Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/15/2021

Das decisões dos tribunais

Como em todos os sectores de actividade, sobre as decisões dos tribunais impende uma imprevisibilidade na orientação das suas decisões o que, para os condóminos e administradores de condomínios mais desavisados, transparece que julgam de forma diversa para situações análogas.

Neste concreto, há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido (cfr. art. 655º do CPC).

Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração. Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito. Antes lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação (cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175).

Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa ou irracional. Antes quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência (cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245).

Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas, pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» (cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003). Acresce sublinhar que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais (cfr. Ac. do STJ de 20.09.2004).

Efetivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjetiva, do facto. Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205).

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto. Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. 

É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença convencer os interessados diretos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.

Nesta perspetiva há que considerar que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efetuar pelo Tribunal da Relação. 

Na verdade e como dimana do preâmbulo do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro: «a intenção do legislador, ao permitir um «2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento» (cfr. Acs. do STJ de 02.12.2008 e de 05.09.2011).

A função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional de 3.10.2001, in Acórdãos do TC vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05).

«Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 18.08.04).

Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis (cfr.  Ac. do STJ de19.05.2010).

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos, pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente (cfr. Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009).

Destas sortes, o respeito pelas decisões dos tribunais é um dever cívico para o cidadão e uma obrigação política e administrativas para as autoridades pública.

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