Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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22 julho 2024

Prescrição 5 e 20 anos


A obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescreverão em 5 anos, nos termos do art. 310º, al. g) do CC e o prazo da prescrição começará a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. nº 1 do art. 306º do CC.

Assim, conforme se concluiu no Acórdão do TRP de 06-04-2017 (Pº 6756/16.1T8PRT-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA): “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais, nos termos do art.º 1424º CCiv, e, por isso, renovam-se anualmente, enquanto durar o condomínio – art.ºs 1424º e 1431º, prescrevendo no prazo de cinco anos – al. g) do art.º 310º CCiv.”.

Mas o embargado entende que as obrigações atinentes às quotas extraordinárias, por não se tratar de uma obrigação periodicamente renovável - mas sim, de uma despesa eventual/extraordinária - apenas poderá prescrever nos termos gerais, em 20 anos (cfr. art. 21º da contestação) – cfr. art. 309º do CC.

Será assim?

Neste ponto, subscrevemos as considerações expendidas a respeito desta temática no Acórdão do TRP de 04-02-2016 (Pº 2648/13.4TBLLE-A.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA) do seguinte teor:

"Nos termos da al. g) estão sujeitos a um prazo de prescrição de 5 anos, entre outros, os créditos relativos a “prestações periodicamente renováveis”. Interessa pois determinar o que se deve entender por prestações periodicamente renováveis para efeitos desta norma.

Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, p. 85 e ss., entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.

As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.

Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.

Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.

Quando a al. g) do art. 310º do CC se refere a prestações periodicamente renováveis está pois a reportar-se às prestações emergentes de obrigações duradouras que se classificam como prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, como é o caso da prestação de pagamento da renda a cargo do arrendatário ou da prestação de pagamento do consumidor de água ou electricidade a cargo do adquirente no contrato de fornecimento desse bens.

As prestações relativas ao pagamento das despesas comuns do condomínio que incumbem ao condómino são prestações periodicamente renováveis?

Numa primeira aproximação, a resposta tende a ser afirmativa. Com efeito, essas despesas são normalmente relativas a encargos com a limpeza e a segurança do prédio, o seguro, a aquisição de água e electricidade para as necessidades e zonas comuns, os contratos de manutenção dos serviços comuns como os elevadores e os equipamentos energéticos. Tais despesas têm como causa bens e serviços utilizados ou produzidos quotidianamente, de forma paulatina mas constante, pelo que não apenas o respectivo custo está associado ao decurso do tempo e dele depende essencialmente, como a obrigação de as suportar se renova no fim de períodos temporais consecutivos, em regra a anuidade, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos (ainda que o regulamento do condomínio possa estabelecer que o pagamento pelo condómino seja feito, por exemplo, em duas prestações semestrais). Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. TRL de 22.4.2010, rel. Márcia Portela (p.º 5892/04.1YXLSB.L1-6), de 21.6.2011, rel. Amélia Ribeiro (pº 7855/07.6BOER-A.L1-7), da TRC de 14.11.06, rel. Artur Dias (p.º 3948/04.0TBAVR.C1), e da TRP de 27.05.2014, rel. Vieira Cura (pº 4393/11.6TBVLG-A.P1).

Pode suceder que o condomínio delibere a prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, designadamente com uma obra extraordinária de conservação ou reparação. Nessa situação, ainda que a despesa seja objecto de inclusão no orçamento e de repartição pelos condóminos na proporção das respectivas quotas a acrescer às despesas correntes e normais, parece questionável que a obrigação de pagamento dessa despesa singular possa ser classificada como prestação periodicamente renovável. Daí que tal como se entendeu no Acórdão desta Relação de 14.09.2015, relatado por Carlos Gil (proc. n.º 388/11.8TJPRT-A.P1) e com o que se concorda em absoluto, “as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra.

Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…”.

Resulta assim justificado que as prestações para pagamento das despesas comuns do condomínio podem ou não ser prestações periodicamente renováveis. Se o forem, em princípio estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Caso contrário, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos.

Tendo a execução sido instaurada e estando incluídas na quantia exequenda dividas que se venceram mais de cinco anos antes (cfr. art. 323º, nº 2, do CC), aquela distinção carecia de ser concretizada. Porém, pelas razões que se explicam de seguida, isso não se mostra necessário para decidir a excepção.

Vejamos porquê.

Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o art. 311º do CC, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu nº 1:“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (…)”.

E, em conformidade, concluiu-se no referido aresto de 04-02-2016 que: “Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício. Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.”

De igual modo, no Acórdão do TRP de 17-06-2021 (Pº 627/14.3TBVNG-B.P1, rel. JUDITE PIRES) concluiu-se que: “É de vinte anos o prazo prescricional quanto ao direito de crédito [fundado numa acta de assembleia de condóminos] que esteja a ser exercido por via de acção executiva”.

Revertendo estas considerações para o caso, verifica-se que o direito de crédito está a ser exercido por via de acção executiva, o que sucede em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo”.

Ora, considerando a sua natureza de prestações periodicamente renováveis, pode concluir-se que a obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. g) do art. 310º do CC.

Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o art. 311º do CC, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu nº 1:“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (…).

Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício. Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.

08 julho 2024

Prescrição dívidas


Conforme decorre do disposto no nº 1 do art. 298º do CC, a prescrição traduz-se no “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos. Assim, a prescrição visa salvaguardar a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, garantindo ao beneficiário da mesma a possibilidade de, transcorrido que seja, um determinado tempo fixado na lei, recusar o cumprimento que lhe venha a ser exigido, conforme decorre do art. 304º do CC que determina que, “uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

Como refere Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pag. 380), “a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição”.
Uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca.

É de salientar que a prescrição não configura um facto extintivo, na medida em que não extingue a obrigação prescrita, a qual subsiste, embora convertida em obrigação natural e, daí que, o nº 2 do art. 304º do CC estabeleça que, cumprida a obrigação prescrita, não há lugar à repetição do indevido.

A prescrição constitui uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição).

O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (art. 309º do CC), daí resultando que se não houver disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo de prescrição diferente, a prescrição do mesmo só ocorre uma vez ultrapassado aquele prazo. Todavia, no art. 310º do CC estabelecem-se diversos casos em que o prazo de prescrição é mais curto.

Destarte, pese embora o dito prazo ordinário da prescrição (20 anos), hão prazos mais curtos, excepcionais, de 5 anos (art. 310º do CC), de 6 meses (art. 316º do CC) ou de 2 anos (art. 317º do CC). 

O art. 310º, do CC, em especial, elenca várias situações que prescrevem as situações que se balizam no prazo de 5 anos [cfr. al. a) a f)], sendo que na al. g), refere-se expressamente que também prescrevem no mesmo prazo “…Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis...”.

Conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, pag. 280), “não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos art. 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.

Como refere a doutrina, a razão de ser da fixação deste prazo curto, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor. E, no mesmo sentido, vai a jurisprudência, como é o caso do Ac. do STJ, de 02.05.2002, onde, a propósito de uma situação de prescrição a curto prazo, se decidiu que:

“O prazo da prescrição, começa a contar-se da exigibilidade de cada prestação. Tal prescrição, interrompe-se, todavia, pela citação ou qualquer acto que exprima a intenção de se exercer o direito. A razão de ser de um prazo curto de prescrição das prestações periodicamente renováveis é evitar que o credor as deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor...”. 

Ora, salvo o devido respeito, e no seguimento do entendimento que temos como a melhor doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos ser esta, justamente, a situação atinente às quotas de condomínio, ou seja, a comparticipação das despesas comuns por parte de cada um dos condóminos, constituem obrigações reais, que ambulatórias ou não ambulatórias, são prestações periodicamente renováveis.

Na verdade, não nos parece curial a tese no sentido de que as prestações em dívida constituam per si prestações instantâneas fraccionadas. Estas ocorrem quando, existindo uma única prestação, instantânea por natureza, esta é realizada por partes, ou seja, executada por diversas parcelas, em consequência de convenção das partes. 

O objecto global da prestação é, neste caso e ao invés do que sucede na prestação duradoura, desde o início fixado, mas a execução é escalonada no tempo, realizando-se por diversas fracções ou prestações. Ao invés, quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam — posto que decorrentes de uma só relação obrigacional — diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, teremos as chamadas prestações «reiteradas, repetidas, contrato sucessivo» ou «periódicas» («lato sensu»). 

Por outras palavras, no domínio das chamadas prestações duradouras, isto é, aquelas que não se esgotam num só momento, antes se distendendo no tempo, uma prestação diz-se periódica quando, protelando-se no tempo, tem de ser realizada em momentos sucessivos, com espaçamento em regra regular. 

Entende-se ser este o caso das ditas despesas condominiais, ou melhor dizendo, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum”, como é referido no art. 1424º, nº 1, do CC, que integram, assim, a situação prevista na já referida al. g) do art. 310º, do CC, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos.

Como ensina Aragão Seia “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do art. 1424º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio — art. 1424º e 1431º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - al. g) do art. 310º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. nº 1 do art. 306º CC (…)”.

Mas, todavia, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 7503/16.3T8FNC-A.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), não é forçoso que assim seja:

Com efeito, se é verdade que aquelas despesas sejam impostas com periodicidade mínima, não é forçoso que as mesmas sejam periódicas, porquanto se podem ser fixadas a forfait e cobradas anual, trimestral, ou mensalmente, também podem ter caráter pontual (como sucede relativamente a despesas decorrentes de obras de conservação extraordinárias) – neste sentido cfr. acs. RP de 14-05-2015 (Carlos Gil), p. 388/11.8TJPRT-A.P1, e de 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1.

De qualquer modo, como bem apontaram ARAGÃO SEIA e ABÍLIO NETO, as “quotas” ou contribuições fixadas e cobradas com aquele ritmo anual, semestral, trimestral ou mensal têm natureza periódica e por isso ficam sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto na al. g) do art.º 310º do CC – No sentido exposto cfr., entre outros, os arestos já citados, bem como os acs. RL 21-06-2011 (Mª Amélia Ribeiro), p. 7855/07.6TBOER-A.L1; RP 27-05-2014 (Vieira e Cunha), p. 4393/11.6TBVLG-A.P1; e RE 14-05-2015 (Francisco Xavier), p. 3202/09.0TBLLE-A.E1”.

Haverá, pois, que apurar se o objecto da prestação é determinado em função do respectivo tempo de duração (prestação duradoura, de execução continuada ou periódica), ou antes se é essencialmente determinado em função do valor do bem adquirido (prestação fraccionada), sendo que, só para as prestações duradouras de natureza reiterada ou periódica valerá a prescrição de 5 anos a que se reporta o disposto no art. 310º al. g) do CC, enquanto que, as prestações fraccionadas ou repartidas cairiam no âmbito da prescrição ordinária de 20 anos.

Trata-se de uma evidência que as obrigações não reais, respeitantes a direitos disponíveis, se encontram sujeitas a prazos de prescrição, sendo o mais longo de 20 anos, aspecto que não é posto em causa pelo instituto da propriedade horizontal. A obrigação exequenda reporta-se a uma obrigação pecuniária e não tem natureza real.

27 junho 2024

Art. 6º/5 DL 268/94, introduzido pela Lei nº 8/2022, de 10/01


O DL nº 268/94, de 25 de Outubro pretendeu, entre outros aspectos conseguir o “objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros” (cfr. o seu preâmbulo).Na sua versão original, o artº 6º, sob a epígrafe “dívidas por encargos de condomínio”, tinha a seguinte redação:

1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.

A Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro, procedeu à revisão do regime da propriedade horizontal e alterou determinados preceitos do Código Civil, bem como do DL nº 268/94. Em particular, alterou o art. 6º, nos seguintes termos:

1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no nº 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no nº 1 e 3.
5 - A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.

Importa aqui atentar à interpretação do nº 5 deste art. 6º resultante desta alteração.

Alguma jurisprudência entende que o preceito impôs um novo pressuposto à cobrança judicial das dívidas por encargos de condomínio, ou seja, a acção só poderia ser intentada se o valor em dívida for igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais no respetivo ano civil. (1)

Começando pela letra da lei, o art. 6º constitui uma norma complexa, na medida em que estatui sobre matérias diversas, umas de índole substantiva, outras adjectivas. Assim:

● A epígrafe do preceito estabelece o âmbito, ou seja, regula sobre as dívidas por encargos de condomínio.
● O nº 2 confere força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos para efeitos de reagir contra o proprietário que deixar de pagar.
● No nº 1 estabelecem-se os requisitos para que essa acta tenha força executiva - a acta só constituirá título executivo se contiver o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações (condições de exequibilidade).
● No nº 3 refere-se que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora e as sanções pecuniárias. Contudo, também estabelece uma condicionante: os juros e sanções só integrarão o título executivo se (“desde que”) estiverem aprovados em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
● Depois, no nº 4 impõe-se um comando ao administrador – é ele quem tem de instaurar a acção judicial para cobrar as quantias em dívida.
● Por fim, no nº 5 refere-se que essa acção judicial deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.

Daqui decorre que: (i) a acção judicial tem de ser instaurada no prazo de 90 dias a seguir ao primeiro incumprimento; (ii) só não o será se a assembleia tiver deliberado em contrário; (iii) a acção judicial só terá de ser instaurada nos 90 dias no caso em que o valor em dívida tenha já um montante igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil.

Duas hipóteses se podem prefigurar:

i. a limitação do valor em dívida reporta-se à obrigação do administrador em instaurar a acção;
ii. a limitação do valor em dívida reporta-se à exequibilidade do título.

Em nosso entender, estamos perante a 1ª hipótese. A estipulação do valor em dívida por referência ao valor do indexante dos apoios sociais pretende referir-se à responsabilidade do administrador em propor a acção, e não às condições de exequibilidade do título.

Em termos gramaticais, o nº 5 do art. 6º constitui uma oração subordinada adverbial condicional que, como se sabe, exprime condição ou uma hipótese.(2)

Assim, a oração subordinada (“desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil”) tem de ser perspetivada em função da oração subordinante (“A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino”).

Não faria sentido que esta oração subordinada do final do nº 5 estivesse a completar o sentido de uma outra oração (subordinante), designadamente das contempladas nos números 2 e 3 do preceito que são as que se referem à força executiva do título.

Cremos que esta interpretação é também a que melhor se enquadra no elemento sistemático de interpretação.

A Lei nº 8/2022 procedeu à revisão do regime da propriedade horizontal olhando-a como um todo, pelo que além do DL nº 268/94, alterou também preceitos do Código Civil (CC) e do Código do Notariado.

No que toca às funções do administrador do condomínio foram introduzidas inovações em termos de maior responsabilização.

Assim, nos termos da actual redacção do art. 1436º do CC, compete ao administrador exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia (nº 1 al. f).

E, no nº 3 desse preceito, ficou expressamente consignado que o administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, (…) é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.

Certamente que o legislador não desconhece que existem quotas mensais de condomínio de valor que se pode considerar “irrisório” (dívidas de pequeno valor), pelo que a posição dos administradores ficaria gravemente comprometida se tivessem de instaurar acções judiciais por todas e quaisquer quotas, independentemente do seu valor mensal, sob pena de incorrerem em responsabilidade civil. Além dos congestionamentos que uma tal imposição provocaria nos tribunais.(3)

Nessa medida, a estipulação do valor em dívida por referência ao valor do indexante dos apoios sociais funciona como uma limitação da obrigação imposta ao administrador em intentar acção de cobrança das dívidas.

Ou, noutra perspetiva, como uma delimitação da responsabilidade: o administrador só incorre em responsabilidade civil por omissão no caso de o valor das quotas em dívida igualar ou for superior ao indexante de cada ano civil.

Face ao exposto, conclui-se que tem existido erro na interpretação da lei.

Notas:

(1) Em 2024 é de 509,26€.
(2) «As conjunções subordinativas estabelecem uma relação de dependência entre duas orações, uma subordinante e uma subordinada, tendo esta última a função de completar o sentido da primeira (a subordinada depende da subordinante e, regra geral, pode ser anteposta)», podendo ser causais, temporais, condicionais, etc. - in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
(3) Pode ler-se na exposição de motivos do Projeto de Lei nº 718/XIV/2.ª, que deu origem à Lei nº 8/2022: «São evidentes as crescentes exigências que se apresentam a quem vive, trabalha ou simplesmente é proprietário de fracções autónomas em prédios em regime de propriedade horizontal, bem como as idênticas exigências que se colocam a quem, pessoa singular ou coletiva, tem a seu cargo a administração dos respetivos condomínios. Muitos dos condomínios apresentam um elevado número de fracções, o que, só por si, torna mais complexa a administração das partes comuns e, consequentemente, as deliberações acerca dos encargos de conservação e fruição que devem ser pagas por todos os condóminos. Tal realidade contribui, muitas vezes, para a criação de inúmeros obstáculos para quem administra os condomínios, o que, consequentemente, potencia o atraso nas decisões e, por isso, a deterioração dos prédios, acarretando prejuízo para todos os condóminos, nomeadamente prejuízos inerentes ao acréscimo de despesas futuras na recuperação dos mesmos. (…) Depois, o presente Projeto-Lei introduz mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança, os quais a administração do condomínio pode e deve concretizar no sentido de responder às necessidades dos condóminos, de forma mais célere e eficaz.
Pretende-se também conferir um maior grau de responsabilidade, por um lado, aos próprios condóminos e, por outro lado, a quem administra o condomínio.
O diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da ata da assembleia de condóminos, a legitimidade processual ativa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de frações autónomas, colocando fim, neste último aspeto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações.

25 junho 2024

Art. 6º DL 268/94 de 25/10



O art.º 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC elenca como títulos executivos, entre outros, “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”

O DL nº 268/94, de 25/10 criou um destes títulos executivos especiais, procurando solução que tornasse mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros (tal como se lê no respectivo Preâmbulo).

O respectivo art. 6º dispunha que a Acta da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

Desta forma, o legislador passou a atribuir força executiva à Acta da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio instaurar acção executiva contra o proprietário da fracção, condómino devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, sem que, previamente, tivesse que lançar mão ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento do crédito.

Apesar de este normativo ter, entretanto, sido alterado pela Lei nº 8/2022, de 10/01, continua a ser esta a redação aplicável ao caso em análise, já que era a vigente na data da Assembleia de Condóminos em que se produziu a Ata apresentada como título executivo.

Ao longo dos anos foi-se sedimentando na doutrina e na jurisprudência a interpretação deste normativo legal, no sentido de que apenas constitui título executivo a Acta que contenha deliberação sobre os montantes concretos das contribuições devidas ao condomínio em cada ano, a individualização da quota parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento de tais contribuições.

Esta é também a nossa opinião.

Assim, Delgado de Carvalho refere “(…) a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria deliberação da assembleia de condóminos, vertida em acta, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota-parte nas contribuições e nas despesas comuns.”

Por seu turno, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, no mesmo sentido, defendem que “Em bom rigor, o que se pretende é que a obrigação (na sua constituição inicial ou traduzindo a existência de um débito) conste da acta de assembleia de condóminos e a responsabilidade do executado seja apurável por simples cálculo aritmético por referência a cada um dos períodos considerados em dívida.”

Na jurisprudência, decidiu-se neste sentido designadamente no Acórdão do STJ de 14/10/2014, tendo como Relator Fernandes do Vale: “Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependente, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, ser explicitado aquele valor.”

Bem como no recente Acórdão do TRP de 27/11/23, tendo como Relator Miguel Baldaia de Morais: “Para valer como título executivo nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25.10, a ata da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respetivo.”

Aliás, quaisquer eventuais dúvidas interpretativas foram, a nosso ver, ultrapassadas pela Lei nº 8/2022, de 10/01 que, substituiu o indicado art. 6º do DL n.º 268/94, de 25/10, pela seguinte redação: “1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações. 2 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no nº 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”

Efectivamente, este diploma legal confere força executiva às deliberações que tenham por objeto “o montante das contribuições a pagar” contra o proprietário “que deixar de pagar”.

Ora, tais deliberações são efectuadas tipicamente nas Assembleias de Condóminos em que se aprova os orçamentos para o ano seguinte e/ou os orçamentos para a realização de obras ou pagamento de outros encargos do condomínio, por referência a um valor global.

Além disso, a expressão “deixar de pagar” refere-se a uma projecção para o futuro, a um potencial futuro incumprimento, levando-nos a considerar ser desnecessária a prévia constituição em mora do condómino.

Se o Condomínio Exequente apresentar como título executivo uma acta da Assembleia de Condóminos, constando da mesma, no último ponto da ordem de trabalhos, sob o título “Outros assuntos de interesse para o condomínio”, uma lista de meses em débito associada à fração devedora e aos executados, enquanto proprietários da mesma, identificando os meses e o total em dívida, seguida da declaração de que “…a assembleia após devida discussão mandatou o Exmo. sr. Administrador mande instaurar, nos termos legais, as respetivas acções judiciais destinadas a cobrar as prestações em dívida…”.

Assiste inteira razão ao Recorrido/Embargante ao defender que nesta acta não consta qualquer deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas por si ao condomínio, nem a fixação da sua quota-parte nem o prazo de pagamento respetivo relativamente aos anos em crise. Bem como não consta sequer qualquer deliberação no sentido da aprovação das dividas vencidas dos condóminos relapsos, particularmente das do Recorrido.

Isto é, a Acta apresentada como título executivo não reune as condições de exequibilidade consagradas na lei acima analisada.

Consequentemente, uma acção assim intentada tem como resultado a decisão de procedência da excepção de falta de título contra as executadas, com a absolvição das mesmas da instância executiva, nos termos dos arts. 577.º e 578.º do CPC, e inerente extinção da execução.

20 junho 2024

Responsabilidade pelas custas



Estabelece o nº 1 do art. 1424º do CC que, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”.

A jurisprudência dominante tem qualificado as contribuições dos condóminos nos termos da citada disposição legal como prestações periódicas, visto que o seu montante depende da aprovação, pela assembleia geral de condóminos, a qual, reúne pelo menos uma vez por ano – vide art. 1431º, nº 1, do CC.

E, efetivamente, em regra, as contribuições dos condóminos para a satisfação das despesas comuns têm efectivamente uma natureza que se pode considerar tanto regular, como periódica.

Aliás, como salienta Aragão Seia (Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2022, pag. 131, nota 9), “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º".

Enquanto condóminos, estão estes obrigados a comparticipar para as despesas tidas por necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio e bem assim, ao pagamento de serviços de interesse comum (cfr. art. 1424 CC).

Cumpre contudo perguntar: E as despesas de contencioso e com honorários de um solicitador ou advogado motivadas pela instauração de ações contra um condómino que não procedeu, por exemplo, ao pagamento das comparticipações para o condomínio, constituem despesas a realizar pelo condomínio?

Como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual: um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo por isso as custas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for; ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda.

Ora, de facto, estamos face a despesas que operam evidentemente no interesse comum, pela importância que tais comparticipações assumem para suportar os encargos com as partes comuns do prédio. Nessa medida, podem e devem as despesas de contencioso e honorários de solicitador ou advogado, considerarem-se despesas que se inserem no âmbito do pagamento de serviços de interesse comum.

No entanto, podem os condóminos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, assumir tal encargo (cfr. art. 559º/1 a) CC), ou, pode a assembleia de condóminos deliberar um diferente critério de pagamento de tal serviço, sem que tal deliberação contenda com o estabelecido no regulamento ou com o regime legal da propriedade horizontal.

Como se começou por referir o art. 1424º/1 CC estabelece uma norma supletiva quanto à forma de repartição das despesas. A assembleia de condóminos pode deliberar noutro sentido e atribuir ao condómino o pagamento das despesas de contencioso e honorários com solicitador ou advogado, quando aquele dá causa à acção destinada, por exemplo, a cobrar as prestações para o condomínio. 

Uma tal deliberação, representa uma norma que se enquadra na esfera de poderes conferidos à assembleia de condóminos por estar ainda em causa uma deliberação sobre pagamento de despesas efectuadas no interesse comum.

Conclui-se, assim, que a deliberação que prevê a constituição de mandatário para promover acções judiciais no sentido de obter, por exemplo, a cobrança das comparticipações em divida ao condomínio e faz repercutir as despesas com contencioso e honorários a solicitador ou advogado sobre o respetivo condómino faltoso, insere-se nos actos de gestão da assembleia pois são as comparticipações que permitem suportar os encargos e fruição das partes comuns do prédio. 

Se a promoção de tais acções decorre do interesse comum e constitui uma das funções do administrador do condomínio (cfr. art. 1436º/e) CC), já as despesas inerentes não o são e por isso, justifica-se que tais encargos sejam suportados por quem deu causa às mesmas, como se haja decidido em deliberação.

18 junho 2024

Prescrição dividas

 

A prescrição de dívidas é um instituto jurídico que estabelece um prazo após o qual o credor perde o direito de exigir o pagamento de uma dívida ao devedor. Este prazo varia de acordo com o tipo de dívida e as circunstâncias específicas envolvidas. No que às dívidas condominiais importa, estas podem estar sujeitas ao prazo ordinário de 20 anos (cfr. art. 310º CC), ou o especial, de 5 anos (cfr. art. 309º/g) CC).

Conforme resulta do art. 303º do CC, para que a prescrição de dívidas produza efeitos, deverá ser invocada pelo devedor, de forma judicial ou extra-judicial. Pelo exposto, caso o condómino tenha dívidas prescritas, poderá opor-se ao pagamento, primeiramente pela via extra-judicial, para tanto, enviando uma carta registada (com aviso de receção, se pretender) para o administrador do condomínio.

Importa ressalvar que, a prescrição de uma dívida produz os seguintes efeitos:
  • Extingue-se o direito do credor poder proceder à sua cobrança: Portanto, após a prescrição, o administrador perde o direito de poder exigir o pagamento da dívida ao condómino devedor.
  • Libertação do devedor da obrigação de pagar: Vale por dizer que o condómino devedor não é pode ser obrigado a pagar a dívida prescrita, mesmo que o condomínio ainda a considere válida.
  • Invocação da prescrição face à cobrança judicial: Nada impede que o administrador intente a cobrança judicial para exigir o pagamento de uma dívida prescrita, porém, pode esbarrar na oposição do condómino, caso este invoque a prescrição.


Minuta da carta

(Nome a morada completa remetente)

(Identificação administrador e condomínio)

Carta registada

Assunto: Prescrição de dívida

Exmo Senhor Administrador, após ter sido interpelado(a) em (data) para proceder voluntariamente ao pagamento da(s) comparticipações correspondentes ao mês de (mês) de (ano), até ao mês de (mês) de (ano) no valor de (€...), acrescido de juros/penas no valor de (€...), a que corresponde o valor global de (€...). 

Nesta tessitura, importa ressalvar que tais comparticipações, por se tratarem de prestações periodicamente renováveis, encontram-se prescritas, atenta a disposição especial contida no disposto no art. 310º, al, g) do CC, que fixa o prazo prescricional em 5 anos. 

Deste conspecto e nos termos tuteladores do art. 304º (efeitos da prescrição) e em conformidade com o disposto no art. 303º (invocação da prescrição), ambos do CC, serve a presente missiva para invocar a prescrição que sobre aquelas comparticipações impende, e consequentemente de usar da faculdade de me opor ao exercício daquele prescrito direito. 

Com os melhores cumprimentos,

Local e data

(Nome e assinatura manuscrita)

10 janeiro 2024

Alterações ao regime da PH - art. 1424º e 1424-A - III


4. A NOVIDADE DO ARTIGO 1424º-A, Nº 1 E 2 
 
Nos termos do art. 1424º-A/1 do CC, actualmente a escritura ou o documento particular autenticado de alineação da fracção tem de ser instruída com a declaração emitida pelo administrador da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio, em vigor relativamente à fracção, com especificação da sua natureza, respectivos montantes e prazos de pagamento, bem como, caso se verifique, das dívidas existentes, respectiva natureza, montantes, datas de constituição e vencimento (28). 
 
De acordo com o nº 2 do citado artigo, o alienante antes da alienação terá de requerer ao administrador a dita declaração, que este emitirá no prazo máximo de 10 dias, e que será um documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado de alienação da fracção em causa (salvo o disposto no nº 3). Esta declaração, por um lado terá de descrever todas as obrigações inerentes ao condomínio no que concerne aos encargos e por outro lado terá de conter as obrigações reais vencidas e não vencidas. 
 
Pretendeu assim, o legislador com esta imposição assegurar que o adquirente tome conhecimento das suas obrigações, enquanto condómino. Preocupante parece-nos o constante do art. 1424º-A/3 do CC que consigna que será civilmente responsável o administrador de condomínio se não emitir a declaração, não a emitir a atempadamente, ou não a emitir de forma exacta e completa. Na verdade, a imposição desta obrigação e as consequências advenientes do seu incumprimento, farão com que muitos condóminos venham a recusar assumir o cargo de administrador, com receio de não conseguirem cumprir de forma adequada a sua obrigação e incorrerem em litígios judiciais indesejáveis. 
 
Julgamos que, sendo o negócio realizado entre o alienante e o adquirente da fracção, deveria ser o alienante, ao abrigo do princípio da boa-fé, a fornecer as informações constantes da dita declaração e não o administrador, que não é sequer um dos contratantes. Por outro lado, esta solução legal provocará uma crescente profissionalização da administração de condomínio, que penalizará os pequenos edifícios, com encargos crescentes. 
 
Tal como anteriormente se referiu, é responsável pelo pagamento das dividas, o proprietário da fracção no momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas, mas de forma surpreendente, o art. 1424º-A/3 estabelece que se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fracção, que prescinde da declaração do administrador, aceitará, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor para com o condomínio. 
 
Temos dificuldade em aceitar esta solução como equilibrada e correcta. Isto significa que na sequência de tal declaração, o adquirente irá assumir a responsabilidade pelo pagamento de serviços e despesas dos quais não beneficiou, nem irá beneficiar (29). 
 
Para além disso, o regime do direito das obrigações em geral, particularmente quanto à transmissão singular de dívidas - art. 595º e ss. do CC (assunção de dívida) que exige a intervenção do credor ratificando ou intervindo contratualmente - é aqui preterido, sendo uma alteração que retira coerência e unidade ao sistema jurídico. 
 
5. A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 6º, Nº 5 DO DL 268/94 ALTERADO PELA LEI 8/2022 
 
O artigo 6º nº 5 do DL 268/94 com a redacção que lhe foi dada pela lei 8/2022 de 10 de Janeiro pretende “obrigar” o administrador a cobrar os créditos do condomínio, fixando-lhe para tal um prazo de 90 dias, a partir do primeiro incumprimento. No entanto, mais uma vez, a sua redacção não nos parece a mais feliz, levantando-se dúvidas interpretativas, senão vejamos: consta do referido nº 5 que “A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil”. 
 
Ora, o legislador pretende impor duas condições cumulativas para que o administrador não tenha de interpor a acção, nomeadamente a existência deliberação e estar perante dívidas de pequeno valor. A exigência de duas condições cumulativas parece resultar da utilização do “e”? Ou pelo contrário, basta estarmos perante uma dívida de pequeno montante para o administrador não esteja obrigado a intentar a acção? De igual forma, se existir apenas a deliberação da Assembleia já não será o administrador obrigado a intentar acção, independentemente do valor do crédito? 
 
Na verdade, parece que o legislador terá tido a intenção de obrigar o administrador a intentar acção judicial no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, sem necessidade de qualquer autorização da Assembleia, quando que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil. 
 
O administrador só não estará obrigado a fazê-lo quando a Assembleia deliberar no sentido da não cobrança judicial. Assim o refere Márcia Passos, uma das autoras do Projecto de Lei 718/XIV/2 (30). Se esta foi a intenção de legislador parece-nos que a redacção do nº 5 do art. 6º do DL 268/94 deveria ter sido outra, pelo que deveria ter constado: A acção judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos. 
 
Em conclusão se dirá que, a interpretação do pensamento legislativo que parece mais adequada, será no sentido de que:
 - Se o administrador se deparar com um primeiro incumprimento superior a 90 dias, de valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, não está obrigado a intentar acção judicial; 
- Estando perante valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, só poderá intentar a competente acção se a assembleia deliberar nesse sentido, conferindo-lhe poderes para o efeito. 
- Se a dívida for superior ao valor indexante de apoios sociais do respectivo ano civil e se o primeiro incumprimento do condómino for superior a 90 dias, não só o administrador não necessita de deliberação ou autorização, como estará obrigado a intentar acção (salvo deliberação da Assembleia no sentido da não cobrança).

6. CONCLUSÃO 
 
Da análise que fizemos às alterações introduzidas nas normas referidas, cumpre salientar em conclusão que não nos parece necessária, nem feliz a alteração efectuada ao art. 1424º/1 do CC tanto mais que esta norma já definia quem era o responsável pelo pagamento das despesas condominiais, embora não o fizesse em caso de alienação. 
 
Acresce que, a redacção constante do art. 1424º/1 do CC, encontra-se em contradição com os nº 3 e 4 do art. 1424-A, o que veio provocar dúvidas quanto à sua interpretação, que poderão fomentar a litigiosidade dentro e fora dos tribunais. Não podemos afirmar que o nº 1 do art. 1424º estabelece a regra, e que o nº 3 e 4 do art. 1424º-A, contêm uma excepção, uma vez que o art. 1424º/1 do CC e o art. 1424º-A nº 3 e 4 tratam agora da mesma questão de saber quem será o responsável pelo pagamento das dívidas ao condomínio, em caso de alienação. 
 
De qualquer forma, o art. 1424º-A do CC vem estabelecer que a responsabilidade pelas dívidas existentes é aferida em função do momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas (nº 3) e os montantes que constituam encargos do condomínio, independentemente da sua natureza, que se vençam em data posterior à transmissão da fracção, são da responsabilidade do novo proprietário (nº 4). 
 
Neste sentido, em caso de alienação da fracção, resulta que o adquirente só será responsável pelo pagamento das dividas condominiais que se vençam após a sua aquisição. Foi assim abandonada a doutrina e a jurisprudência dominante que efectuavam uma análise casuística tendo em atenção a clássica relação entre a obrigação de cumprimento e o gozo da coisa, o que permitia uma solução justa e equilibrada. No entanto, em abono da verdade, a solução legal ao terminar com a análise casuística permite uma maior segurança e certeza na aplicação do direito. 
 
O constante do art. 1424º-A/3 do CC consigna que será civilmente responsável o administrador de condomínio se não emitir a declaração, não a emitir atempadamente, ou se a emitir de forma inexacta e incompleta. A imposição desta obrigação e as consequências advenientes do seu incumprimento, farão com que muitos condóminos venham a recusar assumir o cargo de administrador, provocando uma maior profissionalização da administração de condomínio e um aumento de despesa para os condóminos. 
 
É responsável pelo pagamento das dividas, o proprietário da fracção no momento em que as mesmas deveriam ter sido liquidadas, mas o art. 1424º-A/3 estabelece que se o adquirente expressamente declarar, na escritura ou no documento particular autenticado que titule a alienação da fracção, que prescinde da declaração do administrador, aceitará, em consequência, a responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio. 
 
Temos dificuldade em aceitar esta solução como equilibrada e correcta. Isto significa que o adquirente irá suportar o pagamento de serviços e despesas dos quais não beneficiou, nem irá beneficiar. Acresce que a punição sofrida pelo facto de não ter pedido uma declaração – suportar o pagamento de dívida alheia - não se mostra adequada, nem razoável. No que diz respeito ao art. 6º, nº 5 do DL 268/94 com a redacção que lhe foi dada pela Lei 8/2022, podemos concluir que se administrador se deparar com um primeiro incumprimento superior a 90 dias, de valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, não está obrigado a intentar acção judicial. 
 
Por outro lado, estando perante valor inferior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil, só poderá intentar a competente acção se a assembleia deliberar nesse sentido, conferindo-lhe poderes para o efeito. Por fim, como já se referiu, se a dívida for superior ao valor do indexante de apoios sociais do respectivo ano civil e se o primeiro incumprimento do condómino for superior a 90 dias, não só o administrador não necessita de deliberação ou autorização, como estará obrigado a intentar acção (salvo deliberação da Assembleia no sentido da não cobrança).
 
Notas:

28 Em consonância foi alterado o Código do Notariado - art. 54º/3:” Os instrumentos pelos quais se partilhem ou transmitam direitos sobre prédios, ou se contraiam encargos sobre eles, não podem ser lavrados sem que se faça referência à declaração prevista no nº 2 do art. 1424º-A do CC, sem prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo artigo.” 
29 Veja-se a este propósito, Margarida Costa Andrade na exposição de 4/5/2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5/9/2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY
30 Assim o refere Márcia Passos, uma das autoras do Projecto de Lei 718/XIV/2 - https://observatorio.almedina.net/ index.php/2022/01/13/propriedade-horizontal-resumo-das-alteracoes-ao-regime-lei-n-o-8-2022-10-01/. Consultado em12/05/2022

02 janeiro 2024

Alterações ao regime da PH - art. 1424º e 1424-A - II


3. ANÁLISE DA QUESTÃO DA AMBULATORIEDADE DAS OBRIGAÇÕES CONDOMINIAIS
 
Para melhor enquadramento da problemática em análise é essencial analisarmos e percebermos uma questão que vinha sendo trabalhada pela doutrina e jurisprudência e que pretendia responder à questão de saber, se as obrigações relacionadas com os encargos de condomínio, se transmitem ou não ao novo titular do direito real. Neste sentido, para tentarmos analisar esta alteração legislativa torna-se necessário abordar a questão da ambulatoriedade das obrigações condominiais, no que concerne aos encargos, nomeadamente aferir se estas obrigações se transmitem, ou não, para o novo titular do direito real. 
 
Diga-se que as obrigações serão ambulatórias quando se transmitem com o direito real, passando a onerar o seu titular. Ora, no passado discutia-se, se em caso de transmissão do direito de propriedade, a obrigação de pagamento era sempre ambulatória, ou não. Uma parte da doutrina defende que se trata de obrigações reais ou propter rem (4) e em consonância, a obrigação acompanha sempre o direito real. De acordo com esta orientação, o condómino que adquirisse o direito de propriedade seria responsável pelo pagamento não só dos encargos que se vencessem após a sua aquisição, mas também por aqueles que se tenham vencido antes e que não se encontrassem ainda liquidados. 
 
Para José Alberto Vieira, a fonte da obrigação propter rem é o direito real, pelo que havendo transmissão do direito real, a obrigação propter rem irá incidir sobre o novo titular. Neste sentido, “a transmissão do direito real exonera o transmitente do dever de prestar, fazendo-o recair no novo adquirente. E isto, mesmo em relação a dívidas vencidas” (5). Também Alessandro Natucci (6) defende o carácter ambulatório das obrigações reais. Este autor defende a obrigação propter rem é uma obrigação do proprietário, ou do titular de outro direito real ou até apenas do possuidor, transmitindo a quem vier a ocupar essa posição jurídica. 
 
A outra parte da doutrina que julgamos ser maioritária, encabeçada por Henrique Mesquita, defende que se deve avaliar cada situação, em concreto (7): - As obrigações de facere (8), “que imponham ao devedor a prática de actos materiais na coisa (9) “serão ambulatórias, transmitindo-se por isso para o novo titular do direito real. Tal como refere Henrique Mesquita é o caso do usufrutuário que vendeu o seu direito de usufruto quando o edifício necessitava de reparações ordinárias indispensáveis para a sua conservação (art. 1472º do CC). Aqui o adquirente tem de realizar as obras porque a “obrigação resulta directa e imediatamente, da aplicação do estatuto do direito à situação em que a coisa objectivamente se encontra” (10); - As obrigações de dare, isto é, as obrigações cuja prestação consiste na entrega de uma coisa, serão não ambulatórias, sendo devidas pelo titular do direito real, no momento em que surgissem (11). 
 
É o caso do condómino que suporta mensalmente o pagamento da quota de condomínio tendo em vista a conservação e a fruição das partes comuns. Henrique Mesquita (12) refere que se estivermos perante prestações em atraso, relativas a despesas normais não será justo fazê-las recair sobre o adquirente da fracção porque o adquirente não dispõe de elementos objectivos que relevem a existência de dívidas (13) e também porque estamos perante uma contrapartida de um uso ou fruição das partes comuns do edifício de que o alienante beneficiou, pelo que deverá ser este a suportar o seu pagamento. No entanto, aqui existe uma excepção dado que seriam ambulatórias as obrigações de dare “que se encontrem objectivados na coisa sobre o que o direito real incide”,(14) sendo aqui o adquirente o responsável pelo pagamento. 
 
Adoptando um exemplo de Henrique Mesquita, se estivermos perante uma reparação de um telhado danificado numa tempestade da qual o alienante não irá beneficiar deverá ser o adquirente a suportar o seu pagamento (15). Na verdade, se o administrador de condomínio contrata um empreiteiro para reparar o telhado, mas antes de ser efectuado o pagamento, um dos condóminos vende a sua fracção, a obrigação propter rem já havia nascido antes da venda. No entanto, esta obrigação deve transmitir-se para o novo proprietário, porquanto o alienante não terá nenhum benefício com a mesma, o mesmo não acontecendo com o novo proprietário que gozará da obra e por isso mesmo, deverá suportar o seu custo, tanto mais que o adquirente objectivamente dispunha de elementos para conhecer a despesa que existia. 
 
Do ponto de vista jurisprudencial existem acórdãos de sentido oposto, no que diz respeito à questão de saber quem é o responsável pelo pagamento das dívidas de condomínio: o alienante ou o adquirente. Tal como consta do Acórdão do TRP de 16-12-1997, que tem como relator Manuel Domingues Fernandes referente ao processo n.º 9720870, existem duas correntes opostas (16): “- A primeira tem entendido que, apesar de se tratar de típicas obrigações propter rem, não têm uma das suas características definidoras, que é a ambulatoriedade. Comportam as obrigações que decorrem do uso normal do bem, em que o pagamento do condomínio é a contrapartida disso, de forma a fazer face às despesas com a limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração. O mesmo não sucede com as obrigações que implicam melhorias, alterações ou reparações, em que é o novo proprietário a tirar proveito delas, mesmo tendo sido o anterior proprietário a deliberar e aprovar as mesmas em assembleia de condóminos;- A segunda, por seu turno, entende que toda e qualquer obrigação propter rem tem como característica a ambulatoriedade. É essa, até, a sua principal característica, a par da sua titularidade ser definida pela titularidade do direito real.” 
 
No âmbito da primeira corrente jurisprudencial, que é largamente dominante, podemos citar o STJ referente ao Proc 10076/03.3TVLSB.L1.S1 de 08- 06-2017 (17) que no fundo adopta a posição de Henrique Mesquita: “As obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação. As prestações de dare previstas nos artigos 1411º/1 e 1424º/1 do CC destinadas a um fundo de maneio, na base de uma mera estimativa, tendo em vista a futura reparação da fachada de imóvel (benfeitoria necessária) constituído em propriedade horizontal que se vencerem depois da venda do imóvel, não são, em princípio, da responsabilidade do alienante. Podem, no entanto, verificar-se situações em que não deva considerar-se o subadquirente obrigado ao pagamento das prestações vencidas após a venda, considerando o montante do valor a pagar, o prazo de pagamento e a ausência de conhecimento relativamente à deliberação, anterior à aquisição da fracção pelo novo consorte, que fixou o montante a pagar para fundo de maneio, salvo sempre nova deliberação da assembleia que o vincule.” 
 
Também o Ac. do TRP referente ao Proc. 2332/20.2T8PNF.P1, de 09/06/2021 (18) relaciona a obrigação de pagamento com a fruição: “No caso de prestações destinadas a custear as despesas do edifício constituído em propriedade horizontal, em caso de alienação de fracção, as mesmas representam uma contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício), devendo ser pagas pelo alienante ou pelo adquirente que delas usufrua efectivamente, independentemente da data da sua aprovação em assembleia de condóminos”. 
 
Por sua vez, se estivermos perante despesas relativas à conservação das partes comuns, o TRP (19) entende que deveremos efectuar uma análise casuística, em consonância com a doutrina de Henrique Mesquita. Se estivermos perante reparações que não se encontram ainda executadas ou não concluídas, os respectivos encargos, deverão ser suportados pelo adquirente, pois este tinha ao seu dispor objectivamente, não só os elementos que lhe permitiam conhecer a existência da obrigação acrescendo que será ele que irá retirar o proveito das mesmas. Se as reparações já estiverem concluídas, como o adquirente não dispõe de elementos objectivos que indiciem a existência da obrigação o encargo deverá ser suportado pelo alienante. 
 
O mesmo sucede com o Ac. do TRL referente ao Proc. nº 14836/14.1T8LSB.L1 de 14-09-2017 (20): “A obrigação de pagamento das despesas de condomínio, correspondentes a prestações ordinárias e de vencimento periódico, destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar o normal funcionamento do condomínio, não deve, em regra, transmitir-se para o novo adquirente de determinada fracção, não sendo justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diverso – por outra pessoa (o anterior proprietário), que foi quem fruiu da fracção durante o período que originou as despesas em causa, pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento (21).” 
 
No mesmo sentido, o Acórdão do TRE a referente ao Processo 8632/15.6T8STB--A.E1, de 07-06-2018 (22) decidiu que “Tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção”. 
 
Igualmente representativo é o Ac. do TRL referente ao Proc. 364/2006-6 em que foi Relator Pereira Rodrigues, de 02-02-2006 (23), em que se refere que: “Tem entendido a doutrina Henrique Mesquita in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, RDES, XXIII, 130 e jurisprudência Ac. da RL de 14.12.2004, in Cj, 2004, V, 117 e ss. que esta obrigação de contribuir para estas despesas das partes comuns é uma típica obrigação propter rem. Este tipo de obrigação define-se como “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa ”Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, Reprint, 366-367. 
 
A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em PH é, assim, uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da facção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efectuar para a realização das aludidas obras. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respectiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fracção. 
 
Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fracção de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular. E este entendimento é o que parece mais razoável em face de quem tira proveito do gozo do bem. Assim, no que concerne ao alienante, não se justifica que ele tenha de contribuir para uma despesa de que nenhum proveito lhe poderá advir, uma vez que deixou de usufruir do gozo do prédio. Porém, já parece inteiramente justificável que o adquirente se sujeite ao pagamento de uma despesa de que ele irá de futuro ter benefício. 
 
Abra-se um parêntesis para referir, de acordo com a doutrina e jurisprudência acima aludidas, que deve considerar-se como não “ambulatória”, apesar de obrigação “propter rem”, a obrigação que recai sobre cada condómino de contribuir periodicamente, por regra mensalmente, com uma prestação pecuniária para as despesas do condomínio, por se tratar de prestações que são devidas como contrapartida da fruição das partes comuns, pelo que seria ilógico e infundado fazer recair sobre o adquirente da fracção o pagamento de prestações em atraso e da responsabilidade do alienante”. 
 
No âmbito da segunda corrente jurisprudencial, o Ac. do TRG referente ao Proc. 1521/20.4T8GMR-A.G1, em que foi relator Eduardo Azevedo, de 08/04/2021 (24) veio decidir que a obrigação de pagamento de obras de conservação do telhado e fachadas, já aprovadas à data da transmissão da fracção se transmitem ao novo proprietário não tendo ainda sido realizadas. Para fundamentar tal decisão invoca a fundamentação atinente à segunda corrente doutrinal: ”A resposta à questão colocada está longe de ser pacífica, mas, face ao exposto, perfilha-se a seguinte conclusão: no caso da alienação de frcações com dívidas ao condomínio, este, para reaver o seu crédito coercivamente deve, em princípio, intentar uma acção executiva contra o adquirente da fracção em questão, pois estamos perante uma típica obrigação propter rem e, por isso, ambulatória. Só assim se concretiza uma correta interpretação das normas jurídicas e se prevê o equilíbrio das posições de todos os interessados. Como salienta José Alberto C. Vieira, para quem a transmissão do direito real implica a transmissão da obrigação real “Se a fonte da obrigação propter rem é o direito real, o titular respectivo está investido no dever de a cumprir, mesmo que eventualmente haja adquirido o direito após o vencimento da mesma”. 
 
Ora, da análise realizada podemos afirmar que a orientação que foi adoptada maioritariamente pela doutrina e jurisprudência, correspondente ao pensamento de Henrique Mesquita, na qual se concede enfase à relação entre a obrigação de pagamento e a fruição. Sucede que esta relação entre o proveito e a responsabilidade do pagamento das despesas não foi acolhida pelo legislador, com a Lei 8/2022 de 10 de Janeiro. O legislador impõe agora a obrigação de pagamento a quem é proprietário da fracção no momento do vencimento da obrigação. Verifica-se que deixou de existir a clássica relação entre a obrigação de cumprimento e o gozo da coisa, o que não nos parece justo e coerente (25). 
 
A redcação constante do art. 1424-A, nº 3 e 4 do CC impõe que se o alienante já gozou a obra, mas a obrigação de pagamento só se venceu após a transmissão do direito de propriedade será o adquirente a suportar o seu pagamento. Se a alienação ocorrer depois do vencimento da obrigação será sempre quem aliena o direito de propriedade, o responsável pelo pagamento, mesmo que a obra ainda não tinha sido realizada, revertendo a favor de quem adquiriu (26). 
 
Foi assim afastada a análise casuística que vinha sendo realizada, por parte significativa da doutrina e da jurisprudência, como já se referiu. Por outro lado, como o art. 1424º/1 do CC não respondia à questão da ambulatoriedade, parece que o legislador pretendeu extinguir a controvérsia existente. De realçar que, de qualquer forma, fica de ora em diante fixado legislativamente quem é o responsável pelo pagamento da dívida ao condomínio, evitando-se deste modo, a análise casuística que poderia ser potenciadora de decisões judiciais contraditórias, ou aparentemente contraditórias, o que não deixa de ser positivo tendo em vista a certeza e a segurança na aplicação do direito. Diga-se que a questão de saber quem é que gozava da coisa e por tal motivo seria o responsável pelo pagamento, nem sempre era de fácil resposta (27).

Notas:

3 Neste sentido, Margarida Costa Andrade na sua brilhante exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY 
4 Refere José Alberto Vieira, a propósito de conceito situação jurídica propter rem que nelas o sujeito passivo da obrigação surge determinado pela titularidade do direito real. Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 103. 
5 José Alberto C. Vieira Direitos Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 109. 
6 Alessandro Natucci La Tipicitá dei Diritti Reali, 2 Vols, Pádua, Cedam, 1982 e 1985, pag. 119, citado por Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 23. 
7 Luis A. Carvalho Fernandes refere que aceita a solução proposta por Henrique Mesquita nesta matéria. Fernandes, Luís A. Carvalho, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, Lisboa, 6ª Edição (atualizada e revista), 2009, pág 188. 
8 Antunes Varela, a propósito da prestação de coisa distingue as obrigações de dare, facere e non facere:” As duas últimas (facere e non facere) correspondem às prestações de facto (positivas e negativas); as primeiras, à actual prestação de coisa”. Antunes Varela, João de Matos, “Das Obrigações em Geral, Vol I, Coimbra Editora, Coimbra, 10º Edição, 2005, pág 87. 
9 Tal como refere Rui Pinto Duarte, as obrigações serão ambulatórias quando se transmitem com o direito real, Pinto Duarte, Rui, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 23 e 23.
10 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s 330 a 332. 
11 Refere a este propósito Henrique Mesquita que “aquilo que na lei se estabelece (…) não é que os condóminos são obrigados a conservar as partes comuns do edifício (hipótese em que se trataria de uma obrigação de facere), mas sim que devem contribuir, proporcionalmente ao valor das respetivas frações autónomas para as despesas necessárias à prática de qualquer ato conservatório (obrigação de dare)”. Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s 319 a 320. Também Antunes Varela e Pires de Lima referem que “Devedor, neste caso é quem for titular da compropriedade na altura em que a despesa se torna necessária e enquanto a necessidade estiver por satisfazer. Uma vez, porém, que a obra seja efetuada, por iniciativa de qualquer dos consortes, ou que os consortes tomem uma deliberação nesse sentido, a obrigação fixa-se na pessoa daqueles que são comproprietários nesse momento (…). Mesmo que algum dos consortes transmita entretanto a sua quota a estranhos, antes da haver cumprido a sua obrigação de comparticipação, esta já não se transmite ao adquirente da quota (Varela, Antunes, de Lima, Pires, Código Civil Anotado, Vol III, 2ª edição revista e atualizada (reimpressão), 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 385). 
12 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág. 321 e 322. 
13 No mesmo sentido Sandra Passinhas - A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina Coimbra, 2ª Edição, 2009, pag. 319 e ss. 
14 Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág. 336. 
15 A este propósito refere Henrique Mesquita que “o mais razoável, porém, face aos princípios que regem os direitos reais e ponderados os interesses em jogo, é, também neste caso, fazer recair a dívida sobre o adquirente da fracção autónoma. Começaremos por observar que o titular de qualquer direito real está sujeito às vinculações e gravames decorrentes do respectivo estatuto e, pelo que toca à hipótese de que nos ocupamos, este estatuto diz que cada condómino deve contribuir, em proporção do valor da respectiva fracção autónoma, para as despesas de conservação das partes comuns do edifício. Ora, carecendo o telhado do prédio, à data da transmissão da fracção autónoma, de obras de reparação, o adquirente não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito. A transmissão da obrigação, por conseguinte, não o colhe de surpresa. É um efeito jurídico com que ele devia contar, pois decorre directa e imediatamente da aplicação da lei às condições objectivas ou materiais em que o edifício se encontrava à data da alienação. Por outro lado, o mais natural é que, na fixação contratual do preço da fracção alienada, tenha sido tomada em linha de conta a circunstância de uma parte comum do edifício carecer de reparações que iriam originar um encargo para o adquirente, na parte proporcional à sua participação no condomínio. Nenhuma razão se divisa, portanto, para que a obrigação propter rem não vincule o adquirente da fracção autónoma e para que o alienante não fique dela liberto” Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1997, reimpressão, pág.s. 319, e 342. Rui Pinto Duarte defende que os critérios de Henrique Mesquita “podem ser tomados como indiciários, Assim são tendencialmente ambulatórias as obrigações cujo cumprimento implique a titularidade do direito real, como é o caso, por exemplo, da obrigação de um condómino de destruir obras ilícitas; são tendencialmente não ambulatórias aquelas cujo cumprimento não implique essa titularidade, como é o caso da obrigação dos condóminos de contribuírem para as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum”. Pinto Duarte, Rui, Curso de Direitos Reais, Principia, Parede, 3ª edição revista e aumentada, 2013, pág. 24, 25. Ac. da Relação do Porto de 16-12-1997, que tem como relator Manuel Domingues Fernandes referente ao processo n.º 9720870, acedido em www.dgsi.pt em 15/07/2022 
17 Ac. do STJ referente ao Proc 10076/03.3TVLSB.L1.S1 em que foi Relator Salazar Casanova de 08-06-2017, acedido em www.dgsi.pt em 11/07/2022. Veja-se também Ac. do STJ, referente ao Proc. 07B577, em que foi relator Pereira da Silva de 17-04-2007, acedido em www.dgsi.pt em 27/07/2022. 
18 Ac. do TRP referente ao Proc. 2332/20.2T8PNF.P1, em que foi relator Fernanda Almeida de 09/06/2021, acedido em www.dgsi.pt em 15/07/2022. 
19 Ac. do TRP referente ao Proc. 99/18.3T80VR-A.P1 em que foi relator Manuel Domingues Fernandes de 09-03-2020 acedido em www.dgsi.pt , em 25/07/2022, de cujo sumário consta: “I - A obrigação de pagamento das despesas com partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal constitui uma típica obrigação propter rem. II- Todavia, a sua natureza ambulatória ou não ambulatória nem sempre se apresenta com a mesma linearidade.III- Assim, quando se trate de despesas relativas à conservação das partes comuns (conservação das coberturas fachadas etc.) do edifício, importa distinguir se as reparações estavam ou não executadas e concluídas à data da alienação da fracção. IV- No primeiro caso (reparações ainda não executadas ou não concluídas) o encargo das respectivas despesas, na proporção respectiva, deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo adquirente, pois que, dispunha objectivamente de todos os elementos para se aperceber da existência da obrigação, além de que será ele a retirar proveito do gozo do bem ao qual foi incorporada aquela beneficiação. V- No segundo caso (reparações já executadas e concluídas) o encargo deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo alienante, pois que, o adquirente não dispõe agora de quaisquer elementos objectivos que indiciem ou denunciem a existência da obrigação.” 
20 Ac. do TRL referente ao Proc. n.º 14836/14.1T8LSB.L1 em que foi Relator Carlos Marinho de 14-092017 acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022. 
21 Veja-se também no mesmo sentido; Ac. do TRLa referente ao Proc. 20315/19.3T8SNT-B.L1-2 em que foi relator Carlos Castelo Branco de 09/09/2021, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022; Ac. do TRL referente ao Proc. 6642/17.8T8FNC.L1-8 em que foi relator Tereza Prazeres Pais, de 29/11/2018, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022; Ac. do TRL referente ao Proc. 17191/07.2YYLSB-B.L1-6, em foi relator Anabela Calafate, de 13-03-2014, acedido em www.dgsi.pt em 25/07/2022. 
22 Ac. do TRE referente ao Processo 8632/15.6T8STB-A.E1 em que foi Relatora Conceição Ferreira de 07-06-2018 acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022. 
23 Acórdão do TRL referente ao Proc. 364/2006-6 em que foi Relator Pereira Rodrigues, de 02-02-2006, acedido em www.dgsi.pt em 22/07/2022.
24 Ac. do TRG referente ao Proc. 1521/20.4T8GMR-A.G1, em que foi relator Eduardo Azevedo, de 08/04/2021, acedido em www.dgsi.pt em 27/07/2022. 
25 Veja-se Margarida Costa Andrade na sua exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https:// www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY 
26 Concordamos com a opinião expressada por Margarida Costa Andrade na exposição de 4 de maio de 2022, efectuada online, denominada “Alterações ao regime da propriedade horizontal – Lei 8/2022 de 10 de janeiro” acedida em 5 de setembro de 2022 em https://www.youtube.com/watch?v=prBpoywiLmY
27 Sobre esta temática veja-se, Miguel Assis Raimundo - Responsabilidade do adquirente de fracção autónoma por prestações de condomínio já vencidas. Cadernos de Direito Privado n.º 26, abril/junho 2009;