Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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2/10/2023

Marquises


O estatuto regulador do condomínio é fixado pela lei, pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo regulamento do edifício.

Estabelecem-se no art. 1422º, do CC, limitações ao exercício dos direitos dos condóminos, designadamente que, “nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (nº 1). Segundo o que se dispõe o nº 2 al. a) e nº 3 do CC que estabelece limitações ao exercício do direito dos condóminos, nas relações entre si – “É especialmente vedado aos condóminos: prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”.E “as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio”
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Como anotam Pires de Lima e A. Varela in “C.Civil Anotado”, vol. III, 1972, pág. 366: o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”. Ou, como recorda Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais” - LEX, pág. 642, o nº 2 do art. 1422º do CC, concretiza, nalguns sentidos, várias das delimitações negativas ao conteúdo do direito, real que a propriedade horizontal consubstancia.

Por “linha arquitectónica do edifício” deve entender-se o “conjunto de elementos estruturais e sistematizados que conferem à construção a sua individualizada específica”, aquela, “enquanto elemento individualizador de uma construção”, saindo, como é apodíctico, prejudicada pelas alterações ou inovações que coloquem em risco o equilíbrio visual, ou seja a aparência externa, ocorram elas na fachada do edifício onde se inserem, ou tenham sido levadas a cabo nas traseiras daquele, “pois a lei não faz qualquer distinção entre as diversas zonas ou áreas do edifício para tal fim”, cfr. Ac. do STJ de 25.05.2000, in CJ/STJ, Ano VIII, tomo II, págs. 80 e segs.

É pacífico na nossa Jurisprudência que a “linha arquitectónica” a que se refere o art. 1422.º do CC, e as inovações a que se refere o art. 1425º do mesmo diploma, se reportam ao desenho inicial do prédio, ou seja, ao prédio tal como foi projectado, licenciado e construído, e não às situações de facto eventualmente existentes à data em que as alterações foram praticadas.

A expressão “arranjo estético de um edifício” como é defendido por Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios”, pág. 101, “refere-se, em especial, ao conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”, os novos elementos da fracção autónoma que podem afectar o arranjo estético do edifício tendo de “possuir visibilidade do exterior”.

A sanção que face à lei corresponde à realização de obras novas ilegais, conforme o preceituado no art. 1422º n.º 2 al. a) do CC, mesmo que eventualmente licenciadas pelos competentes serviços municipais, é a sua destruição, isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo da equidade estabelecida nos art. 566º, nº 1, in fine, e 829º, nº 2, ambos do CC, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, onde estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio, cfr. vide Aragão Seia, in obra citada, pág. 102.

Nos termos do art. 1421º, nº 1, al. a) do CC, são comuns as seguintes partes do prédio: “O solo, bem com o os alicerces, colunas pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do edifício”.

O termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações, de caixas de escada e interiores ou divisórias.

Conforme foi referido no Ac. do STJ de 16.07.74, in BMJ 239-199, “será de considerar nova a obra que, apreciada em si mesma ou objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelos adquirentes...”. Ou, mais claramente, como se escreve no Ac. do STJ de 19.01.2006, in www.dgsi.pt: “ao projecto inicial do edifício é que há que atender... Não ao “traçado arquitectónico” do edifício, filho da feitura de obras novas ilegais...”.

O art. 1425º do CC, sob a epígrafe “Inovações”, estabelece no seu nº 1 que “as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”. Depois, no nº 2 do mesmo preceito acrescenta-se que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns”.

Por inovação entende-se toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico. Essa modificação tanto pode ter como fim o de proporcionar a um, a vários ou à totalidade dos condóminos maiores vantagens ou benefícios, ou um uso ou gozo mais cómodo, como traduzir-se na supressão de coisas comuns existentes. O que releva é que seja criado algo de novo ou de diferente nas partes comuns do edifício, cfr. Abílio Neto, in “Manual da Propriedade Horizontal”, pág. 282.

Perfilha-se, assim, um conceito amplo de inovação, que é, de resto, o que melhor se adequa ao pensamento do nosso legislador. Não se ignora que se todos estão explícita ou implicitamente de acordo em reconhecer que as inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas, já uns entendem que a inovação se traduz forçosamente numa alteração da forma ou da substância da coisa, ao passo que outros identificam as inovações com todas as modificações na afectação, ou no destino, das coisas comuns.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 434, no conceito de inovação, que corresponde ao art.º 1425.º acima referido, cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, cfr., especialmente, o nº 1, como as modificações na afectação ou destino da coisa, cfr., especialmente, o nº 2.

Com efeito, embora “obras novas” constitua “conceito relativamente fluído... será de considerar nova, para efeito desta alínea a) do nº 2 do art. 1422º CC, a obra que apreciada em si mesma e objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético”, cfr. Abílio Neto, in “Propriedade Horizontal”, pág.104.

“Obra nova, tanto significa a que é feita pela primeira vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo que a modificação seja capaz de alterar o estado da coisa”, cfr. Plácido e Silva – Comentário ao CPC., II pág. 779.

Ora, â luz destes ensinamentos, tendo-se presente que o arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que lhe conferem unidade sistemática ao conjunto (Acs. STJ, CJ/STJ, II, p.80, e RP, CJ, 2000, I, p. 189), parece inegável que ao vedar-se completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, com essa obra nova, prejudicou-se o arranjo estético do prédio.

Basta pois observar o edifício, para se concluir, sem grande esforço ou necessidade de uma apurada sensibilidade estética, pelo prejuízo estético na fachada do prédio, constatando-se que as varandas foram fechadas. Em suma, parece razoavelmente, de afirmar o impacto negativo da referida obra nova quando ponderada a unidade sistemática do conjunto do edifício, concretamente o seu arranjo estético.
 
O que não invalida, porém, que se possa fechar uma varanda, com marquise, se para tanto, se tiver a obra autorizada. Em Ac. datado de 19/9/2008, o TRE decidiu que: "I - As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. II – A construção duma marquise constitui sempre uma modificação da linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, pelo que a sua realização depende da autorização prevista no art. 1422 nº 3 do CC, tomada em assembleia de condóminos". 

Obrando-se sem a devida e requerida autorização, vide Ac. do TRP de 7.7.2003 que decidiu:
"I - O Administrador do condomínio tem legitimidade para demandar qualquer condómino que desrespeite o estatuído no artigo 1422 do Código Civil, e o Regulamento do Condomínio.
II - Cabe ao Autor a alegação e prova de factos, não de juízos de valor, evidenciadores de que as obras efectuadas pelos demandados prejudicam o arranjo estético ou a linha arquitectónica do edifício.
III - O arranjo estético de um edifício tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto.
IV - Ao vedar completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, a ré, com essa obra nova, prejudicou o arranjo estético do prédio onde se integra a sua fracção".