Viver em condomínio
8/11/2023
As fracções autónomas no TCPH
7/04/2023
O usucapião como meio constituir a PH
Dimana do art. 1417º do CC que a Propriedade Horizontal pode ser constituída por usucapião. A redacção deste preceito, confrontada com a que propunham os trabalhos preparatórios, revela que, inicialmente, não fora considerada esta figura (1) como forma de se constituir a PH.(2)
Certo é, porém, não haver razão para o excluir,(3) muito embora não se anteveja possibilidade de vir a ser frequente meio de constituição desta forma de propriedade. Bem andou, pois, o legislador em o incluir no texto definitivo do Código
Há que distinguir, porém, o usucapião como forma de constituição da PH, do usucapião como meio de adquirir o direito de propriedade sobre a fracção autónoma de um prédio já sujeito a tal regime, situações que divergem relativamente ao conteúdo da respectiva posse.
Assim, no primeiro caso, são todos os condóminos que têm de actuar sobre o prédio, por eles parcelado em fracções susceptíveis de corresponderem às exigências da sua utilização em regime de PH, como se efectivamente este regime estivesse regularmente constituído, usando, pois, cada um a sua fracção autónoma com exclusão dos demais e fruindo todos, como comproprietários, mas com as limitações inerentes a essa especial forma de compropriedade, as partes comuns do prédio, todos contribuindo também, na proporção do valor das suas fracções, ou apenas aqueles que de tais coisas se servem, para as despesas com a conservação e fruição das partes comuns.
Desta forma, se um desses condóminos, no decurso de tal situação, transferisse para outrem a sua fracção, este não adquiria qualquer direito de Propriedade Horizontal, sucederia apenas, conforme o art. 1263º, al. b do CC, naquela posse. Esse direito apenas se constituiria não só em relação a ele mas também aos restantes condóminos, quando decorrido o lapso de tempo necessário ao usucapião.
Diversamente, no segundo dos casos anteriormente focados, um dos condóminos de prédio em regime de PH já regularmente constituída por qualquer das formas prescritas no art. 1417º do CC, transferia para outrem, sem título ou através de título inidóneo para tanto, o seu direito. Por virtude do vício inicial do negócio, aquele não adquiriu o pretendido direito mas passa a actuar como se, efectivamente, fosse o seu titular. É então, esta posse que unicamente tem de se considerar em ordem à aquisição, decorrido o necessário lapso de tempo, do direito de PH por usucapião.
Notas:
(1) Em outros preceitos (art. 1294º, 1295º, 1296º, 1297º, 1299º e 1300º), a palavra usucapião aparece precedida do artigo definido a, inculcando ser substantivo do género feminino. Todavia, usucapião é substantivo do género masculino, como se pode ver em qualquer bom diccionário.
(2) A noção de usucapião encontra-se formulada no art. 1287º, nos seguintes termos: "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião".
(3) O art. 1293º apenas exclui do usucapião as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e de habitação.
6/28/2023
As partes próprias
A PH representa uma derrogação ao princípio superfícies solo cedit, porquanto, em face do regime geral do direito de propriedade sobre os imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio - direito esse que abrangerá toda a construção, o solo em que esta assente e os terrenos que lhe sirvam de logradouro (cfr. art. 204º, nº 2 do CC).
O conceito de "edifício" tem uma importância nuclear, nomeadamente a propósito da aplicação de duas das suas normas: a do art. 1430º do CC, que determina que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador e a do art. 1438º-A do CC que permite a aplicação do regime da administração das partes comuns a conjuntos de edifícios funcionalmente ligados entre si.
Para Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, art. 204º, pág. 195, 3, o "edifício incorporado é aquele que se encontra ligado ou unido ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. A lei não diz o que deve entender-se por edifício, tratando-se de uma noção fundamentalmente pré-jurídica.
Edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais, industriais ou serviços, arrecadações, armazéns de produtos, etc.), constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos. Nem sempre, porém, a toda a construção com estes requisitos corresponde, juridicamente, um prédio urbano.
Se a uma casa principal estão anexas construções de carácter secundário (casa do porteiro, garagem, dependência para arrecadação, galinheiro, etc.), deve entender-se que estamos perante um único prédio urbano, não obstante a pluralidade de construções que o integram" (com sublinhados meus).
Na prática, porém, podem deparar-se situações em que se torna difícil concluir se determinado conjunto imobiliário constituiu um único edifício (e, portanto, um único prédio urbano) ou vários. Deve entender-se que se está perante uma unidade predial ou, inversamente, perante uma pluralidade, conforme o conjunto em causa apresente ou não uma unidade estrutural - unidade esta que se há-de aferir através dos seus elementos essenciais, designadamente através das paredes mestras, dos pilares e vigas de sustentação, da cobertura, das instalações de água, de electricidade, etc..
Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros dos prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais. Também não cabem no conceito legal de prédio urbano as construções que, tendo embora autonomia económica, não constituem um edifício no sentido indicado.
Por exemplo, uma piscina, para Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, 1993, pág. 197, prédio é uma porção delimitada de solo, com as construções que eventualmente sobre ele existam. Segundo Rodrigues Pardal/Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal no Código Civil e legislação complementar, Coimbra Editora, Coimbra, 1988, pág. 47, por edifício entende-se apenas a construção que limita o solo por todos os lados, incluíndo o espaço aéreo. Tem de estar ligado, unido ou fixado ao solo, directa ou indirectamente, por alicerces ou por colunas. Assim, não são edifícios: os muros, as cercas, as colunas, as estátuas, as pontes, os pelourinhos, os poços, os açides, os reservatórios. os aquedutos, etc..
Juridicamente, a fracção autónoma é uma coisa, embora, materialmente, faça parte de outra coisa maior (o edifício). O art. 202º define como coisa tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas. Esta definição não tem deixado de sofrer críticas por parte da doutrina. Para Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 116 e ss., o objecto da relação jurídica é necessariamente um bem (bem é tudo o que é apto a satisfazer necessidades) económico (bem escasso), porque só um bem assim suscita conflitos de interesse. Os bens podem ser não coisificáveis (pessoas, prestações e situações económicas não autónomas) ou coisificáveis (coisas, direitos coisificados). Coisa é todo o bem do mundo externo, sensível ou insensível, com a suficiente individualidade e economicidade para ter o estatuto permanente de objecto de direitos.
Nas palavras de Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, anot. ao art. 202º, pág. 193, 3, "o conceito jurídico de coisa não se confunde com o conceito filosófico, nem com o conceito físico ou naturalístico. Um andar ou apartamento, por exemplo, não é uma coisa neste último sentido, e todavia, pode sê-lo em sede jurídica, conforme decorre do instituto da propriedade horizontal". Embora a lei não o diga expressamente, devem considerar-se também coisas imóveis as fracções autónomas de um prédio urbano, quando objecto de propriedade horizontal (cfr. Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no código civil português, RDES, ano XXIII, nº 1-4 (1976), pág. 113 e 114.
Em sentido diferente, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 463 e 637, considera que o objecto da propriedade horizontal "é parte de uma coisa autónoma, pois autónomo é o prédio e não o andar". A PH é um direito a uma parte da coisa; cada andar forma autonomamente um objecto de direitos, impondo-se pois o reconhecimento da existência de direitos a partes da coisa. Seguem-no, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1995, pág. 556 e Armindo Ribeiro Mendes, A propriedade horizontal no Código Civil de 1966, ROA, 1970, ano 30, pág. 64.
A fracção autónoma identifica-se com a parte própria, ou seja, com a parte do edifício objecto de propriedade exclusiva. Neste sentido, o Ac. da Relação de Évora, de 14/3/1996: "Constando do título aquisitivo de uma fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal que esta é constituída por um apartamento sito em determinado andar e por um lugar de estacionamento sito no rés-do-chão, este estacionamento, faz parte da fracção referida". Define-se assim a fracção autónoma como um todo unitário, que é mais do que o lugar destinado a habitação ou a outro fim. Uma fracção autónoma pode ser composta, por exemplo, por um apartamento com garagem e arrecadação.
3/16/2023
Usufruto vs Uso e Habitação
3/02/2023
O fim, o uso, a fruição e a disposição
Estipula o art. 1418º do CC que «2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum». Por outro lado, dispõe o art. 1305º do CC que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
No que respeita aos termos usados em ambos preceitos, importa desde logo balizar o significado de cada um.
O fim
É o TCPH que se define o fim a que se destina a fracção. E este fim não se confunde com o “uso ,fruição e conservação”” a que se refere o art. 1305º do CC, que respeita ao modo como é exercido o direito, dentro do “fim” que é atribuído na escritura da PH. O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção.
O TCPH pode mencionar o fim a que se destina cada fracção autónoma ou parte comum, ou seja, pode definir que as fracções se destinam a habitação, garagem, armazém, para a prestação de serviços, comércio, etc..
O uso consiste no poder do proprietário se servir da sua fracção autónoma para a satisfação das suas necessidades (como por exemplo, transformar um quarto num escritório), ou seja, a lei possibilita destinar os usos dos diversos cómodos em função dos interesses e necessidades dos proprietários das respectivas fracções autónomas. Assim, nada obsta a que, um condómino proprietário de um T2 converta uma sala num terceiro quarto, que elimine um quarto para o transformar num ginásio caseiro ou numa biblioteca; ou até que derrube a parede entre dois quartos para os converter um único quarto.
A fruição traduz-se no poder que o proprietário tem de gozar a fracção directa ou indirectamente, através de tudo o que ela possa produzir periódica ou esporadicamente (como por exemplo, exercer uma qualquer actividade laboral ou industrial - nos termos do art. 1092º do CC, «1 - No uso residencial do prédio arrendado inclui-se, salvo cláusula em contrário, o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada. 2 - É havida como doméstica a indústria explorada na residência do arrendatário que não ocupe mais de três auxiliares assalariados.), sem prejuízo da sua substância».
O direito de disposição
6/14/2022
Junção de fracções
A natureza deste direito permite que o proprietário goze, de modo pleno (mas não absoluto) e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição do bem em causa, nos termos que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas (cfr. art. 1305º do CC).
Tudo isto para dizer que, não pode qualquer proprietário ser privado, lesado ou cerceado nos seus direitos, fora dos casos expressamente previstos na lei, e independentemente da qualidade atribuída ao lesante: quer este seja possuidor, quer mero detentor ou um qualquer proprietário. E para melhor se exemplificar, importa um debruçar sobre dois exemplos muito concretos.
Junção de fracções do mesmo prédio
Neste preceito legal vem referido que “… não carece de autorização dos restantes condóminos a junção numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas…” (cfr. nº 1 do art. 1422º-A do CC), sendo que nestas situações, cabe aos condóminos que juntaram as fracções “… o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo…” (cfr. nº 4 do citado dispositivo legal).
Na verdade, como já se decidiu no Ac. do TRL de 1/2/1990 In Cj, t. I, pág. 155 (relator: Abraches Martins); “o proprietário de fracções autónomas contíguas pode interligá-las sem prévia autorização dos demais condóminos e sem que daí resulte perda da respectiva autonomia, desde que não ofenda paredes mestras ou ponha em causa a estrutura e segurança do edifício…”.
“Assim, quando a unificação das fracções exija obras de adaptação- e essa circunstância ocorrerá com mais acuidade, nos casos de sua contiguidade vertical- tais obras não poderão prejudicar a segurança do edifício, nem a sua linha arquitectónica ou o seu arranjo estético, a menos que, neste caso, seja obtida autorização da Assembleia dos Condóminos conforme o nº 3 do art. 1422º, de modo que faltando essa autorização ou havendo prejuízo da segurança do edifício, não será viável a unificação das fracções …” Rui Vieira Miller, in “A propriedade horizontal”, pág. 191/2; no mesmo sentido, Aragão Seia, Propriedade horizontal”, pág. 114.
Junção de fracções de prédios contíguos
Neste concreto, desde logo o princípio geral contido no art. 1420º do CC, que determina que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, esclarecendo-se, no seu nº 2, que o conjunto desses direitos é incindível, não podendo nenhum deles ser alienado separadamente, integrando-se na concepção de partes comuns do edifício, as colunas, os pilares, o solo, as paredes mestras e as partes restantes que integram a estrutura do prédio, por força do preceituado no art. 1421º, nº 1, alínea a), do CC.
Por sua vez, pela tradução dos art. 1422º e 1422º- A, ambos do CC, facilmente se depreende que estes proíbem a junção ou anexação de fracções autónomas de edifícios diferentes e vedam, através da construção de obras novas, qualquer possibilidade de prejudicar a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, assim como a prática de quaisquer actos que tenham sido proibidos por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.Junção de fracção com parte de outra
O art. 1422º-A do CC prevê excepções à regra contida no art. 1419º, nº 1 do mesmo diploma. Com efeito, não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que sejam contíguas (nº 1), sendo que a contiguidade é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens (nº 2).
Assim, a anexação de uma fracção a uma parte de outra fracção, não é permitida, desde logo, porque a situação não cabe em nenhuma das hipóteses previstas no art.1422º-A do CC, uma vez que não se trata nem de caso de junção nem de divisão de frações autónomas. Consequentemente, o preceito que se adequa a tal situação é o art. 1419º, nº 1 do CC que para a modificação do TCPH exige o acordo de todos os condóminos expresso em escritura pública ou documento particular autenticado.
4/14/2022
Requisitos das fracções autónomas
Nos termos do art. 1415º do CC, as fracções autónomas só podem ser objecto de PH se constituírem unidades independentes, forem distintas e isoladas (1) entre si, e com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (2). A par destes requisitos, as fracções autónomas têm de satisfazer uma série de exigências de direito público, maxime as impostas pelo RGEU.
Já a falta de requisitos legalmente exigidos (3) importa a nulidade (4) do TCPH e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade (5), pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada no TCPH ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção autónoma (cfr. art. 1416º, nº 1 do CC) (6). O negócio jurídico é nulo por vício do objecto - legalmente impossível (cfr. art. 280º do CC) - e não pode produzir os seus efeitos normais: a constituição da PH. O que não significa que não produz efeitos jurídicos. Por conversão igual (7), o acto vale como constitutivo de um direito de compropriedade, sem dependência dos requisitos exigidos pelo art. 293º do CC. A conversão só tem lugar, note-se, quando o vício que atinge o negócio jurídico diga respeito ao objecto, e não quando haja qualquer outra deficiência no TCPH, como, por exemplo, um vício formal (8)
(1) Sendo exigido o isolamento das fracções autónomas, não pode considerar-se conforme à lei a prática que consiste em delimitar as garagens, quando o TCPH lhes atribua natureza privativa - considerando-as fracções autónomas de per si ou elementos de outras fracções -, através de linhas marcadas no pavimento (e não através de paredes). Tal processo apenas será admissível quando a parte do imóvel afectada a garagem seja comum e as linhas de demarcação se destinem tão somente a disciplinar o poder de uso que a todos os condóminos compete, assinalando o espaço reservado a cada um (assim, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado,anot. ao art. 1415º, pág. 400, 4).
(2) Nos termos do art. 59º, nº 1 e 2 do CN, os instrumentos de constituição da PH só podem ser lavrados se for junto documento, passado pela CM, comprovativo de que as fracções autónomas satisfazerem os requisitos legais. Tratando-se de prédio construído para venda em fracções autónomas, tal documento pode ser substituído pela exibição do respectivo projecto de construção e, sendo caso disso, dos posteriores projectos de alteração aprovados pela CM. O art. 49º do RJUE dispõe que não podem ser celebradas escrituras públicas de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante o notário, certidão emitida pela CM, comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela CM, comprovativa de que a caução destinada a garantir a boa e regular execução das obras de urbanização é suficiente.
(3) Para Luís Carvalho Fernandes (A conversão dos negócios jurídicos civis, Quid Iuris, Lisboa, 1993, pág. 611), com a expressão «requisitos legalmente exigidos» o legislador pretendeu abranger os requisitos "civis" enumerados no art. 1415º e os requisitos "administrativos", nomeadamente os definidos no RGEU, "que são ditados por razões da mais diversa ordem, cuja observância condiciona, não só a construção de edifícios, em si mesma, mas também a sua utilização. No domínio da PH ganham, em especial, particular relevância as questões ligadas à destinação das várias fracções e também as relativas à delimitação das partes do prédio que constituem fracções autónomas e partes comuns. O TRP, no seu Ac. de 30/10/1086, decidiu que "no caso de a constituição da propriedade horizontal resultar de sentença proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário, ou de usucapião que uma sentença reconheça, cabe ao tribunal verificar se as fracções obedecem aos requisitos exigidos pelos art. 1414º e ss. e não à autoridade administrativa". O juíz não tem um papel passivo, como o notário, perante quem não se desenvolve qualquer processo que lhe permita verificar os apontados requisitos legais, sendo que a verificação compete à CM. Pelo contrário, o processo judicial permite ao juiz essa averiguação. Não se trata de uma mera homologação da decisão da autarquia, mas de uma verdadeira constituição da PH por sentença.
(4) O Ac. do TRL de 13/2/1981, decidiu que "estando em vigor e tendo carácter imperativo as disposições do RGEU e as correspondentes normas municipais de Lisboa, sendo as quais os edifícios a construir em arruamentos com largura superior ou igual a 23 metros, ou seja, edifícios com, pelo menos, 8 pisos, devem dispor de parque de estacionamento de automóveis para os utentes respectivos, é nula a escritura de constituição da propriedade horizontal na parte em que afectou a garagem de um edifício nessas condições ao uso exclusivo do proprietário de um dos andares".
(5) Sobre esta sujeição, e os vários problemas que aí se colocam, imprescindível ver Luís Carvalho Fernandes, A Conversão, pág. 610 e ss.
(6) Segundo Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 615 e ss.), se o dono do prédio celebrou contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas, antes ou depois de constituir a PH em relação a um prédio sem os requisitos legais, "a celebração desses contratos torna eficaz o negócio constitutivo da propriedade horizontal e, portanto, opera a conversão prevista no art. 1416º. O que, no caso, tem como resultado que esses negócios valem como contratos-promessa de compra e venda da quota correspondente à "pretensa" fracção. Não há, também, obstáculo a que, com esse valor, se admita a execução específica dos referidos contratos".
(7) Como ensina Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 648 e ss.), a nota particular da conversão legal, que a demarca da conversão comum, prende-se com o facto de aquela não depender de uma vontade conjectural favorável. Na conversão legal, "a eficácia sucedânea é estabelecida pela norma de forma apriorística e abstrata, para uma certa categoria negocial. Daí que não se possa levar em conta mais do que o fim que normalmente determina os autores de um tal negócio a celebrá-lo. Mas, ainda assim, a eficácia sucedânea é dominada por critérios legais e tem de se ajustar à razão de ser da norma injuntiva cuja violação está na origem da nulidade do negócio.
A conversão legal de um negócio jurídico nulo permite que este produza certos efeitos que sem ela não se desencadeariam. Nesse sentido, a conversão confina as consequências da violação de uma norma imperativa a uma área mais limitada que a determinada pela sua própria injunção. Quer dizer: a injunção que impõe a verificação de certas características no edifício, para que possa ficar sujeito ao regime do condomínio horizontal, tolera a produção de efeitos que conformam uma situação jurídica sucedânea da que o negócio faria nascer se produzisse os seus efeitos típicos. Neste sentido a conversão legal justifica-se como factor de moderação da imperatividade de certas normas jurídicas. Como tal, é um meio específico de aproveitamento do negócio inválido e, do mesmo passo, uma aplicação concreta do princípio do favor negotti. Daí que os efeitos imputados ao negócio inválido sejam efeitos legais e não negociais.
A conversão legal funda-se "em razões de ordem objectiva que levam o legislador a assegurar, a partir do negócio celebrado, certas consequências jurídicas afins das que ele produziria se fosse válido. A ponderação dos efeitos tolerados é feita pelo legislador em função de uma valoração objectiva dos mesmos interesses gerais que estão na origem da injunção legal que o negócio convertido violou. Só podem justificar a conversão legal ponderosas considerações de justiça imanentes na ordem jurídica no seu conjunto. Está fora de causa a justiça negocial em concreto. Enquanto fundada em imposições da justiça global e como manifestação específica do princípio do favor negotti, que aponta no sentido da manutenção possível da actuação negocial das partes, a conversão legal está legitimada como instituto com regime próprio".
(8) Para Luís Carvalho Fernandes (A Conversão, pág. 609 e ss.), "o acto passa a valer como constitutivo de outros efeitos jurídicos: em vez de nascer um direito de condomínio, nasce um direito de compropriedade e esta eficácia é atribuída ao negócio sem dependência dos requisitos do art. 293º, salvo pelo que respeita à exigência de forma legal. Na verdade, nada havendo na lei que as dispense, não pode deixar de se entender que a conversão só se verifica quando tenham sido observadas as formalidades legalmente exigidas para a constituição da compropriedade - a escritura pública (art. 89º, al. a) do C. Not.)".
3/22/2022
Alterar o uso de uma fracção
Resulta do art. 1305º do CC que "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas". Ora, por força do art. 1422º, nº 2, al. c) do CC, o fim a que uma fracção autónoma se destina constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção.
Nesta factualidade, se um condómino pretender alterar o fim a que se destina a sua fracção autónoma, deve cumulativamente, consentimento dos demais condóminos em reunião plenária, e da autorização de utilização conferida pela Câmara Municipal.
No primeiro caso, o condómino deve consultar um documento de consulta indispensável para o efeito: o título constitutivo da propriedade horizontal. Este documento poderá ser consultado junto do administrador do condomínio ou na Conservatória do Registo Predial, sendo que, do mesmo, em princípio, constará o fim de cada fracção (habitação, escritório, comércio, armazém, serviço, indústria, etc.).
Nesta factualidade, se o título constitutivo da propriedade horizontal que uma determinada fracção autónoma está destinada a habitação, o seu proprietário não pode utilizá-la para abrir um escritório ou uma loja. No entanto, importa observar que esta informação não de carácter obrigatório, pelo que o título constitutivo pode ser omisso, não constando no mesmo o fim a que se destina cada uma das fracções autónomas.
Avulta contudo esclarecer que:
ii) Quando o TCPH mencione o fim a que se destina uma fracção autónoma, por exemplo habitação, e o condómino pretender alterar o seu uso para comércio, a alteração carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por unanimidade (cfr. art. 1419º nº 1 do CC).
Acresce ainda salientar que a alteração do uso da fracção implica necessariamente na alteração do TCPH, sendo a que a mesma deverá obedecer ao requisito de forma exigido para a sua criação, escritura pública, lavrada por notário, ou documento particular autenticado, nos termos da lei.
Importa ainda, ressalvar que o uso havido mencionado no TCPH deverá estar em plena consonância com o projecto de construção aprovado pela respectiva CM, caso contrário, torna-se parcialmente nulo, ou essa estipulação negocial torna-se nula. E neste sentido, decidiu o Ac. Supremo Central Administrativo do Sul de 6/12/2008, Proc. nº 511/05.1BEBJA:
II - Sendo requerida a uma Câmara Municipal a alteração de uso de uma fracção autónoma, é lícita a exigência por essa Câmara da comprovação pelo particular requerente de que existe prévio acordo de todos os condóminos relativamente a essa alteração;
III- Do regime legal constante dos art.sº 1418.º, n.º 2, a), 3 e 1422.º, n.º 2, al. b) e 4, do Código Civil, decorre que o uso que foi atribuído pelo projecto de construção ao prédio e às várias fracções será o único uso que pode figurar no título constitutivo da propriedade horizontal. Caso este título divirja do que consta no projecto, torna-se parcialmente nulo, ou essa estipulação negocial torna-se nula. Na mesma lógica, estando omissa a indicação do uso no título constitutivo da propriedade horizontal, essa mesma circunstância irreleva para efeitos de se poder dar um uso diferente ao prédio ou à fracção. Isto é, na omissão dessa indicação no título constitutivo da propriedade horizontal terá sempre que valer o que ficou fixado no projecto de construção aprovado.
Não compete às Câmaras Municipais alterar o fim a que se destinam as fracções autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal. Não pode, ao contrário do defendido pelos Apelantes, a atribuição de licença camarária, ter a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade horizontal e do condomínio, que a lei faz depender de acordo de todos os condóminos.
Estamos, assim, perante uma licença que não deveria ter sido emitida, quando em desconformidade com o título constitutivo. Aliás, nenhum princípio geral justifica seja dada prevalência, indiscriminadamente, a toda e qualquer norma de direito público sobre as normas de direito privado, tudo dependendo dos valores em causa.
Por isso, uma alteração de utilização de uma fracção autónoma não pode ser decidida imperativamente pela administração, com prevalência sobre as regras de afectação de uso estabelecidas em título constitutivo. Ao invés, uma alteração da utilização, sem a anuência de todos os condóminos, é que afectaria o interesse superior que levou à aprovação do projecto inicial, com base no qual se estabeleceu o estatuto da propriedade horizontal, frustrando a confiança que os adquirentes das fracções adquiriram de que sem o seu consentimento unânime se manteriam intocáveis os usos, porventura determinantes da sua resolução de adquirir
Concluindo:
1. O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção.
2. Nos termos do art. 1418.º, n.ºs 1, 2, al. a), e 3, do CC, o título constitutivo da propriedade horizontal pode conter determinadas especificações, designadamente as relativas ao fim a que se destina cada fracção.
3. O título constitutivo só pode ser modificado, salvo o caso previsto no art. 1422.º-A do CC (junção e divisão de fracções) com o acordo de todos os condóminos.
4. A alteração da utilização de uma fracção autónoma não pode ser decidida imperativamente pela administração com prevalência sobre as regras de afectação de uso estabelecidas em título constitutivo.
Alterar a porta da fracção autónoma
Vejamos o que diz a lei na redacção do Dec.-Lei 267/94, de 25-10:
2. É especialmente vedado aos condóminos:
a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;
b) Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes;
c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;
d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.
3. As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
4. Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
Atente-se que a letra da lei não proíbe, apenas veda que as obras se tenham susceptíveis de prejudicar a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício. Por outro lado, o conceito de prejuízo é muito subjectivo, mas para que seja efectivamente atendido, teria que se verificar uma alteração muito evidente, nomeadamente, alterando o estilo cromático. De salientar que, perante a necessidade de se proceder à substituição de um determinado elemento, instalado muitos anos antes, muito dificilmente se conseguirá outro rigorosamente igual, logo, dever-se-à procurar um o mais idêntico parecido. Não ser rigorosamente igual não significa uma alteração que colida com a lei.
Decorrentemente, de acordo com este preceito legal, aos condóminos mostra-se vedada a possibilidade de realizar obras que causem prejuízo ou modifiquem à linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício. Tem-se entendido que a linha arquitectónica se reporta ao “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto” (entre outros, os Acórdãos do STJ. de 20/7/82, B.M.J. 319º, pág. 301; e de 17/2/2011, Proc. n.º 881/09.2TVLSB.L1.S1, citando Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pág. 105).
Atente ainda neste súmula da decisão do Ac. da Rel. de Lisboa de 23.03.2012:
Ora, como escreve P. Lima e A. Varela, ob. citada, pág. 425, “quanto às limitações relativas à estética do edifício, é evidente que apenas se aplicam aos elementos da fracção autónoma visíveis do exterior (porta ou portas de acesso, janelas, persianas, varandas, etc.). Um condómino, por exemplo, não pode vedar a sua varanda, transformando-a num compartimento fechado, ou substituir as janelas por outras que não se harmonizem com as demais fracções”.
6/08/2021
Alterar o uso da fracção
4/12/2021
As partes próprias
As fracções autónomas identificam-se com partes próprias dos condóminos, ou seja, com as partes do edifício que são objecto das suas propriedades exclusivas, e constitui um todo unitário, que pode, no entanto, ser mais do que o lugar destinado a habitação (ou a outro fim), como por exemplo, “um apartamento com garagem e arrecadação”.
Os condóminos têm um verdadeiro direito de propriedade sobre as suas fracções autónomas, às quais se aplica o regime geral da propriedade; assim, nos termos do art. 1305º do C.Civ., estes gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das fracções autónomas que lhes pertencem, porém, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
De forma muito simples, podemos afirmar que:
- O uso consiste no poder do proprietário se servir da coisa para a satisfação das suas necessidades (como por exemplo, transformar um quarto num escritório).
- A fruição traduz-se no poder de gozar a coisa indirectamente, através de tudo o que ela produz periodicamente (como por exemplo, exercer uma actividade laboral), sem prejuízo da sua substância.
- O poder de disposição refere-se aos poderes materiais, como são os de transformar a coisa, e os poderes jurídicos (como por exemplo, arrendar ou vender).
Portanto, o proprietário goza de facto e de direito destes poderes e de um modo pleno e exclusivo, no entanto, importa sublinhar que este modo «pleno», não se confunde com um poder «absoluto».