Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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07 abril 2025

Legitimidade passiva acção de impugnação


A questão da legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos tem sido objecto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, havendo duas teses em confronto: 
  • para a primeira, a acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra os condóminos que as hajam aprovado, devendo nela figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador ou por quem a assembleia designar para o efeito; ~
  • para a segunda, as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser intentadas contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
Dentro da primeira orientação, a título exemplificativo, vejam-se: Ac. do TRL de 4.2.2003, Azadinho Loureiro, 8460, Ac. do TRP de 20.3.2007, 551/07, Ac. do TRL de 13.3.3008, Tibério Silva, 10843/07, Ac. do STJ de 6.11.2008, Santos Bernardino, 2784/08, todos acessíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com, Ac. do TRP de 4.10.2012, Leonel Serôdio, 1371/11 e Ac. do TRG de 9.3.2017, Purificação Carvalho, 42/16.

Seguindo a segunda posição, vejam-se: Ac. do STJ de 29.5.2007, Urbano Dias, 1484/07, Ac. do TRP de 7.1.2008, Damasceno Correia, 6176/07, ambos acessíveis em www.colectanedejurisprudencia.com, Ac. do TRL de 25.6.2009, Sacarrão Martins, 4838/07, Ac. TRG de 3.4.2014, Isabel Rocha, 1360/10, Ac. do TRG de 30.11.2016, Damião Cunha, 98/14, Ac. TRP de 13.2.2017, Carlos Gil, 232/16, Ac. do TRL de 7.3.2019, Pedro Martins, 26294/17, Ac. do TRL de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17, Ac. do TRL de 26.9.2019, António Santos, 3209/18, Ac. TRG de 23.1.2020, Ramos Lopes, 1068/18.

Esta matéria constitui mais um dos exemplos em que se justifica a prolação de um acórdão de uniformização de jurisprudência.

A argumentação em prol de ambas as teses é conhecida, sendo que nos revemos mais nos argumentos que sustentam a segunda tese. Assim, por brevidade, retomamos as considerações expendidas no Ac. do TRL de 11.7.2019, Gabriela Cunha Rodrigues, 9441.17:

«À enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12.º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária «o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador».

Este preceito aponta na direcção do art. 1437º do CC, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o art. 1436º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.

Por seu turno, o nº 6 do art. 1433º do CC prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.

A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art. 1431º e 1432º do CC), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art. 1430º, nº 1, do CC), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (art. 1435º a 1438º, todos do CC).

Assim, a solução mais correcta parece ser a de demandar o condomínio, como se conclui no acórdão do TRP de 13.2.2017: «Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação».

Senão, vejamos.

A tese negatória da legitimidade passiva do condomínio encontra arrimo forte na redação do art. 1433º, nº 6, do CC, norma expressamente dedicada à «impugnação de deliberações». E, de facto, a letra da lei reporta-se aos «condóminos contra quem são propostas as acções».

O legislador não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a acção incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.

Sem embargo, a redacção deste preceito deriva do DL nº 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível.

Só com a Reforma de 1995/1996, o art. 6º, al. e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231º, nº 1, do CPC de 1961 (actual art. 223º, nº 1, do CPC de 2013), cuja redacção resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).

Chegados a este ponto, verificamos que a actividade interpretativa reclama, em particular neste caso, uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.

Baptista Machado, repudiando por completo o positivismo jurídico, não deixa, no ponto concreto da interpretação, de lançar mão de todos os pontos evidenciados no art. 9º do CC para alcançar o desideratum voluntas legislatoris.

Realça que o texto é o ponto de partida (tendo mesmo uma função negativa, de afastamento ou eliminação de sentidos sem qualquer apoio; mas também positivo quando vários sentidos sejam possíveis nela colher), passando pelo elemento teleológico («o conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (...) em que a norma foi elaborada»), pelo elemento sistemático (o que significa «a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda» (...) «é oportuno referir aqui a descoberta da “geneologia” ou “linhagem jurídico-sistemática” da norma»), mas também o elemento histórico, nele considerando a evolução do instituto, as chamadas fontes da lei e os trabalhos preparatórios, considerando como ponto mais importante de tarefa a busca da unidade do sistema (cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, pp. 181 e ss).

Numa linha de pensamento muito próxima, Francesco Ferrara refere que «o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto, em toda a plenitude que assegure tal tarefa» (apud voto de vencido do Juiz Conselheiro Urbano Dias, no acórdão do STJ de 24.6.2008, p. 08A1755, in www.dgsi.pt).

Também Castanheira Neves ensina que o «problema jurídico-normativo da interpretação não é o de determinar a significação, ainda que significação jurídica, que exprimam as leis ou quaisquer normas jurídicas, mas o de obter dessas leis ou normas um critério prático normativo adequado de decisão dos casos concretos. Uma "boa" interpretação não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica-exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério da justa decisão do problema concreto» (Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, ed./reimpressão 2013, p. 84).

Isto leva-nos a aderir à interpretação actualista do citado art. 1433º, nº 6, do CC, preconizada por Miguel Mesquita, que propugna a tarefa interpretativa de substituir a expressão condóminos pela palavra condomínio.

À pergunta se actuará o condomínio no seu próprio interesse, autonomizando-se verdadeiramente dos condóminos, responde-nos sabiamente Miguel Mesquita, valendo a pena recorrer a esta citação mais longa do autor:

«Pensamos que não. Em nosso entender, o condomínio é a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.

O condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. Com os comissionados ocorre, exactamente, a mesma coisa.

A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder). Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.

Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.

Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial» - (A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Ações de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, pp. 50 e 51).

E esta interpretação actualista tem também como alvo o art. 383º, nº 2, do CPC (art. 398º do CPC de 1961), cuja redação permanece inalterada desde 1967.

Este preceito, relativo ao procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, diz-nos que «é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na ação de anulação».

Como explica Miguel Mesquita, «À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos» (obra citada, p. 54).

Dentro do mesmo registo, sem prejuízo de diferenças a assinalar, sustenta Sandra Passinhas que o administrador «age como representante orgânico do condomínio» e que «a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador».

Acrescenta ainda a autora que «As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador» (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp. da 2.ª ed. de janeiro/2002, Coimbra: Almedina, pp. 346 e 347).

Sem prejuízo de a autora sustentar que parte legítima é o administrador do condomínio, pensamos que não se apartará muito da tese da interpretação actualista supra expendida, pois acaba por assinalar e aderir ao entendimento do acórdão do TRL de 14.5.1998, no seguinte trecho:

«Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1998, CJ, III, pág. 96 e ss., "entre os poderes do administrador contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberação da assembleia, salvo se outra pessoa for nomeada pela assembleia, conforme se preceitua no artigo 1433.º, n.º 6. (...) Significa isto que, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. (...) Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal nas acções de anulação das deliberações decorre que, para cabal cumprimento do disposto no artigo 476.º, n.º 1, alínea e), do C.PCivil, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador ou da pessoa que a assembleia tenha porventura designado para representar o condomínio nessas acções, sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado» (obra citada, p. 347).

Ainda a propósito da tese de Sandra Passinhas, chamamos a atenção para a jurisprudência do citado acórdão do TRL de 7.3.2019, no qual se escreveu o seguinte:

«(…) independentemente desta aparente incongruência (decorrente da citação do ac. do TRL) não há dúvida de que para esta autora o administrador está na acção como representante do condomínio e não dos condóminos que aprovaram as deliberações (considerando que, nas acções do art. 1437 do CC, que não necessariamente nesta, o administrador é a própria parte, embora em substituição processual, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, em vários post’s colocados no blog do IPPC – em 01/03/2015, O que significa o disposto no art. 1437.º CC?; em 06/03/2018, Jurisprudência (805); em 21/01/2019, Jurisprudência 2018 (158); -, e Paula Costa Silva, citada no ac. do TRL de 20/06/2013, proc. 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e Antunes Varela, CC, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 455, mas este sem referência à substituição processual; Lebre de Freitas e Miguel Mesquita criticam estas posições – da substituição processual -, obras citadas, págs. 43-44 e 50/51, respectivamente, entre o mais porque o administrador não tem um interesse próprio)».
Decorre do exposto que «o condomínio é a parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorreto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador» (Miguel Mesquita, obra citada, p. 54).

Ainda que o rumo traçado não fosse a interpretação actualista da lei, no limite sempre seria de seguir o raciocínio forjado no acórdão do TRL de 28.3.2006.

Segundo este aresto, o legislador minus dixit quam voluit, devendo o inciso constante do nº 6 do art. 1433º do CC «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.

Acrescentamos ainda um argumento a pari, esgrimido no acórdão do TRP de 13.2.2017, onde se escreve que:

«(…) também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio». Volvendo ao caso concreto, este concede ainda mais força a esta interpretação no sentido de um exercício mais ágil do direito de acção.

Como escreveu Miguel Mesquita, «Quanto ao nosso problema, a necessidade de identificar todos os condóminos pode ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida. Na realidade, a lei não exige que sejam mencionados os condóminos que votaram a favor de uma deliberação. O art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25/10, exige apenas que as actas das assembleias de condóminos sejam "assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado" (4º). Estas duas razões de fundo levam-nos a pensar que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa» (obra citada, pp. 55 e 56).

E – conclui o autor – «Os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil» (obra citada, p. 56).»

07 março 2025

Anulabilidade, nulidade e ineficácia

A questão que se coloca neste escrito é da natureza do desvalor jurídico susceptível de afectar as deliberações.

Dispõe o nº 1 do art. 1433º do Código Civil (doravante, CC) que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”

A este propósito, ressalva Sandra Passinhas em, "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 2ª ed., pág. 250-251 que,

«Nos termos do artigo 1433º, nº 1, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriores aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. A sanção cominada é, portanto, a anulabilidade das deliberações. A lei não se refere às deliberações nulas, nem às ineficazes, que seguem o regime geral. Temos assim em matéria das deliberações da assembleia de condóminos, de distinguir os vícios que enfermam as deliberações de nulidade daqueles que as enfermam de anulabilidade: estas últimas são sanáveis com deliberações sucessivas e a invalidade deve ser feita valer no prazo estabelecido pelo artigo 1433º, sob pena de decadência.»

Por seu turno, Pires de Lima e Antunes Varela em, "Código Civil Anotado", Vol. III, 2ª ed., pág. 448, afirmam que:

«Quando a Assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (suponha, por. ex., que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edificio que o nº1 do art. 1421º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo nº1 do art. 1428º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº1 do art. 1429º), as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286º. Se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa (…)

Resulta daqui que quando a assembleia de condóminos delibere sobre assuntos para os quais não tem competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respetivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberção deve considerar-se ineficaz desde que a não ratifique, podendo o condómino afectado a todo o tempo arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção meramente declarativa. 

E este é, sem dúvida, o regime mais aconselhável, porquanto seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor num curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (cfr. art. 268º, nº1 do CC), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (…)».

Ainda a este propósito, Vítor Fernandes Rodrigues em, "Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal. Os Direitos e Deveres dos Condóminos", 2013, pág. 73-74, sistematiza assim os vícios das deliberações das assembleias de condóminos:

«As deliberações podem ser nulas, ineficazes e anuláveis. Ou seja, o art. 1433.º, n.º 1 do C.C., declara anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados. Ao passo que o n.º 2 do artigo citado, faculta aos condóminos presentes que votaram contra e aos condóminos ausentes a possibilidade de exigirem ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

Assim, são nulas as deliberações tomadas em reunião dos condóminos que infrinjam normas de caráter imperativo, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, como exemplo as deliberações que violem o art. 1421º e 1422º do CC entre outros.

A deliberação cujo conteúdo colida com a norma imperativa é nula. Em caso de nulidade este vício poderá ser suscitado por qualquer interessado, condómino ou não, sem dependência do prazo (cfr. art. 286º do CC).

Deste modo, são anuláveis as deliberações da assembleia que, recaindo sobre o objecto que são da sua competência, incidam sobre as partes comuns do condomínio, ou seja, as normas que violem preceitos da lei material ou procedimental aplicáveis a regulamentos que se encontram em vigor.

Em conjunto das deliberações nulas e anuláveis temos ainda as deliberações ineficazes, cujo objecto dos assuntos excedem a esfera da competência da assembleia dos condóminos, seja porque dizem respeito à propriedade individual ou própria de qualquer proprietário, seja porque representam ou extravasam o domínio da administração individual que qualquer condómino tem sobre a sua fracção autónoma.

Também serão ineficazes, por exemplo, as deliberações que:
    • Admitem aos condóminos o direito de preferência na alienação de outras frações (cfr. art. 1423º do CC); 
    • As que autorizem inovações nas partes comuns do edifício que lesem a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como as das comuns (cfr. art. 1425º, nº 2 do CC);
    • As privem um condómino do uso privativo de uma coisa, como tal considerada no título constitutivo da propriedade horizontal;
    • As que exijam obstar a que um condómino dê à sua fracção qualquer utilização lícita, desde que o título constitutivo não conste o fim específico a que a mesma se destina;
    • As que sujeitam ao regime das coisas comuns, sem ou contra a vontade do respetivo titular, uma parte do prédio, pertencente em exclusividade a um condómino, ainda que se trate de uma parte secundária da habitação, como seja, por ex., uma arrecadação ou arrumo, em lugar de parqueamento ou uma garagem».
Atento o que fica dito, entende-se outrossim que qualquer deliberação da assembleia de condóminos que tenha decidido afectar as receitas resultantes de um contrato de cessão de um espaço comum, ao pagamento de quotizações, ordinárias e/ou extraordinárias de que os próprios condóminos são devedores, prescindindo do assentimento de todos, padece do vício da ineficácia.

Com efeito, ao deliberar dessa forma, a assembleia de condóminos está a dispor do direito de propriedade dos condóminos sobre tais quantias, direito que não lhe pertence de todo, sendo certo que os mesmos não lhe cometeram a respectiva gestão, nem a afectação do mesmo resulta sequer de regulamento do condomínio. Assim, sem prejuízo dos autores ractificarem tais deliberações, os condóminos afectados pela ineficácia podem arguir tal vício a todo o tempo.

14 fevereiro 2025

Suspensão das deliberações nos termos da lei de processo



A assembleia geral do condomínio constitui-se como um órgão de administração (cfr. nº 1 do art. 1430º do CC) de carácter colegial (deliberativo), competindo ao administrador (enquanto órgão executivo), pôr em pratica as deliberações emanadas do órgão hierarquicamente superior.

Estatui o nº 4 do art. 1º do DL 268/94 de 25/10, com a nova redacção introduzida pela Lei 8/2022 de 10/1 que, "As deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações". Contudo, esta vinculação pode ser posta em crise, porquanto, nos termos do nº 1 do art. 1433º do CC, "As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado."

Para tanto, dimana do nº 2 do mesmo preceito que, "No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes" e do subsequente que, "No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem".

Esta providência por ser requerida por qualquer condómino que não tenha votado a aprovação de deliberação tomada pela assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime de PH, com fundamento na sua contrariedade à lei ou ao regulamento do condomínio, ou que tiver um sério receio de que o administrador proceda à execução de determinada deliberação, sem que possa atempadamente impugnar a mesma em sede plenária, pode requerer a suspensão dessa mesma deliberação nos termos da lei de processo. Para isso é mister que haja um fundado receio de que a execução da deliberação se tenha susceptível de causar um grave dano ao condómino.

Este requerimento de suspensão de deliberações sociais consiste numa providência cautelar especificada que pode ser requerida pelo sócio de qualquer associação ou sociedade (por força do art. 157º do CC, esta regra tem-se extensível aos condomínios), e seja qual for a sua espécie, relativamente a deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, nos termos da qual se pede que o tribunal determine a suspensão da sua execução, assegurando-se desta forma a efectividade do direito ameaçado, ou seja, tal deliberação não poderá ser executada de imediato.

A suspensão deverá ser requerida no prazo de 10 dias, justificando a qualidade de condómino ou de terceiro titular de direitos sobre a fracção autónoma, e como se disse, mostrando que a execução da deliberação pode causar um apreciável ou sério dano. Importa ainda salientar que este prazo conta-se da data da realização da assembleia em que a deliberação foi tomada ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações.

A suspensão deve ser requerida contra os restantes condóminos, que serão representados pelo administrador ou pela pessoa que a assembleia designe para o efeito.

Nos termos do nº 1 do art. 381º do CPC, "Se o requerente (condómino ou terceiro titular de direito sobre a fracção) alegar que lhe não foi fornecida cópia da acta ou o documento correspondente, dentro do prazo fixado no artigo anterior, a citação da associação ou sociedade (condomínio) é feita com a cominação de que a contestação não é recebida sem entrar acompanhada da cópia ou do documento em falta", acrescentando o nº que, "Ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato (regulamento do condomínio), o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da execução". Nesta factualidade, dimana do nº 3 deste mesmo preceito que "A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1.ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade (administrador do condomínio) executar a deliberação impugnada". 

Importa sublinhar que, que o art. 380º (art.º 396.º CPC 1961), sob a epígrafe Pressupostos e formalidades, estatui:

1 - Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie (logo, extensível aos condomínios), tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato (regulamento do condomínio), qualquer sócio (condómino ou terceiro titular de direitos sobre a fracção) pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio (condómino ou terceiro titular de direitos sobre a fracção) e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
2 - O sócio (condómino ou terceiro titular de direitos sobre a fracção) instrui o requerimento com cópia da acta em que as deliberações foram tomadas e que a direção (administrador do condomínio) deve fornecer ao requerente dentro de vinte e quatro horas; quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da acta é substituída por documento comprovativo da deliberação.
3 - O prazo fixado para o requerimento da suspensão conta-se da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento das deliberações.

Nota: Nos preceitos havidos replicados, o itálico é nosso.

22 janeiro 2025

Livro de Presenças


O regime jurídico da propriedade horizontal é omisso, quer quanto à forma, quer quanto ao conteúdo das actas das assembleias gerais de condomínio.

Nesta factualidade, podemos recorrer ao que dimana do CSC, no seu art. 63º, nº 2:

A acta deve conter, pelo menos:
a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião;
b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários;
c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta;
d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta;
e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;
f) O teor das deliberações tomadas;
g) Os resultados das votações;
h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

Atento o facto de que alguns prédios podem possuir mais de uma centena de condóminos, pode não ser muito prático registar em sede de acta a identificação de todos os condóminos presentes ou representados. Destarte, para se agilizar a feitura da acta, esta informação pode constar de um livro de presenças onde se registam as assinaturas dos condóminos que compareceram nas assembleias.

Este "livro" pode ser constituído por folhas avulsas, devidamente arquivadas em sede própria (para tanto, as folhas terão necessariamente a mesma numeração/data das respectivas actas) ou podem ter-se anexas às respectivas actas.

Minuta:

Folha de presenças nº ____

Assembleia geral _______________________ (1) de condóminos de ___ / ___ / ___ (2)

  

 
Fracção

Nome

Qualidade

%o

Assinatura

 

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

 

  

 

 

 

 

  

 

 

 

 

  

 

 

 

 

  





















(1): Indicar se se trata de uma assembleia ordinária ou extraordinária;
(2): Indicar a data da realização da reunião plenária;
Fracção: Indicar a letra utilizada na descrição das fracções autónomas, constante do registo predial;
Nome: A indicação do primeiro nome e último apelido serão o bastante;
Qualidade: Indicar se se trata do proprietário, de um 3º titular de direitos sobre a fracção ou de um procurador (devendo arquivar-se a procuração conjuntamente com esta folha);
‰: Indicar o valor fixado relativo à fracção, expresso em percentagem ou permilagem. O nº inteiro corresponderá ao nº de votos;
Assinatura: Local onde será aposta a assinatura do presente.