando pois pelo acima citado acórdão da Relação do Porto, entendemos também que “Essa lacuna tem de ser suprida pela analogia com a situação que melhor se lhe adapte, ou seja, com a continuação da exigência de maioria de dois terços, podendo neste caso bastar que votem favoravelmente a deliberação, logo na assembleia, a maioria dos condóminos e do capital investido, mas ficando a deliberação sujeita à condição de haver manifestação posterior da restante parte necessária para fazer as maiorias qualificadas exigidas, podendo essas posteriores formas de manifestação ocorrer nos mesmos moldes previstos nos nº 6 a 9 do art. 1432º”.

No fundo, em paralelo adaptado ao que sucede quanto às votações por unanimidade, onde se exige a maioria qualificada que legalmente se encontra abaixo desta unanimidade, e a posterior confirmação, aqui exige-se a maioria abaixo desta maioria de dois terços, ou seja a maioria simples dos votos representativos do capital investido (nº 3 do art. 1432º) e depois a confirmação dos restantes condóminos que seja necessária para perfazer a maioria de dois terços.

Ora, com esta disciplina, já se vê que no caso dos autos, nem sequer se alcançou na assembleia a maioria simples dos votos representativos do capital investido, pelo que a deliberação tomada resulta assim inválida, e anulável nos termos do art. 1433º nº 1 do CC.

Todavia, pode ainda perguntar-se se o silêncio da Autora, após receber a carta de comunicação da acta, valeu como aprovação da deliberação comunicada.

Com efeito, como se escreveu supra, o art. 1432º nº 7 estabelece que os “condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância”, sendo que “8 - O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do nº 6”. Está provado que a Autora não se pronunciou.

Este conjunto dispositivo tem porém de ser compaginado com o preceito constante do art. 1433º nº 1 e nº 4 do CC, segundo o qual o direito de impugnar a deliberação caduca no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação, ou seja, que com grande probabilidade o prazo para impugnar é inferior ao prazo para assentir por silêncio, donde, se tiver dado entrada acção de impugnação, naturalmente que a manifestação processual da vontade de impugnar significa que não se completa o prazo findo o qual se poderia considerar que o silêncio valera como aprovação.

Segundo o Ac. do TRL de 15-02-2018:

“O facto de terem decorrido em segunda convocatória as deliberações tomadas a respeito da implantação, nada de especial traz ou retira à questão em crise, por se entender que ao caso não é aplicável a disciplina do art. 1432º, nº 4. Este preceito vem na sequência do nº 3, onde se haviam ressalvadas as hipóteses para as quais fosse exigido disciplina especial, como era a presente. É certo que o nº 5 previu, para as deliberações tomadas em segunda convocatória, um regime especial para os casos em que seja exigida unanimidade para a deliberação (mas em que não estivessem presentes todos os condóminos), e não previu explícitamente qualquer preceito para aqueles casos em que, saindo do regime geral de maiorias simples, se exigisse maiorias qualificadas de dois terços do capital e cumulativamente a maioria de condóminos.

No entanto, é importantíssimo reparar que o nº 5 continuou a exigir a unanimidade na deliberação, não a dispensando, para aqueles casos que já a exigiam para as deliberações tomadas em primeira convocatória. O que o nº 5 veio fazer foi facilitar a deliberação em segunda convocatória, fazendo com que essa unanimidade pudesse ser construída tendo como base imediata a presença e a aprovação unânime de dois terços do capital investido, na condição da restante parte do capital se vir a manifestar posteriormente, também por unanimidade, por qualquer das formas previstas nos números seguintes desse mesmo art. 1432º do CC. 

Se a lei foi tão coisa em continuar a manter a exigência da unanimidade em segunda convocatória para as deliberações que a exigiam na primeira, apenas aceitando a forma de ela se manifestar, entendemos que o mesmo tipo de preocupação está subjacente ao tipo de deliberações que exijam um regime especial também exigente, encontrando-se, consequentemente nesta situação, todos aqueles casos que se coloquem à margem da simples administração ordinária. 

Existe portanto uma lacuna legal para as deliberações que exijam maiorias qualificadas e que venham a ser tomadas em segunda convocatória da assembleia geral. Essa lacuna tem de ser suprida pela analogia com a situação que melhor se lhe adapte, ou seja, com a continuação da exigência de maioria de dois terços, podendo neste caso bastar que votem favoravelmente a deliberação, logo na assembleia, a maioria dos condóminos e do capital investido, mas ficando a deliberação sujeita à condição de haver manifestação posterior da restante parte necessária para fazer as maiorias qualificadas exigidas, podendo essas posteriores formas de manifestação ocorrer nos mesmos moldes previstos nos nº 6 a 9 do art. 1432º do CC. Como as deliberações tomadas não preenchem esses requisitos, entendemos que são elas anuláveis.”

6/24/2021

Alteração nº 3 e 4 art. 1424º CC

Acórdão: Tribunal Relação de Lisboa
Data: 14/11/2007
Jurisprudência: N

Sumário:

I.– O disposto no n.º 1 do art. 1424 do Código Civil – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – apenas pode ser afastado por disposição em contrário.

II.– Tratando-se, porém, de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o n.º 2 do art. 1424 permite o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio aprovada pela maioria explicitada na norma e com um dos dois conteúdos nela estabelecidos.

III.– As normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil – que dispõem sobre a repartição das despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos ou a ascensores que apenas servem determinadas frações – constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo n.º 1 e não podem ser afastadas por deliberação da assembleia de condóminos.

IV.– As deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos n.ºs 3 e 4 do art. 1424 para as despesas neles previstas são deliberações com conteúdo negocial contrário à lei e, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280 do CC.

V.– A sanção da anulabilidade prevista no art. 1433 do CC aplica-se a deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio.

Fundamentação:

O art. 1424º do CC tem, presentemente e desde a Lei 32/2012, de 14 de Agosto, o seguinte teor: «Encargos de conservação e fruição
1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
5- Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do nº 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

A primitiva redacção apresentava-se como segue: «Encargos de conservação e fruição
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2.- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.»

Em 1994, o artigo foi alterado pelo DL 267/94, de 25 de Outubro, passando a ter o seguinte conteúdo: «Encargos de conservação e fruição
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2.- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3.- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.»

A grande alteração de 1994 foi o acrescento da norma que recebeu o nº 2, passando os anteriores nº 2 e 3 a nº 3 e 4. As regras dos actuais nº 3 e 4 vêm, portanto, da redacção primitiva, correspondendo aos nº 2 e 3 dela, tendo-se apenas, na regra relativa aos lanços de escadas, suprimido a conjunção «porém». A alteração de 2012 limitou-se a acrescentar o nº 5, relativo a despesas com rampas de acesso e plataformas elevatórias, colocadas por condómino que tenha no seu agregado familiar pessoa com mobilidade condicionada.

O nº 1 do art. 1424º confere-nos a regra geral em matéria de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns: proporcionalidade, com referência ao valor das fracções. As escadas são, entre outras, partes comuns, e os ascensores também assim se presumem (cfr. art. 1421º, nº 1, al. c), e nº 2, al. b), do CC). No entanto, no que respeita ao pagamento das despesas inerentes, os nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra do nº 1. Se as escadas servirem apenas um grupo de condóminos, continuam a ser partes comuns a todos os condóminos, mas as despesas relativas a lanços que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que deles se servem (1424, n. 3) - «não se trata de um serviço efectivo, de um gozo subjectivo da parte dos condóminos, mas sim de uma possibilidade objectiva de utilização» (Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 38 e nota 59, no mesmo sentido M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, p. 130, nota 117). Os ascensores presumem-se comuns, embora nas despesas só participem os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas (1424, n.º 4) – Sandra Passinhas, cit., p. 40.

Na vigência da primitiva versão do art. 1424º (anterior ao DL 267/94), houve quem se pronunciasse no sentido de as normas do art. 1424º do CC terem natureza suplectiva, devendo permitir-se que o título constitutivo da propriedade horizontal ou deliberação de todos os interessados mediante escritura pública afastassem as regras ditadas pelo artigo.
 
Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., de 1987, em anotação ao artigo em causa, p. 431, escreveram: O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra suplectiva o critério da proporcionalidade (…). A segunda regra suplectiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respectivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados» - as ênfases em título constitutivo e estipulação adequada são nossas.
 
Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do título constitutivo (e não directamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um ato de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).
 
Na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública» - ênfases nossa.
 
Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424º norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação. Esta norma do nº 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no nº 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este nº 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do nº 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respectiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação.
 
Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o nº 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo nº 2 do mesmo art. 1424º.

«Disposição», como tantos outros termos, é uma palavra polissémica, mesmo considerando o estrito léxico jurídico. No Código Civil, encontramo-la essencialmente com dois significados que simplisticamente se podem reconduzir a «alienação» e «preceito», como passamos a justificar. Por um lado, encontramos a palavra associada aos poderes de usar e de prescindir da coisa por parte de quem tem o domínio sobre ela, nomeadamente com o significado de alienação ou oneração de bens ou direitos, como no âmbito dos art. 28º, nº 2, 39º, nº 4, 109º, 127º, 153º, nº 1, 197º, nº 1, 226º, nº 2, 274º, nº 1, 622º, nº 1, 764º, nº 1, 819º. Trata-se nestes casos de exercer sobre bens e direitos actos que vão além da mera administração, designadamente dando-lhes destino que implica a mudança de titularidade. Não é este o significado que procuramos.
 
Por outro lado, encontramos «disposição» como preceito e, neste sentido, quase sempre como preceito ou norma legal. É de disposição legal que se trata, e de forma expressa – com a menção «legal» imediatamente a seguir a «disposição» – nos art. 4º, al. a), 14º, nº 1, 67º, 171º, nº 2, 262º, nº 2, 294º, 331º, nº 2, 375º, nº 3, 393º, nº 1, 483º, nº 1, 606º, etc. É também de disposição legal que se trata em casos como os dos art. 285º («as disposições dos artigos subsequentes»), 509º, nº 3 («nos termos desta disposição»), 773, n.º 2 («disposição do número anterior»). Por vezes refere-se «disposição especial», claramente com o sentido de norma especial, por confronto com a regra geral (art. 239º, 296º, 433º).
 
Ainda com o sentido de preceito, regra, por definição, disciplina abstratamente estatuída para situações futuras que se preveem de forma genérica, encontramos a palavra disposição por referência à estatutária ou regulamentar de pessoas colectivas (em geral, associações, fundações – nos art. 163º, nº 1, 171º, nº 2, 180º, 188º, nº 5), e afins (no caso do regulamento do condomínio – nos art. 1424º, nº 2, 1432º, nº 3, e 1435º, nº 4). O condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas coletivas, que a doutrina trata com designações várias – «pessoas rudimentares» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), «figura afim da pessoa coletiva» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., Universidade Católica Editora, 2001, p. 536), «ente não personalizado» (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., ULFD, 1984/85, p. 274).
 
A expressão «salvo disposição em contrário» surge, claramente com o significado de «salvo norma legal em contrário», nos seguintes artigos do CC: no art. 123º, «salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos»; no art. 298º, nº 3, «os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos caos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade»; no art. 570º, nº 2, «se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar»; no art. 750º, «salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido»; no art. 1287º, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação»; no art. 1588º, «o casamento católico rege‐se, quando aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário».
 
Os significados de «disposição» que encontramos no CC são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código «disposição» como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o CC se refere a tal, fala em «cláusula» ou em «estipulação». Em abono da nossa conclusão, repare-se: i) quando o CC ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é «salvo estipulação em contrário», como, entre outros, sucede nos art. 274º, nº 1, 420º, 448º, nº 1, 550º, 852º, nº 1, 862º, 882º, nº 2, 921º, nº 3, 1046º, 1073º, nº 2, 1074º, nº 1 e 5, 1096º, 1138º, nº 2, 1183º; ii) o CC distingue claramente «disposição» e «estipulação» no sentido que expusemos, como sucede nos art. 393º, nº 1 («por disposição da lei ou estipulação das partes»), 772º, nº 1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei») ou 777º, nº 1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei»). 
 
Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424, in Código Civil Anotado, II, Artigos 1251.º a 2334.º, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a «disposição» referida no nº 1 do art. 1424º ser disposição legal ou disposição do título constitutivo, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: «A conjugação do nº 1 do art. 1424º com o nº 2 do mesmo artigo e com o art. 1418º, nº 1 e 2, leva-nos a pensar que, no caso em apreço, a expressão “salvo disposição em contrário” abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do título constitutivo (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos».

As normas dos nº 1, 3, 4 e 5 do art. 1424º do CC são normas jurídicas precetivas, que contêm preceitos, regras de proceder, formas de agir nas circunstâncias que elas próprias preveem (sobre as classificações das regras, v. sobretudo José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e teoria geral, 3.ª ed., ..., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 433-55). As normas precetivas têm, por defeito, caráter imperativo. E assim sucede com estas, pois o nº 1 apenas permite o seu afastamento por disposição em contrário, sendo os nº 3, 4 e 5 as tais disposições que excecionam a regra do nº 1. O nº 2, que se inicia com a adversativa «porém», dando assim indicação de que também vai excecionar a regra do nº 1, autoriza que, dentro de certos limites de quórum e requisitos de conteúdo, parte das despesas a que o nº 1 se reporta, tenham diferente disciplina.
 
O elemento literal das normas do art. 1424º dá-nos a indicação clara, por tudo quanto fomos dizendo, que as regras dos nº 3 e 4 (que são as relevantes no nosso caso) não podem ser afastadas por decisão de condóminos. Também avançámos com razões históricas que nos permitem perceber o nº 2; a simples existência deste enfatiza que qualquer afastamento das demais regras do art. 1424º, que não por via de disposição legal, apenas pode acontecer nos estritos parâmetros definidos pelo nº 2.
 
Há razões fortes para que assim seja, entrando agora noutros elementos da interpretação das normas, nomeadamente no lógico e no teleológico. Na PH estão em permanente tensão interesses individuais de cada condómino e interesses comuns a todos ou a grupos de condóminos. Idealmente, cada condómino está interessado na melhor (já de si discutível) preservação das partes comuns, mas tanto não significa que todos partilhem a mesma ideia sobre a melhor forma se atingir essa preservação e, nomeadamente, que todos concordem com a medida em que cada um deve contribuir para as despesas referentes a partes comuns. 
 
É sobretudo a respeito destas que se defrontam interesses financeiros individuais e interesses coletivos de pagamento das despesas necessárias ao bom estado das partes comuns. Não podia o legislador deixar (como não deixou) nas mãos da maioria dos condóminos a atribuição das despesas a cada um, sob pena de os condóminos minoritários serem esmagados por interesses estritamente económicos da maioria. O que teria nefastas consequências sociais, quer ao nível de cada núcleo habitacional (conflitos entre condóminos, com inerentes perdas na qualidade de vida dos mesmos), quer ao nível social mais alargado, com necessários reflexos na litigiosidade, na conservação do património construído, e na atração e valorização dos imóveis em propriedade horizontal.
 
No campo estritamente contratual, graças ao princípio de ampla liberdade, positivado no art. 405º do CC, as regras que disciplinam os tipos são, em geral, supletivas, ou seja, aplicam-se quando as partes nada estipulem em contrário e haja necessidade de regular aspetos que não previram (para a distinção entre normas imperativas e supletivas, v., além de Oliveira Ascensão, cit., pp. 441-6, Jorge Morais Carvalho, Os limites à liberdade contratual, Almedina, 2016, pp. 174-9). As deliberações das assembleias de condóminos estão num nível regulatório diferente dos contratos na medida em que podem ser tomadas sem intervenção de todos os interessados e, especialmente quando digam respeito ao regulamento do condomínio, mesmo que tomadas por todos os condóminos, podem afetar terceiros, futuros condóminos, que sobre elas não puderam pronunciar-se. Como tal, a lei não pode deixar ao acaso, nas mãos de parte dos condóminos existentes em dado momento, uma regulação que afetará outros, inclusivamente pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio.

Aqui chegados, concluímos que a norma do nº 1 do art. 1424º (proporcionalidade do valor das frações no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do nº 2 e é excecionada pelas regras dos nº 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º, nº 1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia (assim também, Sandra Passinhas, cit., p. 284). 
 
As regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo nº 2 (que, no caso sub judice, de todo o modo não se verificam).
 
A norma do nº 2 do art. 1424º possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no nº 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do nº 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos nº 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.

Ainda que tivéssemos outro entendimento – ou seja, ainda que entendêssemos que as regras dos nº 3 e 4 podiam ser afastadas nos termos do nº 2 –, no caso dos autos o resultado seria o mesmo, uma vez que as deliberações plasmadas nas atas dadas à execução não respeitam os requisitos do nº 2, nomeadamente: não foram tomadas por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, não resultaram em disposição do regulamento do condomínio, não determinam a contribuição paritária nem na proporção da fruição.

Nem se compreenderia, repetimos, que as normas sobre repartição de despesas relativas a partes comuns dos prédios em propriedade horizontal pudessem estar na disponibilidade dos condóminos (além do estritamente regulado no nº 2 do art. 1424º), pois o condomínio corresponde a um conjunto de interesses individuais potencialmente conflituantes, alguns minoritários, que ficariam constantemente prejudicados pela imposição de repartições de despesas favoráveis às maiorias, conduzindo a situações de necessário conflito, com repercussões importantes no bem-estar social, além de prováveis consequências ao nível da própria conservação do património construído que a todos interessa.

Aqui chegados a sanção prevista para a violação das regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC. Ora, uma deliberação que pelo seu objecto imediato ou conteúdo viola norma expressa é nula por via do disposto no art. 280º do CC.

6/23/2021

Usar garagens para outros fins

Naquilo que nos aproveita, segundo a generalidade dos dicionários, o conceito de garagem é o de um lugar próprio para se e estacionar e guardar veículos, local onde se guardam automóveis, lugar coberto, geralmente fechado, que serve para abrigo de automóveis. No entanto, cumpre perguntar, destinam-se as garagens apenas ao parqueamento de qualquer tipo de viaturas?

O velho conceito de garagem

Garagem é o nome atribuído a um espaço, geralmente coberto e fechado (podendo ser outrossim um lugar delimitado por traços pintados no pavimento num espaço amplo, sito na cave de um edifício com múltiplos proprietários), na qual o proprietário pode parquear os veículos para os proteger do tempo inclemente e também de potenciais acções criminosas.

Estes espaços, nos projectos de arquitectura, eram os cómodos "mais pobres" da edificação, sendo mal estruturados, deficientemente revestidos, totalmente desaproveitados e desprovidos, não se sobressaindo nem convergindo com a linha arquitectónica da moradia ou prédio. Em muitos prédios têm-se mesmo como espaços exíguos em face da necessidade de se aproveitar todo o (pouco) espaço disponível, com rampas excessivamente inclinadas e/ou mal projectadas e ângulos de manobra incómodos. 

Sobre estes espaços não havia qualquer cuidado de maior porquanto geralmente estavam localizados num ambiente fechado e potencialmente húmido, por baixo da estrutura da edificação e portanto mais susceptível à ocorrência de patologias na estrutura predial pelo facto de os materiais estarem submetidos a um directo contacto com a humidade, não merecendo portanto, melhor. 

Um novo conceito de garagem

Nos projectos contemporâneos, a garagem ganha todo um novo conceito de ambiente que pode servir para outras finalidades além de acomodar o(s) veículo(s) do(s ) morador(es) da moradia/apartamento. Aliás, nas modernas construções de alto padrão, as garagens ficam, geralmente, na parte posterior do terreno, próximas da área de lazer, para permitir que o espaço possa ser aproveitado como uma sala ou uma varanda em dias de festa, quando os veículos podem ser retirados do local.

Aliás, o conceito norte-americano de garagem na frente do imóvel tem vindo a ser substituído, excepto nos terrenos de menores dimensões, que não possibilitam projectar o espaço para carros em outros pontos, já que o recuo mínimo deve ser de 5,3 metros. Mesmo nos projectos em pequenos espaços, não se usa entrar no imóvel pela garagem, ambiente que fica separado da casa. Nesses casos, a evolução e sofisticação da arquitectura ajudam a criar soluções para deixar as áreas de acomodação dos veículos mais funcionais e esteticamente bonitas.

Nesta conformidade, actualmente as garagens têm-se projectadas com uma dimensão e qualidade de construção que permita que o local seja pratico e funcional, prevendo-se espaço útil para a guarda de bens, a circulação de pessoas, e bem assim a carga e descarga de pessoas e objectos.

O gozo pleno do direito de uso

Nos termos do art. 1305º do CC, "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso (dando-lhe o fim que melhor lhe aprouver), fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (no caso, a moradia ou apartamento), dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (cfr. art. 1422. nº 2 al. c) do CC)". 

Portanto, o uso de coisa definido neste preceito diz respeito à utilização directa da coisa (leia-se, moradia / apartamento) ou como aproveitamento imediato das aptidões naturais dela (conferindo-lhes o uso que melhor se adequar às suas necessidades actuais), conceito distinto de fruição que visa fundamentalmente a utilização da coisa como instrumento de produção - frutos, proventos, etc.

E quanto ao uso da garagem, e relativamente ao fim a que a mesma se encontra adstrita, temos que recorrer não só ao título mas às próprias circunstâncias contemporâneas dele, utilizáveis na sua interpretação. Ora, o uso extemporâneo não pode ser integrada no conceito de se estar a dar um destino diferente à garagem, como se exprime o nº 2 da al. c) do art. 1422º do CC (aplicável a toda a fracção e não a algum dos seus cómodos). Diferente seria se tal utilização (a desse cómodo ou garagem) fosse permanente, por exemplo, como armazém, em grandes quantidades, e com materiais que pudessem por em perigo os restantes condóminos.

Segundo os ensinamentos do Dr. L.P. Moitinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, pags. 88/89, 2ª Edição, Ed. Almedina, Coimbra 1997, "A proibição do uso diverso do fim a que a fracção é destinada (art. l 422, n.° 2, ai. c)), refere-se, como a própria lei estipula, à fracção no seu todo. Visa-se os casos em que a fracção se destina a habitação, querendo-se significar que não pode ser destinada a comércio ou profissão liberal, e vice-versa. Cada condómino, dentro da sua fracção, é livre, como dispõem os preceitos atrás citados, de fazer o que muito bem entender, salvaguardados os direitos de terceiros. E não se vê como pudessem ser prejudicados os demais condóminos pelo facto de aquela garagem se converter em arrecadação ou em garagem e arrecadação simultaneamente. Como se disse, a garagem ou a arrecadação são partes da fracção, em pé de igualdade (porque nada na lei dispõe em contrário) com a cozinha, a sala comum ou qualquer outro quarto. Assim, e mau grado o que consta no título constitutivo da propriedade horizontal, é evidente que o condómino não está impedido de destinar o quarto de banho a quarto de arrumos ou de transformar a cozinha em quarto de dormir. Assim, e por igualdade de razões, não seria objecção séria a de que, o espaço destinado à garagem poderia passar a ser destinado a arrecadação ou outra finalidade idêntica. Aliás, mesmo permanecendo como garagem, aquele espaço pode não ser utilizado como tal, porque, por exemplo, o condómino respectivo não tem carro. Não teria sentido privá-lo de dar-lhe uma finalidade útil.

A regulação dos contratos de seguro

Como é consabido, o regime geral do contrato de seguro extrai-se, ainda hoje, do Código Comercial de Veiga Beirão. Do respectivo art. 426º e § único retira-se "encontrarmo-nos perante um contrato formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento denominado “apólice do seguro”, do qual constam os nomes do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, bem como o objecto e a natureza do contrato, o valor e os riscos cobertos".

Do art. 427º do CCom conclui-se que o contrato de seguro se regula pelas estipulações da respectiva apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do Código. Note-se que, hoje em dia, decorrendo das normas dos art. 32º nº 1 e 2 e 34º nº 2 Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/2008 de 16/4), e ao contrário do que era exigência do CCom (do art. 426º cit. extraía-se que o contrato deveria ser reduzido a escrito, em formalidade que assim, e por decorrência da aplicação dos princípios gerais, se entendia ser um pressuposto da validade do contrato, uma formalidade “ad substantiam”), a formalização do contrato em documento escrito ou suporte electrónico duradouro assume-se agora como mera formalidade de prova, um requisito/documento “ad probationem” do contrato (assim, Prof. Romano Martinez et al., Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, pg. 170).

Aliás, a interpretação do contrato de seguro tem por base as normas legais dos art. 236º a 238º do CC, aos princípios decorrentes da boa fé contratual (cfr. art. 762º nº 2 do CC), e o disposto no DL nº 446/85 de 25/10 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais - LCCG), quanto à parte do clausulado (ou todo ele) que possa revestir a natureza de cláusulas contratuais gerais. Subsistindo alguma dúvida na interpretação das cláusulas do contrato de seguro, deverá pois prevalecer a interpretação mais favorável ao segurado, nos termos do art. 11º nº 2 do DL nº 446/85 de 25 de Outubro.

Ora do disposto no art. 11º nº 2 do LCCG extrai-se que só haverá ambiguidade se as regras comuns dos art. 236º e ss. do CC não resolverem o problema, de modo que a referida ambiguidade seja efectiva. Portanto, as cláusulas ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real (cfr. art. 11º nº 1), na dúvida prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente (cfr. nº 2), sendo nulas as cláusulas contrárias à boa fé (cfr. art. 16º).

Do art. 236º, extrai-se que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o art. 238º vem restringir os termos do art. 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Trata-se da usualmente designada doutrina da impressão do destinatário, recondutível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impondo ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desde forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (cfr. Prof. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente, pg.206). Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (cfr. Prof. P. Mota Pinto, op. cit., pg.208).

Enquanto cláusulas contratuais gerais, regendo as normas do DL nº 486/85 cit., as regras gerais já apontadas de interpretação e integração dos negócios jurídicos são levadas em conta, no contexto de cada contrato singular em que se incluam (cfr. art. 10º do CC). 

Para a identificação do local de risco de um seguro de danos (multi-riscos habitação ou condomínio) não releva a descrição matricial ou registral do imóvel, mas já assume importância a referência aos bens seguros (não apenas ao valor como à respectiva descrição), designadamente como constam da proposta subscrita pelo tomador do seguro, a não sinalização na proposta de qualquer anexo, arrecadação ou garagem cujo conteúdo pretendesse assegurar-se, a indicação na mesma proposta da estrutura da habitação (individual, em banda ou em PH).

Na ausência destas ressalvas, tudo a concluir, por um declaratário normal, estar em causa apenas a habitação do proprietário e respectivo recheio/conteúdo, que não também a totalidade do edificado em que aquela habitação se integrava, cujo aproveitamento possa ter-se feito como arrecadação / garagem / depósito.

O direito de uso vs o contrato de seguro

Há quem defenda que as consequências do uso diverso do imóvel para o fim a que se destina podem ainda reflectir-se a outros níveis, como por exemplo no que toca à actuação dos seguros,. Assim, se ocorrer um incêndio num lugar de parqueamento que se encontre parcialmente ocupado com bens móveis e/ou lenha, o seguro do condomínio, relativo às partes comuns, não cobrirá o sinistro. 

Esta tese não merece o melhor acolhimento, porquanto em causa não está a alteração do fim a que o imóvel se destina, no limite, estará a alterar-se o uso de um cómodo do imóvel, no vertente caso, uma garagem, parcial ou totalmente, para um fim mais adequado às necessidades do proprietário, pelo que, por este expediente, não há razão válida para que o seguro se furte às suas responsabilidades em caso de sinistro.

Coisa diversa resultará, naturalmente, se o proprietário, independentemente de alterar, parcial ou totalmente o fim a que se destina o cómodo, nela faz guarda e/ou depósito de materiais e/ou substâncias potencialmente perigosas (quaisquer líquidos, gases ou sólidos, corrosivos, comburentes, inflamáveis ou espontaneamente inflamáveis, explosivos ou tóxicas que ponham em risco o imóvel), sejam proibidas por lei, ou mesmo quando admitidas, não constam da proposta subscrita pelo tomador do seguro.

Destarte, no pleno gozo do seu direito de uso (cfr. art. 1305º CC), o proprietário pode trocar um quatro por uma sala e vice-versa, dividir uma sala ampla, criando como novo cómodo um quarto extra, ou desconstruir uma parte da parede eliminando um quarto e anexando-o à sala ou à cozinha, pode num quarto que não necessite como tal, passar a usá-lo como ginásio particular, sala de música, biblioteca, sala de jogos, escritório pessoal ou dando-lhe uma qualquer outra utilização lúdica ou de lazer.

Mas cumpre perguntar, e se o proprietário fecha uma varanda posterior ou parte de um terraço, ou todo o terraço, com marquise, deles ou de parte deles fazendo uma "lavandaria", com máquinas de lavar e secar roupa e ferro de engomar? E no que ao aproveitamento da garagem concerne, havendo uma lareira, recuperador de calor ou salamandra a lenha, está o proprietário impedido de comprar lenha à tonelada (como é o uso e costume geral), tendo que a comprar a lenha ao quilo porque não a pode guardar numa garagem? E dentro de casa, já a pode guardar? Lenha não, e briquetes ou pellets, sim? E uma garrafeira, terá que ficar na sala em detrimento da garagem? Se o proprietário se tiver adepto da pesca desportiva ou se realiza trabalhos de bricolage, não pode guardar tais coisas num móvel, na garagem?

Nesta conformidade, a seguradora é estranha ao tipo de uso e/ou aproveitamento que o proprietário faz do seu imóvel, apenas se podendo desresponsabilizar da sua obrigação de indemnização face a um qualquer sinistro, se se provar que o proprietário o empregou para fim diverso ao que se destinava ou se no uso, houve algum manifesto abuso daquilo que se possa considerar um uso normal e prudente.