Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/29/2023

Legitimidade activa para impugnar


4.2.1.2 Legitimidade activa para impugnar
 
O art. 1433º, nº 1 prevê que os titulares do direito à anulação das deliberações da assembleia são os condóminos que as não tenham aprovado.(171) O condómino estará então habilitado para propor uma acção de anulação quando não tenha votado a favor da deliberação, bastando, para tal, a mera discordância, abstenção ou inexistência de aprovação por ausência/falta de representação na assembleia.
 
Perante esta opção legislativa, verifica-se que não existe uma exigência quanto à relevância que a fracção autónoma do condómino assume no valor total do prédio, antes permitindo que qualquer condómino recorra a juízo para obter a anulação das deliberações, independentemente de os restantes condóminos habilitados para o efeito a quererem ou não. No plano processual, não se exige, portanto, qualquer forma de legitimidade plural, seja por litisconsórcio, seja por coligação.(172) 
 
Ainda no âmbito da legitimidade activa, discute-se se o próprio administrador deverá ter legitimidade para propor acções de anulação. A defesa de tal legitimidade tem, porém, uma elevada oposição doutrinária.(173)  Para os defensores de uma interpretação restritiva deste preceito legal, o legislador atribuiu legitimidade apenas ao condómino que não tenha aprovado a deliberação. Deste modo, o administrador, sendo uma pessoa estranha ao condomínio,(174) não deve ter legitimidade para impugnar as deliberações tomadas na assembleia, mesmo que se trate de uma ilegalidade evidente. 
 
Entendem, portanto, que se trata de uma questão entre condóminos, neles radicando a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação. De resto, se os próprios sujeitos cujas esferas jurídicas são afectadas se conformam com a existência de deliberações viciadas – contando, naturalmente, que lhes seja dado conhecimento de tais deliberações e do modo como foram aprovadas -, o administrador não tem qualquer direito a propor, ele próprio, acção de anulação das mesmas. 
 
Acresce que, como vimos supra, o administrador é um mero executor das deliberações da assembleia, sujeito à fiscalização da assembleia - e não o contrário. Note-se ainda que, por forçado art. 30º, CPC, relativo à legitimidade para a propositura de acções de anulação, sempre haveria de se concluir que o administrador, regra geral, não tem “interesse directo em demandar”, expresso pela “utilidade derivada da procedência da acção”

Dúvidas poderão surgir quando atentamos ao teor do nº 1 do art. 1437º, designadamente quando este refere que “o administrador tem legitimidade para agir em juízo (...) na execução das funções que lhe pertencem”, colocando-se a questão de saber se a propositura de uma acção de anulação de deliberação da assembleia aqui se integra.
 
Ainda que a sua redacção possa suscitar alguma confusão, entendemos que este preceito deve ser lido em conjugação com os arts. 12º, e) e 26º, CPC. Senão vejamos. O art. 12º, e) atribui personalidade judiciária ao condomínio nas acções que se insiram no âmbito dos poderes do administrador. Ora, nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade processual ou judiciária. No caso do condomínio, não lhe sendo reconhecida capacidade judiciária, é necessário que o exercício dos seus direitos processuais fique a cargo de um terceiro que, adquirindo essa capacidade, possa agir judicialmente em representação e no interesse daquele.
 
Nesse seguimento, o art. 1437º, nº 1 não diz respeito à legitimidade enquanto pressuposto processual, aferido com base no art. 30º, CPC, porquanto este pressuposto só em concreto pode ser determinado. O referido preceito legal vem sim suprir a falta de capacidade judiciária do condomínio, reconhecendo personalidade formal, ou seja, capacidade judiciária ou processual ao administrador, enquanto qualidade pessoal, requisito abstracta ou genericamente exigido para que a pessoa possa estar em juízo ou actuar autonomamente em relação à generalidade ou a determinadas acções.(175)
 
A capacidade judiciária, ou legitimatio ad processum, do administrador não se confunde, portanto, com a questão da legitimidade processual, ad causam (que pressupõe personalidade e capacidade judiciárias), consistindo esta última numa posição da parte perante determinada acção, posição essa que só o juiz - e não o legislador - pode apreciar, consoante o caso concreto.(176)

Por todo o exposto, partilhamos da opinião do ac. STJ de 06/11/2008 quando defende que o problema da legitimidade do administrador para agir em juízo nem tão-pouco se coloca, uma vez que este, ao abrigo do nº 1 do art. 1437º, age enquanto órgão executivo do condomínio e, por isso, em representação (177) desteque é, afinal, parte no processo (art. 12º, e), CPC).
 
Relativamente às acções de anulação de deliberações em específico, importa concluir que, por um lado, o administrador não pode, ao abrigo do nº 1 do art. 1437º, intervir a título pessoal, i.e., sem a presença do condomínio em juízo (178) e, por outro, que existe um preceito específico que determina quem são os únicos legitimados para as propor: o já referido nº 1 do art. 1433º. Escusado será referir que os condóminos têm, em si, personalidade jurídica e, portanto, judiciária (art. 11º, nº 2, CPC), pelo que serão eles próprios a estar em juízo. Resta agora saber contra quem deverão propor tais acções

Notas

171. Como referimos supra (cfr. nota de rodapé 134), as acções que tenham por fundamento vícios geradores de nulidade, ineficácia ou inexistência seguem o regime geral. Porém, no que à legitimidade activa diz respeito, é necessária a afirmação da qualidade de condómino.
172. Havendo mais que um condómino legitimado com pretensão de propor acção de anulação, é possível que a mesma seja proposta em litisconsórcio voluntário (art. 32º, CPC).

173. A favor: Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit.,p. 449 Armando Guerra, Da Propriedade Horizontal e da Propriedade Superficiária, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1964, p. 168 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 329. Contra: Rui Vieira Miller, op. cit., p. 281, Francisco Rodrigues Pardal / Manuel Baptista Dias da Fonseca, op.cit., p. 287, Rosendo Dias José, op. cit., p. 117 e Abílio Neto, op. cit., p. 278.
174. Tal questão não se coloca, evidentemente, quando o administrador seja também condómino

175. Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., pp. 455 e 456, Sandra Passinhas, op. cit., p. 329 e Aragão Seia, op. cit., p. 204.
176. A este propósito, Antunes Varela / J. Miguel bezerra / Sampaio Nora e, Manual de Processo Civil, reimpressão da 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 130 e 131

177. Note-se que “a propositura de acção inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem o não seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, nos termos previstos no art. 27º/1 do CPC, sem que daí derive qualquer modificação subjectiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa»”. Gonçalo Vieira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, in Revista JULGAR, n.º23, Coimbra Editora, 2014, p. 65.
178. Vide, neste sentido, ac. TRL de 12/02/2009.

9/28/2023

Via judicial - Acção de anulação


4.2 Via judicial

4.2.1 Acção de anulação
 
Perante deliberações que padeçam de irregularidades, a acção de anulação consiste no procedimento mais comum, apresentando especialidades relativamente ao regime geral da anulabilidade de actos ou negócios jurídicos, previsto nos arts. 286º e ss do CC.(151)
 
Com efeito, o nº 4 do art. 1433º prevê um prazo mais curto, pelo que, caso se tenha lançado mão da faculdade de convocação de assembleia extraordinária - e pressupondo que se deliberou manter a deliberação primitiva tida por irregular -, o prazo é de 20 dias contados da deliberação que daí resulte. 
 
Não tendo sido convocada ou solicitada assembleia extraordinária, o prazo é de 60 dias sobre a data da deliberação, prazo este cuja contagem suscita alguma questões que tentaremos resolver infra.(152)
 
Relativamente à natureza destes prazos, apesar de ser certo que se tratam de prazos de caducidade de natureza substantiva,(153) sujeitos às regras dos arts. 328º e ss. do CC, há quem defenda (154) estarmos perante prazos que não podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal, por se tratarem de direitos disponíveis dos condóminos (art. 303º ex vi 333º, nº 2), e quem entenda (155) que os mesmos prazos são de conhecimento oficioso (art. 333º, nº 1).
 
No nosso entendimento, estamos perante prazos de caducidade que têm de ser invocados perante o tribunal, só assim produzindo os devidos efeitos (de extinção do respectivo direito), isto porque o direito de impugnar uma determinada deliberação é um direito disponível e, por isso, o seu titular é livre de exercê-lo ou não, tal como a parte contrária é livre de opor ou não a extemporaneidade daquele exercício.
 
Deste modo, nunca o tribunal poderá conhecer da excepção de caducidade quando esta não seja invocada. 
 
Por fim, note-se que, por força da aplicação analógica do art. 179º, a anulação das deliberações não prejudica direito que terceiro de boa fé adquira em execução das deliberações anuladas.(156)

Notas

151. Não nos debruçaremos sobre as acções de mera declaração de nulidade, ineficácia e inexistência, por entendermos que tal não se justifica, atendendo não só a tudo o que foi dito supra sobre os respectivos vícios, como ao facto de estas seguirem – salvo quanto à legitimidade - o regime geral
152. “Limita(-se), assim, de forma relevante a possibilidade de se fazer valer o direito, em nome da estabilidade da relação jurídica, em casos em que se entende que cabe ao interessado avaliar rapidamente se pretende ou não a manutenção do contrato.” Jorge Carvalho Morais, op. cit., p. 201.
153. Vide acs. TRE de 12/07/2018 e do TRL de 20/03/2013, ensinando este último que: “Os prazos substantivos (...) respeitam ao período de tempo exigido para o exercício de direitos materiais e são-lhes «aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição» (art. 298º, nº 2, do CC), tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência de extinção do respectivo direito.”
154. Abílio Neto, op. cit., p. 724, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 283, Sandra Passinhas, op. cit., p. 259, e ac. TRP de 30/06/2014, ainda que este último sobre o prazo previsto no nº 1 do art. 380º, CPC.
155. João Vasconcelos Raposo, op. cit.., p. 68

156. Sandra Passinhas, op. cit., p. 260 e ac. TRL de 17/12/2015.

9/27/2023

A importância da comunicação das deliberações


4.2.1.1 A importância da comunicação das deliberações 
 
Sendo a comunicação das deliberações aos condóminos ausentes uma obrigação (art. 1432º, nº 6),(157) existem duas grandes correntes doutrinais e jurisprudenciais sobre a contagem dos prazos para o exercício dos direitos conferidos pelo CC, na medida em que há quem entenda que a comunicação das deliberações é instrumental do exercício do direito de impugnação e, por outro lado, quem considere que a comunicação da deliberação aos condóminos tem como objectivo único dar-lhes conhecimento da deliberação, para que estes possam dar o seu assentimento ou discordância,não colocando em causa o exercício do direito de anulação.
 
A título exemplificativo, no ac. TRL de 20/03/2013 defende-seque o início da contagem do prazo se faz a partir da data da deliberação impugnada, independentemente de se tratar de condómino presente ou ausente na reunião.Entendeu aquele tribunal que “os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava”. Defende-se naquela decisão que “é esta a tese que melhor se coaduna com uma interpretação histórico-actualista, sistemática e teleológica (racional), onde se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. 
 
Por outro lado, os defensores da instrumentalidade da comunicação em relação ao direito de impugnação entendem que a contagem de tal prazo relativamente aos condóminos faltosos só se inicia com a comunicação da deliberação impugnada.(158) Para eles, ao serem concedidas as faculdades de convocação de assembleia extraordinária, de sujeição da deliberação a um centro de arbitragem e de  propositura de acção de anulação da deliberação, e porque para as duas primeiras hipóteses o prazo se conta desde a deliberação para os condóminos presentes e desde a data da sua comunicação para os ausentes, não se vislumbram motivos para que a solução seja diferente na terceira faculdade. Além disso, entendem os defensores da instrumentalidade que o nº 6 do art. 1432º se aplica genericamente às deliberações das assembleias de condóminos e que outra solução poderia impedir o condómino ausente de saber qual a deliberação tomada e de a impugnar, bastando para isso que o administrador nunca lhe comunicasse a deliberação ou lha comunicasse expirados os 60 dias do prazo para a acção de anulação.

Ainda para os defensores da instrumentalidade da comunicação, a possibilidade de se instaurar uma acção de anulação relativa à deliberação que resulte da assembleia extraordinária – que designaremos “posterior” – significa fazer renascer o direito caducado, porquanto, na realidade, o objecto da cação de anulação é a deliberação primitiva e não a “posterior”. Para estes autores, não poderá ter sido este o pensamento do legislador.
 
Ora, como visto supra,(159) na anterior redacção do art. 1433º não existiam quaisquer dúvidas de que o prazo para os condóminos ausentes se contava da comunicação da deliberação (§1.º). Fazendo uma interpretação literal, facilmente se conclui que o actual e correspondente nº 6 não faz qualquer referência a essa comunicação como marcando o início da contagem do prazo. De facto, a lei estabelece que o início do prazo para o condómino ausente requerer a assembleia extraordinária ou a intervenção do centro de arbitragem se dá com a comunicação que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do art. 1432º. “Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das acções anulatórias”.(160) Aliás, a expressa previsão de comunicação prevista no nº 2 do art. 1433º vem reforçar ainda mais o entendimento de acordo com o qual o prazo de caducidade em causa começa na data da deliberação, porquanto daquela previsão resulta que não houve qualquer omissão legislativa no nº 4.(161)
 
Acresce que “o legislador de 1994 foi tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da PH, através do referido DL 267/94, que só podemos entender como sendo querida expressamente esta diferença de regime”. Como é sabido, apesar de a interpretação da lei não dever ser meramente literal (art. 9º, nº 1), o intérprete não pode ter em consideração pensamentos legislativos que não tenham a mínima correspondência com a letra da lei, ainda que, por vezes, imperfeitamente expressos. Por isso, haverá de se presumir que o legislador consagrou as soluções mais correctas e soube exprimir o seu pensamento (nºs 2 e 3 do mesmo preceito). Assim, rapidamente se conclui que “a intenção do legislador foi fundamentalmente, de privilegiar os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para-judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº1 do art. 1433º”.
 
Por outro lado, do ponto de vista constitucional importa referir que, uma vez assegurados os direitos dos condóminos através das várias vias de impugnação, o legislador cumpriu o princípio de acesso ao Direito e aos tribunais, vertido no art. 20º, CRP. Além disso, constitui também argumento o facto de a efectiva tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos condóminos nas suas relações entre si ou com o condomínio ser distinta da que é atribuída aos cidadãos nas suas relações com a administração pública. Por isso, é do interesse dos condóminos estarem presentes nas assembleias para as quais sejam convocados, por si ou representados, pelo que podemos  depreender que o legislador, valorizando essa liberdade individual, colocou naqueles o ónus de diligenciarem no sentido de se informarem sobre se teve ou não lugar uma assembleia de condóminos e sobre o teor das deliberações que daquela resultem.(162)
 
Sem prejuízo do disposto, é evidente que “tal dever de zelo não pode ir ao ponto de o(s) obrigar a contactar todas as semanas o administrador para saber se está agendada alguma assembleia, não esquecendo as situações certamente raras mas possíveis, de assembleias cuja realização é intencionalmente e de má fé não comunicada a um condómino”.(163) Importa, assim, referir que entendemos que esta tese só fará sentido se tiver na base o pressuposto de que todos os condóminos foram regularmente convocados (ou, pelo menos, os que vieram a faltar à primeira assembleia), porquanto não fará sentido exigir que os condóminos faltosos se informem sobre a assembleia e respectivas deliberações se não lhes foi dada, sequer, a possibilidade de saber que tal assembleia teve lugar.(164)
 
Caso o condómino ausente só tenha efectivo conhecimento da deliberação através da comunicação prevista no nº 6 do art. 1432º, mesmo que já tenham decorrido os 60 dias e, por isso, já não possa intentar a acção anulatória dessa deliberação em concreto, terá sempre a possibilidade de recorrer, com respeito pelos respectivos prazos legais, às faculdades que lhe são concedidas nos nºs 2 e 3.(165) Além daquelas vias, lançando mão da assembleia extraordinária, o condómino poderá ainda instaurar uma acção de anulação da já referida deliberação “posterior”, no prazo de 20 dias, pelo que não se poderá nunca afirmar que o direito de anulação se perde definitivamente com o decurso do prazo para intentar acção relativa à primeira deliberação.(166) É este o entendimento defendido pela maioria da jurisprudência,(167) por parte da doutrina (168) e é também o nosso entendimento.
 
Quanto ao argumento de que “o direito caducado renasce”, consideramos que nunca deverá proceder, já que o legislador faz uma clara distinção entre o direito de instaurar uma acção de anulação de uma deliberação primitiva e o mesmo direito em relação a uma deliberação que resulte de uma assembleia extraordinária, fazendo-o com base na diferenciação dos prazos que estabelece para as mesmas. É que o objecto da acção de anulação é a deliberação “posterior”que confirmou a primitiva e não esta última. Não se coloca em causa que o decurso dos 60 dias implica a caducidade do direito de anulação da primitiva deliberação e que este prazo jamais poderá renascer. Mas há,  efectivamente, algo que nasce com a assembleia extraordinária: um novo direito do condómino legitimado que consiste em pedir a anulação da deliberação que dali resulte, no prazo de 20 dias.(169) 
 
Curiosa é ainda a posição de Abílio Neto,(170) ao admitir que o prazo para a acção de anulação se inicia na data da primeira assembleia, mas entendendo que a possibilidade de o condómino pedir a anulação da “deliberação confirmatória” significa, na realidade, instaurar uma acção cujo objecto é, única e exclusivamente, a deliberação inicial. Para este autor, a solução passa então por o condómino ausente dispensar a realização de assembleia extraordinária, optando directamente pelo recurso à via judicial, respeitando-se assim o prazo de 60 dias previsto no nº 4 do art. 1433º. 
 
Sobre tal consideração, e uma vez que a justificação social do art. 1433º é, como já referimos, privilegiar as vias não judiciais, cabe-nos apenas dizer que a mesma não merece o nosso acolhimento, na medida em que o autor tenta resolver a questão através de uma solução que vai contra a ratio legis da norma em apreço. Em síntese, entendemos que o condómino faltoso - regularmente convocado - deverá agir de acordo com o critério do bom pai de família, sendo interessado e diligente no sentido de acompanhar as assembleias e as deliberações que daquelas resultem. A mesma diligência é de exigir relativamente à possibilidade de a assembleia reunir em segunda convocação. Assim, caso pretenda a anulação das deliberações dali decorrentes, deverá agir tempestivamente, sem aguardar pela comunicação das mesmas. Por outro lado, caso não tenha, efectivamente, conhecimento de nenhuma deliberação, sempre poderá dispor da possibilidade de pedir a convocação de uma assembleia extraordinária após a comunicação da deliberação primitiva,bem como a sua apreciação judicial - ainda que indirecta -, nos termos explanados supra.
 
Ao iniciarmos este capítulo com considerações sobre a importância da segurança e da estabilidade das deliberações e da produção dos seus efeitos, revelámos desde logo qual seria a nossa tendência. Entendemos que a administração deve poder tomar medidas adequadas à implementação das deliberações aprovadas em sede de assembleia num curto espaço de tempo e que só assim é possível equilibrar o princípio do acesso ao direito com os princípios da eficácia e da segurança jurídica. Uma tese oposta, no sentido de considerar que o prazo de caducidade de 60 dias (mesmo quando todos os condóminos foram regularmente convocados) só se inicia após a comunicação da deliberação resultará, no nosso entender, numa situação - que cremos não ser a pretendida pelo legislador – de inércia e de negligência que, por sua vez, conduzirão à insegurança e à paralisação da vida condominial.

Notas

157. A maioria da doutrina tem defendido que, a propósito da convocatória para a assembleia de condóminos, o período de 10 dias previsto no nº 1 do art. 1432º se inicia na data de expedição da carta. O mesmo entendimento deverá ter lugar relativamente à data em que se considera feita a comunicação por carta registada enviada para efeitos do nº 6 do art. 1432º (cfr. Aragão Seia, op. cit., p. 171, Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 3.ª ed. revista e aumentada, Princípia, Cascais, 2013, p. 131, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª ed. actualizada e revista, Quid Juris, Lisboa, 2009, p. 394, Menezes Leitão, op. cit., p. 332 e João Vasconcelos, Raposo op. cit.,p. 15)
158. Ac. do STJ, de 21/01/2003 e na opinião de autores como Aragão Seia, op. cit., p. 86, Sandra Passinhas, op. cit., pp. 249 e 250, nota 626 e Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 448
159. Cfr. nota de rodapé 130.
160. Ac. TRL de 20/03/2013.
161. Ac. TRL de 22/11/2012

162. Ac. TRL de 22/11/2012
163. Ac. TRP de 10/10/2006 e João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 68 e Abílio Neto, op. cit., p. 726, acrescentando ambos os autores que “parece certamente insustentável estabelecer que um condómino ausente e não convocado (...), eventualmente nem sequer residente no condomínio ou em período de ausência prolongada, tem o dever de se informar do teor das deliberações de uma assembleia de condóminos extraordinária cuja realização desconhece em absoluto”.
164. Tal argumento deixa de ser invocável quando se trate de assembleia ordinária, uma vez que, nos termos do art. 1431º/1, esta terá lugar na primeira quinzena de Janeiro de cada ano (ou, quando assim não seja, a data da mesma constará do título constitutivo do condomínio – cfr. nota de rodapé 10), pelo que todos os condóminos têm o dever de saber que naquele período se realiza a assembleia e “o correspectivo ónus de se informar(em) das deliberações, sob pena de não poder(em) requerer a sua anulação”. Vide, neste sentido, João Vasconcelos, Raposo ibidem.
165. De acordo com o ac. n.º 482/2010 do TC de 09/12/2010, publicado no DR nº 18/2011, Série II, de 26 de Janeiro de 2011, fls. 5184 a 5186: “O prazo de 60 dias – em face dos termos da estatuição do nº 4 e da sua inequívoca adstrição ao direito nele previsto – não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no nº 2 ou nº 3 do art. 1433º, dentro dos respectivos prazos.”

166. A este propósito se pronuncia também o referido acórdão do TC, defendendo que o decurso do prazo de 60 dias previsto no nº 4 do art. 1433.º “nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta (...) é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (art. 26º, nº2, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto)”.
167. Além da jurisprudência já citada neste sentido, vide também acs. do STJ de 11/01/2000, de 03/10/2002 e de 17/03/2005; acs. do TRL de 25/11/2008 e de 28/04/2009; acs do TRP de 03/07/2012, de 27/09/2012, de 23/02/2015 e de 04/12/2017 e ac. do TRC de 06/12/2016.
168. Rui Vieira Miller, op. cit., p. 272 e João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 68.
169. Tal deliberação terá de ter, evidentemente, carácter confirmatório, pois sendo revogatória deixa de existir fundamento para a intervenção judicial. Neste sentido, ac. do STJ de 17 /03/2005.
170. Op. cit., p. 724

9/26/2023

Impugnação para Julgado de Paz


4.1.3 Impugnação para Julgado de Paz
 
A Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, veio instituir os julgados de paz que, em termos gerais, e de acordo com o nº 1 do seu art. 2º existem para “permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes”.
 
Com efeito,à semelhança dos tribunais arbitrais,os julgados de paz surgem como verdadeiros tribunais, sendo órgãos de soberania cujo exercício vem previsto no art. 209º, nº 2, CRP. (149)
 
Ora, as “acções resultantes de direitos e deveres dos condóminos” integram a competência material dos julgados de paz, tal como previsto nos arts. 9º, nº 1, c) e 2º da Lei nº 78/2001, pelo que os condóminos com legitimidade para tal poderão impugnar, junto daqueles órgãos, as deliberações que entendam padecer de algum vício.(150)
 
A alteração do valor limite para decisão de litígios emergentes das relações de condomínio, introduzida pela Lei nº 54/2013, permite agora litígios com valor até 15 000€ (art. 8º daquele diploma), o que compreende quase todos os litígios. 
 
De destacar ainda que está expressamente prevista, desde aquela alteração legislativa, a possibilidade de interposição de providências cautelares junto de Julgados de Paz (cfr. art. 41º-A).

Notas

149. A este propósito, França Mariana Gouveia, ibidem, p. 318.
150. Tratando-se de acção de anulação, aplicam-se aqui as regras previstas no nº 4 do art. 1433º, maxime as relativas aos prazos de que os demandantes dispõem. Vide, a este respeito, sentença de julgado de paz de Coimbra de 28/04/2006

9/25/2023

Recurso à arbitragem


4.1.2 Recurso à arbitragem
 
A arbitragem é um meio de resolução alternativa de litígios, sendo que a decisão, por força da vontade das partes, é confiada a terceiros e é vinculativa para as mesmas. 
 
Nos termos do n. 3 do art. 1433º, os condóminos presentes e os condóminos ausentes na assembleia da sua aprovação dispõem de um prazo de 30 dias, contados da data da deliberação ou da data da sua comunicação, respectivamente, para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.(141)
 
Note-se que quando a lei concede esta faculdade aos condóminos, o recurso é feito para um centro de arbitragem, enquanto instituição com carácter de permanência, sujeita a um regulamento próprio, pelo que a deliberação será reapreciada por árbitros institucionais, “estabelecidos numa certa estrutura arbitral”, e não por árbitros “meramente organizados pontualmente” para o efeito como, de resto, acontece na arbitragem ad hoc (art. 62º, Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro [LAV], regulamentada pelo DL nº 425/86, de 27 de Dezembro). (142)(143)
 
Com efeito, os condóminos podem sujeitar qualquer litígio a arbitragem, institucional ou não, mas no que concerne a impugnação de deliberações, a sujeição a arbitragem tem de ser, necessariamente, perante um centro de arbitragem com competência nesta matéria.

Existindo um compromisso arbitral (art. 1434º) ou uma cláusula compromissória, os condóminos têm um direito potestativo de constituição do tribunal arbitral e, consequentemente, os tribunais judiciais têm incompetência absoluta para dirimirem tal conflito (art. 96º, b) do CPC).
 
A exceçpão da incompetência absoluta não é, porém, de conhecimento oficioso (cfr. art. 5º, LAV). “Assim, se não for invocadaa exceçpão de preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual nada pode fazer. Estamos no âmbito da autonomia privada das partes - a não invocação da excepção equivale à revogação da convenção.(144)
 
”Pode acontecer que o(s) condómino(s) legitimado(s) decida(m)recorrer tanto à convocação de uma assembleia extraordinária como a um tribunal arbitral. Deste modo, caso a deliberação seja revogada em assembleia extraordinária ao tempo em que corre o processo arbitral, esta instância extinguir-se-à por inexistência (superveniente) do objecto do processo.
 
Por outro lado, “se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial”.(145)
 
Significa isto quea decisão arbitral constitui caso julgado e tema mesma força executiva que uma sentença de um tribunal estadual (art. 42º, nº 7, LAV). Para Rui Vieira Miller (146), porém, o recurso a esta via de resolução alternativa de litígios não impede que, concomitantemente, se desenrole uma acção de anulação da mesma deliberação, caso o interessado receie que numa das vias não seja dado provimento à sua pretensão.
 
Em sentido contrário, Mariana França Gouveia (147) defende que - entendimento que, a nós, nos parece o mais correcto e concordante com a realidade prática - caso, na pendência de uma acção arbitral seja proposta, em paralelo, uma acção de anulação num tribunal estadual  na qual o réu não invoque a excepção de incompetência absoluta, a convenção de arbitragem será, como já foi referido, revogada. 
 
Nesse sentido, qualquer decisão do tribunal arbitral será tida como inválida por ser proferida por tribunal incompetente. Contudo,também a excepção de incompetência do tribunal arbitral  terá de ser invocada junto deste, sendo que a sua não alegação resulta na existência de uma convenção tácita. Deste modo, e só deste modo, seria possível a concomitância das duas vias, defendida por Rui Vieira Miller.

Porém, deparando-nos com uma situação em que, aparentemente, os dois tribunais têm competência, a solução prática apontada por Mariana França Gouveia é a de se privilegiar a jurisdição onde a acção foi primeiramente proposta.
 
Consideramos que muito dificilmente este quadro ocorrerá–a referida autora entendo-o mesmo como uma “actuação esquizofrénica de ambas as partes” -, uma vez que mesmo que o demandante proponha acções nos dois tribunais, o demandado irá, em princípio, invocar a incompetência do tribunal estadual ou, como vimos supra, do tribunal arbitral, não nos parecendo provável que mantenha uma postura completamente passiva quando ambas as acções decorrem contra si.
 
Por fim, a decisão do tribunal arbitral apenas pode ser impugnada através de acção de anulação proposta nos tribunais estaduais competentes (art. 46º, nº 1 da LAV) e, em princípio, só haverá recurso de tal decisão se as partes, no início do processo, expressamente convencionarem essa possibilidade (art. 39º, nº 4, LAV).(148)

Notas

141. Novamente aqui, a expressão “qualquer condómino” não deve ser lida indiferenciadamente, já que perante uma deliberação anulável existe um outro requisito: que não tenha aprovado a deliberação (nº 1 do art 1433º).
142. João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 61.
143. A título exemplificativo, pense-se no Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos, da Ordem dos Advogados, de âmbito nacional; o Centro de Arbitragem da Universidade Católica Portuguesa, de âmbito nacional e carácter geral; o Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e do Inquilinato, da Associação Lisbonense de Proprietários, restrita à área metropolitana de Lisboa; o CEMEAR ÓBIDOS — Centro de Mediação e Arbitragem,de âmbito nacional e carácter geral,

144. Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, reimpressão da 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 182.
145. Ac. STJ de 17/03/2005.
146. Op. cit., p. 280.
147. Op. cit., pp. 182 a 183.


148Neste sentidoGOUVEIA, Mariana França, op. cit., pp. 119 e ss. e VASCONCELOS, João Raposo, op. cit., p. 61

9/22/2023

Impugnação não judicial - Convocação AGE


4.1.1 Impugnação não judicial - Convocação AGE
 
As principais vantagens do recurso a esta via são evitar a litigiosidade entre os condóminos que, mais do que membros de um órgão da administração são vizinhos, partilhando o mesmo edifício (ou conjunto de edifícios) e, por outro lado, a possibilidade de obter uma regulamentação estável e num curto espaço de tempo sobre a questão que os levou a deliberar.
 
Para alguns autores, a redacção do nº 2 do art. 1433º não é clara.(133) Com efeito, é importante fazer uma leitura articulada com as restantes normas da Secção IV do Capítulo VI do Livro III do Código Civil, para entender o seu verdadeiro alcance.
 
Relativamente à legitimidade para convocar nova assembleia para revogação de deliberação inválida ou ineficaz, esta é indirecta,cabendo aos condóminos presentes que não aprovaram a deliberação e aos ausentes (134) exigir ao administrador tal convocação.(135) Caso os condóminos legitimados pretendam convocá-la directamente, estes terão de representar 25% do capital investido no prédio, nos termos gerais do art. 1431º.
 
Se o condómino legitimado optar por esta via, ele dispõe de 10 dias para a executar, sendo que o início da contagem deste prazo dependerá do facto de ele ter estado, ou não, presente na assembleia em que se aprovou a deliberação. Se esteve presente ou representado, o prazo conta-se desde a data da deliberação, independentemente da data em que a ata seja elaborada; se esteve ausente e não designou representante, o prazo conta-se da data em que tal deliberação lhe foi comunicada pelo administrador, por carta registada com aviso de recepção (nos termos do art. 1432.º, nº 6),(136) pelo que poderá beneficiar de um acréscimo de até 30 dias.(137)
 
Este prazo dever-se-à estender também às situações em que os condóminos convoquem directamente, de acordo com o supra exposto. A assembleia deverá ter lugar no prazo máximo de 20 dias, sendo que o início deste prazo será distinto consoante a situação em causa. 
 
Assim, quando seja exigida ao administradora convocação da assembleia, dever-se-ão contar os 20 dias a partir da data em que este receba o pedido.(138) ficando ao critério dos condóminos que a solicitem definir a data ou deixar tal tarefa a cargo do administrador. No caso de convocação directa pelos condóminos, dispõem estes de um prazo máximo  de 30 dias para executar a sua pretensão(10 dias para convocar e 20 para a sua efectiva realização). Também aqui se aplica a exigência prevista no nº 1 do art. 1432º, referente à convocação da assembleia com uma antecedência mínima de 10 dias. 
 
Caso o administrador, depois de receber o pedido, não convoque a assembleia extraordinária no prazo legalmente estabelecido, (139) pode o condómino legitimado, ao abrigo do disposto no art. 1438º, convocar, ele próprio, tal assembleia (140) – nesta situação, entendemos que deixam de ser aplicáveis as exigências do nº 2 do art. 1433º relativamente aos prazos, porquanto apesar de se visar discutir e votar novamente a deliberação considerada inválida ou ineficaz, tratar-se-à de uma assembleia convocada ao abrigo do art. 1438º e, portanto, para recorrer de um acto (no caso, omissão) do administrador. Parece-nos, contudo, imprescindível que o condómino que recorra do acto seja o mesmo (ou um dos) que requereu a convocação da assembleia.
 
Numa última nota, não podemos deixar de mencionar o ac. TRP de 09/05/2013, pela perplexidade que nos causou. Com efeito, vem o referido aresto defender que os condóminos “não se podem prevalecer da ausência de convocação válida para a assembleia (...) num contexto em que não quiseram convocar nova assembleia extraordinária em que iriam ter, pessoalmente, oportunidade de reeditarem a deliberação e votação no sentido que entendiam correto, particularmente para revogação da deliberação que entendiam inválida ou ineficaz”.
 
Prossegue o referido aresto no sentido de a preterição dos requisitos de convocação previstos no nº 1 do art. 1432º ser“vulgaríssima” e que “desde a alteração introduzida no subsequente art. 1433º pelo art. 1º do Decreto-Lei 267/94, de 25/10 ”que“o único direito – para o condómino que efectivamente faltou e que pode invocar aquela preterição na sua convocação – é o de requerer nova assembleia, conforme nº 2 do dito art. 1433º”.
 
Dado oexposto,não nos parece demais reiterar que as vias de impugnação das deliberações das assembleias de condóminos são, todas elas, alternativas umas às outras (sem prejuízo de se poderem cumular, como iremos ver). Como tão bem se retira da leitura do art. 1433º, a repetição do vocábulo “pode” demonstra, desde logo, que inexiste qualquer obrigação (ou ónus, como aquele acórdão refere) de os condóminos legitimados recorrerem a uma via como condição de recurso a outra(s). 
 
Com efeito, o condómino discordante tem ao seu dispor diversos procedimentos, pelo que não se pode fazer depender o recurso a um tribunal judicial da prévia convocação de uma assembleia extraordinária.

Notas

133. Neste sentido, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 59.
134. A leitura do nº 2 não pode ser feita indiferenciadamente: tratando-se de deliberação anulável, só terá legitimidade para requerer a assembleia extraordinária o condómino que a não tenha aprovado. Tratando-se de deliberação nula/ineficaz/inexistente, a legitimidade para exercer tal faculdade é concedida a qualquer condómino, bastando que ele invoque tal qualidade (vide, neste sentido, ac. TRP de 16/11/2010).
135. Note-se que não é exigível, aqui, qualquer mínimo de representatividade do capital investido.
136. Vide ac. TRC de 06/12/2016.
137. Neste último caso, a data a tomar em linha de conta é a “da entrega e recebimento da carta, exarada naquele «aviso»(de recepção)”, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 279.

138. Neste sentido, Rui Vieira Miller, op. cit., p. 279, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 60, Abílio Neto, op. cit., p. 723 e Menezes, Leitão op. cit., p. 302.
139. “A lei não refere qualquer penalidade para o administrador que não cumpre os seus deveres (...). Tal falta tem de ser apreciada pela assembleia, bastando o requerimento de qualquer condómino (art. 1438º), uma vez que está em causa acção ou omissão do administrador”: Francisco Rodrigues Pardal / Manuel Baptista Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal: no Código Civil e Legislação Complementar, 6.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 277.
140. Abílio neto, ibidem, p. 724

9/21/2023

Impugnação das deliberações


4. Impugnação das deliberações
 
“Interessa ao condomínio a obtenção de segurança quanto à produção dos efeitos das deliberações da assembleia e à estabilidade de tais efeitos."(127)
 
Dada a primazia destes interesses, o legislador teve a preocupação de garantir que os interessados ficassem, num curto espaço de tempo, seguros da eficácia da deliberação ou, pelo menos, da possibilidade de a mesma ser suprimida.(128)
 
Todavia, tal como teremos oportunidade de ver, as disposições legais que regulam o regime das impugnações das deliberações condominiais “estão longe da clareza exigível em qualquer texto legal e não valoram adequadamente a realidade subjacente a tal regulação, o que as torna não raro profundamente iníquas”.(129)
 
Numa breve nota sobre a evolução do regime, refira-se que o DL nº 267/94, de 25 de Outubro, veio alterar a redacção dada pelo DL nº 40333, de 14 de Outubro, ao art. 1433º, referente à impugnação de deliberações da assembleia.(130)
 
Assim, foram introduzidos o atual nº 2, em substituição do anterior §1º, bem como os nºs 3 e 4. Por seu turno, mantiveram-se, em traços gerais, os antigos §2º e §3º, tendo passado a nºs 5 e 6, respectivamente.O s nºs 2 e 3, abriram portas a uma maior celeridade do que aquela que caracteriza a tramitação de uma acção judicial de anulação de deliberações, admitindo a convocação de uma reunião extraordinária, com o objectivo de revogar as deliberações  inquinadas, e o recurso a um centro de arbitragem.(131)
 
É do nosso entendimento que tão importante quanto a celeridade na satisfação dos interesses dos condóminos é a libertação judiciária de questões, não raras as vezes, de reduzida complexidade, que acabam por “entupir” os tribunais portugueses, contribuindo para a tão afamada morosidade da justiça. Deste modo, a consagração destes meios alternativos permite fazer face a duas realidades distintas, mas que se influenciam reciprocamente. Não obstante, o legislador não deixou de conceder aos condóminos vias judiciais, designadamente a faculdade de propositura de uma acção de anulação, e ainda a possibilidade de requerer a suspensão das deliberações,nos termos gerais. 
 
Qualquer destas vias está sujeita a prazos, cujo desrespeito implica a caducidade do respectivo direito.(132)
 
Notas

127. Lobo Xavier, Anulação..., p. 301.
128. Neste sentido, ac. TRE de 28/06/2018.
129. Abílio Neto, op. cit., pp. 725 e 726.
130. Art. 32º, DL 40333, de 14 de Outubro: “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou ao regulamento aprovado pelos interessados poderão ser anuladas a requerimento de qualquer dos condóminos. §1.º A acção será proposta dentro do prazo de vinte dias, a contar da deliberação, quanto aos que a não aprovaram, ou da comunicação da deliberação, quanto aos condóminos ausentes à sessão. §2.º Pode ser requerida a suspensão das deliberações da assembleia, nos termos dos artigos 403.º e 404.º do Código de Processo Civil. §3.º A representação judiciária dos outros condóminos competirá ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”

131. “A actual redacção do art. 1433º, nº 4 do CC inscreve-se no escopo de obstar ao recurso a tribunal, evitando o inconveniente de gerar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, e privilegia o recurso aos meios extrajudiciais ou para-judiciais de resolução de litígios (respectivamente, a assembleia extraordinária de condóminos e o centro de arbitragem) (...).” - ac. TRL de 22/11/2012.
132. “O artigo 1433º do CC não contém quaisquer normas específicas (...) fixando, tão somente, prazos limites para o exercício do direito de acção e as vias, prévias e extrajudiciais, de reacção a deliberações inválidas.” - ac. TRL de 27/11/2008 e Aragão Seia, op. cit., pp. 185 e 186.

9/20/2023

Deliberações inexistentes


3.4 Deliberações inexistentes
 
Há quem admita, além da invalidade (nulidade e anulabilidade)e da ineficácia em sentido estrito, a figurada inexistência do negócio ou do negócio inexistente (que, de acordo com a doutrina maioritária–que a aceita (118) -, se integra no quadro da ineficácia lato sensu, juntamente com os outros vícios.(119)) 
 
Quanto a nós, o seu reconhecimento parece-nos imprescindível, porquanto nenhuma invalidade (120) dará devida resposta às situações em que não se verifica sequer a aparência da materialidade ou do corpus correspondentes à noção de um determinado acto ou em que, verificando-se tal aparência, ela não corresponde a tal noção.(121)(122)
 
Feito este enquadramento, facilmente se depreende que a inexistência corresponde à falta mais grave e radical no âmbito dos vícios do negócio jurídico e que, por isso, não pode produzir quaisquer efeitos.(123)

Dado o exposto, estaremos perante uma deliberação inexistente quando os condóminos, em assembleia, não tenham tomado expressa posição sobre um qualquer assunto, apesar de, aparentemente, resultar da assembleia uma deliberação sobre a questão.(124)
 
A inexistência está excluída do âmbito de previsão do art. 1433º, pelo que pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer condómino, podendo ser declarada por uma mera acção de simples apreciação, produzindo efeitos idênticos à acção de declaração de nulidade. Como exemplos de deliberações inexistentes, imagine-se a aprovação de uma “pseudo deliberação”, constante de acta, que na realidade não foi submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na assembleia.(125)
 
Abílio Neto e Sandra Passinhas (126)  apontam ainda como exemplo uma deliberação em que se constata que nela teria participado alguém que se disse representante de um ou mais condóminos, não tendo, para isso, quaisquer poderes (falsus procutaror). 
 
Diferentemente, é do nosso entendimento que a aprovação de uma deliberação perante a referida situação fáctica não pode ser inexistente, mas meramente anulável. Com efeito, entendemos que o voto de um não-condómino ou de alguém não mandatado por nenhum condómino deve ser considerado irrelevante, tanto quanto a contagem dos votos o permita. Assim, se uma determinada deliberação exige uma maioria (seja ela simples ou qualificada) e, mesmo retirando os “votos” da referida pessoa, a deliberação reúne votos suficientes para ser aprovada, não nos parece que se possa falar em inexistência da deliberação. Mesmo quanto às deliberações que carecem de unanimidade é possível que os pseudo votos não interfiram com a validade da deliberação – pense-se na diminuição de quórum exigido em segunda  convocatória.
 
Deste modo, a única consequência que pode resultar da participação de um estranho na votação é a ausência do necessário quórum deliberativo, pelo que estará em causa apenas um vício respeitante à formação do processo deliberativo – o que, como vimos supra, se comina, em princípio, com a anulabilidade.

Notas

118. Apesar de a inexistência jurídica estar legalmente prevista no art. 1628º, relativo a casamentos inexistentes, ela é negada enquanto categoria jurídica autónoma por alguns autores, que a incluem na modalidade de rigorosa nulidade (vide Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2017, p. 518 e Menezes Cordeiro, op. cit., p. 90), sendo, todavia, reconhecida por outros autores que a admitem para actos afectados com um vício mais grave do que a nulidade (Mota Pinto, op. cit.,pp. 617 a 619 e Pais Vasconcelosde, op. cit., pp. 642 e 643). Para estes últimos, a inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa e a todo o tempo, uma vez que não se trata de um negócio jurídico viciado, mas antes de um “não negócio”. Nesse sentido, o negócio não chega sequer a existir no mundo jurídico, representando um nada, em consequência dos vícios de que enferma.
119. Contra: Rui Nogueira Lobo de Alarcão e
Silva, “Sobre a Invalidade do Negócio Jurídico”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro,in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,III, Iuridica,1983 (impr. 1984), p. 610, para o qual se trata de categoria autónoma.
120. Note-se que mesmo nos casos de nulidade, embora excepcionalmente, não se pode excluir a possibilidade de esta ser sanada (cfr. Pinto Furtado, op. cit., pp. 548 e ss.) ou de, não o sendo, produzir efeitos indirectos ou laterais (como, p. ex., o negócio nulo valer como justo título para efeito de usucapião).
121. Mota Pinto, op. cit., p.617e ac. TRP de 07/03/2016.
122. A inexistência “não é a problemática do nada, mas de um certo quid de facto que, tendo a aparência de uma deliberação, não preenche todavia a facti specieslegal do conceito” – Pinto Furtado, op. cit., p. 503.
123. Note-se que, naturalmente, “mesmo que um acto seja juridicamente inexistente o seu agente pode, em termos práticos, executá-lo e dele retirar efeitos materiais enquanto tal inexistência não for jurisdicionalmente verificada e declarada”. Vide ac. TRC de 21/06/2011.

124. Ac.TRP de 07/03/2016.
125. Abílio Neto, op. cit., p. 721 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 250 e ac. TRP de 16/11/2010.
126. Idem, ibidem.

9/19/2023

Deliberações ineficazes

 
3.3 Deliberações ineficazes
 
A ineficácia em sentido estrito é uma das consequências jurídicas aplicáveis às deliberações das assembleias de condóminos, ainda que em todo o regime jurídico da propriedade horizontal só encontremos uma única referência a este vício, designadamente no nº 2 do art. 1433º do CC, reconhecendo-se assim a sua dignidade jurídica no âmbito desta matéria. 
 
A deliberação ineficaz é, então, uma deliberação válida à qual, “todavia, faltará um elemento especificamente indispensável para que realize a sua função – o seu requisito de eficácia”, carecendo, portanto, de “idoneidade funcional”.(110)
 
O conceito de ineficácia diz respeito a “alguma circunstância extrínseca”, sendo que em matéria de deliberações estaremos perante uma ineficácia relativa, e não absoluta, na medida em que se verificará em relação a certos condóminos, só por eles podendo ser invocada (a deliberação, “embora ineficaz noutras direcções, é inoponível a certas pessoas”).(111)
 
Em suma, a ineficácia impede que os efeitos de uma deliberação afectem determinados condóminos.(112)
 
Dentro das deliberações ineficazes encontramos aquelas que se reconduzem a matérias que não competem à assembleia de condóminos, i.e., que não dizem respeito à administração das partes comuns (art. 1430º) como, por exemplo, a afectação de uma fracção autónoma ao regime das partes comuns, sem consentimento do condómino proprietário, podendo este optar entre a ratificação da deliberação e a arguição, a todo o tempo,do vício de que a mesma enferma, seja por via de excepção, seja através de açcão meramente declarativa de ineficácia da deliberação.(113)
 
Não podemos deixar de concordar com Pires de Lima e Antunes Varela quando afirmam que é este o regime mais aconselhável, porquanto “seria violento (...) obrigar o condómino afcetado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia”.(114)
 
Além disso, os mesmos autores (115) chamam à atenção para as semelhanças existentes entre esta situação e aquela que vem prevista no art. 268º, nº 1, em que um representante sem poderes exerce um comportamento negocial que interfere com a esfera jurídica de outrem, sem que para isso tenha os poderes necessários. Estamos, pois, perante situações análogas que a lei comina, como não poderia deixar de ser, com a ineficácia, não havendo vinculação ao negócio ou deliberação por parte da pessoa afectada, salvo se esta aceitar expressamente o sacrifício que (indevidamente) lhe é imposto.(116)
 
Em síntese, qualquer deliberação da assembleia (ou decisão do administrador) que recaia sobre os direitos individuais dos condóminos ou represente uma ingerência no domínio e/ou administração exclusiva que qualquer proprietário tem sobre a sua fracção deve ser considerada ineficaz.(117).
 
Caso constem da ordem de trabalhos estabelecida no aviso convocatório matérias que extravasem a esfera de competência da assembleia, elas não podem ser discutidas por esse órgão deliberativo, pelo que qualquer condómino tem o poder-dever de suscitar tal questão, de preferência antes do início da assembleia ou da discussão sobre as mesmas. 
 
Em jeito de nota prática, importa referir que há partes do prédio imperativamente comuns, previstas no nº 1 do art. 1421º e há outras que apenas são comuns quando os condóminos nada declarem em contrário (nº 2 do mesmo preceito legal). Assim, perante deliberações atinentes às partes previstas no nº 1, não há qualquer hipótese de se cominarem com ineficácia. Por outro lado, quanto às partes que constam do nº 2, os condóminos deverão ter a diligência de saber, em concreto, quais se referem a partes comuns e quais, eventualmente, passaram a fracções autónomas, de modo a poderem suscitar a referida questão com conhecimento de causa.

Notas

110. Pinto Furtado, op.cit., p. 508.
111. Vide Mota Pinto, op. cit., p. 616.
112. A ineficácia a que aqui nos referimos, enquanto vício da deliberação propriamente dia, não se confunde com a ineficácia decorrente da não comunicação aos condóminos ausentes da deliberação validamente aprovada, referida supra. Neste sentido, vide «Aprovação pelos Condóminos Ausentes».
113. Neste sentido, Abílio Neto, op. cit., p. 721, Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 448 e Aragão Seia, op. cit., pp. 176 e 177. Na jurisprudência, vide Ac. TRE de 03/11/2016.
114. Pires de Lima / Antunes Varela, ibidem.
115. Idem, ibidem.

116. Abílio Neto, op. cit., p. 642.
117. Vide, ainda neste sentido, Pires de Lima / Antunes Varela, op. cit., p. 442, Menezes Leitão, op. cit., p. 300 e Abílio Neto, ibidem. Na jurisprudência, ac. TRP de 07/03/2016 e ac. TRL de 01/03/201: “Compreende-se que assim tenha de ser; para lá das restrições gerais impostas ao direito do condómino (art. 1422º/1 do CC), apenas aquelas que a lei expressamente estabeleça devem ser permitidas;não sendo facultado à autonomia da vontade privada, mesmo que formada em maioria, condicionar o alcance do exercício das faculdades jurídicas de índole real".

Deliberações anuláveis - casos especiais


3.2.1 Deliberações anuláveis - casos especiais
 
A assembleia pode, por mera deliberação tomada por maioria simples, modificar ou revogar o regulamento vigente no condomínio,(101) mesmo que tal regulamento tenha sido aprovado por unanimidade. Estas deliberações não se confundem com as deliberações que violem, directa e concretamente, normas gerais e abstractas contidas no regulamento, cuja cominação é algo controversa na doutrina. 
 
Com efeito, para João Vasconcelos Raposo,(102) se o regulamento do condomínio integrar o título constitutivo, a sua modificação exige unanimidade (art. 1419º, nº 1).(103) pelo que serão “inválidas”as deliberações que desrespeitem as suas cláusulas,mesmo que aprovadas por todos os condóminos – salvo, claro, se antes da tomada de tal deliberação se modificar o regulamento de modo concordante com a deliberação que se pretende aprovar. Não obstante, o autor chama a atenção para o facto de, naquele caso, tal invalidade ser insindicável, pois se todos os condóminos a aprovaram, não existirá ninguém com legitimidade para a impugnar.
 
Por outro lado, entende que perante o desrespeito pelo regulamento do condomínio que não integre o título constitutivo, e uma vez que a lei não exige qualquer maioria especial para o modificar, não parece justificável considerar a existência de qualquer invalidade na deliberação tomada com respeito por todas as formalidades. “Nesse caso, a deliberação traduzirá ou uma alteração do regulamento de condomínio ou uma derrogação pontual do mesmo, o que, em qualquer dos casos, nada terá, a (seu) ver, de ilícito. ”Em sentido diferente, Pires de Lima e Antunes Varela (104) defendem que o legislador visa, aqui, impedir a tomada de deliberações concretas contrárias à regulamentação geral contida no regulamento, pelo que é necessário que assembleia proceda, em primeiro lugar, à devida modificação do regulamento e, só depois, à aprovação da solução pretendida.
 
Para Lobo Xavier e Sandra Passinhas,(105) independentemente de o regulamento estar ou não inserido no título constitutivo,as deliberações que o contrariem (desde que estas não consistam na mera reprodução daquilo que vem na lei) nunca serão nulas, mas tão-só anuláveis (em certos casos meramente ineficazes até ao assentimento de determinado condómino). Entendem estes autores que se os condóminos acordam livremente na elaboração de um regulamento do condomínio, então devem também poder suprimir ou alteraras suas cláusulas, bem como, por maioria de razão, decidir pela sua não observância num caso concreto. Estão aqui em jogo, apenas e só os interesses dos condóminos, pelo que a deliberação que ameace tais interesses não deve ser considerada imediatamente excluída, devendo antes deixar-se nas mãos daqueles a decisão quanto aos efeitos do acto. 
 
No nosso entendimento, parece-nos que a ideia da inexistência de qualquer invalidade perante a violação do regulamento do condomínio não pode ser aceite, porquanto o “regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g., arrendatários, promitentes-compradores, comodatários”.(106)
 
Assim, a possibilidade de derrogação, a todo o tempo, do regulamento geraria insegurança e incerteza e desprovê-lo-ia de qualquer força vinculativa quando este não integrasse o título constitutivo. Posto isto, consideramos que qualquer deliberação que viole cláusulas do regulamento do condomínio, seja ele parte ou não do título constitutivo, deve ser anulável, existindo, por isso, a possibilidade de se vir a tornar definitiva, cabendo aos titulares do direito de voto a última palavra.(107)
 
Para não incorrer no risco de ver a deliberação anulada, a assembleia deverá alterar previamente o regulamento, em concordância com a deliberação que se pretende aprovar posteriormente. Imaginemos, agora por hipótese,(108) que a aprovação de uma deliberação tem por base uma outra que anteriormente se aprovou e que vem mais tarde a ser anulada. Por exemplo, um regulamento que disciplina o modo de convocação da assembleia, dispondo de uma cláusula que exige o envio aos condóminos de documentação detalhada sobre todos os assuntos a discutir na ordem do dia. Entretanto, tal cláusula é suprimida em assembleia geral. Posteriormente, é realizada uma nova reunião, não se verificando o envio da documentação na convocação dos condóminos. 
 
Ora, vindo a deliberação que suprimiu aquela exigência a ser anulada, o que acontece às deliberações resultantes da última assembleia? Por outras palavras, “qual a influência sobre a validade do último acto, da sentença que vem depois anular a deliberação de alteração do regulamento? ”Pergunta-se, assim, se fará sentido anular tudo o que venha a ser deliberado numa assembleia na qual não se cumpriu o envio da documentação. 
 
O caminho apontado pelos autores – e que entendemos ser o mais equilibrado – é o seguinte: o condómino que requeira a impugnação da deliberação que revogou a cláusula regulamentar que exigia o envio da documentação deve ter o cuidado de impugnar também, “à medida que forem tendo lugar e dentro do prazo legalmente previsto”, todas as deliberações que venham a ser tomadas de acordo com a primeira.(109)
 
Não existe, portanto, uma eliminação automática e indiscriminada de todas as deliberações, pelo que impenderá sobre o autor da acção de anulação o ónus de escolher quais os actos que devem ser, de facto, anulados. Note-se que, diferentemente, na hipótese de ser tomada uma deliberação que se conclua que seria nulas e uma anterior deliberação não tivesse sido tomada ou se já tivesse sido anulada, todos os efeitos produzidos pela deliberação posterior em análise, por ser nula, deverão ser excluídos – eficácia ex tunc-, caindo ipso iure, porquanto não se trata de um vício superveniente, mas de uma verdadeira nulidade. 
 
Concretizando, pense-se na hipótese de a primeira deliberação exonerar o administrador do condomínio e a segunda nomear um outro administrador, sendo a primeira, posteriormente, anulada. Caso a validade da segunda deliberação (da nomeação do novo administrador) ficasse ao critério dos condóminos, permitindo-lhes impugná-la ou não, num determinado prazo, poder-nos-íamos deparar com uma situação que a lei não permite: a existência de duas administrações para o mesmo condomínio (cfr. nº 5 do art. 1435º).

Notas

101. Vide, a este propósito, «Vício nas deliberações», referente às nossas considerações sobre a natureza do regulamento do condomínio inserido no título constitutivo. Contra: Aragão Seia, op. cit., p. 49.
102. Op. cit., pp. 58 e 59.
103. No mesmo sentido, ac. TRL de 21/10/2008.
104. Op. cit., p. 448.
105. Lobo Xavier, Anulação..., p. 148 e Sandra Pass,op. inhascit., pp. 257 e ss. (esta última, novamente, estribada na doutrina daquele autor, adaptando-a à problemática do condomínio)

106. Ac. TRL de 25/06/2013.
107. Em consonância com o que foi dito supra, ressalvam-se as deliberações que ofendam cláusulas regulamentares que concedam direitos especiais aos condóminos ou que restrinjam alguns dos seus direitos.
108. Os exemplos avançados constam de Sandra Passinhas, op. cit., pp. 253 e ss. e de Lobo Xavier, Anulação..., pp. 268 e ss

109. Tomadas duas deliberações relativas à mesma matéria, quando a segunda deliberação possa surgir como inválida por força da superveniente sentença anulatória da primeira, pode-se afirmar que aquela se encontra num estado de (in)validade pendente ou suspensa. Significa isto que a eventual sentença anulatória da primeira deliberação resulta, não numa causa de invalidade da segunda, mas num evento resolutivo do estado de pendência em que se encontra a última, que – havendo impugnação – será também anulada

9/18/2023

Deliberações anuláveis


3.2 Deliberações anuláveis
 
A anulabilidade está relacionada com interesses de índole particular, o que justifica que os negócios anuláveis possam consolidar-se com o decorrer do tempo. Um negócio anulável nasce, portanto, válido, ainda que precário, produzindo efeitos desde a sua celebração e só se tornando inválido se for posteriormente anulado,(89) sendo que a arguição da anulabilidade (90) terá de ser feita tempestivamente e por quem tenha legitimidade para tal, não sendo, portanto, de conhecimento oficioso.(91). 
 
A sentença de anulação tem efeitos retroactivos (art. 289º, nº 1), pelo que se “considera que os efeitos visados não se produziram desde o início, como nunca tendo tido lugar”.(92). Enquanto não existir sentença de anulação, os condóminos e o administrador estão, deste modo, vinculados às deliberações que hajam sido tomadas pela assembleia. 
 
As deliberações anuláveis distinguem-se das restantes em aspectos relevantes: podem estas ser sujeitas a renovação, i.e., ser substituídas por outras que tenham o mesmo conteúdo, masque estejam já em conformidade com a lei, o título constitutivo ou o regulamento, deixando a deliberação anterior de ser anulável,(93) e podem ainda ser alvo de confirmação desde que o vício já tenha cessado e o interessado tenha conhecimento do vício e do direito de anulação (art. 288º)(94)
 
Diferentemente, as deliberações nulas e inexistentes não podem ser confirmadas, mas apenas “repetidas ex novo”.(95) Deliberações tomadas com vícios formais são anuláveis quando violem prescrições legais ou regulamentares relativas à convocação da assembleia: “quando se verificou a falta de convocação de algum dos condóminos, ou de terceiros com direito a participarem na assembleia (usufrutuário, usuário, locatário, nos contratos de leasing para habitação, depositário judicial e fiduciário), ou quando a convocação foi efetcuada com prazo inferior a dez dias”.(96)
 
Também a convocação realizada por pessoa diferente do administrador ou por condóminos que representem menos de 25% do capital investido no prédio se traduz em falta de convocação (excetpo, como já foi referido, quando se trate de convocação de assembleia para recorrer de acto do administrador), o que implica que as deliberações que resultem de tal reunião sejam anuláveis. O mesmo se verifica quando do aviso convocatório não conste o dia, a hora e/ou o local da reunião e, ainda, quando a assembleia reúna em local distinto do indicado ou antes da hora prevista na convocação. São ainda anuláveis as deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem do dia (97) ou quando estejam presentes terceiros não autorizados na reunião. 
 
O regime da anulabilidade assume, porém, uma função residual ou mesmo de regra geral da invalidade, porquanto todas as deliberações contrárias à lei, estatuto e regulamentos que não sejam nulas, ineficazes ou – se assim se aceitar – inexistentes, serão anuláveis, aplicando-se-lhes o disposto no art. 1433º, nºs 2 a 4. 
 
Não obstante, a inexistência de uma base legislativa que dê segurança e certeza à delimitação entre aquelas que são deliberações anuláveis e aquelas que são nulas torna a tarefa do intérprete, maxime, condómino, difícil, “porquanto um eventual erro na qualificação pode levar à perda do direito de impugnação, pelo decurso dos prazos fixados nos nºs 2 a 4 do art. 1433º”(98)
 
Assim, embora a doutrina e a jurisprudência venham tomando entendimentos uniformes quanto ao regime a aplicar, afigura-se insuficiente o seu contributo, verificando-se, uma vez mais, falhas no regime legislativo da PH. Com efeito, melhor seria que o legislador tivesse seguido aquela que foi a opção tomada no CSC, designadamente no seu art. 58º, pois que mesmo não fazendo uma enumeração taxativa das situações cominadas com anulabilidade (nem tal se pediria), este preceito estabelece um “quadro objectivo e circunstanciado das hipóteses gerais de anulabilidade, ajudando assim o intérprete a caracterizar a figura com mais nitidez e precisão”.(99)
 
Posto isto, Aníbal Neto (100) entendeque, por uma razão de cautela, o disposto no art. 1433º, nomeadamente no que concerne aos prazos, deve ser aplicável a todos os casos de invalidade das deliberações, já que só assim se garante uma “arguição tempestiva, sem incorrer no risco da respectiva consolidação, por efeito da inobservância dos prazos ali estabelecidos”. Porém, esta solução gera um problema maioritariamente teórico: ao ser dado o mesmo tratamento às invalidades, a distinção existente entre ambos os vícios deixa de fazer sentido, tratando-se uma deliberação anulável como nula e vice-versa. 
 
Apesar de ser neste sentido que a própria lei parece ir, quando se refere, indiferenciadamente, a “deliberações inválidas ou ineficazes”, mandando aplicar a todas elas o mesmo regime impugnatório (art. 1433º, nº 2), entendemos que aquele raciocínio só poderá ser tomado em consideração como “nota meramente prática” para as partes (e seus mandatários), não podendo nunca – como, de resto, é evidente - uma decisão judicial indeferir uma determinada petição que alegue a nulidade de uma deliberação com base na intempestividade da sua propositura.

Numa última nota, importa destacar que a legitimidade para impugnar as deliberações compete a “qualquer condómino que as não tenha aprovado” (art. 1433º, nº 1, in fine). Abílio Neto entende que apenas o condómino que já o seja no momento em que a deliberação é tomada é que tem legitimidade para a impugnar. Tal interpretação significa, no nosso entendimento, que quem venha a tornar-se condómino depois da aprovação da deliberação anulável, não obstante saber que aquela deliberação está inquinada com determinado vício – e não obstante a deliberação o vincular tal como vincula todos os condóminos que já o eram no momento da sua aprovação -, tem de se conformar com a mesma, mesmo que ainda esteja dentro do prazo para a impugnar. Ainda que se trate de uma conjectura pouco provável, não é isto que, a nosso ver, resulta da lei, podendo tal entendimento dar cobertura a situaçõesde incumprimento da mesma.

Notas

89. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 648 e ss.
90. Apesar da existência de uma acção especialmente destinada a esse efeito, a anulabilidade pode ser arguida por via de excepção (cfr. art. 287º, n. 2, in fine).
91. Pinto Furtado, op. cit., p. 706.
92. Mota Pinto, op. cit., p. 621.

93. Acs. TRL de 06/11/2008 e de 03/11/2011 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 251.
94. “A razão de ser da consagração da possibilidade de confirmação também está relacionada com o eventual interesse daquele que tem legitimidade para arguir o vício em colocar um ponto final na situação de indefinição da sorte do negócio jurídico” – António Menezes Cordeiro, Da Confirmação no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2008, p. 13.
95. Neste sentido, Abílio neto, op. cit., p. 721.
96. Sandra Passinhas, op. cit., p. 258.

97. Tem vindo a tornar-se costume a inclusão de um ponto tão genérico quanto abrangente, prevendo a possibilidade de se “tratar de quaisquer outros assuntos com interesse para o condomínio”. Deste modo – defende João Vasconcelos Raposo (op. cit., p. 25) -, permite-se que “numa assembleia reunida para a discussão de certo ou certos assuntos seja dada a oportunidade aos condóminos de se expressarem sobre outras matérias, aproveitando o facto de já estarem cumpridas as formalidades necessárias a tal reunião. Não o permitir levaria a uma diminuição da possibilidade de discussão e participação dos condóminos ou à necessidade de convocação de múltiplas assembleias sempre que alguém visse necessidade de discutir algum assunto”. Abílio Neto (op. cit., pp. 686 e 687), por seu turno,entende que estão vedadas, por lei, deliberações sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos, expressas de forma clara e inequívoca na convocatória, “salvo se estiverem presentes todos os condóminos e concordarem que se delibere sobre o assunto”. Veja-se, também neste sentido o ac. TRP de 04/05/2010 e o ac. STJ de 04/10/2011. Entendem aquele autor e a citada jurisprudência que o art. 1432º/2, ao exigir a indicação da ordem de trabalhos visa evitar deliberações-surpresa, principalmente quando estas impliquem encargos patrimoniais para os condóminos ausentes ou alterações do estatuto. “Assim, se um ou vários condóminos, no decurso da assembleia, tomarem a iniciativa de requerer a inclusão na ordem de trabalhos de novos assuntos, esse requerimento deve ser recusado desde que haja condóminos ausentes; se for admitido e houver votação sobre a matéria, as deliberações tomadas incorrem no vício da anulabilidade.”
98. Abílio Neto, ibidem, p. 722.

99. Pinto Furtado, op. cit., p. 633.
100. Op. cit., p. 721.

Deliberações nulas III

 

3.1.2 Alguns exemplos

Nos termos do nº 1 do art. 1432º, uma assembleia não pode deliberar sem que estejam presentes condóminos que representem, pelo menos, 51% dos votos representativos do capital investido. Este preceito legal é imperativo, visando proteger os interesses dos condóminos e regula elementos exteriores da deliberação (a forma como pode ser obtida), pelo que a deliberação tomada com desrespeito pelo mesmo cabe no âmbito do art. 294º.
 
Contudo, esta deliberação não deverá ser cominada com nulidade, mas com mera anulação, porquanto não se trata de irregularidade permanente que afecte interesses de condóminos futuros.(84) Os nºs 3 e 4 do art. 1424º são disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade prevista no nº 1 (que se apresenta como supletiva), não podendo ser derrogadas. Com efeito, estas regras acautelam “interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito”. São, pois, normas imperativas, não estando na disponibilidade das partes.(85)
 
Assim, deliberações aprovadas em sentido contrário àquelas são deliberações cujo conteúdo negocial é contrário à lei e, por isso, são abrangidas pelo nº 1 do art. 280º. Não existindo outra solução legal, e tendo em conta que a aprovação de tais deliberações é suscetível de afectar pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio, estas deliberações deverão ser cominadas com anulidade, por força do disposto no art. 280º. O mesmo raciocínio se aplica para deliberações que regulem os encargos com inovações de forma diferente da consignada no art. 1426º. 
 
O art. 1419º/1 surge, igualmente, como norma imperativa, visando, novamente, a protecção dos interesses dos condóminos e, bem assim, o interesse geral, na medida em que “o título constitutivo é um acto modelador do estatuto da PH e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes,”(86) oponíveis a terceiros. Assim, “a liberdade de modelação do regime da PH está fortemente condicionada não apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público, designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, sem esquecer a necessária salvaguarda da solidariedade exigida a todos os que integram a micro comunidade interdependente”.(87)
 
Posto isto,qualquer alteração ao título constitutivo exige o acordo de todos os condóminos e a sua consignação em escritura pública. Não se abdicando do acordo de todos os condóminos, a deliberação aprovada sem o mesmo é nula, recaindo novamente no âmbito do art. 294º (forma de obtenção da deliberação)(88). As deliberações que autorizem a divisão entre condóminos das partes do edifício consideradas imperativamente comuns pelo nº 1 do art. 1421º são deliberações cujo conteúdo negocial contende com a lei e, nesse sentido, subsumem-se ao art. 280º/1. 
 
Também aqui estão em causa interesses dos condóminos cujo único desvio já vem previsto na própria lei (admitindo-se, apenas, a afectação das partes comuns ao uso exclusivo de um dos condóminos [nº 3] e nunca a sua divisão entre eles). Por isso, e por estarem em causa também interesses de condóminos futuros, estas deliberações deverão ser consideradas nulas.
 
Também as deliberações que suprimam a faculdade de qualquer condómino proceder a reparações necessárias e urgentes nas partes comuns do edifício (art. 1427º) são nulas por força do art. 280º/1, por contrariedade à lei, pondo em causa o interesse geral, na medida em que a omissão de determinadas reparações pode por em causa bens jurídicos como a integridade física de qualquer transeunte ou visitante do condomínio. 
 
As deliberações que retirem aos condóminos, no caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente pelo menos 3/4 do seu valor,o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais (nº 1 do art. 1428.º) ou que suprimam a possibilidade de recorrer dos actos do administrador (faculdade permitida pelo art. 1438º) são nulas por força do art. 280º/1, por afcetarem interesses dos condóminos actuais e futuros.
 
Por fim, o nº 1 do art. 1429. constitui também uma norma imperativa, ao determinar que é “obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício (...)”. Assim, deliberações que dispensem o seguro do edifício contra risco de incêndio são nulas (art. 280º/1) por porem em causa interesses gerais.

Notas:

84. Situação semelhante se verifica a propósito das assembleias das associações, verificando-se uma solução expressa no art. 177º que determina diretamente a anulabilidade de deliberações tomadas com irregularidades no funcionamento da AG. Apesar de esta previsão não existir no regime das assembleias de condóminos, a ratio legis é a mesma e, portanto, aquele art. 177º vem reforçar a cominação com anulabilidade para a situação apresentada.
85. Neste sentido, ac. TRL de 14/11/2017. Contra: Ac. STJ de 12/11/2009, referindo que “Na verdade, a norma do art. 1424º (...) é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos.”
86. Manuel Henrique Mesquita, op. cit.,p. 94.
87. Ac. TRP de 06/04/2017.

88. Neste sentido, acs. STJ de 20/12/2017 e de 22/02/2017. Contra: ac. TRL de 17/12/2015, referindo que a ofensa daquele "preceito imperativo, só afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momentoda aprovação da deliberação eram condóminos, interesses, portanto, que, por via de regra (...) tais condóminos perfeitamente podem defender através de acção anulatória".