Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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15 junho 2025

Comparticipação nas despesas comun


Os condóminos devem contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respectivas fracções (art. 1424º nº 1 do CC). Por sua vez, caberá ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (al. b) do art. 1436º do CC), o qual deverá ser sujeito a aprovação em assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de Janeiro de cada ano (art. 1431º do CC).

Aprovado o orçamento, caberá ao administrador cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado - art. 1436º al. d) e h) do CC) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 1436.º alínea e) do CC. Para o efeito, poderá agir em juízo contra o condómino relapso (nº 1 do art. 1437º do CC), instaurando desde logo acção executiva, para o que dispõe, como título executivo, da acta da AG em que se tenha deliberado as despesas e a contribuição de cada condómino para as mesmas. A este propósito têm surgido divergências na jurisprudência quanto à expressão utilizada no referido art. 6º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10 “contribuições devidas ao condomínio”. 

Afigura-se-nos que tal expressão tanto abrange as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, como as “contribuições já em dívida ao condomínio”, ou seja, quer as contribuições futuras, quer as contribuições já apuradas, em que se verifique ou venha a verificar falta de pagamento. Não se vislumbra justificação para distinguir. Neste sentido cfr. entre outros, Ac. TRP proc. RP200504210531258, de 21.04.2005 e de 24.2.2011, proc. 3507/06.2TBMAI-A.P1, Ac. TRL de 29.06.2006, proc. 5718/2006-6, e de 18.03.2010, proc. 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, Ac. TRE de 17.02.2011, proc. 4276/07.4TBPTM.E1, acessíveis in www.dgsi.pt .

As contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos naquele normativo têm de ser certas, exigíveis e líquidas (art. 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva. Como é sabido, por regra, existem, em todos os condomínios AG onde se fixam, para cada ano (ou anos), através de deliberação daqueles consignada em acta, as quotas-partes dos valores a pagar por cada condómino, em função da permilagem que a sua fracção ocupa no todo da PH e em que se aprovam as contas do ano anterior e se apresentam as despesas e receitas para o novo ano e em cujo relatório anual habitualmente se fazem também constar todos os montantes em dívida pelos condóminos relapsos.

O legislador ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia de condóminos visou evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.

Assim, parece-nos não fazer sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e sobre a sua cobrança judicial. (cfr. ainda neste sentido, entre outros, Ac. TRE de 26.04.2007, de 16.12.2003 e TRL de 29.06.2006, in www.dgsi.pt).

Se a AG, tendo reunido para além do mais, para discussão e aprovação do fecho de contas referente ao exercício findo e, neste âmbito, aprovou por unanimidade dever ser incluída na acta a lista dos condóminos com maiores montantes em dívida ou aqueles que, apesar de instados a liquidar montantes em atraso, o não têm feito justificadamente e que os valores mencionados na acta serão os montantes a peticionar para efeitos da cobrança coerciva através da via judicial, em caso da não liquidação da dívida imediata e voluntariamente e que se excluem aqueles com processos já entrados em tribunal e ainda não resolvidos.

E, seguindo-se, nos termos referidos, a discriminação dos condóminos, onde se incluem os executados, nos termos indicados, isto é, nome, fracção e respectivos valores em dívida, vindo a dita assembleia a aprovar, por unanimidade, as contas apresentadas.

Resulta assim da acta dada à execução que a assembleia de condóminos aprovou os montantes em dívida por parte de cada um dos executados, (o que pressupõe a existência da prévia fixação dos montantes das contribuições a pagar por cada condómino) com referência à sua fracção e deliberou o recurso à via judicial com vista à cobrança de tais dívidas em atraso ao condomínio, caso não viessem as mesmas a ser pagas de imediato.

Ora, sendo o título executivo condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas não sendo a causa de pedir, o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não, podemos dizer que da dita acta emerge que a presente execução tem como causa de pedir o não pagamento dos montantes das contribuições em dívida ao condomínio pelos ora executados.

E, da mesma acta resultando que a obrigação exequenda é certa, já que do título executivo se ficam a conhecer o objecto e sujeitos; é exigível, na medida em que está vencida; e é líquida, porquanto se acha determinado o seu quantitativo quanto a cada executado (art. 802º do CPC).

Nos termos do art. 1422º nº 1 CC, os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis. Relações essas entre os condóminos ou entre estes e o património comum em que se vem a traduzir o “condomínio”, pois não estamos perante vínculos de natureza contratual, moldados pela vontade das partes, mas antes perante vínculos que possuem a sua fonte na lei ou no TCPH.

Por outro lado, vemos que o princípio da indivisibilidade das coisas comuns, consagrado na 2ª parte do art. 1423º do CC, é uma exigência da específica estrutura da PH e, consequência necessária da incindibilidade dos dois direitos, de propriedade singular e de compropriedade, que a integram, constituindo, assim, uma excepção à regra do nº 1 do art. 1412º do CC para a compropriedade, em geral.

Como resulta do disposto no art. 1424º, nº 1 do CC, a principal obrigação que decorre do próprio estatuto da propriedade horizontal para cada um dos condóminos é a de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

A razão de ser da comparticipação dos condóminos nas despesas comuns reside na afectação ou possibilidade de aproveitamento da serventia de certos bens ou serviços ao uso de determinadas fracções do condomínio. A obrigação de contribuição para as referidas despesas não depende da efectiva utilização, mas, tão só, da possibilidade de utilização dessas coisas comuns ao serviço da utilização da fracção (cfr. Ac. do TRP in CJ, 2001, 4º, pág. 209).

Comentando tal normativo, Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios”. 3ª ed., pág. 126, cita o Professor Henrique Mesquita, in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, 130:”o qual refere que, “A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio.

Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do TCPH (e não directamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles”. E, segundo a definição do Prof. Menezes Cordeiro in “Direitos Reais”, págs. 366-367, são obrigações cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (intuitu personae), mas por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa.

E assim é que em caso de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção, as despesas a que alude o referido art. 1424º, continuam a ser da responsabilidade do transmitente, enquanto titular do direito real sobre a coisa, à data da sua constituição - Neste sentido, se pronunciam Henrique Mesquita in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, Almedina 1990, pág. 321, Aragão Seia in ob. cit. pág. 125 e Sandra Passinhas, in “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, págs. 310 e 311, Ac. TRP de 9.07.2007, e jurisprudência aí citada, in www.dgsi.pt .

Assim, constitui a contribuição dos condóminos nas despesas comuns do condomínio um “débito proporcional”, por parte de todos os interessados, ao qual todos os condóminos são obrigados pelo próprio facto de terem uma quota no condomínio. E, advindo tais obrigações (citado art. 1424º) da natureza real do instituto da PH, conforme exposto, é por isso que é permitido ao credor demandar vários devedores coligados, como ocorre no caso em apreço, desde que obrigados no mesmo título - art. 58º, nº 1, al. b), do CPC. A este propósito, cfr. Ac. TRL de 17.02.2009, proc. 532/05.4TCLRS-7, e sumários, do Ac. do STJ de 17.02.1998, proc. 97A370 e Ac.TRP 09.01.1997, proc. 9631007, acessíveis in www.dgsi.pt .

11 junho 2025

Contratos de manutenção de ascensores


A legislação em vigor exige que todos os elevadores tenham um contrato de manutenção com uma empresa registada na Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), mencionando-se dois tipos de contrato, o simples e o completo, pese embora, actualmente muitas empresas tenham optado por personalizar estas denominações.

Nos termos do art. 5º do DL nº 320/2002, de 28 de Dezembro, que estabelece o regime de manutenção e inspecção de ascensores, monta-cargas, escadas mecânicas e tapetes rolantes, após a sua entrada em serviço, bem como as condições de acesso às actividades de manutenção e de inspecção, o contrato de manutenção, a estabelecer entre o proprietário de uma instalação e uma EMA, pode corresponder a um dos seguintes tipos:

i) Contrato de manutenção simples, destinado a manter a instalação em boas condições de segurança e funcionamento, sem incluir substituição ou reparação de componentes;

ii) Contrato de manutenção completa, destinado a manter a instalação em boas condições de segurança e funcionamento, incluindo a substituição ou reparação de componentes, sempre que se justificar.

Acresce salientar que nos termos do nº 2 do art. 5º do citado diploma legal, nos contratos de manutenção simples ou completos, devem constar os serviços mínimos e os respectivos planos de manutenção, identificados no anexo II do referido diploma e que dele fazem parte integrante.

Ainda de observar que nos termos do nº 3 do mesmo preceito, na instalação, designadamente na cabina do ascensor, devem ser afixados, de forma bem visível e legível, a identificação da EMA, os respectivos contactos e o tipo de contrato de manutenção celebrado.

Atento o anexo II, sob a epígrafe «serviços constantes do contrato de manutenção», nos contratos de manutenção simples, a EMA deve definir o âmbito das intervenções de acordo com as instruções de manutenção, as características técnicas das instalações e as condições de utilização respectivas.

Assim, o contrato de manutenção simples compreende, no mínimo, as seguintes obrigações:
  • Proceder à análise das condições de funcionamento, inspecção, limpeza e lubrificação dos órgãos mecânicos de acordo com o plano de manutenção;
  • Fornecer os produtos de lubrificação e de limpeza, excluindo o óleo do redutor e das centrais hidráulicas;
  • Reparar as avarias a pedido do proprietário ou do seu representante, durante os dias e horas normais de trabalho da empresa, em caso de paragem ou funcionamento anormal das instalações;
  • O tempo de resposta a qualquer pedido de intervenção por avaria do equipamento não pode ser superior a vinte e quatro horas;
  • No caso dos ascensores, o contrato de manutenção simples implica:
    - A limpeza anual do poço, da caixa, da cobertura da cabina, da casa das máquinas e dos locais das rodas do desvio;
    - A inspecção semestral dos cabos e verificação semestral do estado de funcionamento dos pára-quedas;
    - A disponibilização de um serviço permanente de intervenção rápida para desencarceramento de pessoas, no caso dos ascensores colocados em serviço nos termos do DL nº 295/98, de 22 de Setembro.

A periodicidade do plano de manutenção deve ser mensal, salvo em situações devidamente autorizadas pela DGE, cabendo a esta entidade indicar o período respectivo.

Relativamente à necessidade de trabalhos não compreendidos no contrato de manutenção simples a mesma deve ser comunicada ao proprietário das instalações ou seu representante pela EMA, devendo ser executados por uma EMA.

O contrato de manutenção simples não pode ter duração inferior a um ano.

No que concerne ao contrato de manutenção completa, este compreende no mínimo, as seguintes obrigações:
  • A prestação dos serviços previstos no contrato de manutenção simples;
  • A reparação ou substituição de peças ou componentes deteriorados, em resultado do normal funcionamento da instalação, incluindo, nomeadamente, no caso dos ascensores:
    - Órgãos da caixa constituídos por cabos de tracção, do limitador de velocidade, de compensação e do selector de pisos e de fim de curso, cabos eléctricos flexíveis, rodas de desvio e pára-quedas;
    - Órgãos da casa das máquinas constituídos por motor e ou gerador eléctrico, máquina de tracção, freio, maxilas de frenagem e os componentes do quadro de manobra cuja tensão nominal tenha uma tolerância inferior a 5%.
O contrato de manutenção completa pode ainda compreender:
  • A manutenção das instalações do edifício, mesmo que estas hajam sido executadas especialmente para fins específicos, tais como circuitos de força motriz, de iluminação, de terra, de alimentação ao quadro da casa das máquinas e respectiva protecção, dispositivo de antiparasitagem, alvenaria e pinturas, ainda que em consequência de trabalhos de reparação;
  • A manutenção ou substituição dos elementos decorativos;
  • A manutenção ou substituição das peças ou órgãos deteriorados por vandalismo ou uso anormal;
  • Alterações de características iniciais com a substituição de acessórios por outros de melhores características, assim como alterações decorrentes do cumprimento de obrigações legais ou impostas por acto administrativo e eventuais exigências das empresas seguradoras.
Os trabalhos não compreendidos no contrato de manutenção completa são comunicados ao proprietário da instalação ou ao seu representante pela EMA, só podendo ser executados após acordo com o proprietário.

Este tipo de contrato tem a duração de cinco anos, sendo renovável por iguais períodos, salvo se for acordado, por escrito, outro prazo pelas partes.

Para se evitarem despesas inesperadas, é importante prestar atenção a outros serviços que podem ou não estar incluídos no contrato:

Pedido de inspecção periódica: o trâmite do pedido pode ser feito pelo proprietário do edifício, pelo administrador do condomínio ou pela empresa de manutenção. O custo deste acto administrativo quando realizado pela empresa de manutenção pode ser cobrado à parte pela mesma.

Serviço de assistência 24h para desencarceramento de pessoas. É obrigatório por lei em todo e qualquer tipo de contrato. É aconselhável consultar previamente a EMA para se aferir qual o valor das despesas com este serviço, para evitar despesas inesperadas.

Serviço de reparação de avarias fora das horas de serviço. Dependendo do tipo de contrato, as deslocações e intervenções podem ser cobradas à parte quando solicitadas fora das horas de serviço, pelo que, é igualmente aconselhável consultar previamente a EMA para se aferir qual o valor das despesas com este serviço, para evitar despesas inesperadas.

Acompanhamento na inspecção. A presença de um representante da empresa de manutenção no acto da inspeção é obrigatória por lei. É de todo conveniente verificar se este serviço de acompanhamento nas inspeções e eventuais reinspecções tem custos.

Gastos associados com a mudança da empresa de manutenção. Geralmente inclui a troca da fechadura da casa das máquinas para evitar o acesso do pessoal da empresa anterior. Estas mudanças, por vezes, são necessárias para evitar situações desagradáveis, mas em certas ocasiões não estão incluídas no contrato.

17 abril 2025

EMA - cláusulas abusicas


Dispõe o DL nº 446/85, de 25 de Outubro que Institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (contendo as alterações dos seguintes diplomas: DL nº 220/95, de 31/08 e DL nº 108/2021, de 07/12), no seu art. 19º, sob a epígrafe "Cláusulas relativamente proibidas" que:

São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) (...)
b) (...)
c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
(...)

Jurisprudência:

Ac. STJ,
Data: 09-12-2014,
Proc. 1004/12.6TJLSB.L1.S1,
Relator Martins de Sousa:
Acórdãos do STJ:

-De 26-04-2007, Proc. nº 07B1070;
-De 12-02-2009, Proc. nº 08B4052;
-De 21-10-2010, Proc. nº 1285/07.7TJVNF.P1.S1;
-De 31-05-2011, Proc. nº 854/10.2TJPRT.S1;
-De 15-12-2011, Proc. nº 1807/08.6TVLSB.L1.S1;
-De 24-01-2012, Proc. nº 343/04.4TBMTJ.P1.S1;
-De 30-10-2012, Proc. nº 3313/06.4TVLSB.L1.S1;
-De 11-04-2013, Proc. nº 403/09.5TJLSB.L1.S1;
-De 14-11-2013, Proc. nº 122/09.2TJLSB.L1.S1;
-De 29-01-2014, Proc. nº 8339/11.3TBOER.L1.S1.

Sumário:

I - Os contratos de assistência técnica, manutenção e reparação de ascensores, devem obedecer a determinados requisitos legais, consubstanciando contratos-tipo, celebrados entre os proprietários dessas instalações e as empresas de manutenção de ascensores (EMA), por regra, com recurso a cláusulas contratuais gerais.

II - Uma cláusula contratual geral, inserta em contratos daquela espécie, com durações de 2 e 5 anos, respectivamente, que confere à EMA, em caso de rescisão antecipada do contrato pelo cliente, o direito a obter o pagamento imediato dos meses em falta até ao termo do contrato, multiplicado pelo valor mensal do serviço de manutenção em vigor à data da rescisão, reveste, manifestamente, o carácter de cláusula penal indemnizatória e compulsória.

III - Considerando as diversas figuras jurídicas extintivas das relações obrigacionais complexas – denúncia, revogação e resolução –, e ponderando que a rescisão não tem um sentido unívoco, deve considerar-se que aquela cláusula tem em vista as situações de resolução não justificada ou sem justa causa.

IV - Dentro do quadro negocial padronizado, é de considerar desproporcionada aos danos que visa ressarcir, e como tal nula, por violação do art. 19.º, al. c), da LCCG, a cláusula penal convencionada, pois dela resultará o pagamento pelo cliente/aderente da totalidade das prestações correspondentes aos meses do contrato em que este já cessou, sem a contraprestação do serviço da EMA que, para além disso, ficaria beneficiada por receber de uma só vez e em antecipação ao que estava previsto.

V - No que tange à denúncia, a LCCG pretende a proibição de cláusulas de exclusão da possibilidade de extinção, por declaração unilateral do contraente, da obrigação contratual duradoura, devendo aferir-se a excessividade do prazo de denúncia tendo como parâmetro de comparação o prazo de duração do contrato.

VI - O estabelecimento, naqueles contratos, com durações de 2 e 5 anos, de uma cláusula contratual geral que preveja um prazo de denúncia de 90 dias, afigura-se idóneo e adequado, dentro do quadro contratual padronizado, por representar, respectivamente, 12,5% e 5% do período total daqueles contratos, e não viola o art. 22.º, n.º 1, al. a), da LCCG.

VII - Exercendo a EMA, que utiliza aqueles clausulados nos seus contratos-tipo, a sua actividade em municípios situados na área metropolitana de Lisboa, apenas será necessária a publicitação da proibição, nos termos do art. 30.º da LCCG, num jornal diário, de maior tiragem, na respectiva área, pelo período de 3 dias consecutivos, sendo injustificado determinar tal publicitação noutras áreas geográficas do país.

Texto integral, vide aqui

24 janeiro 2025

ACTRP 03-06-2019: Telhado exclusivo


Tribunal: TRP
Processo: 3124/17.1T8MTS.P1
Relatora: Fernanda Almeida
Data: 03/06/2019

Descritores:

Deliberações da assembleia de condóminos
Propriedade horizontal
Parte comum
Obras de conservação

Sumário:

Estando em causa despesas de conservação e fruição relativas a telhado que serve em exclusivo uma fração do prédio constituído em propriedade horizontal, estabelece o art. 1424.º, n.º 3, CC, ser por elas responsável apenas o respetivo titular.

Texto integral: vide aqui

04 novembro 2024

Prazo validade facturas


Facturas a guardar pelo período de 6 meses

As facturas relacionadas com serviços prestados ao condomínio (isto é, as dos consumos de água, da electricidade, das telecomunicações, limpeza, etc.) devem ser guardadas durante 6 meses, tratando-se deste de um prazo disponível para que as respecivas empresas que prestam estes serviços cobrem os consumos efectuados.

Decorrido este prazo, as facturas prescrevem. Nesta factualidade, caso alguma destas empresas pretenda efectuar a cobrança destes serviços, não impende sobre o condomínio a obrigação o pagamento dos mesmos, 

De acordo com a Lei dos Serviços Públicos (artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho), “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

Facturas a guardar pelo período de 1 ano

Se se realizarem algum serviço no condomínio, serviços conservação, manutenção ou reparação nas canalizações, pinturas, ou electricidade, por exemplo, poderá vir a ser necessário reclamar de algum desses serviços, tendo o administrador um ano para realizar esse procedimento.

Destarte, o tempo pelo qual se deve guardar essas facturas é também de um ano, porquanto, após esse tempo perde-se o direito de fazer reclamações sobre esses serviços.

Facturas a guardar pelo período de 2 anos

Nos serviços prestados por profissionais liberais, nomeadamente, pelo administrador do condomínio, deve-se guardar sempre os comprovativos de pagamento de despesas com estes profissionais, pelo menos por 2 anos.

Facturas a guardar pelo período de 3 anos

Devem-se guardar facturas da compra de bens móveis durante três anos. Por isso, sempre que se comprar móveis para a sala de reuniões do condomínio, electrodomésticos para salão convívio comum, ou quaisquer outras coisas para uso dos condóminos, deve guardar-se as facturas por este período.

Regra geral estes produtos apresentam como garantia mínima o período de 3 anos. Logo, deve-se guardar os documentos durante esse tempo. Importa desde logo  ressalvar que se se possuir uma extensão da garantia, deve-se guardar também este comprovativo da mesma.

Facturas a guardar pelo período de 4 anos

O condomínio ou os proprietários que obtenham rendimentos, com o arrendamento, respectivamente, de uma parte comum do prédio, ou da fracção autónoma tem de declarar os rendimentos obtidos como rendimentos prediais. Como o Fisco pode pedir a confirmação dos dados inseridos no IRS, se se for alvo de uma inspecção fiscal, deve-se guardar os comprovativos pelo prazo indicado..

Facturas a guardar pelo período de 5 ou 10 anos

Se se contratar um serviço de empreitada, deve-se guardar as facturas por um período de 10 anos. Este prazo aplica-se quando esteja em causa defeitos que afectem elementos construtivos estruturais. Já no que se refere às restantes faltas de conformidade, o prazo para guardar as facturas é de cinco anos.

Facturas a guardar pelo período de 5 ou 20 anos

Os comprovativos de pagamento da renda ou do condomínio devem ser guardados pelo prazo mínimo de 5 anos. Este prazo aplica-se somente às comparticipações renováveis periodicamente. As facturas não balizadas neste quesito, atento o prazo ordinário de prescrição, devem-se guardar pelo prazo de 20 anos.

11 junho 2024

Prazo para emissão de facturas


Face a importância da temática de que cuida esta ficha doutrinária da AT, com informação vinculativa, e atento o facto da sua aplicabilidade, com as devidas adaptações a quem venda ou preste serviços ao condomínio, no que concerne ao prazo a observar para a obrigatória emissão de facturas e respectivas formalidades, replica-se infra, na integra, a mesma.


FICHA DOUTRINÁRIA 

Diploma: CIVA
Artigo: Artigo 36.º
Assunto: Prazo de emissão e formalidades das faturas - Prazo para emissão de fatura
Processo: nº 24460, por despacho de 2023-07-10, da Diretora de Serviços do IVA (por subdelegação) 

Conteúdo: 

1. A Requerente está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, desde 2021.01.01, tendo iniciado a atividade em 2010.03.22. Está, ainda, registada como prosseguindo, a título principal, "Organização de Feiras, Congressos e Outros Eventos Similares" - CAE 82300, tendo declarado praticar, exclusivamente, operações que conferem direito à dedução. 

2. A Requerente dedica-se à atividade de organização de espetáculos. A bilheteira destes eventos é comercializada online por parceiro que se dedica à atividade em causa e é emitida mensalmente, relativa à venda dos bilhetes, listagem de faturação e emissão de ficheiro SAF-T de faturação relativo aos bilhetes vendidos. No entanto o valor realizado de vendas só é entregue pela entidade gestora do espetáculo à data da sua realização. 

3. Refere, ainda, que o IVA da venda dos bilhetes só será transferido para a conta da Requerente na data do espetáculo. 

4. Nestes termos, a Requerente coloca a questão de saber se, para efeitos de IVA, entrega o IVA à taxa reduzida no mês em que é enviado o SAF-T ou à data da venda dos bilhetes. Enquadramento em sede de IVA: 

5. Para responder à questão colocada pela Requerente, é necessário abordar o regime do facto gerador e da exigibilidade do imposto. 

6. Deste modo, dispõe a al. b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IVA (CIVA): "1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível: (…) b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização". 

7. Não obstante, preveem as als. a) e b) do n.º 1 do artigo 8.º do referido diploma que, não obstante o disposto no artigo 7.º e sem prejuízo do previsto no artigo 2.º do regime do IVA de caixa, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: "a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão; b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina". 

8. Ou seja, tratando-se de operações sujeitas a emissão de fatura (cf. artigos 29.º e 36.º do CIVA), a exigibilidade ocorre com a emissão da(s) mesma(s), se emitida(s) no prazo legal (até ao 5.º dia útil seguinte à prestação de serviços ou na data de recebimento quando este ocorre em data anterior ao términus daquele prazo), ou no limite do mesmo prazo, se não cumprido. 

9. Concretizando, os sujeitos passivos de IVA devem emitir uma fatura por cada prestação de serviços que efetuem, devendo ser emitidas no prazo de 5 dias úteis contados da prestação de serviços ou da data de recebimento de qualquer valor que aconteça antes da prestação de serviços. Ou seja, as faturas devem ser emitidas no prazo de 5 dias uteis seguintes ao momento em que se considere realizada a respetiva prestação, apenas coincidindo com o momento do pagamento quando este ocorre durante o referido prazo ou antecipadamente à realização da operação. 

10. Nestes termos, atendendo ao caso concreto e às normas supracitadas, i.e., que o imposto torna-se devido e exigível quando a prestação de serviços é realizada, temos que a mesma ocorre aquando da venda dos bilhetes, devendo a correspondente fatura ser emitida no prazo de 5 dia úteis após aquela data. 

11. Finalmente, é de referir que as questões relacionadas com o SAF-T não são da competência da Área de Gestão Tributária do IVA, devendo ser submetidas no e-balcão na área respetiva.

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Atenta a informação facultada, sempre se pode afirmar que as facturas ou documentos equivalentes devem ser emitidas, o mais tardar, no 5º dia útil seguinte ao momento em que o imposto é devido nos termos do art. 7º do CIVA, sendo pois, de ressalvar que, neste computo, não se consideram como dias úteis os sábados, domingos e feriados.

Acresce salientar que nos termos do art. 40º/1 do CIVA, a obrigatoriedade de emissão de fatura prevista na al. b) do nº 1 do art. 29º pode ser cumprida através da emissão de uma fatura simplificada em transmissões de bens e prestações de serviços cujo imposto seja devido em território nacional, nas seguintes situações: a) Transmissões de bens efetuadas por retalhistas ou vendedores ambulantes a não sujeitos passivos, quando o valor da fatura não for superior a (euro) 1000; b) Outras transmissões de bens e prestações de serviços em que o montante da fatura não seja superior a (euro) 100. 

Nesta seara, dimana ainda o nº 2 que as faturas referidas no número anterior devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social e número de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços; b) Quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados; c) O preço líquido de imposto, as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, ou o preço com a inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis; d) Número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário, quando for sujeito passivo. e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso. 

Finalmente, do nº 3 resulta que as faturas referidas nos números anteriores devem ainda conter o número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário que não seja sujeito passivo quando este o solicite.

É ainda permitida a emissão de facturas globais, respeitantes a cada mês ou períodos inferiores, desde que haja comunicação prévia à DGCI e por cada transmissão seja emitida guia ou nota de remessa e do conjunto dos dois documentos resultem os elementos referidos no nº 5 do art. 36º (cfr. art. 29º/6 do CIVA), contudo, neste caso, o seu processamento não pode ir para além dos 5 dias úteis a contar do termo do período a que respeitam.

16 maio 2024

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 4ª parte


Do regime da invalidade

Com alguma frequência encontramos informação no sentido de a violação de uma norma imperativa gerar necessariamente nulidade do negócio. É o que parece ser sugerido, por exemplo, pelo trecho de Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 447, quando, em anotação ao art. 1433º do CC (que determina que as deliberações da assembleia contrárias à lei são anuláveis), escrevem: «no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violam preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos». 

Se assim fosse, as deliberações contrárias à lei a que o art. 143º se reporta e que comina com a anulabilidade não seriam imperativas, seriam dispositivas e, nomeadamente, supletivas. Mas não pode ser assim (também reparando na incongruência, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., p. 151, nota 442). Normas supletivas são aquelas cujo conteúdo pode ser validamente afastado pelas partes, pelo que o negócio que as afasta é válido, logo, não anulável.

As normas imperativas não geram necessariamente nulidade do acto praticado em violação delas. A prática negocial em desrespeito de uma norma imperativa pode ter diversos tipos de consequências, parte das quais não passam sequer pela invalidade do negócio (sanções penais ou contraordenacionais, resolução do contrato, inexistência, mera ineficácia) – a propósito, Jorge Morais Carvalho, Os limites…, cit., pp. 167-216. 

A sanção da nulidade está definitivamente excluída nos casos em que está prevista outra sanção do campo da eficácia do negócio (anulabilidade, mera ineficácia, invalidade atípica); havendo estatuição de uma sanção estranha ao domínio da eficácia do negócio – como, por ex., quando a infração da norma imperativa constitui contraordenação –, teremos de ponderar a adequação da nulidade ao negócio (já assim o defendemos em Regime jurídico da actividade de mediação imobiliária anotado, Almedina, 2015, pp. 70-3 e em Contrato de mediação, Almedina, 2014, pp. 389-93).

Por facilidade de exposição, passamos a reproduzir o artigo 1433º do Código Civil, justamente epigrafado «impugnação das deliberações»:

«1.- As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2.- No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3.- No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4.- O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5.- Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6.- A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Neste sentido, decidiu o TRG, em Ac. datado de 31/10/2019, relator José Cravo (proc. nº 393/14.2T8VNF-A.G1):

"As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência."

Por via do transcrito artigo, a lei afasta a consequência da nulidade para deliberações da assembleia de condóminos que lhe sejam contrárias, consagrando a da anulabilidade. Mas será assim para todos os casos de deliberações contrárias à lei?

Usando palavras alheias que a propósito vêm, «antes de mais, há a notar que é opinião comum que, pese a letra da lei, certos tipos de ilegalidade geram a nulidade das deliberações – e não mera a anulabilidade. (…) O CC seguiu, em matéria de deliberações da assembleia de condóminos, como no tocante às deliberações das assembleias gerais das associações (art. 177º), a orientação de diplomas anteriores (designadamente do Código Comercial, no seu art. 146º) de só prever a anulação de deliberações, mas ao longo do tempo gerou-se consenso sobre que certas violações de normas imperativas (mormente a desconformidade do conteúdo das deliberações com tais normas) acarretam a nulidade das deliberações em causa» – Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1433º, in Código Civil Anotado, cit., p. 285. 

O Autor exemplifica com M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra (policopiado), 1967, pp. 292 e ss., e «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, janeiro/dezembro 1976, pp. 140 a 142; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 447 e 448, e, ainda, com o Ac. do STJ de 8.2.2001 (CJ-STJ ano IX, tomo I, 2001, pp. 105 e ss., em especial p. 107). Podemos acrescentar ainda, também exemplificativamente, Sandra Passinhas, cit., pp. 251-3.

Concordamos: há deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei que são anuláveis, às quais se aplica o regime do art. 1433º, e há deliberações contrárias à lei que são nulas, às quais se aplica o regime geral da nulidade.

Como aferir, então, se estamos perante norma cuja infração gera nulidade, se perante norma cuja infração gera mera anulabilidade nos termos do art. 1433º?

Na resposta seguiremos de perto o raciocínio já expendido nas citadas páginas dos nossos "O contrato de mediação e Regime jurídico"… A apreciação da questão envolve a interpretação dos artigos 280º e 294º do CC. Nos termos do primeiro, o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável (n.º 1), bem como o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes (n.º 2) são nulos. Nos termos do segundo, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. Como harmonizar os dois preceitos?

Segundo a doutrina comum, o art. 280º contempla o objecto negocial com os seus dois significados: objeto imediato – conteúdo, efeitos jurídicos do negócio, considerando as declarações das partes e o direito aplicável –, e objeto mediato – objecto stricto sensu, quid sobre que incidem os efeitos do negócio (assim Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, II, Conteúdo, contratos de troca, Almedina, 2007, p. 14, Jorge Morais Carvalho, Os contratos de consumo: reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, 2012, pp. 44 e 60, Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, Parte geral, t. I, Introdução, doutrina geral, negócio jurídico, 3.ª ed., Almedina, 2005, p. 674, Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, II, Fontes, conteúdo e garantia da relação jurídica, 5.ª ed. ..., Universidade Católica Editora, 2010, p. 159, Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2005, pp. 553-9, Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 6.ª ed. Almedina, 2010, pp. 581-2, Heinrich Hörster, A parte geral do Código Civil português, Coimbra, Almedina, 1992, pp. 522-3.).

Embora a propósito da possibilidade física e da determinabilidade do objecto normalmente se expresse que é o objecto mediato que está em causa, no que respeita à possibilidade legal e à não contrariedade à lei já não é feita essa restrição (Mota Pinto, Teoria geral…, cit., pp. 554-7; Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., pp. 522-3) – repare-se que estamos ainda no âmbito do n.º 1, que alude expressamente ao objeto, alusão que não é feita no n.º 2. No art. 280º estão, pois, previstas causas de invalidade do objecto do negócio, em qualquer dos seus sentidos.

O art. 294º tem um âmbito mais abrangente, cominando com a nulidade a violação de normas imperativas, mesmo quando estas normas não contêm essa directa cominação, desde que, nestes casos, não resulte da lei outra solução.

A norma do art. 280º é (a par das normas dos artigos 281º, 220º, e de outras espalhadas pela legislação do país) uma concretização da norma do art. 294º (neste sentido também Heinrich Hörster, A parte geral…, cit., p. 522). Jorge Morais Carvalho reserva o art. 280º para o objecto ou elementos internos do negócio e o 294º para os elementos exteriores (Os contratos de consumo, cit., pp. 50-6, 60-1, e Os limites…, cit., pp. 141-67). 

Na prática, assim sucede, porque o art. 280º rege especialmente sobre os negócios celebrados contra disposição imperativa respeitante a elementos internos do negócio. Em consequência, o art. 294º – apesar de não distinguir, nem pelo elemento literal nem pela sua inserção sistemática, o objecto das disposições legais a que se reporta –, fica com o seu âmbito comprimido pela norma do art. 280º, e outras (220º, 281º), que regem sobre situações particulares que, de outro modo, estariam nele previstas.

Assim, a resposta à nossa última questão é: se a norma violada pela deliberação da assembleia for uma daquelas cuja infração a lei comina com a nulidade, como sucede se a infração se reconduzir ao disposto no art. 280º, a consequência é a nulidade; se, pelo contrário, se trata de uma norma para a qual a lei não prevê expressamente a nulidade, caímos no âmbito do art. 294º, havendo então que atender a outras consequências que a lei preveja. Se a violação cair no âmbito residual do art. 294º, só gerará nulidade na falta de diferente solução da lei.

As normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424º do CC respeitam ao conteúdo negocial, ao seu objeto imediato, aos direitos e deveres dos condóminos no que respeita à sua participação nas despesas relativas a partes comuns.

Cremos, ainda assim, que nada impedia que a norma do art. 1433º, ou outra, cominasse com a anulabilidade deliberação da assembleia de condóminos que violasse, pelo seu conteúdo, disposição legal; mas teria de o dizer expressamente. Não o dizendo de forma expressa, cremos que uma deliberação que pelo seu objecto imediato ou conteúdo viola norma expressa é nula por via do disposto no art. 280º do CC.

A sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se a deliberações contrárias a normas legais que não respeitem ao conteúdo negocial, nomeadamente normas relativas a elementos externos, ou a deliberações contrárias a normas do regulamento de condomínio.

Não se desconhecem decisões no sentido de as normas do art. 1424º serem supletivas, pretendendo-se retirar essa supletividade da locução «salvo disposição em contrário» e/ou de trechos doutrinários anteriores à versão de 1994 (que introduziu a norma do atual n.º 2 que veio dar alguma abertura à intervenção dos condóminos na repartição de certas despesas, mas apenas quando resultante de regulamento deliberado em condições muito especiais e com específicos conteúdos que o mesmo n.º 2 prevê). 

Também não se desconhecem decisões que aplicam às deliberações que impõem repartição de despesas contrária às normas do art. 1424º o regime de anulabilidade previsto no art. 1433º. Porquanto expusemos em III.C., entendemos que tal contrariedade gera nulidade. Diga-se a latere que, se as normas do art. 1424º fossem supletivas, as deliberações da assembleia de conteúdo diverso dos nelas previstos, seriam válidas e não anuláveis; se as deliberações que contrariam a repartição de despesas estabelecida nessas normas fossem anuláveis nos termos do art. 1433º, então as normas seriam imperativas (como são, ainda que por outra via) e não supletivas.

Em suma e por tudo o exposto, concluímos serem nulas (não meramente anuláveis) as deliberações em causa nos autos, tomadas em assembleias gerais que decorreram com a presença de condóminos representativos de 23% a 51% do valor total do prédio, pelas quais foi deliberado que a recorrente, locatária financeira de fracção autónoma com entrada independente e que não tem ao seu serviço as áreas (nomeadamente escadas e ascensores) da parte habitacional do prédio participaria em todas as despesas (incluindo as da área habitacional) de acordo com a sua permilagem, por tais deliberações violarem as normas dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

Com efeito, não só não era exigível que a aprovação da deliberação tivesse que ocorrer por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição – “a deliberação de aprovação de comparticipações condominiais em função da permilagem ou até a alteração do regulamento do condomínio que, nessa medida, se justifique, está apenas dependente do voto da maioria do capital, no caso de reunião em primeira convocatória, ou do voto da maioria dos condóminos presentes, no caso de reunião em segunda convocatória, desde que, neste caso, representem um quarto do valor total do prédio (art. 1432.º, n.ºs 3 e 4, do CC), tanto mais que tal imputação/proporção da responsabilidade dos condóminos corresponde ao regime legal regra, nos termos do art. 1424.º, n.º 1, do CC. 

Assim é, mesmo que a assembleia pretenda, neste âmbito, alterar anterior deliberação aprovada por maioria qualificada, pois as deliberações da assembleia de condóminos não “determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre suscetíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória, e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio” (cfr. Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., p. 246 a 247)”, isto é, não era aqui exigida a maioria qualificada, sendo incomparável a situação de a lei exigir uma maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra –, como, as deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos como pretende a recorrente, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência – como vem sendo maioritariamente sustentado na doutrina e jurisprudência e foi assertivamente demonstrado  –.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
3ª parte - vide aqui

Violação art. 1424º, nº 3 e 4 - 3ª parte


No seguimento da análise efectuada nos dois artigos anteriores, relativamente ao facto de as deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos nº 3 e 4 do art. 1424 º do CC para as despesas neles previstas, por se terem deliberações com conteúdo negocial contrário à lei são, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280º do CC, porquanto, a sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se apenas às deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio, importa agora atentar numa excepção a esta regra.

O STJ, em Ac. datado de 09/06/2016 (proc. nº 211/12.6TVLSB.L2.S1), decidiu que:
"I - O art. 1424.º, n.º 1, do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.
II - O n.º 3 do art. 1424.º do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio).
III - Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles."

O art.1424º nº1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

O disposto neste nº 1 – relativo às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum – apenas pode ser afastado por disposição em contrário. Tratando-se, porém, de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o nº 2 do art. 1424 permite o afastamento da regra da proporcionalidade por disposição do regulamento de condomínio aprovada pela maioria explicitada na norma e com um dos dois conteúdos nela estabelecidos

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

As normas dos nºs 3 e 4 do art. 1424 do Código Civil – que dispõem sobre a repartição das despesas relativas a partes comuns que servem exclusivamente alguns condóminos ou a ascensores que apenas servem determinadas frações – constituem disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade estabelecida pelo nº 1 e não podem ser afastadas por deliberação da assembleia de condóminos.

Ora o nº3 do art.1424º estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”. Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O art. 1424 do CC tem, presentemente e desde a Lei 32/2012, de 14 de agosto, o seguinte teor: «Encargos de conservação e fruição:
1- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.
5- Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.»

A primitiva redação apresentava-se como segue: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

Em 1994, o artigo foi alterado pelo DL 267/94, de 25 de outubro, passando a ter o seguinte conteúdo: «Encargos de conservação e fruição:
1.- Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
2.- Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3.- As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.
4.- Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas.»

A grande alteração de 1994 foi o acrescento da norma que recebeu o nº 2, passando os anteriores nº 2 e 3 a nº 3 e 4. As regras dos actuais nº 3 e 4 vêm, portanto, da redacção primitiva, correspondendo aos nº 2 e 3 dela, tendo-se apenas, na regra relativa aos lanços de escadas, suprimido a conjunção «porém». A alteração de 2012 limitou-se a acrescentar o nº 5, relativo a despesas com rampas de acesso e plataformas elevatórias, colocadas por condómino que tenha no seu agregado familiar pessoa com mobilidade condicionada.

O art. 1424º/1 confere-nos a regra geral em matéria de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns: proporcionalidade, com referência ao valor das frações. As escadas são, entre outras, partes comuns, e os ascensores também assim se presumem (art. 1421º/1, al. c), e nº 2, al. b), do CC). No entanto, no que respeita ao pagamento das despesas inerentes, os nº 3 e 4 do art. 1424º excecionam a regra do nº 1. Se as escadas servirem apenas um grupo de condóminos, continuam a ser partes comuns a todos os condóminos, mas as despesas relativas a lanços que sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo dos que deles se servem (1424º/3) - «não se trata de um serviço efetivo, de um gozo subjectivo da parte dos condóminos, mas sim de uma possibilidade objectiva de utilização» (Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 38 e nota 59, no mesmo sentido M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, p. 130, nota 117). Os ascensores presumem-se comuns, embora nas despesas só participem os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas (1424º/4) – Sandra Passinhas, cit., p. 40.

Na vigência da primitiva versão do art. 1424º (anterior ao DL 267/94), houve quem se pronunciasse no sentido de as normas do art. 1424º do CC terem natureza supletiva, devendo permitir-se que o TCPH ou deliberação de todos os interessados mediante escritura pública afastassem as regras ditadas pelo artigo. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., de 1987, em anotação ao artigo em causa, p. 431, escreveram: «O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é o do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados, no título constitutivo ou em estipulação adequada. Na falta de disposição negocial, vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…).

A segunda regra supletiva, aplicável às partes comuns do prédio que apenas sirvam um ou alguns dos condóminos, é a que restringe a repartição dos respetivos encargos aos utentes dessas partes. Este segundo critério (da redução dos condóminos obrigados) é completado pelo primeiro, quanto à forma como se dividem os encargos entre condóminos onerados» - as ênfases em título constitutivo e estipulação adequada são nossas.

Henrique Mesquita previa a possibilidade de uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º resultar do título constitutivo (não de uma qualquer deliberação em assembleia): «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações. A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. (…) «Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do TCPH (e não diretamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles» (M. Henrique Mesquita, «A propriedade horizontal no Código Civil português», Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIII, 1976, pp. 129-130 e nota 119).

Na jurisprudência encontrava-se idêntico sentido, como se alcança, exemplificativamente, do sumário do Ac. do STJ de 02/04/1975, BMJ 246, p. 157: «I – No silêncio do título, é nula a deliberação dos condóminos que estabeleça a possibilidade de alteração da comparticipação das despesas por decisão da assembleia geral; a modificação do regime fixado no art. 1424.º do Cód. Civil só é possível por acordo de todos os interessados e mediante escritura pública».

Ao encontro do entendimento espelhado na doutrina e na decisão acabadas de referir, o DL 267/94 introduziu no art. 1424º norma permitindo que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum possam, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificada se justificados os critérios que determinam a sua imputação. Esta norma do nº 2 introduzida em 1994 veio permitir de forma expressa que os condóminos conformem de modo diferente do estabelecido no nº 1 a sua participação no pagamento de despesas relativas a serviços de interesse comum. Este nº 2 passou a possibilitar o afastamento da regra do nº 1 no que respeita ao pagamento daquelas despesas, desde que tal afastamento seja feito por disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Ainda assim, a disciplina do regulamento apenas poderá ter uma de duas soluções: ou as despesas ficam a cargo dos condóminos em partes iguais ou ficam a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição. Acresce ainda um requisito: que as despesas fiquem devidamente especificadas e que sejam justificados os critérios que determinam a sua imputação.

Com a alteração de 1994, a lei passou a admitir que a regra da proporcionalidade fosse afastada – ainda que apenas em relação ao pagamento de serviços de interesse comum (não quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns que o nº 1 também prevê) –, não apenas por disposição (legal) em contrário, mas também mediante disposição do regulamento nos termos apertados previstos no novo nº 2 do mesmo art. 1424.

«Disposição», como tantos outros termos, é uma palavra polissémica, mesmo considerando o estrito léxico jurídico. No CC, encontramo-la essencialmente com dois significados que simplisticamente se podem reconduzir a «alienação» e «preceito», como passamos a justificar. Por um lado, encontramos a palavra associada aos poderes de usar e de prescindir da coisa por parte de quem tem o domínio sobre ela, nomeadamente com o significado de alienação ou oneração de bens ou direitos, como no âmbito dos art. 28º/2, 39º/4, 109º, 127º, 153º/1, 197º/1, 226º/2, 274º/1, 622º/1, 764º/1, 819º. Trata-se nestes casos de exercer sobre bens e direitos atos que vão além da mera administração, designadamente dando-lhes destino que implica a mudança de titularidade. Não é este o significado que procuramos.

Por outro lado, encontramos «disposição» como preceito e, neste sentido, quase sempre como preceito ou norma legal. É de disposição legal que se trata, e de forma expressa – com a menção «legal» imediatamente a seguir a «disposição» – nos art.4º, al. a), 14º/1, 67º, 171º/2, 262º/2, 294º, 331º/2, 375º/3, 393º/1, 483º/1, 606º, etc. É também de disposição legal que se trata em casos como os dos art. 285º («as disposições dos artigos subsequentes»), 509º/3 («nos termos desta disposição»), 773º/2 («disposição do número anterior»). Por vezes refere-se «disposição especial», claramente com o sentido de norma especial, por confronto com a regra geral (art. 239º, 296º, 433º).

Ainda com o sentido de preceito, regra, por definição, disciplina abstratamente estatuída para situações futuras que se preveem de forma genérica, encontramos a palavra disposição por referência à estatutária ou regulamentar de pessoas coletivas (em geral, associações, fundações – nos art. 163º/1, 171º/2, 180º, 188º/5), e afins (no caso do regulamento do condomínio – nos art. 1424º/2, 1432º/3, e 1435º/4). O condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas colectivas, que a doutrina trata com designações várias – «pessoas rudimentares» (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), «figura afim da pessoa coletiva» (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., Universidade Católica Editora, 2001, p. 536), «ente não personalizado» (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ..., ULFD, 1984/85, p. 274).

A expressão «salvo disposição em contrário» surge, claramente com o significado de «salvo norma legal em contrário», nos seguintes artigos do CC: no art. 123º, «salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos»; no art. 298º/3, «os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos caos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade»; no art. 570º/2, «se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar»; no art. 750º, «salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido»; no art. 1287º, «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação»; no art. 1588º, «o casamento católico rege‐se, quando aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário».

Os significados de «disposição» que encontramos no CC são alguns daqueles que encontramos nos dicionários gerais. Não encontramos nestes nem no Código «disposição» como parte do conteúdo de um acordo contratual. Quando o CC se refere a tal, fala em «cláusula» ou em «estipulação». Em abono da nossa conclusão, repare-se: i) quando o CC ressalva acordo das partes, a expressão utilizada é «salvo estipulação em contrário», como, entre outros, sucede nos art. 274º/1, 420º, 448º/1, 550º, 852º/1, 862º, 882º/2, 921º/3, 1046º, 1073º/2, 1074º/1 e 5, 1096,º 1138º/2, 1183º; ii) o CC distingue claramente «disposição» e «estipulação» no sentido que expusemos, como sucede nos artigos 393º/1 («por disposição da lei ou estipulação das partes»), 772º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei») ou 777º/1 («Na falta de estipulação ou disposição especial da lei»). Exercício análogo ao que acabámos de fazer nas últimas páginas encontra-se em Rui Pinto Duarte, anotação ao art. 1424º, in Código Civil Anotado, II, Art. 1251º a 2334º, Ana Prata (coord.), Almedina, 2017, pp. 258-9, com conclusão no sentido de a «disposição» referida no art. 1424º/1 ser disposição legal ou disposição do TCPH, incluindo do regulamento constante do título constitutivo: «A conjugação do nº 1 do art. 1424 com o nº 2 do mesmo artigo e com o art. 1418º/1 e 2, leva-nos a pensar que, no caso em apreço, a expressão “salvo disposição em contrário” abrange tanto disposições legais como disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha. Não julgamos que se deva entender que a expressão abrange também disposições de regulamentos de condomínio não constantes do TCPH (resultantes de deliberação dos condóminos ou de ato do administrador) ou de (outras) deliberações dos condóminos».

As normas dos nº 1, 3, 4 e 5 do art. 1424º do CC são normas jurídicas precetivas, que contêm preceitos, regras de proceder, formas de agir nas circunstâncias que elas próprias preveem (sobre as classificações das regras, v. sobretudo José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e teoria geral, 3.ª ed., ..., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 433-55). As normas precetivas têm, por defeito, caráter imperativo. E assim sucede com estas, pois o nº 1 apenas permite o seu afastamento por disposição em contrário, sendo os nº 3, 4 e 5 as tais disposições que excecionam a regra do nº 1. O nº 2, que se inicia com a adversativa «porém», dando assim indicação de que também vai excecionar a regra do nº 1, autoriza que, dentro de certos limites de quórum e requisitos de conteúdo, parte das despesas a que o nº 1 se reporta, tenham diferente disciplina.

O elemento literal das normas do art. 1424º dá-nos a indicação clara, por tudo quanto fomos dizendo, que as regras dos nº 3 e 4 (que são as relevantes no nosso caso) não podem ser afastadas por decisão de condóminos. Também avançámos com razões históricas que nos permitem perceber o nº 2; a simples existência deste enfatiza que qualquer afastamento das demais regras do art. 1424º, que não por via de disposição legal, apenas pode acontecer nos estritos parâmetros definidos pelo nº 2.

Há razões fortes para que assim seja, entrando agora noutros elementos da interpretação das normas, nomeadamente no lógico e no teleológico. Na PH estão em permanente tensão interesses individuais de cada condómino e interesses comuns a todos ou a grupos de condóminos. Idealmente, cada condómino está interessado na melhor (já de si discutível) preservação das partes comuns, mas tanto não significa que todos partilhem a mesma ideia sobre a melhor forma se atingir essa preservação e, nomeadamente, que todos concordem com a medida em que cada um deve contribuir para as despesas referentes a partes comuns. É sobretudo a respeito destas que se defrontam interesses financeiros individuais e interesses coletivos de pagamento das despesas necessárias ao bom estado das partes comuns. Não podia o legislador deixar (como não deixou) nas mãos da maioria dos condóminos a atribuição das despesas a cada um, sob pena de os condóminos minoritários serem esmagados por interesses estritamente económicos da maioria. O que teria nefastas consequências sociais, quer ao nível de cada núcleo habitacional (conflitos entre condóminos, com inerentes perdas na qualidade de vida dos mesmos), quer ao nível social mais alargado, com necessários reflexos na litigiosidade, na conservação do património construído, e na atração e valorização dos imóveis em PH.

No campo estritamente contratual, graças ao princípio de ampla liberdade, positivado no art. 405º do CC, as regras que disciplinam os tipos são, em geral, supletivas, ou seja, aplicam-se quando as partes nada estipulem em contrário e haja necessidade de regular aspectos que não previram (para a distinção entre normas imperativas e supletivas, v., além de Oliveira Ascensão, cit., pp. 441-6, Jorge Morais Carvalho, Os limites à liberdade contratual, Almedina, 2016, pp. 174-9). As deliberações das assembleias de condóminos estão num nível regulatório diferente dos contratos na medida em que podem ser tomadas sem intervenção de todos os interessados e, especialmente quando digam respeito ao regulamento do condomínio, mesmo que tomadas por todos os condóminos, podem afectar terceiros, futuros condóminos, que sobre elas não puderam pronunciar-se. Como tal, a lei não pode deixar ao acaso, nas mãos de parte dos condóminos existentes em dado momento, uma regulação que afectará outros, inclusivamente pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio.

Aqui chegados, concluímos que a norma do nº 1 do art. 1424 (proporcionalidade do valor das fracções no pagamento das despesas) apenas pode ser afastada nos termos do nº 2 é excepcionada pelas regras dos nº 3 e 4. Uma repartição de despesas diferente da prevista no art. 1424º/1, só é possível mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Não basta uma mera deliberação da assembleia (assim também, Sandra Passinhas, cit., p. 284).

As regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º excepcionam a regra da proporcionalidade para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito. São, pois, normas imperativas cujo afastamento não é possível, nem sequer dentro apertados requisitos estabelecidos pelo nº 2.

A norma do nº 2 do art. 1424º possibilita o afastamento da regra da proporcionalidade, por disposição do regulamento do condomínio aprovada nos moldes já referidos, no que respeita a algumas despesas englobadas no nº 1, mais concretamente às «despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum». Pela sua inserção sistemática e pelo seu conteúdo, a norma do nº 2 não possibilita o afastamento da disciplina dos nº 3 e 4, que não respeitam ao pagamento de serviços de interesse comum, mas de serviços de interesse exclusivo de parte dos condóminos.

Ainda que tivéssemos outro entendimento – ou seja, ainda que entendêssemos que as regras dos nº 3 e 4 podiam ser afastadas nos termos do nº 2. Nem se compreenderia, repetimos, que as normas sobre repartição de despesas relativas a partes comuns dos prédios em PH pudessem estar na disponibilidade dos condóminos (além do estritamente regulado no art. 1424º/2), pois o condomínio corresponde a um conjunto de interesses individuais potencialmente conflituantes, alguns minoritários, que ficariam constantemente prejudicados pela imposição de repartições de despesas favoráveis às maiorias, conduzindo a situações de necessário conflito, com repercussões importantes no bem-estar social, além de prováveis consequências ao nível da própria conservação do património construído que a todos interessa.

Aqui chegados importa averiguar qual é a sanção prevista para a violação das regras dos nº 3 e 4 do art. 1424º do CC.

1ª parte - vide aqui
2ª parte - vide aqui
4ª parte - vide aqui

05 maio 2024

Auditoria às contas do condomínio


Quem reside ou administra prédios constituídos em regime de propriedade horizontal tem plena consciência de que, a "saúde financeira" do condomínio depende de uma criteriosa administração dos dinheiros comuns, sendo crível, que, como em qualquer outra actividade, esta é passível de falhas, sejam elas involuntárias ou mesmo voluntárias (má fé), pelo que importa atalhar quaisquer eventuais irregularidades destas naturezas..
 
A auditoria de contas de condomínios é uma ferramenta à disposição do administrador e/ou da assembleia dos condóminos com a finalidade de garantir a integridade das contas do condomínio, e consiste em um processo de verificação da regularidade em procedimentos contáveis, fiscais, tributários e laborais na gestão dos dinheiros dos proprietários. Por outras palavras, é um pente-fino realizado nas contas do condomínio.

Quando essa auditoria deve ser realizada?
 
Este procedimento de verificação da regularidade das contas pode ser efectuado de forma preventiva ou reactiva, em qualquer dos casos, podendo estar previsto em sede do regulamento ou ser requeridas pelo administrador ou pelos próprios condóminos.  
  • No primeiro caso, as contas passam por verificações regulares, numa periodicidade previamente definida em sede do regulamento de condomínio (por exemplo, de 2 em 2 anos), auxiliando o administrador e contribuindo para uma maior transparência no trabalho realizado. Neste modelo, os erros contabilísticos são corrigidos imediatamente, melhorando o processo de administração.
  • No segundo caso, por solicitação dos condóminos, realiza-se uma conferência das contas, diante de suspeitas de irregularidades ou falhas graves do ponto de vista contabilístico. Essa forma de utilizar a auditoria permite a produção da prova de fraudes para futuras providências.
Importa desde logo ressalvar que a auditoria deverá ser realizada por uma empresa de contabilidade independente, com capacidade técnica e experiência, garantindo-se desta forma a isenção e idoneidade do processo, não devendo a mesma ser apenas utilizada como ferramenta aquando da detecção de alguma irregularidade na contratação e pagamento de contas, mas como prevenção à eventuais falhas ou fraudes. 
 
Nesta conformidade, pode-se dividir as falhas e fraudes na administração em duas categorias: irregularidades causadas por má-fé ou por má gestão.
 
Má-fé vs má gestão

Contrários à requerida transparência na prestação de contas, os actos de má-fé e de má gestão são situações que podem afectar qualquer condomínio, carecendo estas de se ter diferenciadas,
seja pelos seus efeitos distintos, seja para efeitos de responsabilização.
 
Assim, a má-fé ocorre quando há a intenção do gestor responsável em obter uma qualquer vantagem sobre as contas do condomínio (por exemplo: apropriação dos recursos ou pagamentos de despesas particulares). Por seu turno, a má gestão ocorre quando há o desconhecimento ou omissão do gestor sobre determinados actos (por exemplo: negligência com a renovação de documentos).

Tanto a má-fé quanto a má gestão podem resultar na perda do cargo ou na rescisão do contrato e levar o administrador a responder perante a justiça, exigindo-se-lhe, o ressarcimento dos valores desencaminhados ou a indemnizar o condomínio pelas perdas ou danos causados.
 
Entre os problemas mais comuns que costumam resultar no processo de auditoria estão as seguintes situações:
  • Desvios ou suspeita de desvios de dinheiro;
  • Falta de cumprimento de obrigações fiscais;
  • Falta de cumprimento de obrigações laborais;
  • Ausência de transparência sobre a situação do caixa do condomínio;
  • Contratos assinados com as empresas prestadoras de serviços;
  • Irregularidade no pagamento às empresas prestadoras de serviços;
  • Organização das contas, sub-contas e impostos.
Uma auditoria pode e deve envolver todas as áreas de gestão do condomínio, mas, em geral, tem um maior foco nas questões administrativas e laborais, contratos com as empresas prestadoras de serviços, contas relativas às áreas comuns e outras transacções financeiras do dia-a-dia do edifício.

Esse último segmento é bastante sensível, porque também é nele que residem as maiores suspeitas de fraudes e favorecimentos. Gestores irresponsáveis podem privilegiar amigos e familiares na escolha das firmas responsáveis pelas intervenções, em troca de comissões ou outros favores.

Como realizar a auditoria de contas

A auditoria das contas do condomínio é um processo crucial para garantir a transparência e a correcta gestão dos recursos financeiros dos condóminos.

Este procedimento envolve desde logo uma análise detalhada de todas as receitas e despesas do condomínio, verificando se os fundos estão a ser utilizados de forma adequada e conforme as decisões tomadas em assembleia. A auditoria inclui a revisão de documentos como extratos bancários, recibos, facturas, e contratos de prestação de serviços, assegurando que todas as transacções financeiras estejam de acordo com as normativas legais e as diretrizes internas do condomínio. Além disso, avalia-se a adequação dos processos de cobrança de quotas e a gestão do fundo comum de reserva. Este processo é fundamental para manter a confiança entre os condóminos e a administração do condomínio, especialmente em situações onde há dúvidas ou preocupações quanto à integridade financeira do mesmo. Uma auditoria bem realizada pode também identificar oportunidades de optimização de custos e melhorias na gestão financeira do condomínio.

A realização da auditoria de contas em condomínio pode enfrentar vários desafios. Um dos principais é a resistência que pode surgir por parte das empresas de administração do condomínio, que podem ver a auditoria como uma desconfiança em relação ao seu trabalho. É essencial que o processo de auditoria seja comunicado como uma prática de rotina, necessária para a saúde financeira do condomínio, e não como uma medida extraordinária.

Outro desafio comum é a organização e a manutenção adequada dos registros financeiros. Em muitos casos, a falta de documentação adequada pode dificultar a realização de uma auditoria eficiente. Aqui, a actuação do contabilista é crucial para orientar os responsáveis pela administração do condomínio na organização adequada dos documentos financeiros.

Para realizar uma auditoria às contas em condomínio de forma eficaz, eis alguns passos que serão cruciais:
  • Seleccionar de um auditor qualificado: É importante escolher um profissional ou uma empresa de auditoria com experiência comprovada em contas.
  • Efectuar uma análise documental: O auditor deve ter acesso a todos os documentos financeiros do condomínio, incluindo extractos bancários, recibos, notas fiscais e contratos.
  • Efectuar uma verificacação de conformidade: O auditor precisa verificar se as despesas realizadas estão de acordo com as decisões tomadas em assembleias e se seguem as normas legais vigentes.
  • Elaboração de um relatório de auditoria: Após a análise, o auditor deve elaborar um relatório detalhado, apontando as constatações e, se necessário, recomendações para melhorias.
Importa contudo ressalvar que nem sempre as falhas decorrem de actos de "corrupção". Muitas vezes, por mero desconhecimento, a administração pode incorrer em erros de natureza procedimental que podem causar, directa ou indirectamente prejuízos ao condomínio.

Nesta conformidade, e para se evitarem situações como esta, é bom seguir as seguintes orientações:
  • Contratar uma administração capaz e idónea na gestão patrimonial e financeira do condomínio - em especial que conte com o auxílio de um contabilista;
  • Exigir que a prestação do serviço de administração do condomínio seja realizada mediante a celebração de um contrato escrito;
  • Exigir que o administrador possua e apresente um competente Seguro de Responsabilidade Civil Profissional; 
  • Elaborar um Código de Ética e de Conduta, em anexo ao Regulamento do Condomínio que vincule, tanto a administração, como os condóminos;
  • Criar uma separação orgânica entre o cargo de administrador e a presidência da mesa da assembleia dos condóminos;
  • Elaborar um Regimento que regule a actuação da mesa e bem assim, do funcionamento da própria assembleia dos condóminos;
  • Estabelecer a obrigatoriedade da feitura de auditorias externas com uma periodicidade mínimo de 3 em 3 anos.
A gestão financeira de um condomínio é uma tarefa complexa, repleta de nuances e responsabilidades. Neste contexto, a auditoria de contas de condomínio emerge como uma ferramenta essencial para garantir a transparência e a eficácia na administração desses recursos. A auditoria de contas em condomínio pode ser mais uma ferramenta - vital - para garantir uma gestão financeira transparente e eficiente. 

São atitudes como estas que possibilitam conquistar a seriedade nos serviços administrativos que são prestados ao condomínio.