Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/14/2021

Multas pelo atraso pagamento quotas

A assembleia pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições constantes na legislação aplicável ao condomínio, do prazo para pagamento das quotizações, das deliberações da assembleia, do regulamento do condomínio, das decisões do administrador, no entanto, .desde que se observem - cumulativamente - as seguintes condições:

a) que as mesmas se encontrem previstas no regulamento do condomínio (o qual é vinculativo para condóminos e terceiros titulares de direitos sobre as fracções - cfr. nº 2, art. 1º DL 268/94 de 25/10);
b) que respeite o limite referido no nº 2 do art. 1434° do CC (que tem carácter imperativo e não supletivo);
c) que se apure esse rendimento colectável com recurso ao disposto no artº 6º, nº 1, DL 422-C/88 (Código da Contribuição Autárquica).

I- Sobre o imperatividade do limite de ¼ do valor colectável

O nº 2 do art. 1434º nº 2 do CC tem carácter imperativo e não supletivo, atendendo à sua redação, concretamente, quando se ressalva que o montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor. O uso da expressão "nunca" significa que esta meta tem carácter imperativo, interpretado numa perspectiva declarativa, ponderado o que preceitua o art. 9º do CC.

Pires de Lima e Antunes Varela (em CC Anotado, vol. III, pág. 450), em anotação a este normativo, explica que a própria limitação do montante da sanção pecuniária aplicável se insere numa linha geral de orientação do direito civil vigente – art. 812º, 494º, etc., assim, e em primeiro lugar, o regulamento de qualquer condomínio tem de respeitar a lei e, por sua vez, as deliberações dos condóminos têm que respeitar, em primeiro lugar, a lei e, em segundo lugar, o regulamento.

Também Ac. Rel. Porto, de 3/3/2008 decidiu que : "A aplicação de multas pelo atraso no pagamento das quotizações de condomínio, uma vez que se encontre prevista no regulamento do condomínio, a partir da data da respectiva aprovação em assembleia, é vinculativa para todos os condóminos".

Importa ainda observar que, mesmo não tendo sido impugnada a deliberação que aprovou o regulamento, o condómino sancionado pode colocar em crise o valor alcançado pela fórmula prevista para o cálculo da penalidade, se esta não respeitar o limite previsto no mencionado art. 1434º, nº 2 do CC. 

II – Como calcular o rendimento colectável anual da fracção

Primeiramente devemos distinguir o rendimento patrimonial (CIMI) do “rendimento colectável” que consta na caderneta predia. Como explica Sandra Passinhas (em Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 273), a noção de rendimento colectável era dado pelo art. 3º, nº 1 do antigo Código de Contribuição Predial e corresponde ao valor da renda dos prédios arrendados e, quanto aos não arrendados, à utilidade equivalente que deles obtivesse ou tivesse possibilidade de obter quem pudesse usufruir ou usar os mesmos. Com o Código de Contribuição Autárquico, de 1/1/1989, o contribuinte passou a ser tributado pelo seu património e não pelo rendimento que obtinha dos seus prédios, isto é, a base de cálculo do imposto cobrado passou a ser o valor patrimonial atribuído ao imóvel. 

Por sua vez, dispunha o nº 1 do art. 6º do citado DL 422-C/88, que aprovou o CC Autárquica:

1 – O valor tributável dos prédios urbanos, enquanto não for determinado de acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da capitalização do rendimento colectável, actualizado com referência a 31 de Dezembro de 1988, através da aplicação do factor 15”.

2 – O rendimento colectável dos prédios urbanos não arrendados, reportado a 31 de Dezembro de 1988, é desde já objecto de actualização provisória de 4% ao ano, cumulativa, com o limite máximo de 100%, desde a última avaliação ou actualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do disposto no nº 1 do art. 69º da Lei nº 2/88, de 28 de Janeiro

Dito isto, verifica-se que o conceito de rendimento colectável não coincide com o conceito de valor patrimonial tributário e que o legislador – que não desconhece a diferença conceitual –, não acompanhou nem alteraou, a redacção daquele nº 2, perante as nova normas tributárias entradas em vigor, pelo que se deverá entender que se pretendeu manter o limite das penas por referência ao valor colectável e não ao valor patrimonial tributário. 

É que doutra forma, aquela norma ficaria desprovida de qualquer utilidade e funcionalidade, pelo que no mínimo exigir-se-ia a sua revogação, porquanto não é suposto permanecer nos códigos normas inócuas (cfr. art. 9º e 10º do CC). Assim, esta norma, inserida em sede da PH, permitindo que a assembleia de condóminos fixe penas pecuniárias até à quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, relativo um determinado período de tempo (anual), não coincide, logicamente, com o valor patrimonial.

Destarte, haverá que atender às normas acima expostas, que estabelecem um critério relacional entre rendimento colectável e valor patrimonial, tanto mais que o CIMI manteve o conceito de tributação fiscal sobre o valor patrimonial atribuído ao imóvel que havia sido adoptado pelo CCA (cfr. art. 1º e 7º do CIMI e 1º e 7º do CCA). Pelo exposto considera-se que se deve aplicar, por se manter intacta a filosofia tributária, o enunciado do já referenciado art. 6º do CCA.

É também consabido que o rendimento colectável é anual e corresponde ao valor da renda dos prédios arrendados e, quanto aos não arrendados, à utilidade equivalente que deles obtivesses ou tivesse possibilidade de obter quem pudesse usar ou fruir dos mesmos, nos termos do CCPredial, correspondendo a uma expectativa de rendimento anula.

Destas sortes, a forma mais adequada de se proceder ao cálculo é o seguinte modo:

Valor patrimonial tributário de X x 0,15 (15 referido no artigo 6º nº 1 do DL nº 442-C/88=8.293,46 (rendimento colectável).

Depois, é aplicar o ¼ (25%) do nº 2 do art. 1434º do CC, e obter a multa a aplicar, que se for maior tem de ser reduzida a este limite.

III – Aplicação de juros

O incumprimento da obrigação de contribuir para as despesas comuns do edifício, na proporção legalmente fixada, torna o devedor responsável nos termos do art. 798º e seguintes do CC, pelo que, existindo cláusula penal, apenas a partir da citação serão devidos juros de mora, à taxa legal sobre a quantia.

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