As deliberações da assembleia de condóminos
O art. 1431º estabelece que a administração das partes comuns do
edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador. O
administrador e a assembleia são os órgãos do condomínio, com carácter
obrigatório e necessário, e as suas atribuições estão ligadas à sua
função como expressão do grupo condominial. Os órgãos têm o poder de
realizar actos jurídicos vinculativos para uma organização colectiva, in
casu o condomínio, quer sejam actos prevalentemente internos, como as
deliberações da assembleia, ou actos externos, como os contratos
concluídos pelo administrador.
Todos os condóminos, reunidos em
assembleia, formam uma vontade, e o administrador executa essa vontade.
Segundo o legislador, esta é a estrutura necessária e adequada para
satisfazer as exigências organizativas do condomínio. A assembleia é o
órgão deliberativo, o administrador é um órgão executivo e
representativo. Este esquema organizatório não pode ser modificado por
acordo dos condóminos, nem podem ser criados órgãos especiais.
A assembleia de condóminos
Chama-se deliberação à expressão da vontade de um órgão plural, que
corresponde à proposta que obtiver a maioria dos votos (36). As decisões
tomadas pela assembleia de condóminos (37) representam o resultado das
várias vontades distintas dos condóminos mas tendentes a um único
escopo: a eficiente organização e gestão da vida condominial.
Naturalmente, uma vez tomadas as deliberações, a vontade que constitui o
seu fundamento assume uma autonomia própria a respeito dos condóminos
que formaram a decisão colectiva (38). A deliberação tomada por uma
colectividade, como é o caso do condomínio (39), vale como deliberação
do colégio e vincula, normativamente, todos os membros da colectividade,
mas é imputável a cada um dos condóminos. Os efeitos jurídicos da
deliberação produzem-se na esfera jurídica de cada um dos membros da
colectividade, porventura em contitularidade.
Nos termos do
art. 1432º, nº 3, as deliberações são tomadas, salvo disposição
especial, por maioria dos votos representativos do capital investido
(40). Ao contrário do TCPH, que está inscrito no registo predial e só
pode ser modificado pelo acordo de todos os condóminos, as deliberações
não estão sujeitas a registo e a todo o momento poderão ser suprimidas
ou alteradas pela assembleia.
Na medida em que delimitam o
direito de PH, as deliberações da assembleia de condóminos têm natureza
real e, por conseguinte, eficácia erga omnes, independentemente de
registo; quem exerce poderes sobre a fracção autónoma, seja o próprio
condómino ou um terceiro, v.g., um arrendatário ou um
promitente-comprador, está sujeito à sua observância (41).
O CC
refere, ainda, as deliberações “tomadas por unanimidade dos condóminos”
ou “tomadas sem oposição”: segundo o art. 1432º, nº 2, a convocação da
assembleia de condóminos deve informar sobre os assuntos cujas
deliberações só podem ser tomadas por unanimidade dos votos; nos termos
do art. 1422º, nº 2, d), a assembleia pode proibir actos ou actividades
por deliberação aprovada sem oposição; o art. 1422º-A, nº 3, estabelece
que para a divisão de fracções autónomas é necessário autorização da
assembleia de condóminos aprovada sem qualquer oposição. Nesta última
disposição, a autorização esgota o seu valor no próprio acto. Depois de
autorizado a dividir a sua fracção autónoma, o condómino pode, por acto
unilateral de escritura pública, introduzir a correspondente alteração
no título constitutivo (art. 1422º-A, 4).
Estamos,
substancialmente, perante verdadeiras deliberações ou, pelo contrário, o
legislador chama “deliberação” a acordos dos condóminos? Em nossa
opinião, o legislador adopta um critério formal (42): da assembleia
(conjunto dos condóminos) e na assembleia (reunião) só resultam
deliberações (em sentido amplo)(43). A lei coloca exigências variadas à
assembleia, consoante a importância dos assuntos a tratar: maioria
representativa de 2/3 do capital, qualquer maioria, desde que não haja
oposição dos condóminos, maioria de 2/3 dos condóminos, desde que não
haja oposição e, por último, unanimidade. Quando decida por maioria
simples, os poderes da assembleia de condóminos estão circunscritos à
esfera das relações respeitantes ao uso e gozo das coisas e serviços
comuns. Este é um princípio geral: a assembleia não pode invadir a
esfera da propriedade individual (44), em que a regulação está reservada
à regulamentação convencional dos condóminos. Os limites gerais da
actuação no âmbito condominial, sem invadir a esfera da propriedade
exclusiva, requerem necessariamente uma série de marcos, dentro dos
quais a assembleia deve conter as suas próprias decisões.
Se a
assembleia de condóminos tem, tendencialmente, poderes apenas sobre as
partes comuns do edifício e não pode afectar o direito de propriedade do
condómino sobre a sua parte própria, a assembleia de condóminos não
pode proibir a detenção de animais de companhia numa fracção autónoma. A
maioria não pode emitir normas que limitem os direitos ou faculdades
que os condóminos tenham, iure domini, sobre e nas respectivas fracções
autónomas.
Quanto aos seus poderes sobre as partes comuns, a
actuação da assembleia de condóminos encontra um limite no direito de
compropriedade de cada condómino individual. Nos termos do art. 1406º,
como vimos supra, a qualquer dos condóminos é lícito servir-se da coisa
comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a
coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente
têm direito. A assembleia, no âmbito dos seus poderes de administração,
pode contemperar o uso da coisa comum, no interesse colectivo do
condomínio, mas ao fazê-lo não pode violar o direito de compropriedade
de cada condómino, privando-o do uso da coisa. Assim, se a assembleia de
condóminos pode estabelecer que o condómino não possa descer no
elevador quando acompanhado de animais de companhia (mas ainda aqui a
licitude da proibição depende das circunstâncias do caso concreto, por
exemplo, se o condómino é uma pessoa idosa ou doente, ou se vive num 4.º
andar, porque consubstancia uma verdadeira privação, a proibição tem-se
como não válida), já não pode impedir que o condómino circule
acompanhado de um animal de companhia nas partes comuns do edifício,
porque desse modo estaria a privar o condómino do poder de usar aquilo
de que é comproprietário. Reentra, todavia, nos poderes da assembleia a
faculdade de disciplinar o uso das partes comuns, impondo deveres
especiais de cuidado com a higiene das partes comuns ou com a segurança,
quer do edifício, quer das restantes pessoas que nele habitam (impondo a
proibição de o animal vir à solta, por exemplo (45)).
Se a
assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de
um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a
proibição, quid iuris? Nos termos do art. 1434º, a assembleia de
condóminos pode fixar penas pecuniárias (46) para a inobservância das
suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a acta da
reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das
penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do
art. 6º, do DL 268/94, de 25 de Outubro (47).
Notas:
(36) Seguimos quase ipsis verbis LUÍS BRITO CORREIA, Os Administradores das
Sociedades Anónimas, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 425.
(37) GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 454, caracteriza a
assembleia como o órgão supremo, natural, estrutural, permanente do condomínio.
Destarte, não pode dizer-se que seja a mera soma dos condóminos: as suas
deliberações são obrigatórias também para aqueles que não as aceitaram. Também
VOLKER BIELEFELD, Der Wohnungseigentümer, 5.ª ed., Verlag Deutsche
Wohnungswirtschaft GmbH, 1995, pág. 392, considera a assembleia de condóminos
como o “oberste” órgão de administração. Para NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento
e l’assemblea nel condominio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág.
100, a assembleia, na medida que pode decidir recursos contra os actos do
administrador, é o órgão superior da administração.
(38) Cfr. NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli
edifici, pág. 96.
(39) PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, pág. 49, entende como deliberação
a declaração juridicamente imputável a uma pessoa colectiva ou simplesmente a
um órgão seu, ou ainda, globalmente, a um grupo não dotado de personalidade
jurídica, formada mediante o concurso dos sujeitos de direito que a compõem e
moldada pela fusão das declarações individuais receptícias por eles emitidas
(votos) que, no mínimo, integrem o núcleo mais numeroso de declarações de
sentido idêntico.
(40) As normas sobre a constituição da assembleia e a validade das suas
deliberações não podem ser contrariadas por nenhum acto negocial. Entendemos
que os condóminos não podem alterar a maioria legalmente estabelecida; o
estabelecimento de uma maioria mais exigente comporta uma correlativa restrição
dos poderes que a lei concedeu à assembleia e dificulta a actividade de administração
das partes comuns. Neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 19 de Abril
de 1990, in CJ, II, págs. 289 e ss., considerou nula a cláusula que exigia a
totalidade dos votos representativos do capital investido para a aprovação das
deliberações. “Neste ponto, a lei é imperativa. De resto, até se poderá, com
razão, dizer que as cláusulas contratuais, para poderem ser conformes à lei,
terão de poder dar um mínimo de funcionalidade às situações a que se destinam.
Ora, exigir a unanimidade para toda e qualquer deliberação da assembleia de
condóminos, era praticamente o mesmo que tornar ingovernável o condomínio. Tal
situação teria necessariamente de ser afastada pelo legislador que, obviamente,
não criou um instituto na lei para permitir que ele não funcionasse de modo
minimamente aproveitável, ou, mesmo, deixando a possibilidade de situações
amiúde verificáveis em que tal instituto ficasse paralisado. Bastaria a vontade
de qualquer dos condóminos, desconforme com a dos outros, para que nada na propriedade
horizontal e condominial pudesse funcionar”. Na doutrina, v. ARAGÃO SEIA,
Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, pág. 177.
Esta questão é altamente controversa entre a doutrina italiana. Em sentido
concordante com o estabelecimento de uma maioria mais elevada, NOBILE,
L’amministratore del condominio, 4.ª ed. revista e actualizada por Guido
Belmonte, Casa Ed. Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1966, pág. 93, GINO TERZAGO,
Il Condominio – Trattato Teorico-Pratico, 4.ª ed., Giuffrè, 2000, pág. 545, e
LINA BREGANTE, Il regolamento di condominio, Giuffrè, Milão, 2000, pág. 55.
Pelo contrário, LAZZARO/STINCARDINI, L’amministratore del condominio, pág. 52,
e NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici,
pág. 22, não aceitam a possibilidade de estabelecer uma derrogação à maioria
estabelecida ex lege, exigindo uma mais elevada, pois estas disposições visam
tutelar interesses fundamentais do condomínio ou de terceiros.
Na doutrina alemã, entende-se que o kopfstimmrecht é disponível. Por todos, v.
VOLKER BIELEFELD, Der Wohnungseigentümer, pág. 413.
(41) Cremos que o transmitente de uma fracção autónoma é obrigado a comunicar
ao adquirente as deliberações anteriormente aprovadas. Nos termos do art.
9.º do DL 268/94, o administrador, ou quem a título provisório desempenhe as
funções deste, apenas tem o dever de facultar cópia do regulamento aos
terceiros titulares de direitos relativos às fracções. Assim, o administrador
pode, legitimamente, recusar-se a apresentar o livro de actas a um terceiro que
se apresente como eventual adquirente de uma fracção autónoma. Por outro lado,
a culpa in contrahendo prevê deveres de esclarecimento a cargo das partes em
negociação (cfr. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina,
Coimbra, 1997, pág. 549); a conclusão de um contrato na base de falsas
indicações ou na base de falta de informação implica o dever de indemnizar, por
culpa na formação dos contratos. Na prática, os futuros adquirentes não
procuram o administrador para verificarem as actas, porque acreditam na palavra
do condómino-alienante ou entendem o seu silêncio como sinal da ausência de
problemas. A dificuldade agrava-se quando o condómino-alienante é o próprio
administrador do condomínio. Esta opinião não é, contudo, consensual; v.
HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal, págs. 134 e 135.
(42) No sentido de que a vontade comunitária só pode formar-se na reunião
formal da assembleia de condóminos, v. ANTÓNIO VENTURA-TRAVESET, Derecho de
Propiedad Horizontal, Bosch, Barcelona, 2000, pág. 490.
(43) O legislador refere-se ainda ao acordo de todos os condóminos no art.
1419º, nº 1, para a modificação do título constitutivo. Parece, quanto a este
acordo, que ele pode ser obtido fora da assembleia de condóminos.
(44) Neste sentido, NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel
condominio degli edifici, pág. 97 e BÄRMANN/PICK/MERLE,
Wohnungseigentumsgesetz, pág. 428.
(45) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed.,
Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 1996, pág. 57, e MARCEL SAUREN,
Wohnungseigentumsgesetz, Beck, München, 1995, pág. 145. A proibição de os
animais andarem à solta dentro das partes comuns do edifício não só evita a
poluição destes locais e outros estorvos, como permite identificar, com
facilidade, a permanência aí de animais estranhos ao edifício.
(46) PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990,
págs. 139 e ss., trata destas sanções ao lado das sanções de índole disciplinar
– pena associativa (“Vereinssstrafe”). São penas impostas pelos órgãos de uma
associação, “graças a um poder – sancionatório – inerente ao grupo, para fazer
cumprir os deveres associativos pelos respectivos membros”. A pena associativa
destina-se “a exortar os sócios a assumirem um comportamento conforme ao que a
associação lhes exige, de acordo com os estatutos e segundo os padrões
ético-sociais específicos do grupo. Por isso é que a sua imposição passa por um
juízo valorativo (Bewertung) ulterior, através de um procedimento algo
semelhante ao de um processo judicial (...)”. A pena associativa “tem
finalidades intimidativas (Abschreckung) e de expiação (Sühne) (...) de acordo
com a sua função essencial: assegurar a disciplina dos membros da associação e
o respeito pelos deveres associativos”. Quanto à legitimidade das penas
associativas e das penas pecuniárias do condomínio, ela é naturalmente
diferente. Continuando a seguir os ensinamentos do Autor, a legitimidade das
sanções associativas decorre do princípio da autonomia associativa. Mas há
analogia evidente na finalidade a cumprir. As penas associativas visam
“assegurar o respeito pelas suas regras internas de funcionamento e a
disciplina do respectivo grupo ou colectividade”. As penas da assembleia de
condóminos são “sanções estabelecidas por um grupo – a assembleia de condóminos
–, a fim de fazer respeitar as suas deliberações, as disposições legais
pertinentes ou as decisões do administrador”. Entendemos nós que, ao contrário
das associações, em que a legitimidade das penas é interna, decorrente da
autonomia associativa dos seus membros, no condomínio existe uma legitimidade
de origem externa, decorrente de um elemento objectivo: a convivência, a
sociabilidade resultante da unidade estrutural do edifício.
(47) Neste sentido decidiu o acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Junho de
2001, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.