Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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10 maio 2024

Responsabilidade do administrador na realização de obras


O órgão «assembleia dos condomínios» (cfr. art. 1430º nº 1 CC), entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos administrativos relativos às partes comuns do edifício, responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes.

Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º do CC define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos. (1)

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos. 

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da propriedade horizontal, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014, se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas.

Ora, se o condomínio, através da sua administração, toma conhecimento de que ocorreram infiltrações de águas e humidades no interior de uma fracção, provenientes, por exemplo, do respectivo terraço de cobertura, é evidente que terá de se considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuar no sentido de proceder às obras de reparação no dito terraço comum que se mostrassem necessárias para pôr termo às aludidas infiltrações de águas e humidade nessa fracção, bem como, ainda, o dever de proceder à reparação dos danos já existentes no interior da fracção e que, conforme também informado, punham em causa a utilização da fracção para o fim a que a sua proprietária a destinava, ou seja o respectivo arrendamento, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes dessa sua omissão ilícita.

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevieram como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere já aos administradores, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino, não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não está obrigado, mas antes de não terem os mesmo, como deviam, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir do terraço comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma assembleia geral extraordinária de condóminos onde a reclamação fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não podia a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a assembleia de condóminos sempre que tal se mostre conveniente (como era, manifestamente, o caso, perante a reclamação por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causavam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC), sendo certo que à própria autora, por si só, não seria possível provocar a realização dessa assembleia, pois que para tanto seria necessário que a convocatória fosse subscrita por, um mínimo, de condóminos que representassem 25% do valor do prédio – cfr. art. 1431º, nº 2 do CC.

Por consequência, nestas circunstâncias, não convocando a administração a aludida assembleia extraordinária de condóminos como lhe foi solicitado e não estando o condómino em condições de o fazer por si só e declinando o administrador a possibilidade de o condomínio realizar essas obras – remetendo a sua realização para a iniciativa e responsabilidade do próprio condómino -, a esta última apenas lhe restava – para além da opção de ser ela própria a realizar as obras em causa e a suportar o risco quanto ao retorno de tal investimento, a que não estava, a nosso ver, manifestamente, obrigada (2) – a alternativa de aguardar a paulatina degradação da sua fracção pela continuação das infiltrações de águas na mesma e provindas das fachadas e do terraço comum de cobertura, com o consequente avolumar dos consequentes prejuízos.

Ora, com o devido respeito, uma tal posição não pode ser por nós sufragada.

O administrador pode responder civilmente perante os condóminos, nos termos gerais da responsabilidade civil (arts. 483°, 562° e 563º do CC). Deste modo a significar - e sempre no horizonte legal do que se consagra, em particular, também, nos art. 1436º (Funções do Administrador) e 1437º (Legitimidade do Administrador) do CC - que o administrador responde quando exceder os limites das suas atribuições, quando usa mal os poderes-deveres conferidos pela lei, ou quando não realiza aquilo que a lei ou regulamento impõem.

Pouco importa que os danos tenham sido causados pelo administrador directamente ou por terceiros encarregados por ele de efectuarem certas tarefas, quer provenham de actos positivos quer de omissões.

Quanto a saber, por exemplo, se o administrador é responsável se não realiza as reparações extraordinárias urgentes, o Ac. do TRC de 24/3/2015 decidiu que haverá de referir que estas reparações excedem a administração ordinária e, por isso, não entram na competência normal do administrador. É certo que o administrador tem o poder de intervir quando há uma reparação urgente e indispensável, mas não tem a obrigação. Tal significa que, se tal reparação não é ordinária, a actuação correcta é levar a sua matéria à primeira assembleia ou, se houver necessidade, convocar extraordinariamente a assembleia.

A sua obrigação é avisar e expor a necessidade urgente da reparação. Só no caso de ver e não avisar, haverá má administração, tornando-se, portanto, culpado (cfr. Rodrigues Pardal Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, Código Civil e Legislação Complementar, 6ª Edição Revista e Actualizada, 1993, pp. 301-302 e 305-306).

Tal tessitura de apreciação pressuponente, significa que ao não realizar quaisquer obras que se hajam necessárias, implica uma omissão da responsabilidade do condomínio, mas não por parte do administrador que é apenas o órgão executivo do condomínio.

Ou seja, o administrador não pode, por si só, executar obras nas partes comuns do condomínio se para tal não for mandatado pela assembleia uma vez que tal constituiu um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe atribui. Conclusão que se retira da interpretação conjunta dos arts. 1436º e 1437º do CC.

No caso vertente, decidiu o RTP em Ac. de 23.4.2018 (972/14.8T8GDM.P1) que o administrador de condomínio, como consagrado, nunca poderia ser responsabilizado pela não realização de obras, para o efeito claramente urgentes, mas em referencial classificatório, manifestamente extraordinárias, mais ainda quando estejam dependentes da proacção actuante do condomínio, depois de ordenar o seu empreendimento.

Notas

(1) Vide, neste sentido, por todos, L. P. Moitinho de Almeira, “ Propriedade Horizontal ”, 2ª edição, pág. 118 e Abílio Neto, op. cit., pág. 363.

(2) Como referem em comentário ao art. 1427º do CC P. LIMA, A. VARELA, III volume, cit., pág. 437, «Quando, porém, não haja administrador, ou este se encontre impedido, e se mostre necessário proceder, com urgência, a reparações indispensáveis, qualquer dos condóminos pode tomar, por si, a iniciativa das obras, cujas despesas serão repartidas segundo os critérios estabelecidos no art. 1424º.» [sublinhado e negrito nossos]O que vale, pois por dizer, que, como já antes se salientou e ao contrário do sufragado na decisão recorrida, a iniciativa quanto à realização de obras urgentes terá de ficar na estrita disponibilidade e critério do próprio condómino [que pode entender que a situação de urgência justifica essa sua intervenção imediata, sem prévia autorização ou deliberação da assembleia ou do administrador], mas não lhe pode ser imposta ou exigida, nomeadamente por parte do condomínio ou da respectiva administração e para escusa da sua obrigação legal quanto à realização das mesmas.

08 julho 2023

Reparações indispensáveis e urgentes


Estatui o nº 1 do art. 1427º do CC que "As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino".

Se dúvidas haviam sobre o que se deve entender por «reparações indispensáveis e urgentes», a Lei nº 8/2022 de 10/01, acrescentou o nº 2 ao preceito com o seguinte teor: "São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas".

Ora, é uma das funções do administrador do condomínio, como resulta do disposto no art. 1436º, especialmente a sua alínea g), promover quando seja necessário à reparação e conservação dos bens comuns.

Se ele não o fizer, o preceito supra mencionado faculta a qualquer condómino a possibilidade de tomar a iniciativa dessas reparações, quando, além de indispensáveis, elas tenham o carácter de urgentes.

Para tanto, não carece esse condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador do condomínio, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com o espaço temporal que se demora a obter essa autorização em sede plenária (vide art. 1432º/1 do CC).

Dado que, todavia, pode surgir dúvida sobre a natureza das obras efectuadas e algum condómino contestar o seu carácter de reparação indispensável e urgente, será de boa prudência que o condómino que as deseje levar a cabo . quando a urgência na sua realização seja compatível com as delongas de uma deliberação prévia - submeta o problema à assembleia dos condóminos e esta sobre ele se pronuncie, deliberando.

Resolvido, desse modo, que há necessidade das pretendidas reparações, o condómino que tome a iniciativa de as efectuar estará validamente prevenido contra possível oposição de qualquer outro, a contestar a sua natureza.

Assim não sendo, "a assembleia poderá sempre, dentro dos poderes que lhe competem, apreciar a natureza das reparações efectuadas (...) e discutr, portanto, a regularidade da actuação de quem tomou a iniciativa de as promover (do preâmbulo do DL 40 333)..

E se o condómino (ou o administrador) avançar com a feitura das reparações e a assembleia posteriormente deliberar pela sua não indispensabilidade e urgência?

A circunstância de o condómino (ou administrador) pretender ressarcir-se das despesas que efectuou nas partes comuns do condomínio alegando indispensabilidade e urgência (cfr. art. 1427º do CC) que não se provou, não significa que essas despesas sejam inexoravelmente exigíveis ao condomínio com base no enriquecimento sem causa (cfr. art. 473º do CC).

O enriquecimento sem causa constitui outra causa de pedir, rectius, integrada pelos factos jurídicos que a lei tipifica:

- Enriquecimento
- sem causa justificativa
- à custa de outrem

A natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa (cfr. art. 474º do CC) impõe que a parte, que dispõe de outro meio de ser indemnizado ou restituído, deduza pedido subsidiário (cfr. art. 469º do CPC) se quiser ressarcir-se com base no enriquecimento sem causa.

O enriquecimento, que constitui um dos elementos constitutivos do direito à restituição com base no enriquecimento sem causa, tem de ser alegado enquanto facto integrativo desta causa de pedir. 

07 julho 2023

O art. 1427º do Código Civil

Redacção actual:

Redacção dada por Lei nº 8/2022 de 10-01-2022, Artigo 2º - Alteração ao CC

Artigo 1427º
Reparações indispensáveis e urgentes

1. As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.
2. São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

Redacção anterior:

Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 47 344 de 25-11-1966 - Aprovação CC

Artigo 1427º
Reparações indispensáveis e urgentes

As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.

Anteprojecto

Art. 129º

Tem a mesma redacção do texto definitivo do Código de 66

1ª Revisão Ministerial

Art. 1415º

Tem a mesma redacção do texto definitivo do Código de 66

 Projecto

Art. 1427º

Tem a mesma redacção do texto definitivo do Código de 66

Direito anterior

Art. 19º DL 40 333

As reparações indispensáveis e urgentes nos bens comuns podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimentos do administrador, mediante a iniciativa de qualquer proprietário, para serem pagas a final por todos, na proporção devida.

23 maio 2022

Obras indispensáveis e urgentes



Artigo 1427º
(Reparações indispensáveis e urgentes)

1 - As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.
2 - São indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas.

A realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fracção autónoma do edifício incumbe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respectiva conservação e reparação.

Além disso, os próprios administradores do condomínio, enquanto órgão executivo, poderão responder, a título pessoal, perante o proprietário afectado em consequência de patologias sobrevindas nessas partes comuns se, tendo conhecimento das mesmas e dos seus efeitos, não encetarem diligências para lhes pôr cobro, em particular não convocando assembleia extraordinária dos condóminos destinada a apreciação e deliberação sobre as obras de reparação necessárias.

Ao próprio condómino cuja fracção se mostre afectada assiste, à luz do preceituado no art. 1427º do CC, o direito de, por sua iniciativa, e perante uma situação de urgência, realizar essas obras de reparação; Todavia, esse é um direito ou faculdade que lhe assiste e não uma obrigação que lhe possa ser imposta ou exigida pelo administrador ou pelo condomínio.

Na verdade, se à luz do preceituado no art. 1427º do CC qualquer condómino, na falta ou impedimento do administrador, pode levar a cabo por sua própria iniciativa (e consequente vontade) as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns por forma a evitar a ocorrência de danos (ou o seu agravamento) na sua própria fracção – repercutindo, depois, o custo por si suportado pelos demais condóminos segundo os critérios previstos no art. 1424º do mesmo Código -, esse seu direito ou faculdade (que, repete-se, depende da sua iniciativa e da sua vontade em tal sentido, não correspondendo pois a qualquer dever ou obrigação do condómino) não escusa, nem exclui, manifestamente, os deveres que impendem, não só, sobre a administração do condomínio (enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, nomeadamente quanto a eventuais obras de reparação dessas partes do edifício), como, ainda, sobretudo, sobre os condóminos através da respectiva assembleia, enquanto órgão deliberativo integrado pelo conjunto de todos os condóminos, relativamente à administração e conservação das partes comuns (cfr. art. 1424º, nº 1 e 1430º do CC), por forma a que de tais partes comuns não decorram danos para terceiros, ou, ainda, para outro condómino, ao nível da sua própria fracção autónoma.

Como é consabido, na PH coexistem num mesmo edifício formando um conjunto incindível, os direitos de propriedade exclusiva dos condóminos sobre as respectivas fracções autónomas e os direitos dos mesmos condóminos sobre as partes comuns, por princípio definidos segundo o regime da compropriedade (cfr. art. 1420º, n.º 1 do CC). Destarte, ao lado de um direito de compropriedade sobre as partes comuns de que todos os condóminos são contitulares, cada condómino é proprietário exclusivo da sua própria fracção autónoma.

Como assim, cada um dos proprietários da respectiva fracção autónoma é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro, seja ele outro condómino, seja ele um terceiro alheio ao edifício em propriedade horizontal, seja ele, ainda, o próprio conjunto dos condóminos, que se abstenha de actos que perturbem ou diminuam o pleno gozo e fruição da sua fracção. Este direito resulta do preceituado no art. 1305º do CC segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, sendo que esse direito, enquanto direito real absoluto, é oponível a qualquer terceiro.

Nestes termos e à luz do preceituado no art. 483º do CC a violação desse direito subjectivo pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil.

De facto, como se salienta no Ac. do TRP de 16.01.2014: «Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza do direito real do lesado lhe impõe».

Também no Ac. da mesma Relação, de 23/4/2018 decidiu que: "Este mesmo princípio que emerge do preceituado no art. 483º do CC será, ainda, a nosso ver, aplicável ao próprio administrador, como órgão do condomínio, sendo que não intercede entre este e cada um dos condóminos uma relação contratual, a título de contrato de mandato ou de administração, mas, quando muito, entre o administrador e o condomínio, enquanto conjunto de todos os condóminos e considerado este como um centro de interesses representativo desse conjunto dos condóminos, diverso e autónomo perante o interesse de cada um dos condóminos, individualmente considerados.

Significa isto que o titular de uma das fracções do prédio em PH que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respectiva responsabilidade do condomínio ou do próprio administrador, a título pessoal, mas para tanto é suposto que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam o facto (acção ou omissão), a ilicitude (violação de um direito subjectivo ou de qualquer disposição legal dirigida à protecção de interesses alheios), a culpa (enquanto juízo de censura), o dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano"

Nestes termos, o órgão condomínio, entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes. Sucede, no entanto, que não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo relativamente às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio ou do administrador de reparar as partes comuns.

Com efeito, a alínea a) do nº 2 do art. 1422º do CC apenas impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio, o que não emerge da factualidade provada, sem sequer está em causa na presente acção.

Por outro lado, a al. f) do art. 1436º define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns. Em tal perspectiva, diga-se que, salvo deliberação da assembleia de condóminos nesse sentido, o administrador, enquanto órgão executivo do condomínio - que não pode invadir a esfera de competência deliberativa do condomínio através da respectiva assembleia -, não está directamente obrigado perante o condómino cuja fracção seja afectada por vícios ou patologias existentes nas partes comuns a realizar as obras de reparação necessárias à sua eliminação.

Na verdade, se é indiscutido que o administrador incorre em responsabilidade civil perante os condóminos ou perante terceiros, quando excede os limites das suas atribuições, quando faz mau uso dos poderes-deveres que a lei lhe confere, quando deixa de fazer o que a lei ou o regulamento do condomínio lhe impõem que faça ou, ainda, quando não dá cumprimento às deliberações da assembleia – e que lhe incumbe executar nos termos do art. 1436º, al. h) do CC -, já não incorre em responsabilidade civil se não providencia ele próprio pelas reparações urgentes nas partes comuns que causem danos em bens de terceiro ou na própria fracção autónoma de cada um dos condóminos.

O administrador, a esse nível, pode fazer essas obras, mas não está obrigado a substituir-se ao condomínio e à respectiva assembleia e a executá-las, ainda que perante si sejam reclamadas; Ao invés, a responsabilidade pela execução de tais obras nas partes comuns, cabendo ao condomínio no seu conjunto, através da respectiva assembleia, a administração das partes comuns (cfr. art. 1430º, nº 1 do CC), e cabendo ao mesmo conjunto de todos os condóminos, na proporção do valor das suas respectivas fracções, suportarem as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício (cfr. art. 1424º, nº 1 do CC), recairá, pois, sobre o condomínio, entendido este como o conjunto de todos os condóminos.

Aliás, um tal princípio decorre do preceituado no art. 1411º do CC, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir, na proporção das respectivas quotas, [no caso da PH, em função do valor relativo das suas fracções no valor do conjunto do edifício], para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.

Destarte, como se salienta no aludido Acórdão do TRP de 16.01.2014, "se é certo que inexiste norma legal expressa que consagre esta obrigação do condomínio quanto à reparação das partes comuns, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns, encetando as diligências necessárias a tal fim, designadamente deliberando sobre a sua realização e consequente adjudicação, incumbindo, depois, por seu turno, à administração, enquanto órgão executivo, providenciar pelo efectivo cumprimento de tal deliberação e consequente execução das obras de reparação ou conservação aprovadas."

Por conseguinte, é de concluir que o condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumprindo esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe são exigíveis e possíveis na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família (cfr. art. 487º, nº 2 do CC), e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevenham como consequência directa da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

No que se refere ao administrador, e como resulta do que já antes se expôs, a sua responsabilidade perante o condómino não decorre da não realização das reclamadas obras de reparação, pois que a tal não estava obrigado, mas antes de não ter aquele, como devia, segundo o mesmo critério do bom pai de família, ou seja de um administrador normalmente cuidadoso e diligente, nas circunstâncias do caso, na sequência da comunicação das infiltrações de águas existentes na fracção a partir de uma parte comum e dos seus efeitos quanto à inviabilidade de uso da fracção atingida, providenciado, pelo menos, pela marcação, no mais curto espaço de tempo possível, pela realização de uma AGE onde a reclamação do condómino fosse exposta e submetida à competente apreciação deliberativa dos condóminos.

Na verdade, não pode a administração do condomínio à data deixar de saber que é sua incumbência convocar a AG sempre que tal se mostre conveniente (como é manifestamente, o caso, perante a reclamação do condómino por patologias nas partes comuns do edifício que lhe causam danos significativos na fracção autónoma de sua propriedade – cfr. arts. 1431º, nº 2 e 1436º, al. a) do CC).