Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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2/12/2024

Forma da procuração - VII

 

Na mesma linha, somos da opinião de que, em face do direito vigente, a forma da procuração exigível nos termos do CC quando esteja em causa a conclusão de negócios por escritura pública apenas pode ser dispensada com a actuação de um notário, porquanto o legislador só a este confiou tal prerrogativa, tendo em conta a sua condição de oficial público. (59)

Deste modo, a possibilidade conferida pelo DL 76-A/2006, de 29 de Março (60), aos advogados, aos solicitadores e às câmaras de comércio e indústria de autenticar documentos particulares e de poder fazer reconhecimentos presenciais de assinaturas em documentos (cfr. art. 38°, n° 1 (61)) não significa que os documentos autenticados ou escritos e assinados pelo representado com reconhecimento presencial por qualquer daquelas entidades possam valer como procuração para a celebração de um negócio por escritura pública.(62)

A lei é clara: só a intervenção de um notário(63), pelas razões supra expostas, permite que para a conclusão de um negócio por escritura pública seja suficiente uma procuração lavrada “por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado” (art. 116°/1, do CN).

Naturalmente, o legislador podia ter consagrado outras excepções legais à regra geral do art. 262°/2, do CC, outorgando, por exemplo, aos advogados, dados os especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública que lhes estão cometidos, a prerrogativa concedida aos notários pelo art. 116°/1, do CN; os documentos autenticados ou os documentos com letra e assinatura do representado reconhecidas presencialmente por aqueles profissionais forenses serviriam então como procuração bastante para a celebração da escritura pública.

Na verdade, se, em matéria de patrocínio judiciário, a lei confere aos advogados o poder de atestar a veracidade do mandato e a extensão dos seus poderes, estabelecendo a desnecessidade de intervenção notarial (64), a consagração daquela possibilidade seria opção igualmente legítima do legislador.

No entanto, e a nosso ver bem, não se criaram outros regimes excepcionais em matéria de actos outorgantes de poderes representativos para a conclusão de negócios por escritura pública, seguramente por relevantes motivos de segurança jurídica.

Impõe-se, por isso, a seguinte conclusão: quando para o negócio principal seja exigida escritura pública, a ausência de intervenção notarial (65) na outorga da procuração nos termos do art, 116°/1, do CN, importa a nulidade deste negócio (art. 220° do CC). Com efeito, a actuação do notário não se destina apenas a fazer prova da declaração (arti. 364°/2, do CC), antes garante a ponderação e colabora na formação da vontade do representado, podendo assim considerar-se o cumprimento do preceituado no art. 116°/1, do CN, uma formalidade ad substantiam.

Sendo a procuração nula, o notário deve recusar a celebração da escritura pública exigida para o negócio principal, pois não há outorga (válida) de poderes de representação (66). O negócio representativo só poderá ser concluído se a procuração for lavrada por instrumento público ou por documento autenticado pelo notário ou por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura, não tendo este documento de ser escrito ou assinado na presença do notário, mas tendo o signatário de estar presente perante este no acto do reconhecimento.

Notas:

(59) Recentemente, com o DL 263-A/2007, de 23/07, a actuação do Conservador dispensa igualmente a forma da procuração exigível nos termos do CC quando esteja em causa a conclusão de (certos) negócios por escritura pública. Na verdade, este diploma, ao criar um procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, permitiu que a compra de casa e outros negócios jurídicos relacionados com a transmissão e oneração de imóveis (v.g., a constituição ou modificação da hipoteca voluntária sobre bens imóveis — cfr. nova redacção do art. 714° do CC) fossem celebrados na CRP, dispensando-se a escritura pública (cfr. art. 8°, n° 3, do DL 263-A/2007, de 23/07).
Deste modo, para os negócios previstos pelo art. 2° do DL 263-A/2007 (vg., compra e venda de imóveis), ao eliminar-se a necessidade de actuação do notário quando o conservador intervenha, tem de passar a admitir-se que os documentos autenticados ou escritos e assinados pelo representado com reconhecimento presencial por este oficial público possam valer como procuração para a celebração daqueles negócios.

(60) No preâmbulo do DL 76-A/2006, de 29/03, afirma-se: “ o presente decreto-lei visa, portanto, objectivos e propósitos de interesse nacional e colectivo, relacionados com a promoção do desenvolvimento económico e a criação de um ambiente mais favorável à inovação e ao investimento em Portugal, sempre com garantia da segurança jurídica e da legalidade.”
Muitas das novidades deste diploma, porém, afiguram-se-nos como rudes (e perigosos…) golpes no valor da segurança jurídica. Com efeito, não compreendendo devidamente as diferenças entre as funções do notário e do conservador e não relevando as vantagens de um duplo controlo de legalidade, o legislador tornou facultativas as escrituras públicas relativas a vários actos da vida das empresas (v.g, a constituição, a alteração do contrato ou estatutos, o aumento do capital social, a alteração da sede ou objecto social, a dissolução, a fusão ou a cisão das sociedades comerciais).
Na ânsia da simplificação e da celeridade, bandeiras tão na moda, eliminaram-se a obrigatoriedade da escrituração mercantil (livros de inventário, balanço, diário, razão e copiador) e a necessidade de legalização dos livros de actas na Conservatória do Registo Comercial, medidas fortemente atentatórias da certeza jurídica, valor fundamental para a vida societária.
Por fim, o processo de cessão de quotas passou a não estar sujeito a escritura pública, sendo o registo feito por mero depósito, isto é, não há qualquer controlo formal ou material da legalidade daquele! Confia-se ao Secretário da sociedade, muitas vezes uma pessoa sem formação jurídica, o controlo anteriormente a cargo de notário e conservador…

(61) Estabelece o art. 38°, n° 1, do DL n.° 76-A/2006, de 29 de Março:
“Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do DL n° 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial [cfr. art. 155° e ss do CN].” (parêntesis nosso)

(62) Não é este o sentido do disposto no art. 38°/2, do DL 76-A/2006, de 29 de Março:
“Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuadas pelas entidades previstas nos números anteriores [advogados, solicitadores, etc…] conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.” (parêntesis nosso)
Em nossa opinião, este preceito tem apenas relevância em sede de prova do negócio, isto é, visa somente definir o valor probatório, em tribunal, dos referidos reconhecimentos, autenticações e certificações.

(63) Conforme expusemos acima (cfr. nota 59), com a criação do procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de imóveis pelo DL 263-A/2007, de 23/07, a intervenção do conservador do registo predial permite que as procurações sejam lavradas por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial de letra e assinatura ou por documento autenticado também por este oficial público, quando o negócio principal constar do artigo 2.° deste diploma e exija escritura pública.
No fundo, o legislador criou outra excepção legal à regra do art. 262°/2, do CC, conferindo aos conservadores uma prerrogativa similar à outorgada aos notários pelo art. 116° do CN: os documentos autenticados ou os documentos com letra e assinatura do representado reconhecidas presencialmente por aqueles oficiais públicos servem como procuração bastante para a celebração da escritura pública.

(64) Dispõe o artigo único do DL n° 267/92, de 28 de Novembro:
“1 – As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais [poderes para confissão, desistência ou transacção], não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto.
2 – As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo de actos, qualquer que seja a sua natureza, para os quais são conferidos esses poderes.”
O DL 168/95, de 15/07, veio estender este regime aos solicitadores. Como nota Menezes Cordeiro, “ Num curioso retorno histórico, reaparecem, assim, os antigos privilégios de «fazer procuração por sua mão» que os liberais, através do Código de Seabra, haviam abolido.” Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., pág. 404.

(65) Ou do conservador, de acordo com o resultado do procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, criado pelo DL 263-A/2007, de 23 de Julho.

(66) A escritura pública poderá ser outorgada ao abrigo do instituto da gestão de negócios, porquanto quem apresenta a procuração nula “ assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.” (cfr. art. 464° do CC). Neste caso, o notário deve advertir para a ineficácia do acto em relação ao dono do negócio (cfr. artigo 471.° do CC), sob pena de cometer infracção disciplinar e incorrer, eventualmente, em responsabilidade civil.

2/08/2024

Forma da procuração - VI

 

Destarte, o legislador entende que a intervenção do notário assegura a liberdade e a ponderação do dominus e garante o esclarecimento deste acerca do sentido e alcance da procuratio, dispensando, por isso, o formalismo a que esta, de acordo com a regra geral do art. 262°, n° 2, do CC teria de obedecer, no caso de negócios representativos para os quais é exigida escritura pública.(52)

Em nossa opinião, percebe-se que a lei prescinda da exigência formal do direito substantivo relativamente à procuração, nos termos do art. 116°, n° 1, do CN: o notário é um oficial público (53) incumbido de assegurar um primeiro controlo de legalidade, podendo, enquanto delegatário da fé pública, dar garantias de autenticidade aos actos jurídicos extrajudiciais em que intervém (54).

Mutatis mutandis, na medida em que o notário intervenha, a lei dispensa a observância da regra do art. 262°/2, do CC, permitindo que as procurações sejam lavradas, designadamente, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado, quando o negócio principal esteja sujeito a escritura pública. Na base da norma constante do art. 116°/1, do CN está, clara e inequivocamente, a ideia de que o notário garante a ponderação das partes e se certifica da correspondência entre a vontade manifestada e a vontade real destas, assegurando as cautelas subjacentes às exigências formais da lei substantiva.

Pelo exposto, podemos concluir pelo carácter excepcional do art. 116°/1, do CN, relativamente à regra geral estabelecida no artigo 262°/2, do CC, em matéria de forma das procurações, preceito que, por sua vez, consagra também um regime oposto ao princípio da consensualidade vigente no direito civil português (cfr. art. 219° do CC).(55)

c) Art. 116°, n° 1, do Código do Notariado e art. 38°, n° 1, do DL n° 76-A/2006, de 29 de Março

Enquanto norma excepcional, o art. 116°/1, do CN, não comporta aplicação analógica, conforme decorre do art. 11° do CC, que reza assim:

“As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.”(56) Como ensina Baptista Machado, “é desde já claro que toda a proibição da aplicação analógica se apresenta sempre à primeira vista como algo de chocante – por contrário ao princípio da justiça – e como tal carecerá sempre por isso mesmo de uma justificação particular para poder ser aceite. Essa justificação particular só poderá encontrar-se numa necessidade premente de segurança jurídica.”(57) Continua este autor: “Há que entender este preceito [o art. 11° do CC] a partir do significado que nele se atribui à interpretação extensiva e ter presente o referido critério fun-damental: só a segurança jurídica pode justificar a não aplicação analógica de uma norma cujo princípio valorativo é de per si transponível para casos análogos.”(58) (parêntesis e itálico nossos)

Tendo presente a ratio do art. 116°/1, do CN, isto é, a segurança jurídica conferida pela intervenção notarial a justificar a possibilidade de derrogação da aplicação do art. 262°/2, do CC, não podemos deixar de concluir pela não aplicação analógica daquele preceito.

Notas:

(52) Em relação às procurações conferidas também no interesse do procurator e de terceiro, estipula-se um regime reforçado em matéria de forma (cfr. art. 116°/2, do CN, acima transcrito), porquanto o facto de serem irrevogáveis (cfr. art. 265°/3, do CC) implica maior tutela da posição do dominus.
Por maioria de razão, quem admita as procurações no interesse exclusivo do representante e/ou de terceiro, não pode deixar de concluir pela aplicabilidade daquele regime formal a estas, pois “As razões que sustentam o regime do art. 116°/2, do CN em relação às procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro verificam-se também, e porventura mais intensamente ainda, no que concerne às procurações conferidas no interesse exclusivo do procurador ou de terceiro.” Vide Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Ob. cit., pág. 219. Pelo contrário, aqueles que rejeitam a figura da procuratio na qual não exista um interesse do representado, naturalmente, não têm de “ alargar o âmbito de aplicação do artigo 116°/2, do CN por forma a abranger a procuração no exclusivo interesse do representante ou de terceiro.” Vide Pedro de Albuquerque, Ob. cit., pág. 1036.

(53) Num quadro de liberalização e privatização, como o actualmente vigente no nosso país, o notário, apesar de profissional liberal, enquadrado num contexto concorrencial, é essencialmente um oficial público, representante do Estado e elemento imprescindível, dado o seu papel na prevenção de litígios, para a paz e segurança jurídicas. Conforme se resume no preâmbulo do Estatuto da Ordem dos Notários (aprovado pelo DL 27/2004, de 4 de Fevereiro), “Com a reforma do notariado e consequente privatização do sector, os notários assumirão [assumem] uma dupla condição, a de oficiais, enquanto delegatários da fé pública, e a de profissionais liberais, desvinculados da actual condição de funcionários públicos.” (parêntesis nosso)
Para uma síntese da história do notariado, da experiência portuguesa resultante da sua recente privatização e uma comparação com outros modelos organizatórios, cfr. Joaquim Barata Lopes, actual bastonário da Ordem dos Notários, e a sua nota introdutória ao Código do Notariado Anotado – Legislação complementar e formulários, 2.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2007.

(54) Dispõe o art, 1°, n° 1, do CN: “A função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais.”
A função notarial distingue-se da actividade registral, outro controlo de legalidade indispensável à segurança do comércio jurídico, porquanto aquela actua sobre a formação e exteriorização da vontade da pessoa e esta destina-se a dar publicidade a certas situações jurídicas, sendo, por isso, o seu efeito central o da eficácia perante terceiros.

(55) A distinção entre regra e excepção é eminentemente relacional. Nas palavras de Oliveira Ascensão, “ Duas normas podem estar entre si na relação regra / excepção: à regra estabelecida pela primeira opõe-se a excepção, que para um círculo mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda. A excepção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para prosseguir finalidades particulares. A regra excepcional opõe-se ao que designaremos regra geral.” Vide José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 448 e 449.

(56) Antunes Varela e Pires de Lima esclarecem: “O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que uma determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há qualquer omissão.” Vide Pires de Lima e Antunes Varela (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), Ob. cit., pág. 60.
Para Castanheira Neves, há “um continuum entre a interpretação e a integração”, pelo que não existe uma diferença de princípio entre interpretação extensiva e integração de lacunas através da analogia. Vide Castanheira Neves, Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, Coimbra Editora, 1993, pág. 126.

(57) Vide J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, (8.ª reimpressão), Almedina, Coimbra, 1995, pág. 326.

(58) Idem, pág. 327.

1/21/2024

Assembleias telemáticas

A legislação mais recente sobre o regime da propriedade horizontal implementou novidades relacionadas com o uso das novas tecnologias nas reuniões de condóminos.

No âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, foi aprovada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, cujo art. 5º-A (Realização de assembleias de condóminos), estipulava:

1 - A realização de assembleias de condóminos obedece às regras aplicáveis à realização de eventos corporativos, vigentes em cada momento e para a circunscrição territorial respetiva.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é permitida e incentivada a realização de assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância no ano de 2021, nos termos seguintes:
a) Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar através de meios de comunicação à distância, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto, presencialmente e por videoconferência;
b) Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia ter de se realizar presencialmente ou em modelo misto.
3 - A assinatura e a subscrição da ata podem ser efetuadas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.
5 - Compete à administração do condomínio a escolha por um ou por vários dos meios previstos na alínea a) do n.º 2, bem como a definição da ordem de recolha das assinaturas ou de recolha das declarações por correio eletrónico, a fim de assegurar a aposição das assinaturas num único documento.
6 - As assembleias de condóminos e a assinatura ou subscrição das respetivas atas que tenham sido realizadas antes da data de entrada em vigor do presente regime são válidas e eficazes desde que tenha sido observado o procedimento previsto nos números anteriores.

Este preceito foi contudo revogado pela Lei n.º 31/2023, de 04 de Julho.

Com a introdução da 3ª versão ao DL 268/94 de 25 de Outubro, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, foi incorporado um novo preceito:

Artigo 1.º-A
Assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância

1 - Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência.
2 - Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários, sob pena de a assembleia não poder ter lugar através daqueles meios.

Destarte, o administrador do condomínio pode escolher entre realizar a assembleia dos condóminos presencialmente ou por quaisquer meios telemáticos, dando-se preferência ao uso de tecnologia por som e imagem, excepto se assembleia dos condóminos aprovar a sua realização mediante uma deliberação aprovada por maioria simples. 

Acresce salientar que, caso algum condómino não possua meios que lhe permitam participar nas assembleias telemáticas, deve o mesmo de tal facto, fundamentadamente (cfr. art. 342º CC) e com antecedência, informar o administrador para que lhe providencie os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia dos condóminos não se poder realizar por videoconferência.

Lamentavelmente, não cuidou o legislador de fixar um prazo mínimo a observar pelo condómino, para a feitura da referida comunicação, pelo que, pode e deve: 
(i) o administrador em sede do aviso convocatório alertar para que, se até à fixada data algum condómino não possuir os meios necessários, realizar-se-á aquela presencialmente no local a indicar no mesmo, ou
(ii) a assembleia fazer prever esta situação em sede do regulamento do condomínio.

No entanto, e em bom rigor, se até à data da realização da assembleia, algum condomínio informar - justificadamente - o administrador da impossibilidade de usar os meios telemáticos e não podendo este facultar-lhe no imediato, tais meios, a assembleia não se poderá realizar online, restando a opção presencial, contanto que, se tenha a mesma, devidamente acautelada em sede do aviso convocatório.

12/15/2023

Forma da procuração - V


Em bom rigor, a solução ideal seria a de fazer depender a forma da procuração da finalidade das formalidades exigidas para o negócio principal: nos casos em que esta finalidade consiste apenas em obter prova segura acerca do acto (formalidades ad probationem(42)), a outorga de poderes de representação não careceria da forma prescrita para aquele negócio.(43)

No entanto, a fixação do sentido e alcance da finalidade de cada exigência legal de forma depende da actividade interpretativa, pelo que aquela solução conduziria a incertezas várias.

Nas palavras do legislador: “Em rigor a solução deveria ser a de olhar às finalidades do formalismo requerido para o negócio representativo para decidir da aplicabilidade ou inaplicabilidade de tal formalismo ao negócio de concessão de poderes. Para fugir, contudo, às graves dificuldades e incertezas a que isso daria lugar pareceu-nos melhor estabelecer (…) o princípio geral de que a procuração está sujeita à forma exigida para o negócio a que diz respeito (…), admitindo embora que se estabeleçam, maxime em legislação especial, restrições a este princípio.”(44)

Ora, como as mais das vezes a forma legal é estabelecida ad substantiam(45), a regra vertida no artigo 262.°, n.° 2, do CC parece-nos de grande razoabilidade, a melhor possível.(46)

b) Excepções à equiparação formal entre a procuração e o negócio jurídico representativo: em especial, do artigo 116.° do Código do Notariado

Conforme resulta expressamente da primeira parte do ar-tigo 262.°, n.° 2, do CC (“Salvo disposição legal em contrário”), o princípio da equiparação formal entre o acto concessor de poderes representativos e o negócio que o procurador deva realizar comporta excepções(47).

No presente trabalho, importa-nos analisar a excepção constante do disposto no artigo 116.° do Código do Notariado(48), preceito que estipula:

“1 — As procurações que exijam intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.
2 — As procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro devem ser lavradas por instrumento público cujo original é arquivado no cartório notarial.
3 – Os substabelecimentos revestem a forma exigida para as procurações.”(49)(50)

Vale por dizer: a procuração pode ser verbal ou escrita, consoante os negócios a concluir sejam consensuais ou requeiram forma escrita; quando para estes se exija escritura pública, aquela pode assumir a forma de instrumento público, documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.

Na síntese de Antunes Varela e Pires de Lima, “O n.° 2 [o artigo 262.°, n.° 2, do CC] contém uma regra que, em face dos princípios expressos no artigo 127.° do Código do Notariado [actual artigo 116.° do CN], será seguramente de aplicação pouco frequente quanto a actos em que deva haver intervenção notarial. É, no entanto, uma regra geral de aplicação certa nos casos em que se exija para o acto apenas a forma escrita. Quando assim seja, a procuração deve igualmente ser passada por escrito. Em relação a actos para os quais se não exija sequer a forma escrita valerá a procuração verbal.”(51) (parêntesis e itálico nossos)

Notas:

(42) Nos casos em que a forma da declaração é exigida “apenas para prova da declaração” (cfr. artigo 364.°, n.° 2, do CC), a sua falta não gera a nulidade do acto, mas apenas a dificuldade de prova do acto, a qual é suprível por confissão expressa. No caso de formalidades ad substantiam, atendendo aos relevantes motivos de interesse público subjacentes, a sua inobservância acarretará a nulidade do acto (cfr. artigo 220.° do CC). Sobre a distinção doutrinária entre formalidades ad substantiam e formalidades simplesmente ad probationem, vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., págs. 433 e 434, José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, volume II – Acções e Factos Jurídicos, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2003, pág. 69, e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 545.

(43) Parece ser esta a solução de outros direitos, conforme ensina Vaz Serra: “No direito austríaco, é pela finalidade da disposição de forma que se decide se esta é exigida também para o negócio da outorga de poderes (…), e semelhantemente no direito francês (…), no qual a ratificação pode ser expressa ou tácita, salvo tratando-se de acto solene.” Vide Vaz Serra, “Anotação ao Acórdão…”, cit., pág. 184. Mais recentemente, em relação ao direito gaulês, Maria Helena Brito confirma: “tem-se defendido que, quando a lei exige uma forma solene (por exemplo, intervenção notarial) para o acto que o mandatário deve celebrar em nome do mandante, à mesma forma deve estar sujeito o contrato de mandato, sempre que a exigência legal se destine a proteger uma das partes, pois, a não ser assim, poderia ser iludido o objectivo da lei.” Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., pág. 213.

(44) Vide Rui de Alarcão, “Breve Motivação do Anteprojecto sobre o Negócio Jurídico na Parte Relativa ao Erro, Dolo, Coacção, Representação, Condição e Objecto Negocial”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 138, 1964, pág. 106.

(45) Neste sentido, Carvalho Fernandes: “ A formulação do art. 220.° do C. Civ. sugere que a forma legal é em regra estabelecida ad substantiam.” Vide Luís A. Carvalho Fernandes, Ob. cit., pág. 235. Na mesma linha, Pais de Vasconcelos afirma: “ Em regra as exigências legais de forma são ad substantiam. Esta conclusão retira-se do artigo 220.° do Código Civil que comina, em princípio, com nulidade o desrespeito pela forma exigida por lei.” Vide Pedro Pais de Vasconcelos, Ob. cit., pág. 545. Da análise do artigo 364.° do CC, Mota Pinto extrai idêntica conclusão: “Donde se infere que quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades «ad probationem», nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis do formalismo negocial (obrigar as partes a reflexão sobre as consequências do acto, assegurar a reconhecibilidade do acto por terceiros ou o seu controlo no interesse da comunidade, etc.).” (negrito nosso) Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 434.

(46) Era este o entendimento de Vaz Serra: “ Como, (…) a forma é exigida pela lei normalmente para assegurar a ponderação dos declarantes, a regra será que procuração e a ratificação estão sujeitas à forma prescrita para o negócio a celebrar ou celebrado pelo representante, com as restrições, no nosso direito, resultantes dos artigos 1327.° a 1329.° do Código Civil e do artigo127.° do Código do Notariado.” Vide Vaz Serra, “Anotação…”, cit., pág. 184.

(47) Cfr., por exemplo, artigos 97.°, § 2.°, do Código Comercial, 43.°, n.o 2, do Código do Registo Civil e 39.° do Código do Registo Predial. Sobre este preceito, vide Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial – Anotado e Comentado com Formulário, 13.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 215 – 217.

(48) Adiante, abreviadamente identificado por CN.

(49) A norma transcrita em texto corresponde ao artigo 127.° do anterior CN, que dispunha:
“1. As procurações e substabelecimentos que exijam intervenção notarial devem ser lavrados:
a) Por instrumento público;
b) Por documento escrito e assinado pelo mandante, com reconhecimento presencial da letra e assinatura;
c) Por documento escrito por pessoa diversa do mandante e assinado por este, com reconhecimento presencial da assinatura.
2. O mandato judicial, quando não inclua poderes para confissão, desistência ou transacção, pode também ser conferido por documento escrito e assinado pelo constituinte, com reconhecimento da letra e assinatura, ou mediante a assinatura da parte aposta conjuntamente com a do procurador, no respectivo articulado, com reconhecimento presencial da assinatura.
3. O mandato com poderes de livre e geral administração civil ou gerência comercial, para contrair obrigações cambiárias, para fins que impliquem confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais ou a representação em actos que têm de realizar-se por modo autêntico ou para cuja prova é exigido documento autêntico, não pode ser conferido sob a forma prevista na alínea c) do n.° 1.”

(50) Dada a expressa remissão para o artigo 116.° do CN, o artigo 118.° deste diploma constitui igualmente uma excepção à regra geral prevista no artigo 262.°, n.° 2, do CC, ao estabelecer:
“1 – É permitida a representação por meio de procurações e de substabelecimentos que, obedecendo a alguma das formas prescritas no artigo 116.°, sejam transmitidas por via telegráfica ou por telecópia, nos termos legais.
2 – As procurações ou substabelecimentos devem estar devidamente selados.”

(51) Vide Pires de Lima e Antunes Varela (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 244.


Forma da procuração - IV



Por outro lado, como afirma Maria Helena Brito, “O acto de atribuição de poderes é também funcional e estruturalmente independente em relação ao negócio jurídico representativo”(36), isto é, há autonomia do poder de representação face ao negócio jurídico celebrado pelo representante e terceiro. Símbolo desta autonomia é o regime vertido no artigo 259.° do CC:

“1. À excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.
2. Ao representado de má fé não aproveita a boa fé do representante.” (itálico nosso)

Em matéria de forma, porém, a regra do CC, ao impor para a procuração a solenidade exigida ao negócio a realizar pelo procurador (cfr. artigo 262.°), constitui excepção à independência do negócio jurídico atributivo do poder de representação relativamente ao negócio principal.

II - Procuração: da sua forma

a) Regra: igualdade de forma entre a procuração e o negócio jurídico representativo

Tendo em conta a independência da procuração relativamente ao negócio representativo, seria de esperar que, no domínio da forma, a regra para aquela fosse a não exigência da solenidade requerida para este. É esta, aliás, a solução vigente nos ordenamentos jurídicos suíço e germânico (37).

No CC português, a opção, porém, foi diversa, consagrando-se, como regra geral, a sujeição da procuração à forma exigida para o negócio principal(38)(39). Dispõe o artigo 262.°, n.° 2:

“Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”

Na base desta previsão legislativa, parece ter estado o pensamento de Vaz Serra: “Mas, se a procuração não é parte do negócio a realizar pelo representante, não estando por isso, como tal, sujeita às formalidades prescritas para este, pode a razão dessas formalidades compreender o acto pelo qual o interessado atribui poderes de representação a terceiro. (…) Se, por exemplo, com a exigência de formalidades, se pretende assegurar a ponderação do interessado, evitando que levianamente realize o negócio em questão, essa finalidade abrange a procuração, que é o único acto em que se manifesta a vontade do interessado.”(40)

Noutros termos: a ratio subjacente à exigência de forma legal para a conclusão de certos negócios jurídicos (v.g. artigos 875.° e 947, n.° 1, do CC e artigo 80.° do Código do Notariado) obriga à adopção de formalismo idêntico pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração destes negócios. De outro modo, as razões de garantia de ponderação das partes, de publicidade e de segurança jurídica que estão na base da necessidade da observância das solenidades para alguns negócios representativos (ditos formais)(41) não seriam salvaguardadas.

Notas:

(36) Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., pág. 124.

(37) Existem, contudo, algumas excepções, legais e jurisprudenciais, ao princípio geral da independência da procuração relativamente ao negócio representativo no domínio da forma, consagrado nos direitos alemão e helvético. Assim, a título de exemplo, “ a jurisprudência do Bundesgericht esclarece que, no caso de o negócio representativo estar sujeito a forma autêntica, a «vontade de representar» do representante deve ser declarada sob a mesma forma.” e a doutrina suíça “informa que o princípio da independência da procuração relativamente ao negócio representativo é em parte contrariado pelos responsáveis pelo registo predial, ao exigirem procuração escrita relativamente aos actos de transferência de propriedade, e que numerosos cantões subordinam a validade dos actos à autenticação da assinatura do autor.” Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., pág. 107.

(38) Em Itália, a simetria formal entre negócio – base e procuração foi também acolhida no CC (artigo 1392.°). Para a indicação da doutrina italiana mais relevante sobre esta questão, vide Pedro de Albuquerque, Ob. cit., pág. 1037.

(39) Nos termos do artigo 268.°, n.° 2, primeira parte, do CC, também “ a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração”.

(40) Vide Vaz Serra, “ Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-1960 (Vaz Pereira)”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 94, 1961-1962, pág. 184.

(41) Segundo Menezes Cordeiro, as razões de solenidade, de reflexão e de prova, tradicionalmente apontadas como estando na base da forma negocial legalmente exigida “assumem (…) tão-só, uma consistência de tipo histórico: elas [as justificações de determinadas exigências de forma] terão levado o legislador ou, mais latamente, o Direito, a prescrevê-las.” (parêntesis nosso) Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, cit., pág. 569.

Forma da procuração - III



c) Representação voluntária: a procuração

Na representação voluntária(17), os poderes do representante procedem da vontade do representado, exteriorizada numa declaração negocial designada por procuração (cfr. artigo 261.° do CC).

Quanto aos poderes outorgados, a procuração pode ser geral, se abrange os actos de natureza patrimonial(18), ditos de administração ordinária(19), ou especial, quando ao representante é permitida a prática dos actos especificamente previstos bem como dos actos necessários à sua execução.(20)

Para a procuração ser eficaz não é necessária a aceitação, pelo que o beneficiário tem de renunciar a ela no caso de não querer ser procurador (cfr. artigo 265.°, n.° 1, do CC), isto é, estamos perante um negócio jurídico unilateral(21).

Trata-se de um negócio jurídico unilateral receptício(22)(23), cujo destinatário, de acordo com a melhor doutrina(24), é o terceiro com quem o representante contrata em nome do representado, e não o representante(25) ou o público(26). Deste modo, no plano da interpretação negocial (cfr. artigo 236.° do CC(27)), impera o entendimento de Ferrer Correia: “ nós ponderamos que os principais interessados (no caso da procuração) são aqui o constituinte e o terceiro; consideramos, depois, que o constituinte, querendo contratar com o terceiro por intermédio do procurador, não pode deixar de querer comunicar-lhe a autorização representativa de que o último está munido: e logo concluímos ser o terceiro quem mormente carece das atenções que, na teoria geral da interpretação, se dispensam ao destinatário da declaração de vontade, á contraparte – e quem principalmente as merece.”(28)

A classificação da procuração como negócio jurídico unilateral tornou-se clara a partir da afirmação da autonomia entre o poder de representação e a relação fundamental de ligação entre representado e representante.

Na verdade, durante muito tempo, doutrina e jurisprudência não distinguiam procuração de mandato, considerando o poder de representação mero efeito deste contrato(29). Actualmente, porém, é pacífica a cisão conceptual entre o acto jurídico de que emerge o poder representativo e os negócios que estão na base da relação entre representante e representado(30).

Dito de outro modo, a procuração é um negócio abstracto(31), cujo efeito é a outorga de poder representativo ao procurador, não cumprindo qualquer função económica ou social típica, isto é, a procuração pode ter causas várias(32).

No entanto, a procuração apresenta alguns traços de causalidade, podendo notar-se várias manifestações de influência da relação de base sobre o poder de representação. Podemos mesmo falar de uma “relativização do carácter abstracto da procuração”.(33)

Exemplificativamente, a possibilidade de o procurador poder fazer-se substituir por outrem se tal resultar da relação jurídica que determina a procuração (cfr. artigo 264.°, n.° 1 do CC) e a cessação do negócio – base implicar a cessação desta, salvo se outra for a vontade do representado (cfr. artigo 265.°, n.° 1, do CC)(34), constituem limitações importantes à autonomia do poder de representação(35).

Notas:

(17) A representação voluntária distingue-se da representação legal, resultando aqui os poderes representativos da lei, e da representação orgânica ou constitucional. Segundo Manuel de Andrade, a representação das pessoas colectivas obriga à autonomização desta categoria, “que aliás não será verdadeira representação mas organicidade”. Vide Manuel de Andrade, Ob. cit., págs. 288 e 289.

(18) Excluem-se, assim, os actos meramente pessoais (v.g., testamento — cfr. artigo 2182.° do CC). Como afirma Carvalho Fernandes, “são meramente pessoais, hoc sensu, aqueles actos em relação aos quais a lei exclua exercício representativo, ou que, pela sua natureza devem seguir regime análogo. Está aqui em causa, em geral, uma particular ligação com o seu autor, pela índole dos interesses envolvidos, que exigem uma avaliação pessoal, não se compadecendo com a interferência de terceiros. O exemplo de escola é o direito de testar, sendo o testamento um acto pessoal hoc sensu.” Vide Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II – Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, pág. 212.
Quanto ao casamento, um dos nubentes pode ser substituído por procurador, devendo a procuração conter poderes especiais para o acto, a designação do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento (cfr. artigos 1616, alínea a), e 1620.° do CC).

(19) Nas palavras de Manuel de Andrade, actos de administração ordinária ou “Actos de mera administração serão pois os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património administrado. Ao mero administrador são proibidos os grandes voos, as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais, mas também podem levar a perdas catastróficas.” Vide Manuel de Andrade, Ob. cit., pág. 62.

(20) No CC, esta distinção é feita em relação ao mandato, dispondo o artigo 1159.°:
“1. O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária.
2. O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.”
Seguindo Menezes Cordeiro, consideramos “esta distinção aplicável à procuração, na base dum argumento histórico, dum argumento sistemático e dum argumento lógico a fortiori. Historicamente, (…) o facto de toda esta matéria se ter vindo a desenvolver a partir do mandato. O argumento sistemático aponta a unidade natural que deve acompanhar o mandato com representação: o mandatário irá receber os poderes necessários para executar cada ponto do mandato. Finalmente, o argumento lógico explica que não faz sentido ter uma lei mais exigente para um mero serviço – o mandato – do que para os poderes de representação, que podem bulir com razões profundas de interesse público e privado”. Vide Menezes Cordeiro, “ A Representação no Código Civil…”, cit., pág. 405.

(21) Mota Pinto afirma expressamente: “Nos negócios unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações mas paralelas, formando um só grupo. Se olharmos os autores das declarações, constataremos haver um só lado, uma só parte. É o caso do testamento, da renúncia à prescrição, da procuração.” (negrito nosso) Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 385.

(22) Nas palavras de Manuel de Andrade, “Quanto às variantes que podem assumir os negócios unilaterais, (…) só queremos destacar a mais importante de todas e a mais corrente, que os agrupa em receptícios e não receptícios. Nos receptícios (ou com declaração de vontade receptícia), a declaração tem de ser dirigida e levada ao conhecimento de pessoa determinada, não valendo sem isso. É o caso da denúncia de um contrato (de arrendamento, de prestação de serviços), da revogação ou renúncia a uma procuração, etc. Nos não receptícios (com declaração de vontade não receptícia), a declaração vale logo que é emitida, sem necessidade de comunicação a pessoa determinada (embora possa ser preciso o concurso de algum outro facto ou circunstância). Estes negócios são, de longe, mais raros do que os outros. O exemplo mais típico é o testamento; mas costumam-se citar outros, como o negócio de fundação.” (negrito nosso) Vide Manuel de Andrade, Ob. cit., pág. 42.
Tradicionalmente, na Faculdade de Direito de Lisboa, fala-se em declarações negociais recipiendas e não recipiendas, por se considerar esta terminologia “ mais consentânea com o étimo das expressões”. Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 548.

(23) Em sentido contrário, Carvalho Fernandes afirma: “Enquanto negócio, por procuração identifica-se um negócio jurídico unilateral não recipiendo. Esta última qualidade não exclui, porém, no plano prático, a necessidade de materialmente o documento em que se consubstancia esse acto ter de chegar ao poder do procurador. Sem ele, este não está em condições de agir sempre que a procuração seja um negócio formal e, portanto, se torne necessário exibir o correspondente documento para fazer a sua prova.” Vide Luís A. Carvalho Fernandes, Ob. cit., pág. 213.

(24) Neste sentido, vide Ferrer Correia, “ A procuração na teoria da representação voluntária”, in Estudos Jurídicos, II – Direito civil e comercial. Direito criminal, 2.ª edição, (reimpressão), Coimbra, 1995, págs. 30-32 e Paulo Mota Pinto, Ob. cit., págs. 607 e 608.

(25) Segundo Januário Gomes, o destinatário natural da procuração é o representante, o qual não pode prevalecer-se dos poderes conferidos enquanto não receber a procuração ou tiver conhecimento desses poderes. No entanto este autor reconhece: “embora a relação de representação respeite apenas ao representado e ao representante, é perante terceiros que a mesma está mediatamente destinada a operar”. Vide Manuel Januário da Costa Gomes, Em tema de revogação do mandato civil, Coimbra, 1989, pág. 237.

(26) Para uma resenha da principal doutrina germânica e da jurisprudência helvética defensoras desta posição, vide Maria Helena Brito, Ob. cit., págs. 120 e 121.

(27) O artigo 236.° do CC estabelece:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
Neste preceito, encontra-se consagrada a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, embora com a limitação subjectivista (“salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”), decorrente dos ensinamentos de Larenz e, entre nós, de Ferrer Correia. Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., págs. 443-445.

(28) Vide Ferrer Correia, Ob. cit., pág. 14.

(29) Sobre a evolução doutrinária em Portugal até à plena autonomização das figuras do mandato, da representação e da procuração, vide Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Ob. cit., págs. 35 a 42.

(30) Normalmente, o mandato é o negócio jurídico base, embora a relação subjacente à procuração possa emergir de outros negócios (v.g, contratos de trabalho e de agência).

(31) Seguindo a lição de Mota Pinto, “Os negócios em que estas (as causas) não relevam, por poderem preencher uma multiplicidade de funções e os efeitos do negócio serem separados da sua causa, designam-se como negócios abstractos – por exemplo, negócios cambiários, como o saque de um cheque ou o aceite de uma letra (…). Na generalidade dos negócios jurídicos, contudo, o direito não isola o seu conteúdo da respectiva causa – são negócios causais.” Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 399.
Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, “ Os negócios abstractos ocorrem normalmente em situações nas quais a tutela da confiança no tráfego jurídico se impõe à autonomia privada. Esta situação verifica-se no caso da procuração. Se a procuração fosse um negócio causal, poucas seriam as pessoas que aceitariam celebrar negócios com um procurador, pois correriam o risco de o dominus vir mais tarde invocar a relação subjacente para impugnar parte ou a totalidade do negócio. A eficiência prática, a segurança e a utilidade da procuração, enquanto instrumento jurídico que permite a multiplicação e aceleração do tráfego jurídico através da legitimação de terceiros para agirem em representação de outrem, exige a abstracção.” Vide Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Ob. cit., pág. 62.

(32) Ferrer Correia afirma a “ natureza abstracta da procuração, para significar que ela não recebe em si o título que todavia materialmente o explica e justifica – o negócio jurídico fundamental. A procuração constrói-se como se, para além dela, não estivesse o mandato, a locatio operarum, a sociedade. Está. Mas procedemos como se não estivesse, fazemos abstracção desse outro negócio jurídico”. Vide Ferrer Correia, Ob. cit., págs. 27 e 28.

(33) Vide Paulo Mota Pinto, Ob. cit., pág. 600.

(34) A procuração pode também cessar por renúncia do procurador (cfr. artigo 265.°, n.° 1, do CC) e por revogação, livre, do representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. Será, porém, irrevogável a procuração conferida no interesse comum do dominus e do procurador ou de terceiro, salvo acordo do interessado ou verificação de justa causa (cfr. artigo 265.°, n.os 2 e 3, do CC).

(35) Para mais exemplos de limites à abstracção da procuração, vide Maria Helena Brito, Ob. cit., págs. 123 e 124, e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Ob. cit., págs. 62 e 63.


12/13/2023

Forma da procuração - II


Existem, porém, outras hipóteses de eficácia do negócio em relação ao representado quando haja actuação sem poder de representação. De facto, a actuação do representante depois da modificação ou cessação duma procuração pode exigir a tutela da confiança de terceiros que com ele mantenham relações jurídicas. Dispõe, por isso, o art. 266° do CC:

“1—As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.
2—As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que sem culpa as tenha ignorado.”

Por outro lado, no caso de abuso de representação(11), quando a contraparte não conheça nem deva conhecer a falta de poderes do representante, o negócio produz efeitos relativamente ao representado (cfr. art. 268° e 269° (12) do CC).

Pelo contrário, nas situações em que a falta de poderes do representante resulta da falta de uma procuração, porque este nunca teve legitimação representativa, não é aplicável o artigo 266.° do CC, acima transcrito, nem parece justificar-se a protecção de terceiro mediante a eficácia do negócio na esfera jurídica do representado.

Na verdade, cabe ao terceiro exigir ao representante a justificação dos seus poderes (cfr. art. 260° do CC(13)), pelo que, fora dos casos excepcionais configuradores de um abuso do direito, não parece haver razões convincentes para a tutela daquele(14).

Em matéria de representação aparente, não se pode, contudo, olvidar o disposto no art. 23°, n° 1, do DL n° 178/86, de 3 de Julho, diploma regulador do contrato de agência(15):

“1—O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro.”

De acordo com este preceito, a existência de circunstâncias objectivas que fundem uma aparência de representação, aliada à condição subjectiva da actuação do representado, justificam a tutela da confiança da contraparte e a eficácia do negócio perante o representado-principal.

Embora não nos pareça que o dispositivo em análise consagre um princípio geral de relevância da aparência, concordamos com Maria Helena Brito, segundo a qual “a situação objectiva geradora de confiança imputável ao pretenso representado – a aparência de poder de representação do pretenso representante – pode surgir no âmbito de outras relações contratuais, como no contrato de trabalho e, em geral, sempre que se confie a execução de determinadas tarefas a outrem.” Afirma, por isso, a autora: “Somos assim conduzidos à conclusão de que a aplicação do regime estabelecido pelo art. 23° do DL n° 178/86 se justifica especialmente no âmbito dos contratos de cooperação ou até, de modo mais rigoroso, no âmbito dos contratos de cooperação auxiliar, de que o contrato de agência constitui, nesta matéria, o paradigma, por razões que se prendem com o momento em que foi legislativamente regulado.”(16)

Notas:

(11) Segundo Menezes Cordeiro, o abuso de representação “traduz a situação na qual os poderes efectivamente existentes sejam superados pelo acto praticado. Ele é equiparado à representação sem poderes da qual é, no fundo, apenas uma modalidade. (…) Em termos mais gerais, o abuso de representação vem a ser o exercício dos inerentes poderes em oposição com a relação subjacente.” Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., págs. 418 e 419.

(12) Estipula o art. 269° do CC: “O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”

(13) O art. 260° do CC reza o seguinte:
“1—Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.
2—Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante.”

(14) Neste ponto, seguimos a posição de Menezes Cordeiro, o qual não admite, perante os dados do Direito português, a “procuração tolerada” nem a “procuração aparente”. Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., págs. 414-416. Também Heinrich Ewald Hörster considera estas figuras de difícil aceitação no direito português “devido ao disposto no art. 457.° CCiv.” Vide Heinrich Ewald Hörster, Ob. cit., pág. 484.
Mota Pinto, por seu lado, afirma poder justificar-se a protecção do terceiro na “procuração por tolerância”, embora lhe ofereça mais dificuldades a vinculação do representado nas hipóteses de mera “procuração por aparência”. Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 551.

(15) Sobre o art. 23° do DL n° 178/86, vide António Pinto Monteiro, Contrato de Agência-anotação, 5.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 109-110 e Paulo Mota Pinto, “Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros. Reflexão a propósito do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 178/86, de 3 de Julho”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume LXIX, 1993, pág. 587 e seguintes.

(16) Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., págs. 138-139.

Forma da procuração - I



PROCURAÇÃO

(art. 116º do Código do Notariado e art. 38º do DL nº 76-A/2006, de 29 de Março)(*)

Pelo Mestre João Nuno Calvão da Silva(**)

I - Representação: breves notas

a) Pressupostos

Regulada nos art. 258° a 269° do CC(1)(2), a representação caracteriza-se pela actuação de alguém (representante) em nome de outrem (representado)(3), não se limitando aquele a exprimir a vontade deste.

Decisiva é, por um lado, a existência da contemplatio domini, assim se distinguindo a representação do contrato de mandato, através do qual alguém (mandatário) fica vinculado a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (mandante)(4).

Não é também pressuposto da figura em análise a actuação do representante no interesse do representado(5), porquanto o nosso ordenamento jurídico parece admitir a concessão de poderes representativos no interesse exclusivo do representante e/ou de terceiro(6).

Por outro lado, o representante não se limita a comunicar a mensagem que alguém lhe transmite, possuindo, em maior ou menor grau, uma margem de decisão própria quanto aos actos a praticar. Por isso, o representante distingue-se do núncio(7).

b) Efeitos e representação sem poderes(8)

No ordenamento jurídico-civilístico português, o instituto da representação é definido em função dos seus efeitos. Dispõe o art. 258° do CC: “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.”

Da disposição transcrita resulta a característica fundamental da representação: a produção de efeitos na esfera jurídica de uma pessoa distinta da que manifesta a vontade negocial(9).

Assim, é essencial a existência de legitimação representativa, só podendo o representante actuar em nome do representado, vinculando-o às consequências jurídicas do acto praticado, se dispuser de poderes para tal. Não existindo o necessário poder de representação, apenas a ratificação do representado torna o negócio eficaz na sua esfera jurídica(10). Neste sentido, estabelece o art. 268°, n° 1, do CC: “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.”

Notas:

(*) Para a elaboração deste trabalho foi fundamental o contributo do Mestre João Maia Rodrigues, notário e jurista de grande qualidade. A ele temos de agradecer o alerta para a importância prática do problema e sugestões que em muito valorizaram o nosso estudo.

(**) Assitente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

(1) Segundo Heinrich Ewald Hörster, a sistematização adoptada pelo nosso Código Civil “pode ser considerada como não sendo inteiramente feliz”, defendendo aquele Professor que “o lugar mais indicado para a própria subsecção (…) seria a seguir à perfeição da declaração negocial.” Vide Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 478.

(2) Adiante identificado por CC.

(3) Dispõe o art. 258° do CC: “O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.” (negrito nosso)

(4) Nos termos do art. 1157° do CC, “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.” (negrito nosso) Nem sempre foi clara a distinção entre mandato e representação: o CC de 1867, na linha do Code Civil, identificava-os e a doutrina nacional da época não discernia claramente a diferença entre estas figuras (v.g, Guilherme Moreira, Paulo Merêa, Cunha Gonçalves, entre outros). A distinção parece ter surgido nítida apenas com Manuel de Andrade, Galvão Telles, Magalhães Collaço e, sobretudo, com Ferrer Correia. Vide Maria Helena Brito, A Representação nos contratos internacionais – Um contributo para o estudo do princípio da coerência do direito internacional privado, Almedina, Coimbra, 1999, págs. 87 e 88, e Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil: sistema e perspectivas de reforma”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume II – A Parte Geral do Código e a Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 393 a 396.
Actualmente, na doutrina nacional, parece consensual a não coincidência entre os conceitos analisados, podendo haver mandato sem representação (v.g, o contrato de mandato sem representação, regulado nos termos dos artigos 1180.° e seguintes do CC, e o contrato de comissão, regulamentado pelos art. 266° e segs do Código Comercial) e representação sem mandato (v.g, a representação legal e a procuração que coexista com um contrato de trabalho ou de agência, por exemplo). Vide, por todos, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição (por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra Editora, 2005, págs. 541 e 542. Sobre o mandato sem representação, vide Fernando Pessoa Jorge, O Mandato Sem Representação, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2001.
Na jurisprudência, a questão também é pacífica, considerando-se que a procuração e o mandato podem coexistir ou andar dissociados. Exemplificativamente, cfr. Acórdãos do STJ de 10-03-98 e de 22-02-96, in www.dgsi.pt.

(5) Na representação legal, porém, o interesse do incapaz – representado é elemento essencial, na medida em que os poderes do representante constituem poderes-deveres ou “ofícios”, a terem de ser exercidos e do modo previsto pelo ordenamento jurídico. Para a noção de “direito funcional”, vide Rabindranath Capelo de Sousa, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, Coimbra, 2003, pág. 185.

(6) No CC prevê-se expressamente a procuração “também no interesse do procurador ou de terceiro”, a qual “não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa” (art. 265°, n° 3, do CC), ao contrário da procuração no interesse exclusivo do representado, livremente revogável por este (art. 265°, n° 2, do CC).
Em termos paralelos, em relação ao contrato de mandato, estabelece o art. 1170° do CC:
“1—O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
2—Se, porém, o mandato tiver sido conferido, também, no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.” (itálico nosso) Sobre a admissibilidade das procurações no interesse exclusivo do procurador, de terceiro, ou de ambos, com uma interessante resenha das principais posições doutrinárias e jurisprudenciais, bem como uma análise do Direito Comparado sobre a questão, vide Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, Coimbra, 2002, em especial págs. 6 a 20. Mais recentemente, Pedro de Albuquerque pronunciou-se inequivocamente pela inadmissibilidade das procurações in rem propriam: “Também não nos parece poderem subsistir dúvidas quanto à circunstância de, em nosso entender, não ser admissível a existência de procurações ou poderes de representação concedidos no exclusivo interesse do representante ou de terceiro.” Vide Pedro de Albuquerque, A Representação voluntária em Direito Civil (Ensaio de Reconstrução Dogmática), Almedina, Coimbra, 2004, pág. 983.

(7) Pelo facto de o representante emitir uma declaração negocial própria, o artigo 259.°, n.° 1, do CC determina ser “na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio”.
Por outro lado, se “o procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar” (art. 263° do CC), pois a exigência da capacidade de exercício deste seria excessiva atenta a falta de interesse próprio na conclusão dos negócios, “ao núncio, bastará a capacidade natural para transmitir a declaração de vontade”. Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 543.
Para uma análise das diferenças entre núncio e representante, vide Raúl Guichard, “Sobre a distinção entre núncio e representante”, in Scientia Iuridica, XLIV, n.os 256-258, 1995, pág. 317 e seguintes.

(8) A hipótese prevista no art. 261° do CC parece configurar um caso de representação sem poderes, porquanto o auto-contrato é anulável se o representado não tiver especificadamente consentido na celebração do negócio. Por outro lado, ao proibir-se o negócio consigo mesmo, visa-se evitar o risco de conflito de interesses entre o representante e o representado, pelo que o contrato será válido quando, por sua natureza, excluir esse risco.

(9) Dada a essencialidade desta nota, parte da doutrina considera-a requisito de existência da representação. Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., pág. 397, e Raúl Guichard, “Notas sobre a falta e limites do poder de representação”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, XXXVII, Lisboa, 1995, pág. 5. No sentido de que o poder representativo constitui um mero pressuposto de eficácia da representação, posição, em nosso entendimento, mais rigorosa, vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, (7.ª reimpressão), Almedina, Coimbra, 1992, págs. 302-303 e Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 548.

(10) Naturalmente, pensamos aqui na representação voluntária, fundada na vontade do representado, e não na representação legal, a qual promana da lei e visa suprir incapacidades de exercício de certos indivíduos (v.g., menores, interditos), os quais, não podendo agir pessoal e autonomamente, não podem nomear um representante voluntário nem, obviamente, legitimar a posteriori os actos praticados sem poderes pelos seus representantes legais, isto é, em violação de limites imperativos da lei à sua actuação (v.g., art. 1889° e 1893°,1937° a 1940° do CC). Não olvidamos, porém, a possibilidade de confirmação de negócios anuláveis concluídos por incapazes de agir pelos próprios, cessadas as causas das respectivas incapacidades. Para uma distinção entre os regimes da ratificação e da confirmação de negócio anuláveis, vide Rui de Alarcão, A confirmação dos negócios anuláveis, Coimbra, 1971, pág. 118 e seguintes.

11/21/2023

Legitimidade locatário financeiro


Os locatários financeiros não têm legitimidade para intervir e deliberar em assembleia de condóminos. Em seu apoio os acórdãos do TRP de 26.10.2006 e de 6.5.2008 e o acórdão do STJ de 24.6.2008. Em sentido contrário, o acórdão do TRP, de 02/23/2012 e o acórdão do STJ de 6-11-2008.

Os corpos jurídicos a convocar para a resolução da questão são o regime da propriedade horizontal e o regime da locação financeira. As versões vigentes à data dos factos não alteraram as disposições citadas na jurisprudência que antecede.

Da banda do primeiro, sabemos que as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de PH (art. 1414º do CC), que “A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário” (art. 1417º do CC), que o respectivo título constitutivo deve conter (art. 1418º do CC) a especificação das “(…) partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”. Pode ainda conter as menções descritas no nº 2 do mesmo preceito, a saber entre outras, “o fim a que se destina cada fracção ou parte comum e o regulamento do condomínio”. Sabemos também que (art. 1419º) “1 - Sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos”.

Por outro lado, o art. 1420º do CC estipula que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto dos dois direitos incindível, sendo que (art. 1424º do CC) “1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, regra que se aplica também ao custeio das obras inovatórias – art. 1426º nº 1 do CC – e que igualmente vinculam os condóminos que não tenham aprovado as obras salvo recusa fundamentada.

Ora, relativamente às partes comuns, o art. 1430º do CC prevê que “1. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. 2. Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o art. 1418.º se refere”.

Donde, conjugado o art. 1420º com o art. 1430º, ambos do CC, o proprietário de uma fracção é condómino e pode por isso participar na assembleia de condóminos, deliberando segundo os seus votos, o que aí houver a deliberar ou impugnando as deliberações tomadas contra a sua vontade.

Ora, como proprietário, o condómino “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” (art. 1305º do CC).

Destes preceitos decorre que o condómino, como a própria palavra de origem latina o indica, é o dono, proprietário da coisa própria e comproprietário da coisa comum. Como comproprietário pode inclusive, alterar, com o acordo de todos os outros condóminos, o título constitutivo da propriedade horizontal, introduzir alterações, inovações à coisa comum. Como proprietário pode alienar o bem, onerá-lo, introduzir-lhe inovações, enfim praticar todos os actos constitutivos do direito de propriedade.

Podem estes extensos poderes ser assumidos integralmente pela pessoa do locatário financeiro?

Da banda do regime jurídico da locação financeira, aprovado pelo DL 149/95 de 24.6 com as alterações dos DL 265/97 de 2.10, DL 285/2001 de 3.11 e DL 30/2008 de 25.2, sabemos que:
A “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” – art. 1º. A locação financeira tem como objecto quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação, e portanto também imóveis – art. 2º, nº 1.

Nos termos do art. 7º “Findo o contrato por qualquer motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro”.

O art. 9º estabelece que são obrigações do locador, “a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar; b) Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina; c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato” Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial e para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos: a) Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito; (…)”.

Por parte do locatário, a lei estipula as suas obrigações nos termos do art. 10º que aqui apenas referiremos na parte relevante: - “b)- Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum;” c) Facultar ao locador o exame do bem locado; d) Não aplicar o bem a fim diverso daquele a que ele se destina (…) salvo autorização do locador; e) Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente; f) Realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;
(…) i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador; j) Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados; k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição”.

O mesmo preceito estabelece, no seu nº 2 o seguinte: “Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, os seguintes direitos: (…)
b) Defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito; c) Usar das acções possessórias, mesmo contra o locador; d) Onerar, total ou parcialmente, o seu direito, mediante autorização expressa do locador; e) Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos; (…)”.

Resulta ainda do art. 12º que “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no art. 1034.º do CC” e resulta do art. 13º que “13 O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.

Finalmente, o art. 15º estipula que “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário”.

Percorrido este regime, vemos que no contrato de locação financeira coexistem dois tipos contratuais: a compra e venda de um bem e a sua locação, existindo normalmente uma relação triangular, envolvendo o fornecedor, o locador financeiro e o locatário.

A propriedade da coisa locada transfere-se apenas no termo do contrato, optando o locatário pela sua aquisição e pagando o respectivo valor residual. Trata-se no entanto de uma mera opção do locatário, no termo do contrato, que pode não ser exercida (art. 9º do referido DL).

O locatário financeiro não é pois o titular do direito de propriedade, que permanece na esfera do locador. Aliás, se o locador adquiriu para o locatário, se o bem reverte para ele se o locatário não o quiser adquirir no final, se o locatário tem de conservar o bem, se o locador tem o direito de examinar o bem e o direito de defender a sua integridade, tudo indica que juridicamente o locador é o proprietário, nos termos dos art. 1302º e 1305º ambos do CC.

Tem porém sido discutido na nossa jurisprudência e doutrina se efectivamente o locatário financeiro pode ser considerado condómino para efeitos de qualquer tipo de deliberação social ou de impugnação de deliberações sociais.

Tem sido defendido por alguma da nossa jurisprudência que condómino não pode ser o locatário financeiro, mas apenas o locador, proprietário do bem e que se mantém como tal até ao exercício dessa opção. (neste sentido vidé o Ac. do S.T.J. de 24/06/2008 proferido no âmbito do proc. nº 08A1755, disponível para consulta in www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Conselheiro Moreira Camilo, contendo um voto de vencido e Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, igualmente disponível para consulta in www.dgsi.pt). Em sentido contrário temos o Ac. do TRP de 23/02/2012, proferido no Proc. nº 5564/10.8, disponível para consulta in www.dgsi.pt, igualmente com um voto de vencido.

No mesmo sentido deste acórdão, veja-se Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e a Administração na Propriedade Horizontal”, Almedina, a pág. 230, defendendo que “nos termos do artº 10º, nº1, al. e) do DL nº 149/95, de 24 de Junho [..], o locatário exerce, na locação da fracção, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos. No direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia de condóminos” - sublinhado nosso. (Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, disponível para consulta in www.dgsi.pt, embora este acórdão se pronuncie pela negativa, interpretando a afirmação da supra referida autora, como a negação do direito de locatário votar, o que nos parece ser o contrário do por ela defendido).

Nasce esta discordância da aplicação do mencionado regime da PH, que define como condómino o proprietário, confrontado com o disposto no regime especial da locação financeira, mormente no art. 10º do DL 149/95, e sobretudo da al. e) do nº 2, que estipula os direitos do locatário, reservando porém os direitos que só pelo locador pudessem ser exercidos.

Vem este diploma e preceito na sequência do que se dispunha no âmbito do DL 10/91 (artº 9) que possibilitava aos locatários financeiros participar e votar em assembleias gerais, podendo inclusivamente ser eleitos para cargos, referindo-se expressamente este preceito à propriedade horizontal.

Tal disposição não foi vertida nos seus precisos e claros termos para a actual lei, conforme decorre da versão do artº 10 nº2 e) do DL 149/95, referindo-se na actual disposição ao direito do locatário de exercício dos direitos próprios do locador, excepto aqueles que somente possam ser por ele (locador) exercidos.

Entendemos no entanto, que o exercício dos direitos próprios do locador inclui o direito de voto, excepto naqueles casos em que estão em causa direitos que só pelo proprietário do bem possam ser exercidos, como a alteração do título constitutivo, ou a introdução de inovações ou alterações das partes comuns, matéria que entendemos excluída dos direitos do locatário financeiro, por se repercutirem no direito de propriedade do locador.

Entendemos ainda que ao locatário financeiro está-lhe vedado deliberar quanto a obras de inovação no prédio com que o locador pudesse estar em desacordo, bem como dar o seu acordo para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por se tratarem de direitos que só pelo locador podem ser exercidos.

De resto, repare-se que algumas obras de inovação podem mesmo exigir posteriormente a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.

9/05/2023

A Assembleia de Condóminos


1.1 A Assembleia de Condóminos

Como temos vindo a referir, para formar e manifestar a vontade própria do condomínio quanto às partes comuns e aos “serviços de interesse comum” é necessário um órgão deliberativo. Assim, a competência de tal órgão está restrita às “relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino”.(8) 
 
À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarregar o administrador de executar as suas deliberações (art. 1436º, al. l) do CC), bem como controlar a sua actividade, seja através da aprovação das suas contas (art. 1431º do CC), seja revogando os seus actos por via de recurso (art. 1438º do CC).
 
Os DL nº 268/94 e 269/94, ambos de 25 de Outubro, surgiram em complemento do DL nº 267/94, também de 25 de Outubro, e das alterações que este introduziu no regime da PH e vieram estabelecer regras “sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o CC ou com carácter regulamentar”, alargando a competência da assembleia de condóminos.(9)
 
Enquanto principal órgão de administração das partes comuns do edifício, a assembleia de condóminos reúne necessariamente, em sessões ordinárias, a realizar uma vez por ano (art. 1431º, nº 1 do CC),(10) sendo que a assembleia pode reunir, ainda, extraordinariamente, nos termos do art. 1431º, nº 2, quando convocada pelo administrador ou por condóminos que representem, pelo menos, 1/4 do capital investido ([25% ou 250‰), (11) não existindo limitação sobre a matéria da convocatória, “desde que cingida, naturalmente, à competência da assembleia”.(12)
 
Quanto à convocatória para tais reuniões, em termos gerais, deve realizar-se carta registada, enviada com 10 dias de antecedência (13) ou, alternativamente, ser feita por aviso convocatório feito com a mesma antecedência, sendo que neste último caso, a convocatória só se considera regularmente feita se for assinado o respectivo recibo de recepção. Além disso, tem de indicar, necessariamente, o dia, hora, local (14) e ordem de trabalhos da reunião e, ainda, informar sobre os assuntos cujas deliberações careçam de unanimidade de votos para aprovação (art. 1432º, nº 2 do CC).
 
Por fim, é obrigatório que, a cada reunião da assembleia de condóminos, corresponda uma acta, que deverá ser redigida e assinada por quem tenha presidido à reunião e devidamente subscrita pelos condóminos que nela tenham participado. 
 
Da acta deverá constar o relato resumido do modo como a reunião decorreu, especificando o teor das deliberações tomadas. 
 
Após serem regular e validamente aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia vinculam todos os condóminos, porquanto representam a vontade de um órgão colegial. Também aqueles que ingressem no condomínio posteriormente à aprovação da deliberação se vincularão à mesma.(15)
 
A acta é também, no nosso entendimento, condição de eficácia das deliberações, porquanto,na sua falta,a deliberação, apesar de válida, fica suspensa na produção dos seus efeitos. Trata-se, assim, de documento ad probationem, necessário apenas para a prova da deliberação, pelo que esta não poderá ser executada enquanto não for documentada.(16)

Processualmente, a falta de ata traduz-se numa excepção dilatória de direito substantivo.(17) Por fim, as actas deverão ser facultadas, pelo administrador, aos condóminos e a terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas.

Notas

8. Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, reimpressão da 4.ª ed. reformulada, Ediforum, Lisboa, 2017, p. 642

9. Cfr. preâmbulo do DL 268/94 bem como os art. 4º/3 e 5/2 desse diploma e os art. 1º/1 e 2º, nº 1 e 3 do DL 269/94.
 
10. Entendem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, reimpressão da 2.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 444) que o título constitutivo pode estabelecer data distinta da prevista no nº 1 do art. 1431º, porquanto “estão aqui em jogo, exclusivamente, interesses dos contitulares do edifício”. No mesmo sentido, Sandra Passinhas (op. cit., p. 205) defende que a previsão legislativa é uma mera indicação, não sendo imperativa, porquanto “a intenção do legislador terá sido apenas a de estabelecer a obrigatoriedade de uma reunião anual e, ainda, que não existe qualquer interesse ou razão de ordem pública para que o ano de administração do prédio corresponda necessariamente ao ano civil”, pois que aquilo que a lei exige é que a reunião ocorra nos 15 dias seguintes ao termo do ano da administração. Tais entendimentos merecem a nossa concordância. Com efeito, a prática demonstra que poucas assembleias ordinárias se realizam nos primeiros 15 dias do mês de Janeiro. 
 
11. Esta exigência quantitativa não se verifica quando um condómino queira recorrer, para a assembleia, de um acto do administrador, ao abrigo do art. 1438º do CC.
 
12. Abílio Neto, op. cit., p. 15.
 
13. Para Sandra Passinhas, op. cit., p. 207, nota 513, o prazo de convocação é inderrogável, não podendo ser estabelecido prazo mais curto pelo regulamento do condomínio

14. No entender de Sandra Passinhas (ibidem), “o regulamento do condomínio pode prever, de uma vez por todas, a data, a hora, e o local das reuniões ordinárias da assembleia. Nesse caso, dispensa-se o aviso de convocação. Havendo violação do regulamento, se uma assembleia reunir fora dos termos aí estabelecidos, as deliberações tomadas são anuláveis. ”Diversamente, entendemos que nunca uma convocatória deve ser dispensada, independentemente das circunstâncias que estejam pré-fixadas, dada a importância e a segurança que estão associadas à mesma. De resto, a prática demonstra uma falta de interesse na participação em reuniões por parte dos condóminos, que com certeza se agravaria se não houvesse, sequer, um aviso sobre a realização das mesmas.
 
15. “(...) todo aquele que ingresse no condomínio (ou exerça, com base numa relação creditória, os poderes que aos condóminos competem: caso do arrendatário ou do comodatário), fica automaticamente subordinado às regras do respetivo estatuto, seja qual for a sua origem (legal ou negocial)”, Manuel Henrique Mesquita,“A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, n.º 23, 1976, p. 134.
 
16. Neste sentido, Jorge Alberto Aragão Seia, Propriedade Horizontal: Condóminos e Condomínios, Legislação Complementar, 2.ª ed. revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 172 a 175, XAVIER, Vasco da Gama Lobo, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Almedina, Coimbra, 1976 (reimpressão de 1998), p. 219, ac. TRP de 15/11/2007, ac. TRE de 23/02/2017. Contra: ac. TRP de 30/05/2016, defendendo que a acta é um mero documento, um meio normal de documentação das deliberações. Também contra, mas com outro entendimento: Sandra Passinhas (op.cit., p. 266), defendendo que a acta tem valor ad substantiam, formando um corpo único com a deliberação da assembleia, pelo que a sua falta gera a nulidade da deliberação.
 
17. As excepções dilatórias, que se caracterizam por retardarem a acção, podem ter natureza processual ou substantiva, determinando as primeiras a absolvição do réu da instância, e as segundas a sua absolvição do pedido. Porém, “embora o réu seja absolvido do pedido, se a absolvição teve por fundamento uma excepção substancial de natureza dilatória, ele poderá, logo que as circunstâncias se modifiquem por maneira a cessar a eficácia da excepção, propor nova acção para fazer valer o seu direito”. Neste sentido, José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 78