Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

11/29/2023

Glossário do Condomínio - Q

Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.

Quórum constitutivo

O quórum constitutivo não se obtém pelo número de condóminos presentes ou representados, mas pelo número de votos presentes ou representados, necessário para que a Assembleia dos Condóminos possa funcionar (art. 1432º, nº 5 e 6 do CC).

Quórum deliberativo

O quórum deliberativo corresponde ao número de votos que são exigidos para se lograr vencimento. Existem deliberações que carecem apenas de maioria simples e outras que carecem de maiorias qualificadas (vide aqui). 

Glossário do Condomínio - N




Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.

Nua propriedade

A nua-propriedade é o termo usado para os proprietários legais de determinado bem do qual não possuem posse sobre, e está totalmente ligado ao usufruto. O proprietário nu é a pessoa que possui uma propriedade, mas com poderes muito limitados sobre ela.

Nulidade

Forma de invalidade segundo a qual determinado negócio não produz efeitos desde a sua origem. Nos termos estatuídos no art. 285º do CC, esta é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e bem assim, declarada oficiosamente pelo tribunal.

11/21/2023

Legitimidade locatário financeiro


Os locatários financeiros não têm legitimidade para intervir e deliberar em assembleia de condóminos. Em seu apoio os acórdãos do TRP de 26.10.2006 e de 6.5.2008 e o acórdão do STJ de 24.6.2008. Em sentido contrário, o acórdão do TRP, de 02/23/2012 e o acórdão do STJ de 6-11-2008.

Os corpos jurídicos a convocar para a resolução da questão são o regime da propriedade horizontal e o regime da locação financeira. As versões vigentes à data dos factos não alteraram as disposições citadas na jurisprudência que antecede.

Da banda do primeiro, sabemos que as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de PH (art. 1414º do CC), que “A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário” (art. 1417º do CC), que o respectivo título constitutivo deve conter (art. 1418º do CC) a especificação das “(…) partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”. Pode ainda conter as menções descritas no nº 2 do mesmo preceito, a saber entre outras, “o fim a que se destina cada fracção ou parte comum e o regulamento do condomínio”. Sabemos também que (art. 1419º) “1 - Sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos”.

Por outro lado, o art. 1420º do CC estipula que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto dos dois direitos incindível, sendo que (art. 1424º do CC) “1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, regra que se aplica também ao custeio das obras inovatórias – art. 1426º nº 1 do CC – e que igualmente vinculam os condóminos que não tenham aprovado as obras salvo recusa fundamentada.

Ora, relativamente às partes comuns, o art. 1430º do CC prevê que “1. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. 2. Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o art. 1418.º se refere”.

Donde, conjugado o art. 1420º com o art. 1430º, ambos do CC, o proprietário de uma fracção é condómino e pode por isso participar na assembleia de condóminos, deliberando segundo os seus votos, o que aí houver a deliberar ou impugnando as deliberações tomadas contra a sua vontade.

Ora, como proprietário, o condómino “goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” (art. 1305º do CC).

Destes preceitos decorre que o condómino, como a própria palavra de origem latina o indica, é o dono, proprietário da coisa própria e comproprietário da coisa comum. Como comproprietário pode inclusive, alterar, com o acordo de todos os outros condóminos, o título constitutivo da propriedade horizontal, introduzir alterações, inovações à coisa comum. Como proprietário pode alienar o bem, onerá-lo, introduzir-lhe inovações, enfim praticar todos os actos constitutivos do direito de propriedade.

Podem estes extensos poderes ser assumidos integralmente pela pessoa do locatário financeiro?

Da banda do regime jurídico da locação financeira, aprovado pelo DL 149/95 de 24.6 com as alterações dos DL 265/97 de 2.10, DL 285/2001 de 3.11 e DL 30/2008 de 25.2, sabemos que:
A “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” – art. 1º. A locação financeira tem como objecto quaisquer bens susceptíveis de serem dados em locação, e portanto também imóveis – art. 2º, nº 1.

Nos termos do art. 7º “Findo o contrato por qualquer motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro”.

O art. 9º estabelece que são obrigações do locador, “a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar; b) Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina; c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato” Nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial e para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos: a) Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito; (…)”.

Por parte do locatário, a lei estipula as suas obrigações nos termos do art. 10º que aqui apenas referiremos na parte relevante: - “b)- Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum;” c) Facultar ao locador o exame do bem locado; d) Não aplicar o bem a fim diverso daquele a que ele se destina (…) salvo autorização do locador; e) Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente; f) Realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;
(…) i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador; j) Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados; k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição”.

O mesmo preceito estabelece, no seu nº 2 o seguinte: “Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, os seguintes direitos: (…)
b) Defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito; c) Usar das acções possessórias, mesmo contra o locador; d) Onerar, total ou parcialmente, o seu direito, mediante autorização expressa do locador; e) Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos; (…)”.

Resulta ainda do art. 12º que “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no art. 1034.º do CC” e resulta do art. 13º que “13 O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.

Finalmente, o art. 15º estipula que “Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário”.

Percorrido este regime, vemos que no contrato de locação financeira coexistem dois tipos contratuais: a compra e venda de um bem e a sua locação, existindo normalmente uma relação triangular, envolvendo o fornecedor, o locador financeiro e o locatário.

A propriedade da coisa locada transfere-se apenas no termo do contrato, optando o locatário pela sua aquisição e pagando o respectivo valor residual. Trata-se no entanto de uma mera opção do locatário, no termo do contrato, que pode não ser exercida (art. 9º do referido DL).

O locatário financeiro não é pois o titular do direito de propriedade, que permanece na esfera do locador. Aliás, se o locador adquiriu para o locatário, se o bem reverte para ele se o locatário não o quiser adquirir no final, se o locatário tem de conservar o bem, se o locador tem o direito de examinar o bem e o direito de defender a sua integridade, tudo indica que juridicamente o locador é o proprietário, nos termos dos art. 1302º e 1305º ambos do CC.

Tem porém sido discutido na nossa jurisprudência e doutrina se efectivamente o locatário financeiro pode ser considerado condómino para efeitos de qualquer tipo de deliberação social ou de impugnação de deliberações sociais.

Tem sido defendido por alguma da nossa jurisprudência que condómino não pode ser o locatário financeiro, mas apenas o locador, proprietário do bem e que se mantém como tal até ao exercício dessa opção. (neste sentido vidé o Ac. do S.T.J. de 24/06/2008 proferido no âmbito do proc. nº 08A1755, disponível para consulta in www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Conselheiro Moreira Camilo, contendo um voto de vencido e Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, igualmente disponível para consulta in www.dgsi.pt). Em sentido contrário temos o Ac. do TRP de 23/02/2012, proferido no Proc. nº 5564/10.8, disponível para consulta in www.dgsi.pt, igualmente com um voto de vencido.

No mesmo sentido deste acórdão, veja-se Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e a Administração na Propriedade Horizontal”, Almedina, a pág. 230, defendendo que “nos termos do artº 10º, nº1, al. e) do DL nº 149/95, de 24 de Junho [..], o locatário exerce, na locação da fracção, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos. No direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia de condóminos” - sublinhado nosso. (Ac. do TRP de 26/10/06 proc. nº 0635535, disponível para consulta in www.dgsi.pt, embora este acórdão se pronuncie pela negativa, interpretando a afirmação da supra referida autora, como a negação do direito de locatário votar, o que nos parece ser o contrário do por ela defendido).

Nasce esta discordância da aplicação do mencionado regime da PH, que define como condómino o proprietário, confrontado com o disposto no regime especial da locação financeira, mormente no art. 10º do DL 149/95, e sobretudo da al. e) do nº 2, que estipula os direitos do locatário, reservando porém os direitos que só pelo locador pudessem ser exercidos.

Vem este diploma e preceito na sequência do que se dispunha no âmbito do DL 10/91 (artº 9) que possibilitava aos locatários financeiros participar e votar em assembleias gerais, podendo inclusivamente ser eleitos para cargos, referindo-se expressamente este preceito à propriedade horizontal.

Tal disposição não foi vertida nos seus precisos e claros termos para a actual lei, conforme decorre da versão do artº 10 nº2 e) do DL 149/95, referindo-se na actual disposição ao direito do locatário de exercício dos direitos próprios do locador, excepto aqueles que somente possam ser por ele (locador) exercidos.

Entendemos no entanto, que o exercício dos direitos próprios do locador inclui o direito de voto, excepto naqueles casos em que estão em causa direitos que só pelo proprietário do bem possam ser exercidos, como a alteração do título constitutivo, ou a introdução de inovações ou alterações das partes comuns, matéria que entendemos excluída dos direitos do locatário financeiro, por se repercutirem no direito de propriedade do locador.

Entendemos ainda que ao locatário financeiro está-lhe vedado deliberar quanto a obras de inovação no prédio com que o locador pudesse estar em desacordo, bem como dar o seu acordo para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por se tratarem de direitos que só pelo locador podem ser exercidos.

De resto, repare-se que algumas obras de inovação podem mesmo exigir posteriormente a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.

11/03/2023

Penhora fracção autónoma pelo condomínio


Tribunal: Relação do Porto
Processo: 1167/15.9T8PVZ.P1
Data: 16/12/2015

Sumário:

I - A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais.
II - Decorre do n.º 1 do artigo 686.° do Código Civil a natureza jurídica da hipoteca como direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência -, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
III - A penhora não constitui, em rigor, um direito real de garantia real, resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
IV - Mesmo que se considere a penhora como garantia real, a mesma não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos estritamente limitados ao processo no âmbito do qual é registada.
V - Nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do condomínio (exequente), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
VI - Em suma: não merece censura a decisão do Conservador do Registo Predial que recusou o registo de uma hipoteca proposta pela executada, no âmbito de uma execução instaurada pelo condomínio, visando prestar caução com efeito suspensivo dos termos da execução (art.º 733.º, n.º 1, a) do CPC).

Decisão integral: vide aqui