Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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09 maio 2024

Piscinas em terraços


Quais são as condicionantes a observar para a montagem de uma piscina no terraço de uma fracção autónoma num edifício constituído em regime de propriedade horizontal?

Autorização da assembleia dos condóminos

A PH caracteriza-se pela co-existência em simultâneo da propriedade singular – sobre a fracção autónoma e a compropriedade – sobre as partes comuns, constituindo assim uma figura distinta da compropriedade, sendo por isso alvo de tratamento pela lei em capítulo à parte. Resulta do nº1 do art. 1420º do CC que: “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns.

Em matéria jurídica dos direitos e encargos dos condóminos está especialmente vedado a estes prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício – art. 1422º, nº 2, al. a), do CC.

Por sua vez, em matéria de inovações, estabelece o art. 1425º do citado código que: “As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” – seu nº 1.“Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns” – cf. seu nº 2. Ou seja, o campo de aplicação de cada norma varia em função do tipo e natureza de obras realizadas.

No que respeita às que integram a qualificação de “inovações”, constata-se que as obras aqui previstas são aquelas que dizem respeito às partes comuns – cf. seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos, devendo representar dois terços do valor total do prédio. Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a).
 
Contudo, tratando-se de uma piscina insuflável (infantil) ou desmontável (portanto, sem partes fixas ao pavimento), não carecerá da autorização condominial.

Sustentabilidade

Antes de se projectar e instalar a piscina num terraço e antes de se considerar aspectos como os sistemas construtivos, os materiais a usar e custos envolvidos, é essencial avaliar a viabilidade da instalação e a capacidade de suportar o peso necessário. Importa, pois, primeiramente, aferir quais as cargas que a laje portante do terraço está dimensionada a suportar. Esta informação pode ser obtida junto do construtor, de um engenheiro de estruturas que consiga avaliar a qualidade dos materiais e o estado da habitação no tempo e no espaço, ou de instituições como o Laboratório Nacional de Engenharia Civil ou o Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

A cada 10 cm de altura da água, a carga no piso aumenta em 100 kg/m². Portanto, para uma altura de água de:
  • 20 cm, a carga será de 200 kg/m²;
  • 50 cm, a carga será de 500 kg/m²;
  • 100 cm, a carga será de 1000 kg/m².
Depois de conhecer a carga por metro quadrado transmitida pela piscina, é possível fazer uma primeira avaliação, comparando-a com as cargas acidentais de projecto dos pisos. Se a altura da água exceder 20 cm, a carga acidental de projecto (geralmente estimada em cerca de 200 kg/m²) pode ser excedida. No entanto, é importante notar que a carga acidental de projecto é geralmente considerada distribuída em toda a superfície do piso, enquanto a carga da piscina está localizada em uma área específica do telhado.

Alguns projectistas, para aumentar a segurança, podem considerar uma carga acidental de 400 kg/m² para terraços, pois são locais potencialmente lotados. No entanto, essa prática não é uma regra universal. Na ausência de documentação específica, por precaução, pode-se presumir que o piso do terraço foi projectado para suportar uma carga acidental de 200 kg/m².

Além do peso da água, é importante considerar o peso da estrutura da própria piscina. Enquanto para piscinas insufláveis esse peso pode ser negligenciado, para piscinas com estrutura fixa, como aquelas com sistemas de hidro-massagem, o peso estrutural pode variar em torno de 100 kg/m², a ser somado ao peso da água.

O aumento das tensões no piso também depende da superfície da piscina e da sua posição em relação às vigas e pilares da estrutura. A carga linear transmitida pela piscina ao piso também depende da forma da piscina em planta. No caso de uma piscina rectangular, a carga por unidade de comprimento que actua na faixa de piso considerada será constante. No caso de uma piscina circular, a carga linear será variável.

Em tese, e no caso de edifícios construídos mais recentemente, a capacidade de carga do terraço, geralmente corresponde a um mínimo de 200 kg por metro quadrado e pode atingir um máximo de 400 kg por metro quadrado. Nesta conformidade, caso os valores apurados fossem superiores, ter-se-ia de efectuar trabalhos estruturais, ou distribuir o peso por uma área maior.

Assim, para descobrir a capacidade de carga de um terraço, temos de multiplicar o valor fixo determinado pelo engenheiro de estruturas pelo tamanho total do terraço. Por exemplo, teríamos de multiplicar a capacidade de carga por metro quadrado de 200 kg x 20 metros quadrados de dimensão de terraço, resultando num peso total sustentável de 4 000 kg.

Legislação

Existe um vazio legal para as piscinas de lazer em condomínios, alojamentos locais ou espaços particulares para utilização doméstica.

10 fevereiro 2023

Marquises


O estatuto regulador do condomínio é fixado pela lei, pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo regulamento do edifício.

Estabelecem-se no art. 1422º, do CC, limitações ao exercício dos direitos dos condóminos, designadamente que, “nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (nº 1). Segundo o que se dispõe o nº 2 al. a) e nº 3 do CC que estabelece limitações ao exercício do direito dos condóminos, nas relações entre si – “É especialmente vedado aos condóminos: prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”.E “as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”
.
Como anotam Pires de Lima e A. Varela in “C.Civil Anotado”, vol. III, 1972, pág. 366: o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”. Ou, como recorda Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais” - LEX, pág. 642, o nº 2 do art. 1422º do CC, concretiza, nalguns sentidos, várias das delimitações negativas ao conteúdo do direito, real que a propriedade horizontal consubstancia.

Por “linha arquitectónica do edifício” deve entender-se o “conjunto de elementos estruturais e sistematizados que conferem à construção a sua individualizada específica”, aquela, “enquanto elemento individualizador de uma construção”, saindo, como é apodíctico, prejudicada pelas alterações ou inovações que coloquem em risco o equilíbrio visual, ou seja a aparência externa, ocorram elas na fachada do edifício onde se inserem, ou tenham sido levadas a cabo nas traseiras daquele, “pois a lei não faz qualquer distinção entre as diversas zonas ou áreas do edifício para tal fim”, cfr. Ac. do STJ de 25.05.2000, in CJ/STJ, Ano VIII, tomo II, págs. 80 e segs.

É pacífico na nossa Jurisprudência que a “linha arquitectónica” a que se refere o art. 1422.º do CC, e as inovações a que se refere o art. 1425º do mesmo diploma, se reportam ao desenho inicial do prédio, ou seja, ao prédio tal como foi projectado, licenciado e construído, e não às situações de facto eventualmente existentes à data em que as alterações foram praticadas.

A expressão “arranjo estético de um edifício” como é defendido por Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios”, pág. 101, “refere-se, em especial, ao conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”, os novos elementos da fracção autónoma que podem afectar o arranjo estético do edifício tendo de “possuir visibilidade do exterior”.

A sanção que face à lei corresponde à realização de obras novas ilegais, conforme o preceituado no art. 1422º n.º 2 al. a) do CC, mesmo que eventualmente licenciadas pelos competentes serviços municipais, é a sua destruição, isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo da equidade estabelecida nos art. 566º, nº 1, in fine, e 829º, nº 2, ambos do CC, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, onde estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio, cfr. vide Aragão Seia, in obra citada, pág. 102.

Nos termos do art. 1421º, nº 1, al. a) do CC, são comuns as seguintes partes do prédio: “O solo, bem com o os alicerces, colunas pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do edifício”.

O termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações, de caixas de escada e interiores ou divisórias.

Conforme foi referido no Ac. do STJ de 16.07.74, in BMJ 239-199, “será de considerar nova a obra que, apreciada em si mesma ou objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelos adquirentes...”. Ou, mais claramente, como se escreve no Ac. do STJ de 19.01.2006, in www.dgsi.pt: “ao projecto inicial do edifício é que há que atender... Não ao “traçado arquitectónico” do edifício, filho da feitura de obras novas ilegais...”.

O art. 1425º do CC, sob a epígrafe “Inovações”, estabelece no seu nº 1 que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”. Depois, no nº 2 do mesmo preceito acrescenta-se que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns”.

Por inovação entende-se toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico. Essa modificação tanto pode ter como fim o de proporcionar a um, a vários ou à totalidade dos condóminos maiores vantagens ou benefícios, ou um uso ou gozo mais cómodo, como traduzir-se na supressão de coisas comuns existentes. O que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício, cfr. Abílio Neto, in “Manual da Propriedade Horizontal”, pág. 282.

Perfilha-se, assim, um conceito amplo de inovação, que é, de resto, o que melhor se adequa ao pensamento do nosso legislador. Não se ignora que se todos estão explícita ou implicitamente de acordo em reconhecer que as inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas, já uns entendem que a inovação se traduz forçosamente numa alteração da forma ou da substância da coisa, ao passo que outros identificam as inovações com todas as modificações na afectação, ou no destino, das coisas comuns.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 434, no conceito de inovação, que corresponde ao art.º 1425.º acima referido, cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, cfr., especialmente, o nº 1, como as modificações na afectação ou destino da coisa, cfr., especialmente, o nº 2.

Com efeito, embora “obras novas” constitua “conceito relativamente fluído... será de considerar nova, para efeito desta alínea a) do nº 2 do art. 1422º CC, a obra que apreciada em si mesma e objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético”, cfr. Abílio Neto, in “Propriedade Horizontal”, pág.104.

“Obra nova, tanto significa a que é feita pela primeira vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo que a modificação seja capaz de alterar o estado da coisa”, cfr. Plácido e Silva – Comentário ao CPC., II pág. 779.

Ora, â luz destes ensinamentos, tendo-se presente que o arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que lhe conferem unidade sistemática ao conjunto (Acs. STJ, CJ/STJ, II, p.80, e RP, CJ, 2000, I, p. 189), parece inegável que ao vedar-se completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, com essa obra nova, prejudicou-se o arranjo estético do prédio.

Basta pois observar o edifício, para se concluir, sem grande esforço ou necessidade de uma apurada sensibilidade estética, pelo prejuízo estético na fachada do prédio, constatando-se que as varandas foram fechadas. Em suma, parece razoavelmente, de afirmar o impacto negativo da referida obra nova quando ponderada a unidade sistemática do conjunto do edifício, concretamente o seu arranjo estético.
 
O que não invalida, porém, que se possa fechar uma varanda, com marquise, se para tanto, se tiver a obra autorizada. Em Ac. datado de 19/9/2008, o TRE decidiu que: "I - As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. II – A construção duma marquise constitui sempre uma modificação da linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, pelo que a sua realização depende da autorização prevista no art. 1422 nº 3 do CC, tomada em assembleia de condóminos". 

Obrando-se sem a devida e requerida autorização, vide Ac. do TRP de 7.7.2003 que decidiu:
"I - O Administrador do condomínio tem legitimidade para demandar qualquer condómino que desrespeite o estatuído no artigo 1422 do Código Civil, e o Regulamento do Condomínio.
II - Cabe ao Autor a alegação e prova de factos, não de juízos de valor, evidenciadores de que as obras efectuadas pelos demandados prejudicam o arranjo estético ou a linha arquitectónica do edifício.
III - O arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto.
IV - Ao vedar completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, a ré, com essa obra nova, prejudicou o arranjo estético do prédio onde se integra a sua fracção".