A questão que se coloca neste escrito é da natureza do desvalor jurídico susceptível de afectar as deliberações.
Dispõe o nº 1 do art. 1433º do Código Civil (doravante, CC) que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”
A este propósito, ressalva Sandra Passinhas em, "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 2ª ed., pág. 250-251 que,
«Nos termos do artigo 1433º, nº 1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriores aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. A sanção cominada é, portanto, a anulabilidade das deliberações. A lei não se refere às deliberações nulas, nem às ineficazes, que seguem o regime geral. Temos assim em matéria das deliberações da assembleia de condóminos, de distinguir os vícios que enfermam as deliberações de nulidade daqueles que as enfermam de anulabilidade: estas últimas são sanáveis com deliberações sucessivas e a invalidade deve ser feita valer no prazo estabelecido pelo artigo 1433º, sob pena de decadência.»
Por seu turno, Pires de Lima e Antunes Varela em, "Código Civil Anotado", Vol. III, 2ª ed., pág. 448, afirmam que:
«Quando a Assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (suponha, por. ex., que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edificio que o nº1 do art. 1421º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo nº1 do art. 1428º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº1 do art. 1429º), as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º. Se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa (…)
Resulta daqui que quando a assembleia de condóminos delibere sobre assuntos para os quais não tem competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respetivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberção deve considerar-se ineficaz desde que a não ratifique, podendo o condómino afectado a todo o tempo arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção meramente declarativa.
E este é, sem dúvida, o regime mais aconselhável, porquanto seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor num curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (cfr. art. 268º, nº1 do CC), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (…)».
Ainda a este propósito, Vítor Fernandes Rodrigues em, "Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal. Os Direitos e Deveres dos Condóminos", 2013, pág. 73-74, sistematiza assim os vícios das deliberações das assembleias de condóminos:
«As deliberações podem ser nulas, ineficazes e anuláveis. Ou seja, o art. 1433.º, n.º 1 do C.C., declara anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados. Ao passo que o n.º 2 do artigo citado, faculta aos condóminos presentes que votaram contra e aos condóminos ausentes a possibilidade de exigirem ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.Assim, são nulas as deliberações tomadas em reunião dos condóminos que infrinjam normas de caráter imperativo, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, como exemplo as deliberações que violem o art. 1421º e 1422º do CC entre outros.A deliberação cujo conteúdo colida com a norma imperativa é nula. Em caso de nulidade este vício poderá ser suscitado por qualquer interessado, condómino ou não, sem dependência do prazo (cfr. art. 286º do CC).Deste modo, são anuláveis as deliberações da assembleia que, recaindo sobre o objecto que são da sua competência, incidam sobre as partes comuns do condomínio, ou seja, as normas que violem preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis a regulamentos que se encontram em vigor.Em conjunto das deliberações nulas e anuláveis temos ainda as deliberações ineficazes, cujo objecto dos assuntos excedem a esfera da competência da assembleia dos condóminos, seja porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário, seja porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fracção autónoma.Também serão ineficazes, por exemplo, as deliberações que:
- Admitem aos condóminos o direito de preferência na alienação de outras frações (cfr. art. 1423º do CC);
- As que autorizem inovações nas partes comuns do edifício que lesem a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como as das comuns (cfr. art. 1425º, nº 2 do CC);
- As privem um condómino do uso privativo de uma coisa, como tal considerada no título constitutivo da propriedade horizontal;
- As que exijam obstar a que um condómino dê à sua fracção qualquer utilização lícita, desde que o título constitutivo não conste o fim específico a que a mesma se destina;
- As que sujeitam ao regime das coisas comuns, sem ou contra a vontade do respetivo titular, uma parte do prédio, pertencente em exclusividade a um condómino, ainda que se trate de uma parte secundária da habitação, como seja, por ex., uma arrecadação ou arrumo, em lugar de parqueamento ou uma garagem».
Atento o que fica dito, entende-se outrossim que qualquer deliberação da assembleia de condóminos que tenha decidido afectar as receitas resultantes de um contrato de cessão de um espaço comum, ao pagamento de quotizações, ordinárias e/ou extraordinárias de que os próprios condóminos são devedores, prescindindo do assentimento de todos, padece do vício da ineficácia.
Com efeito, ao deliberar dessa forma, a assembleia de condóminos está a dispor do direito de propriedade dos condóminos sobre tais quantias, direito que não lhe pertence de todo, sendo certo que os mesmos não lhe cometeram a respectiva gestão, nem a afectação do mesmo resulta sequer de regulamento do condomínio. Assim, sem prejuízo dos autores ractificarem tais deliberações, os condóminos afectados pela ineficácia podem arguir tal vício a todo o tempo.