Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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14 maio 2025

Jurisprudência: Terraços


Propriedade horizontal Acção de reivindicação Fracção autónoma Terraços Partes comuns Título constitutivo

I -A fracção A é um pavilhão industrial no rés-do-chão; a fracção B é um pavilhão industrial no 1.º andar do mesmo prédio; o principal pedido da autora é o de que se declare o seu direito de propriedade sobre a totalidade da fracção B e a consequente restituição do terraço que a ré ocupa.
II - Mas, desde logo, não há terraço algum referido como fazendo parte da fracção B; de acordo com o regime legal em vigor ao tempo da constituição da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são, seriam sempre, necessariamente, coisa comum; compropriedade dos condóminos do prédio, como manda o n.º 1 do art. 1420.º do CC.
III - E se é certo que o n.º 3 do art. 1421.º do CC abria a porta para que o bilhete de identidade da propriedade horizontal afectasse um tal terraço ao uso exclusivo de um dos condóminos, ainda assim esse estatuto não faria nascer um direito de propriedade sobre o terraço, mas um outro direito real de gozo -exactamente o direito real de uso; mesmo em termos de puro facto, nos autos não está feita a prova da exclusividade do uso; improcede, pois, a acção.
Revista n.º 217/09 -7.ª Secção Pires da Rosa (Relator) Custódio Montes Mota Miranda

Propriedade horizontal Parte comum Terraços Condomínio

I - O condomínio deve suportar os encargos resultantes da conservação e fruição do terraço enquanto cobertura; o condómino que tem o exclusivo da sua utilização suportará os encargos de conservação e fruição do terraço, enquanto espaço de utilização individualizada.
II - Estando assente que os defeitos do terraço - cobertura da fracção do piso 3.º e de uso exclusivo do condómino do 4.º do piso -, que provocaram os danos sofridos pelo proprietário da fracção do piso 3.º, são defeitos do terraço enquanto cobertura - pois resultaram de deficiências da tela que o revestia -, e não o resultado de uma qualquer utilização daquele por parte do dono da fracção do 4.º piso, forçoso é de concluir que o condomínio é responsável pela reparação dos prejuízos suportados pelo proprietário da fracção inferior.
Revista n.º 3468/06 - 7.ª Secção Pires da Rosa (Relator)Custódio MontesMota Miranda

Propriedade horizontal Condomínio Administrador Obras

I - Em regra, os condóminos não podem fazer obras de reparação e conservação nas partes comuns dos edifícios, salvo se estas se apresentarem indispensáveis e urgentes e, mesmo assim, sempre na falta ou no impedimento do administrador.
II - A recusa do administrador na realização das obras de reparação e conservação legitima a actuação do condómino.
III - São obras de reparação e conservação as que se mostram necessárias para manter em condições de utilização as partes comuns do prédio, quer eliminando defeitos, quer reparando estragos, quer impedindo deteriorações.
IV - Devem ter-se por obras de reparação necessárias e urgentes aquelas que concretamente foram efectuadas pelo autor no terraço de cobertura - parte comum do prédio - e destinaram-se a eliminar um defeito do imóvel que causava infiltrações de água, as quais atingiam a fracção do autor, colocando-a em risco.
Revista n.º 1019/06 - 7.ª Secção Mota Miranda (Relator)Oliveira Barros Salvador da Costa

Propriedade horizontal Parte comum Despesas de condomínio Regra proporcional

I - O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem) as respectivas fracções e se não sirvam, por con-seguinte, das partes comuns do prédio.
II - Se uma 'sala do condomínio' e uma 'arrecadação geral' do edifício - partes comuns - se localizam no 11.º piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.
III - Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.
IV - Apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas de manutenção e conservação dos ele-vadores os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma gara-gem ou um lugar de aparcamento) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condómi-nos.
V - É possível instituir, por acordo majoritário da assembleia de condóminos, um critério equitati-vo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das par-tes ou equipamentos comuns .
Revista n.º 94/05 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) * Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços Inovação

I - Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns.
II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal.
III - Um anexo construído num terraço de cobertura constitui uma inovação.
IV - Não tendo sido autorizado por maioria qualificada (2/3 do valor total do prédio), é uma obra proibida.
V - Tendo a construção do anexo modificado o arranjo estético do edifício, a obra é proibida, não tendo sido aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
VI - O Condomínio, em tais circunstâncias, tem direito de pedir a demolição dessa obra.
Revista n.º 2567/03 - 2.ª Secção Loureiro da Fonseca (Relator) * Lucas Coelho Santos Bernardino

Negócio formal Prova testemunhal Propriedade horizontal Título constitutivo Partes comuns Terraços Inovação

I - A existência de regras específicas relativas à interpretação de declarações negociais obrigatoriamente documentadas, não exclui a sua complementação por via do recurso à prova testemunhal.
II - Tendo em conta o relevo em matéria de propriedade horizontal do respectivo título constitutivo, não deve ser formulado quesito no sentido de saber se certa fracção predial não se prolonga até à fachada do prédio ou de haver ao seu nível uma área que não entra na sua composição.
III - A previsão do n.º 1 do art.º 1421 do CC é de natureza imperativa, pelo que, independentemente do que constar do título constitutivo da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são comuns à pluralidade dos condóminos, ainda que destinados ao uso exclusivo de um ou de algum deles.
IV - O conceito de terraço de cobertura a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 1421 do CC abrange, e já abrangia na sua anterior versão, qualquer terraço que sirva de cobertura ao próprio edifício ou a alguma das suas fracções prediais.
V - Constitui inovação nas partes comuns do edifício a sua alteração de forma ou de substância ou a modificação da respectiva afectação e destino.
VI - A modificação ou a alteração dos elementos estruturais da construção, que ao edifício conferem a sua individualidade específica, são susceptíveis de prejudicar a sua linha arquitectónica do edifício, bastando para o efeito a sua modificação.
Revista n.º 1984/03 - 7.ª Secção Salvador da Costa (Relator) * Ferreira de Sousa Armindo Luís

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços

Se um terraço é constituído por uma placa que serve de elemento protector de todo o bloco inferior do prédio, sendo por isso de concluir que a mesma faz parte integrante da estrutura do edifício, é de o qualificar como 'parte comum', não obstante ao mesmo só ser possível o acesso pelo interior de uma das fracção do imóvel.
Revista n.º 2062/02 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Terraços

I - A redacção inicial do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC, nos termos da qual são comuns a todos os condóminos 'o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento', aplica-se aos casos em que a propriedade horizontal foi constituída antes da sua nova redacção, introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25 de Outubro, por força do disposto no art.º 12, n.º 2, daquele código.
II - Não estão aí abrangidos, por não serem terraços de cobertura, os terraços existentes nos planos dos vários pisos, com acesso pelos mesmos.
III - Não é exigível a um condómino que prove as razões da ocorrência de infiltrações provenientes dum terraço, basta demonstrar que advieram da sua deficiente impermeabilização.N.S.
Revista n.º 2899/00 - 7.ª Secção Araújo Barros ( Relator) Oliveira Barros Miranda Gusmão

Propriedade horizontal Partes comuns Sótão

I - Os espaços compreendidos entre o tecto do último andar de um edifício e as telhas (vão, sótão ou águas furtadas), não sendo telhado ou terraço de cobertura, não têm de ser considerados obrigatoriamente coisa comum, nos termos do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC. I - Não se trata de parte do edifício que, pela função que desempenha, careça de ficar afecta a todos os condóminos, como sucede com todas aquelas que se enumeram no citado n.º 1.
II - Deixam de ser comuns as coisas que estejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos, para tal bastando uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da constituição do condomínio, não se exigindo que ela conste do respectivo título constitutivo.
Revista n.º 703/99 - 1.ª Secção Machado Soares (relator) Fernandes Magalhães Tomé de Carvalho

Propriedade horizontal Câmara municipal Condomínio Obras Finalidade dos recursos

I - Os recursos destinam-se a reapreciar e modificar decisões e não a criá-las sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
II - De outro modo, estar-se-ia a violar o princípio do duplo exame jurisdicional a que as partes têm, em princípio, direito.
III - A câmara municipal, órgão do município, pela circunstância de ser proprietária de três fracções autónomas do prédio está colocada na mesma situação de qualquer outra pessoa colectiva, despojada dos poderes próprios do órgão que é da autarquia.
IV - Na situação conflitual que a opõe ao condomínio desse prédio não têm que ser ponderadas as motivações que levaram a câmara municipal à realização das obras, as finalidades que se propõe atingir com as mesmas.
V - São-lhe, pois, aplicáveis, como a qualquer outro condómino do prédio, as normas que estabelecem o estatuto jurídico das relações nascidas da propriedade horizontal, designadamente as limitações ao exercício de direitos (art.º 1422 do CC) e a proibição, ou condicionamento a prévia aprovação da maioria dos condóminos, da realização de certas obras (art.º 1425 do CC).
VI - Partes comuns do edifício não são apenas o solo, os terraços de cobertura, as entradas e vestíbulos. São-no também as colunas, os pilares, as paredes mestras e outras partes mais do edifício (art.º 1425, n.º 1, do CC).
VII - Seria abusivamente restritiva a interpretação que se fizesse do art.º 1425, em termos de o considerar aplicável apenas àquelas partes comuns primeiro referidas, quase o reservando às que constituem áreas horizontais do edifício.J.A.
Processo n.º 437/97 - 2.ª Secção Relator: Almeida e Silva

Propriedade horizontal Terraços Parte comum

Terraço de cobertura é aquele que tem uma função - relativamente ao prédio em si - idêntica à do telhado
rocesso n.º 756/96 - 1ª Secção Relator: Machado Soares Descri

Construção de edifício Projecto aprovado Alteração Sala de condóminos Propriedade horizontal Título constitutivo Nulidade

I - Autorizada pela câmara municipal a construção de um compartimento no terraço do edifício, com a condição de o mesmo se destinar a sala de reuniões de condóminos, não pode no título constitutivo da propriedade horizontal atribuir-se-lhe outro destino com a sua afectação a uso exclusivo de um dos condóminos.
II - Tendo na escritura de constituição da propriedade horizontal tal compartimento e a respectiva casa de banho sido considerados como fracção autónoma, ofendeu-se, portanto, nesse título constitutivo o disposto nos artºs. 1º, 2º, 3º, 6º e 8º do RGEU, aprovado pelo Dec.-Lei nº 38382, de 7.8.1951 .
III - E porque se trata de preceitos de ordem pública, ao desrespeitá-los, a escritura em causa é nula na parte em que atribuiu autonomia àquela dependência, constituída por sala e casa de banho.
Processo nº 129/96 - 2ª Secção Relator: Mário Cancela

ACSTJ de 06/11/2018: Terraços em socalcos


Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 572/15.5T8SSB.E1.S1
Meio Processual: Revista
Relatora: Ana Paula Boularot
Data: 06/11/2018

Jurisprudência:
  • Ac. STJ de 08-04-1997
  • Ac. STJ de 15-05-2012, Relator Hélder Roque
  • Ac. STJ de 09-06-2016, Relator Orlando Afonso
  • Ac. TRG de 14-12-2006
  • Ac. TRC de 23-09-2008
Descritores:
  • Propriedade horizontal
  • Terraços
  • Varandas
  • Partes Comuns
Sumário:

I Dispõe o art.º 1421º, nº1, alínea b), do CCivil, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

II Os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam.

III Se o edifício dos autos, como resulta da materialidade assente « está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.», o terraço/varanda do apartamento propriedade do Autor, aqui Recorrente, será também cobertura do apartamento nº…que constitui o andar imediatamente inferior e onde ocorreram infiltrações na sua parede poente e tecto, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção.

Texto integral: vide aqui

13 maio 2025

Os terraços antes e depois do DL 268/94


O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.

Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no art. 1308º do CC, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».

Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita aos terraços constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respectivo título constitutivo.

Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.

Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.

O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 12º do CC, onde se dispõe que «Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».

Com efeito, uma lei que, posteriormente à constituição da PH, altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja, sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da PH, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é, sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.

Nesta factualidade, existe uma alteração legislativa no que respeita ao art. 1421º do CC onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da PH.

Até 1994, a al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, dispunha que eram comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento»”. Posteriormente, o DL nº 267/94, de 25/10, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.»

Face à actual redacção da al. b) do nº 1 do art. 1421º, do CC, não existem quaisquer dúvidas no sentido de que os terraços são partes comuns, desde logo por se as fracções destinadas a habitação, beneficiam do uso do terraço que se situa imediatamente por cima de outras fracções, e que, por sua vez, lhes serve de cobertura.

Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o terraço é parte comum ou individual, será a lei em vigor à data da constituição da PH e tal lei tanto pode ser a que resulta da redacção primitiva do Código Civil de 1996, por a constituição da propriedade ter ocorrido antes da data de entrada em vigor do DL 268/94 de 25/10, como a nova redacção introduzida por este diploma legal.

Afigura-se, no entanto, que a nova redacção dada à al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, pelo DL nº 267/94, de 25/10, constitui lei interpretativa em relação à anterior redacção (neste sentido Ac. TRC de 23/9/2008, proc. nº 521/1996, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, ao escrever que anteriormente era a seguinte a redacção desta alínea, a qual correspondia à versão original do C. Civil de 1966, que quase copiou o ponto 2.º, do artigo 13º, do antigo Decreto-Lei n.º 40.333: ‘O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento’.

Na vigência desta redacção discutiu-se se tal previsão abrangia os chama­dos terraços de cobertura intermédios, isto é os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varanda a estas.

Enquanto uns consideravam que tais terraços estavam incluídos na previ­são da transcrita alínea (vide os seguintes acórdãos do TRL de 23/3/1982, relatado por Eliseu Figueira, na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 173, de 27/4/1989, relatado por Ianquel Milhano, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 151, do TRP de 2/7/1991, relatado por Mettelo de Nápoles, na C.J., Ano XVI, tomo 4, pág. 231, de 3/11/1994, relatado por Cesário de Matos, na C.J., Ano XIX, tomo 5, pág. 197), outros sustentavam opinião contrária (Acórdão da TRL de 21/5/1991, relatado por Diniz Nunes, na C.J., Ano XVI, tomo 3, pág. 148).

Ora, como as alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/10, não esque­ceram o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar, a nova redacção introduzida à al. b) do art. 1421º, nº 1, do CC, teve como intenção acabar com as dúvidas que a anterior redacção suscitava relativamente aos terraços de cobertura intermédios, optando pela sua inclusão no seu âmbito de previsão.

Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei inte­grada (art. 13º do CC), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a PH tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94.

Como referiu Batista Machado, «Para que uma Lei Nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a Lei Nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora» in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.

Como se sabe, a solução dada à questão em análise era controvertida, quer na doutrina quer na jurisprudência. Com efeito, a lei em vigor antes da aprovação do DL 268/94 de 25/10 dispunha que «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» - al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC. Após o DL nº 267/94, de 25/10, a norma foi reformulada passando a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».

Da leitura das redacções vemos que a após a entrada em vigor DL nº 267/94, de 25/10, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.

Há quem advogue o entendimento seguido no Ac. proferido no processo n.º 17/15.0T8SAT.C1, datado de 15/11/2016, onde se perfilha pelas razões expostas, o entendimento seguido no Ac. supra citado, n.º 521/996, relatado pela adjunta Desembargadora Sílvia Pires, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do nº 1 do art. 13º do CC, onde se dispõe que «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

Às razões supra referidas, neste sentido, cabe ainda acrescentar outras, a saber:

Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do DL nº 40.333, de 14/10/1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da PH até ao início de vigência do novo CC, que «A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.

Quanto a nós tal não significa que – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas, não sendo é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados».

Desde logo, por a natureza e função do direito de PH não excluir que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.

Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura. Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento». Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício.

A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a «saúde» do edifício.

No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se Rui Miller, in Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156, ao comentar a nova redacção dada à al. b) do nº 1, do art. 1421º, pelo DL nº 267/94, de 25/10, ao referir «O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2. Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício», Ac. STJ de 16/10/2003, do TRP de 25/9/2003).

Em sentido oposto pronunciou-se Moutinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, Almedina, 1996, pág. 57, ao referir que «Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello», Ac. STJ, no acórdão de 8/4/1997, www.DGSI.pt, identificado com o número 96A756 onde refere «I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem» e Ac. do mesmo venerando Tribunal datado de,, 8 de Abril de 1997, relatado pelo Conselheiro Machado Soares. Ponderando as várias posições, temos para nós, como já deixamos referido in supra, que a tese que melhor se adequada às normas legais é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.

Sendo que também não vemos diferença entre esse terraço intermédio que tem função de cobertura, “telhado” ainda que situado numa posição intermédia e um mesmo espaço físico agora colocado no topo do edifício mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço) (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 16/10/2003 (Luís Fonseca), em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: «E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso».

12 maio 2025

Uso exclusivo terraço


Tribunal: Relação de Coimbra
Processo: 297/03.4TBBGRD.C1
Data: 29-05-2007

Sumário:
 
I - A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
II - Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... demandam, na comarca da Guarda, C... e mulher D... , pedindo a condenação dos réus a reconhecer que o terraço do prédio identificado na petição inicial e do qual são titulares de fracções autónomas, é parte comum; a reporem a porta inicialmente existente, por forma a que tenham acesso directo ao terraço; e a absterem-se de praticar quaisquer actos que obstem a que o terraço seja propriedade comum;
Alegam, em síntese, que são titulares da “fracção A”, que compreende o rés-do-chão direito, 2.º e 3.º andares do prédio e que os réus são titulares da “fracção B”, que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão para arrumações.
Acontece que os réus têm vindo a impedir o acesso dos autores ao terraço de cobertura do prédio, que estes entendem ser parte comum, e ao qual tinham acesso por uma porta cuja utilização os réus lhes vedaram.

2. Os réus contestaram, opondo, também em síntese, que, apesar do título constitutivo só lhes atribuir a titularidade da fracção B que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão amplo para arrumações, o certo é que, por acordo, autores e réus alteraram o projecto inicial e, por virtude dessa alteração, ficou a pertencer-lhes o último piso do edifício que passou a ser composto por cozinha, arrumos, casa de banho e varanda, correspondendo esta ao que no projecto inicial era o terraço do prédio. E ainda que, em face disso, adquirira, por usucapião todo esse terraço.

3. No prosseguimento da causa veio a realizar-se a audiência de julgamento, posto o que foi proferida sentença que apenas condenou os réus a reconhecerem os autores como donos da fracção A, absolvendo-os de tudo o mais que era pedido, o que corresponde, na prática, à improcedência da acção.
Os autores não se conformam e apelam a esta Relação, concluindo:
1) O Tribunal " a quo” faz uma arbitrária e subjectiva análise interpretação dos factos.
2) Os Juízes têm de fazer uma análise critica integrada dos depoimentos e documentos, atendendo ás garantias de imparcialidade, seriedade, razão da ciência.
3) Devem ser dados como provados os pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10,11, 12, 13, e 14 constantes da Base instrutória.
4) Devem ser dados como não provados os factos dos pontos 23, 24,30,31,32 e 33.
5) Devem os réus reconhecer o terraço como parte integrante e comum do prédio constituído em propriedade horizontal.
6) Em conformidade com as disposições legais que sustentam o regime da Propriedade Horizontal, e face ao disposto na Escritura Pública de constituição da Propriedade Horizontal, dever-se-á proceder à realização de obras, por responsabilidade do condomínio, de forma a criar uma porta de acesso ao terraço (com base no projecto de obra original), por forma a respeitar o disposto no art. 1415°CC (fracção autónoma com saída própria para uma parte comum do edifício).
7) Devem os réus abster-se de praticar todos e quaisquer actos que obstem ao reconhecimento de que o terraço é parte comum do prédio.
8) A sentença recorrida viola as mais elementares normas Jurídicas.

4. Os apelados contra-alegaram em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir.
Entretanto vejamos os factos que vêm dados como provados da 1.ª instância, seguindo a mesma ordem e numeração.
A. Os autores são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção A”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão direito, que serve de garagem, com uma casa de banho; segundo andar com seis divisões, cozinha e duas casa de banho, terceiro andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria, Manteigas sob o artigo 861 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o 00003/100185/ A e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
B. Os réus são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção B”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão esquerdo, que serve de garagem, com uma casa de banho; primeiro andar com cinco divisões, cozinha e duas casa de banho, quarto andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, e sótão amplo para arrumações, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria sob o artigo 861, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o n.º 00003/100185/B e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
C. Tais fracções resultaram da constituição em propriedade horizontal do prédio urbano, sito na R. X..., composto de casa de habitação com r/chão direito e esquerdo, 1, 2, 3 e 4 andares e sótão amplo, com área coberta de 165 m 2 - L. 35 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de S. Maria sob o artigo 861, de que autores e réus eram comproprietários na proporção de metade, por escritura de constituição de propriedade horizontal e divisão outorgada no Cartório Notarial de Manteigas em 17 de Janeiro de 1985 e exarada a fls 10 do L 137.
D. Tal prédio foi construído por autores e réus, num prédio rústico denominado Santo Estevão ou Tanque, destinado a construção urbana, com a área de 200 m2 e fazendo parte do inscrito na matriz predial sob o artigo 802 da freguesia de Santa Maria.
E. O prédio descrito em D) foi adquirido por autores e réus por compra a E... e mulher F... e inscrito na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 2/100185.
F. Nos termos da escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0, cujo teor se dá por reproduzido, acordaram autores e réus que “São partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”.
G. A antena de televisão está colocada no terraço junto à chaminé.
H. E todos os circuitos de distribuição da rede de televisão.
I. Os réus deslocaram-se a Portugal onde permaneceram cerca de 10 dias.
J. Os autores e réus alteram o projecto inicial do prédio, em 1983.
L. Por força dessa alteração o último piso do prédio passou a ser constituído por casa de banho, arrumos, cozinha e terraço.
M. E o acesso ao terraço passou a ser feito pela cozinha.
N. O sótão ficou a pertencer à fracção B porque a fracção A tinha o rés-do-chão maior e dois pisos seguidos, valorizando-o
O. E o 1.° andar da fracção B está enterrado.
P. A porta de acesso ao sótão é a mesma que existia em 1982.
Q. Colocada antes do projecto de alterações.
R. Os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982 .
S. Sem oposição de quem quer que fosse.
T. À vista de todos, incluindo os autores.
U. De forma contínua, sempre que vêm a Portugal.
V. E na convicção de serem dele legítimos proprietários.
W. Os réus tiveram conhecimento da alteração do projecto.
X. Os réus deslocaram-se a Portugal;
Y. Os réus pagarão honorários ao seu mandatário;

5. O que os autores pretendem com esta acção é que se reconheça ser parte comum do prédio o terraço – que tudo indica ser de cobertura do prédio – e que os réus sejam condenados a facultar-lhes o acesso a esse terraço, já para ter acesso às coisas comuns que aí estão, tais como a antena colectiva e equipamento de distribuição de sinal de televisão e arranjos necessários do isolamento da cobertura do prédio, para evitar infiltrações de águas pluviais, queixando-se mesmo de humidades na sua fracção que exigem uma intervenção desse tipo e a atitude dos réus o impedem.
A posição dos réus é que todo esse piso superior lhes pertence, quer porque uma parte – o sótão para arrumações já integra a sua fracção, quer porque adquiriram o terraço por usucapião, em virtude duma posse em nome próprio a partir do acordo que fizeram com a alteração do projecto de construção.
Não lhes tendo dado razão, a 1.ª instância rejeitou a pretensão dos autores e aceitou a posição dos réus, configurando-a como uma defesa por excepção, já que, apesar de intitularem o seu articulado de “contestação reconvenção”, não formularam qualquer pedido reconvencional, nem mesmo após advertência do sr. Juiz.
Agora, em recurso, os autores apelantes resumem a sua discordância a duas questões: i) alteração da matéria de facto, por erro de julgamento, de forma a que se dê como provados os factos que suportam a compropriedade do terraço e não provados os factos que suportaram a declaração de propriedade exclusiva desse mesmo terraço; ii) que se realizem as obras necessárias (abertura da porta de acesso directo ao terraço) para evitar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.

6. Digamos, desde já, que a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal não consta dos articulados e não foi, por isso mesmo, apreciada em 1.ª instância, pelo que é uma questão nova e a Relação só reaprecia decisões já proferidas e não conhece de novas questões. Logo, tudo o que envolva uma tomada de posição sobre a validade ou nulidade do título constitutivo não vai ser aqui e agora apreciado.
Resta, então, a 1.ª questão – saber se o terraço é propriedade comum ou exclusiva dos réus – pela confirmação ou alteração da matéria de facto decidida em 1.ª instância.
E a resposta é não. Não é propriedade exclusiva dos réus. E não é porque a decisão que o declara tem como pressuposto a usucapião e a usucapião é a posse mantida por certo lapso de tempo que faculta ao possuidor a aquisição do direito (artigo 1287.º do Código Civil). A posse é um conceito de direito. À base instrutória foi levado o ponto 29, assim redigido: “ os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982?”. A resposta foi: provado.
Ora esta resposta decidia a acção. Não seria preciso mais nada. E não pode ser assim, como é óbvio. Pretendeu-se responder a um pretenso facto, quando na verdade se respondeu a uma questão de direito. Logo a consequência é que se tem por não escrita a resposta que o tribunal deu a esse quesito, como resulta expressamente do artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Só por aqui se fica com a noção exacta de que não ficou provada a posse exclusiva dos réus sobre o terraço. Logo, não há usucapião; não há aquisição da propriedade exclusiva por esse modo de adquirir. Por conseguinte não importa rever a prova sobre os restantes factos reclamados pelos apelantes.
Por outro lado está dado como provado o que consta do título constitutivo – escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0 – “são partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”. E o artigo 1421.º, n.º 1, b) inclui no elenco das partes comuns dos edifícios em regime de propriedade horizontal os terraços de cobertura. Logo o questionado terraço constitui parte comum do edifício.
A este propósito convirá anotar o que escrevem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela ( 1): nestes casos “prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. A situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional (…) nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública”. Também a jurisprudência tem sido nesse sentido. (2 )

7. Claro que isto ainda não resolve o problema dos autores, dado que fica por definir o pretenso direito de acesso ao terraço, porque uma coisa é uma parte do prédio ser comum e outra é o fim a que se destina essa parte comum, que tanto pode ser definido no título constitutivo (artigo 1418.º, n.º 2, a) e b) do Código Civil), como no próprio regulamento do condomínio, quando elaborado pela assembleia de condóminos (artigo 1429-A do Código Civil).
Sendo cada condómino proprietário da fracção que lhe pertence, (artigo 1420.º, n.º 1 do Código Civil) os direitos inerentes estão definidos no respectivo regime jurídico da propriedade em geral, com as especificidades da propriedade horizontal; mas sendo comproprietário das partes comuns, o uso das mesmas depende do fim a que se destinam, podendo até haver partes comuns dotadas de autonomia, assim como podem ser atribuídos aos comproprietários de determinadas fracções autónomas direitos especiais de uso sobre certas coisas comuns (3 ).
A este propósito é elucidativa a seguinte passagem escrita pelo saudoso Prof. Mota Pinto “o terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar”. ( 4 )
Aliás é assim que acontece, de um modo geral, com o último patamar das escadas de qualquer condomínio, que normalmente só é utilizado pelo último morador, sem prejuízo de qualquer um aí poder aceder.
É esta a diferença entre o direito de compropriedade do condómino no regime da propriedade horizontal e o de uso que cada um pode fazer de partes comuns.
No caso dos autos, o modo como o edifício está construído em consequência da alteração do projecto por acordo dos condóminos, apenas permite, ao que parece, que só os réus consigam aceder directamente da sua fracção ao terraço, relativamente ao qual o título é omisso quanto ao fim a que se destina e não consta que haja regulamento sobre o seu uso.
Não obstante, os autores não deixam de ser comproprietários do terraço. O que acontece é que, ao que parece por culpa própria, não têm condições de acesso ao terraço. E também não tem apoio legal a sua pretensão de obrigar os réus a fazer obras na própria fracção (repristinando o projecto inicial) que permitam o acesso dos autores ao terraço. Claro que sem prejuízo do direito de passagem forçada momentânea a que se refere o disposto no artigo 1349.º do Código Civil, efectivado através do processo de suprimento regulado no artigo 1425.º do Código de Processo Civil.
E se porventura os autores entendem que esta situação é causa de anulação do título constitutivo da propriedade horizontal, só lhes resta seguir o caminho indicado no artigo 1416.º, 1 e 2 do Código Civil, certos de que esta acção não o tem por objecto.
Podemos então concluir que:
- A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
- Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

8. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que revogam, em parte, a sentença recorrida e declaram que o terraço do prédio identificado nos autos é parte comum, condenando-se os réus a reconhecê-lo e a abster-se de praticar quaisquer actos que obstem a esse reconhecimento, mantendo-se a absolvição quanto ao pedido de condenação de repor a porta que, no projecto inicial, dava aos autores acesso directo ao terraço.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção de decaimento.
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(1) Código Civil anotado, 2.ª edição, vol. III, págs.412
(2) Veja-se, entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 21-11-1989, sumariado no BMJ, 391.º- 712
(3) Cfr. P. Lima e A. Varela, ob. Cit. 411
(4) Direitos Reais, 1970/71, 286, nota 58

Obras terraço cobertura


Tribunal: Relação de Lisboa
Processo: 1069/14.6TBOER.L1-7
Data: 28-02-2023

Sumário:

I – Não ocorre a nulidade a que se reporta o art.º 615º nº1 d) do Código de Processo Civil, decorrente de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, se na decisão sobre a matéria de facto tiverem sido omitidos (não constando da matéria provada, nem da não provada) factos integrantes da causa de pedir.

II – Tal omissão gera, apenas, erro no julgamento da matéria de facto, a apreciar no âmbito da impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.

III – Num prédio constituído em regime de propriedade horizontal, mesmo que um terraço de cobertura se encontre afecto ao uso exclusivo de uma fracção, as obras destinadas a obviar a um defeito de construção desse terraço e a assegurar a sua função enquanto cobertura são da responsabilidade de todos os condóminos, em consonância com o art.º 1424º nº1 do Código Civil.

IV – É lícito a um condómino efectuar obras nas partes comuns do prédio, desde que preenchidos os requisitos do art.º 1427º do Código Civil, cabendo-lhe em tal caso o direito ao reembolso da quantia que tiver despendido, descontada da quota que lhe couber, de acordo com o art.º 1424º nº1, do mesmo diploma.

V – A omissão dos deveres de conservação e reparação das partes comuns por parte do condomínio geram a obrigação de indemnização, nos termos da responsabilidade civil extracontratual, dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo condómino que se viu, em consequência de tal omissão, impedido de fruir plenamente da sua fracção.

Texto integral, vide aqui

ACTRC de 10-09-2019: Terraços intermédios


Tribunal: Tribunal da Relação de Coimbra
Processo: 128/16.5T8SAT.C1
Relator: António Domingos Pires Robalo
Data: 10-09-2019

Descritores:
  • Telhados de cobertura intermédios
  • Partes comuns do prédio
Sumário:

I – A nova redacção dada à al. b) do n.º 1 do artigo 1421.º do C. Civil, pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, constitui lei interpretativa em relação à anterior redação (neste sentido Ac. Rel. de Coimbra de 23/9/2008, proc. n.º 521/1996, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, ao escrever « anteriormente era a seguinte a redacção desta alínea, a qual correspondia à versão original do C. Civil de 1966, que quase copiou o ponto 2.º do artigo 13º do antigo Decreto-Lei n.º 40.333 – ‘O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento’».

II - Como as alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/10, não esque­ceram o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar, a nova redacção introduzida à alínea b) do artigo 1421º, n.º 1, do C. Civil, teve como intenção acabar com as dúvidas que a anterior redação suscitava relativamente aos terraços de cobertura intermédios, optando pela sua inclusão no seu âmbito de previsão.

III - Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei inte­grada (art.º 13º do C. Civil), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a propriedade horizontal tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94, como sucede neste caso.

IV - Após o Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, a norma foi reformulada passando a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».

V - Da leitura das redações vemos que a após a entrada em vigor Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

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ACTRL de 2021-02-23: Terreços comun


Tribunal: TRL
Processo: 362/18.3T8RGR.L1-7
Relatora: Micaela da Silva Sousa
Data: 23-02-2021

Descritores:
  • Propriedade horizontal
  • Partes comum
  • Terraços
  • Condomínio
  • Obrigação de conservação
Sumário:

I – Dado que as partes próprias do edifício constituído em regime de propriedade horizontal estão especificadas no título constitutivo, conforme impõe o artigo 1418º do Código Civil, o elenco das partes comuns efectuado no n.º 1 do artigo 1421º deste diploma legal define as partes que são imperativamente comuns e o n.º 2 estabelece uma presunção de comunhão para as partes tipificadas nas respectivas alíneas a) a d) e, em geral, para todas aquelas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (alínea e)), de modo que aquilo que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum dos condóminos. 

II – Um terraço apenas integra obrigatoriamente as partes comuns do edifício, nos termos do disposto no artigo 1421º, n.º 1, alínea b) do Código Civil, se se tratar de um terraço de cobertura, ou seja, desde que faça parte da estrutura integral do edifício, servindo o interesse de protecção deste perante os factores climatéricos ou atmosféricos, independentemente de assentar sobre o último piso ou um piso intermédio e de estar afecto ao uso exclusivo de uma fracção. 

III – Um terraço que se situa ao nível de uma fracção autónoma localizada na subcave, abaixo da qual não existe qualquer outro piso ou parte do edifício, mas tão-somente o solo e subsolo, não constitui um terraço de cobertura, sendo parte privativa da fracção autónoma em que se encontra integrado de acordo com o título constitutivo. 

IV - O condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício. 

V - Atento o dever de vigilância que recai sobre o condomínio quanto às partes comuns do edifício em propriedade horizontal, é-lhe aplicável o regime do artigo 493º, n.º 1 do Código Civil, por força do qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” responde pelos danos causados pela coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”

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17 março 2025

Reparações do terraço


Os terraços de cobertura constituem parte comum do prédio de que fazem parte mesmo quando afectos ao uso exclusivo de uma fracção.

Em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre: (i) obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço - nº 3 do art. 1424º do CC e (ii) obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a sua função enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio.

Só não será assim quando neste último caso esteja comprovado que, aquelas obras estruturais, se devem a uso anormal por parte do proprietário da fracção autónoma.

O art. 1424º, nº 1 do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação dos condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício.

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, constituem um exemplo típico de obrigações “propter rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular desta.

Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado quem for titular do direito real.

O nº 3 do citado art. 1424º do CC estabelece uma excepção ao princípio geral dizendo que: “As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.

Quando a lei fala em escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos quer referir-se, ao mencionar estes, às respectivas fracções autónomas, atribuindo a responsabilidade das despesas aos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns.

O legislador ao considerar os terraços como coisas comuns teve em vista a integração dos mesmos na estrutura do prédio e afectos à função de cobertura como de telhado se tratasse, seja de parte seja da totalidade do edifício. Fundamentalmente interessa a função de protecção do edifício contra os elementos atmosféricos.

Mesmo no quadro do direito anterior a 1994 (alteração legislativa) se entendia que o terraço mesmo que destinado ao uso exclusivo de um dos condóminos não deixava de ser forçosamente comum pela função capital de cobertura ou protecção do imóvel que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.

A mesma posição manteve o Conselheiro Aragão Seia ao dizer que: “são considerados partes comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção… os terraços de cobertura, que tanto se podem situar ao nível do primeiro andar, por servirem de cobertura… como ao nível de qualquer outro ou até do último piso, cobrindo parte do edifício, mesmo quando estejam afectos ao uso exclusivo de um condómino”.

Ora, em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, a situação dos terraços de cobertura é algo diversa das situações previstas no nº 3 do art. 1424º do CC.

É que, se enquanto terraço é, são efectivamente de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura servem de forma capital a totalidade dos condóminos.

Como assim, não pode, de forma simplista, ter-se como aplicável aos terraços de cobertura o disposto no nº 3 do citado 1424º do CC para fazer recair sobre o condómino que deles tem o direito de uso exclusivo, toda a responsabilidade pela conservação e reparação dos mesmos.

Haverá sim de fazer-se uma interpretação que, atendendo à referida especificidade, conjugue o disposto no nº 1 do art. 1424º do CC com o disposto no nº 3 do mesmo preceito.

E essa interpretação não pode ser outra que não aquela que tem vindo a ser adoptada maioritária, senão mesmo uniformemente, pelos tribunais, no sentido de distinguir entre obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, e as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura.

E se enquanto às primeiras a responsabilidade pela sua realização e despesas associadas deve ser imputada aos condóminos que têm do terraço o uso exclusivo, atento o disposto no nº 3 do art. 1424º do CC, em relação às segundas a sua responsabilidade recai sobre todos os condóminos na proporção do valor da sua fracção, nos termos previsto no nº 1 do mesmo normativo.

Fazer recair a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição apenas sobre o proprietário da fracção que detém o uso exclusivo do terraço de cobertura, traduzir-se-ia em clamorosa injustiça já que, se enquanto terraço ele é de facto de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura ele é de uso comum e aproveita a todos os condóminos. E por isso mesmo ele é parte comum do prédio.

Como assim, tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido no nº 3 do art. 1424º do CC, mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas efectuadas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos.

Desta forma, sendo as obras para reparar no terraço resultantes, não do uso normal das mesmas pelos condóminos que dele se servem em exclusividade, mas de deficiência na construção ou de não manutenção de materiais exteriores ao dito terraço, todos os condóminos devem participar no custo das reparações.

Não tem, assim, aplicação o nº 3 do art. 1424º do CC impondo-se a regra de que as despesas necessárias à manutenção do terraço, no que à sua impermeabilização respeita são, na ausência de deliberação em contrário, da responsabilidade de todos os condóminos na proporção “do valor das suas fracções”.

Só assim não seria se estivesse provado ter havido por parte dos condóminos que fruem dos terraços qualquer actuação anormal que tivesse dado origem às apuradas falhas de impermeabilização dos terraços, sendo que é sobre o Réu (utilizador), como facto impeditivo do direito do Autor (condomínio), que impende esse ónus probatório (cfr. art. 342º, nº 2 do CC).

08 março 2025

ACTRL 23-03-12: Construção pérgula terraço


Tribunal: TRL
Processo: 6862/10.6TBALM.L1-6
Relator: Tomé Ramião
Data: 23/03/2012

Descritores:

Propriedade horizontal
Condomínio
Condóminos
Obras
Inovação
Assembleia de condóminos
Autorização

Sumário:

1.- Está vedado aos condóminos realizar obras na respetiva fração predial que prejudiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, salvo se for obtida prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, de acordo com o preceituado no art.º 1422.º/2, al. a) e 3 do C. Civil.

2. - Por linha arquitetónica entende-se o “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”.

3 - Prejudica o arranjo estético de prédio urbano com 10 andares, a construção duma pérgola de madeira no terraço privativo da fração correspondente ao 10.º andar, pelo respetivo condómino, atenta a natureza dessa estrutura, suas dimensões e configuração, bem visível do exterior, sem autorização prévia da assembleia de condóminos, quando todas as restantes frações desse piso foram fechadas com marquises.

Texto integral: vide aqui

09 dezembro 2024

Obras no terraço


De acordo com o preceituado no art. 1422º, nº 2, al. a) e 3 do CC, está vedado aos condóminos realizar obras na respectiva fracção predial que prejudiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, salvo se, sendo as obras susceptíveis de prejudicar, for obtida prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

Decorre do art 1422º, nº 1, do CC, que “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis. E reza o nº 2, al. a) que “é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício".

Porém, as obras que prejudiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – seu nº 3.

Este preceito legal visa fundamentalmente as obras realizadas nas frações autónomas, aquelas que pertencem aos condóminos em propriedade exclusiva ( P. Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 425; e Ac. do STJ, de 17/2/2011, Proc. nº 881/09.2TVLSB.L1.S1, e Ac. T. R. Lisboa, de 20/1/2011, Proc. n.º 6484/04.4.0TVLSB.L1-2).

Tem-se entendido que a linha arquitetónica reporta-se ao “conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” e o arranjo estético do edifício “ao conjunto de características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto” (entre outros, os Ac. do STJ de 20/7/82; e de 17/2/2011, Proc. nº 881/09.2TVLSB.L1.S1, citando Aragão Seia, “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pág. 105).

Ora, como escreve P. Lima e A. Varela, ob. citada, pág. 425, “quanto às limitações relativas à estética do edifício, é evidente que apenas se aplicam aos elementos da fração autónoma visíveis do exterior (porta ou portas de acesso, janelas, persianas, varandas, etc.). Um condómino, por exemplo, não pode vedar a sua varanda, transformando-a num compartimento fechado, ou substituir as janelas por outras que não se harmonizem com as demais frações”.

Com efeito, de acordo com o nº 3 do mesmo normativo, as obras que sejam suscetíveis de modificar a linha arquitetónica ou o arranjo estético do prédio, não sendo absolutamente proibidas, apenas podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de 2/3 do valor do prédio.

Destas sortes, é patente que, com excepção das obras realizadas no pavimento e no paramento de uma varanda ou terraço, que não sejam visíveis do exterior do prédio, as demais (as visíveis do exterior) por alterarem as características visuais daquele edifício, não se enquadrando no conjunto. Com efeito, quer pela tipologia de materiais usados, quer pela sua dimensão, as referidas obras destoam das demais obras realizadas nas restantes frações do prédio.

De facto, se a cada condómino fosse lícito decorar as respetivas varandas ou terraços da forma que mais lhe aprouvesse, facilmente seríamos conduzidos à situação de cada edifício ser facilmente confundido com uma verdadeira torre de babel, sem qualquer unidade sistemática entre si.

Como se decidiu no Ac. do TRL de 20/1/2011, proc. nº 6484/04.4.0TVLSB.L1-2, “Já a «avaliação do prejuízo ou da modificação da linha arquitetónica de um prédio ou do seu arranjo estético implica um juízo de valor que há de ser formado através do paralelo que se possa estabelecer entre o seu estado e fisionomia atuais e aqueles que detinha antes das obras efetuadas. Para isso, será fundamental que o julgador tenha conhecimento, através da matéria de facto provada, não só da descrição pormenorizada das obras efetuadas, mas, também, do impacto que as mesmas tiveram tanto ao nível estrutural como estético do prédio”.

Prescreve o art. 334º do CC, que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Como ensina Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral de Direito Civil”, 3.ª Edição, págs. 663 a 668, a doutrina tem vindo a construir vários tipos de condutas ativas e omissivas que constituem o exercício abusivo do direito subjetivo, sendo os mais comuns o exceptio doli, caso em que o demandado invoca um comportamento fraudulento do titular do direito, e que decorre do dever de honeste (bene) agere, e corresponde ao brocardo fraus omnia corrumpti; o denominado venire contra factum proprium, que traduz comportamentos contraditórios e de frustração de expectativas criadas e nas quais outrem haja legítima e razoavelmente confiado; o exercício em desequilíbrio, que traduz o exercício danoso do direito, nomeadamente quando o titular é movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer mal a outrem (exercício cumulativo), ou quando o exercício do direito não representa qualquer vantagem para o seu titular, enquanto dele resulte para outrem um sacrifício injusto (exercício danoso inútil ou injustificado), ou é abusivo o exercício do direito sempre que a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada com o sacrifício severo de outrem (desproporção no exercício).

Também Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, 2ª Edição, pág. 249, entende que “a conceção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados á atuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e da boa-fé “.

Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. TRL de 16/5/1996, Proc. nº 0012472). Já para Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6.ª ed., pág. 516, "para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”.

Daí que o exercício de um direito só seja tido por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante - Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado", Vol. I, 4ª edição, pág. 299.

E acrescentam: “A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido” – pág. 300.

06 novembro 2024

TRP 03/06/19: Telhado fruição exclusiva

Tribunal: TRP
Processo: 3124/17.1T8MTS.P1
Relatora: Fernanda Almeida
Data: 03-06-2019

Descritores:

Deliberações da assembleia de condóminos
Propriedade horizontal
Parte comum
Obras de conservação

Sumário:

Estando em causa despesas de conservação e fruição relativas a telhado que serve em exclusivo uma fração do prédio constituído em propriedade horizontal, estabelece o art. 1424.º, n.º 3, CC, ser por elas responsável apenas o respetivo titular.

Apreciação

Em causa está a parte do tecto da fracção que é um telhado constituído por placas de fibrocimento pois são estas que demandam obras de reparação, uma vez que várias placas estão danificadas, permitindo a entrada da chuva.

Considerou a sentença que, não servindo a cobertura em causa qualquer outro espaço do prédio em PH, será caso de aplicação do disposto no nº 3 art. 1424º CC, segundo o qual «As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem».

Entendeu a recorrente que este telhado tem uma função de cobertura e protecção não apenas desta fracção, mas de todo o edifício, destinando-se a garantir a estabilidade do prédio no seu todo. Assim, as obras de intervenção sobre tal elemento interessavam directamente a todos, posto que não intervindo em situação de degradação é todo o imóvel que se degrada.

Nos termos do disposto no art. 1421º, nº 1 b) CC, o telhado e os terraços de cobertura são comuns e são-no ainda que destinados ao uso de qualquer fracção. Já de acordo com o art. 1424º, nº 1 CC, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns são pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas fracções.

Este art. 1424º refere-se a despesas de conservação e fruição (conforme consta da sua epígrafe). Não estabelece qualquer distinção entre despesas de conservação ordinária e extraordinária[1].

Não há dúvida de que o telhado é parte comum e a sentença afirma-o. Mas também se diz – e a recorrente não o colocou em causa – que esta parte comum apenas serve a fração da mesma e não tem uma função de cobertura relativamente a qualquer outra fracção. Ou seja, a sentença separou claramente esta fracção das restantes partes do imóvel e a lei também admitiu que, no imóvel em PH, quanto às partes comuns, apenas o condómino que delas se sirva seja responsável pelos respetivos encargos de conservação e fruição (nº 3 do art. 1424º CC).

Não se dúvida que o legislador sabia que os prédios em PH constituem não só uma unidade jurídica, mas também uma unidade física e que, mesmo quando apenas utilizadas por um dos condóminos, as partes comuns precisam de manutenção de tal forma que a sua degradação não deixará de afectar o todo.

Este argumento – o que de não cuidando de uma parte é o todo que pode ser afectado – não inibiu o legislador de estabelecer que pelas despesas de conservação e fruição dessa parte é apenas responsável o condómino que delas se serve em exclusividade. Assim sendo, relativamente ao telhado de uma fracção que apenas serve de cobertura àquela fração e não já, mesmo que indirectamente, a todo o imóvel, é responsável pelas despesas de conservação e fruição o titular da fracção em causa.

Para que se considerasse de forma diferente seria mister que nos factos provados resultasse algo diferente do que consta do pedido, nomeadamente que existiria uma unidade ou um continuum entre o restante prédio e este telhado de tal forma que não pode fazer-se intervenção num deles sem afectar o restante, ou ainda que este telhado segue para outras fracções.

Porém, nada foi apurado quanto a essa situação e a alegação da recorrente segundo a qual a segurança do prédio ficará em causa se um telhado de uma sua fracção, ainda que autónomo, sofrer degradação, mormente por efeito da entrada de água, é abstratamente válida para todas as situações de partes comuns que sirvam em exclusivo algum dos condóminos e que fiquem degradadas, sendo que, mesmo assim, o legislador permite que as obras de conservação e fruição que lhe respeitam não onerem quem delas se não serve. Já não assim outro tipo de obras mais profundas como sejam as despesas de reconstrução ou as que não sejam unicamente imputáveis ao uso da fracção posto que a norma alude expressamente a encargos de conservação e fruição.

Observando os arestos citados pela recorrente, verifica-se que em ambos se trata de situações de telhados ou coberturas que, servindo imediata e directamente uma das fracções, têm uma função indirecta de cobertura de outras frações (no ac. desta Relação, trata-se de um terraço exclusivo de uma das fracções, mas cujo piso serve de cobertura à fracção inferior; no ac. do STJ, curou-se de terraços intermédios que serviam de cobertura, ainda que parcial, a fracções de pisos inferiores). Donde, estando em causa despesas de conservação e fruição relativas a telhado que serve em exclusivo uma fração, nos termos do art. 1424º, nº 3, CC, é por elas responsável apenas o respectivo titular[2].

Por conseguinte impôs-se a mantutenção da sentença recorrida.

__________________________

[1] Cfr. Ac. TRP, de 4/12/2000, Proc. 0051266: 
I - São três os tipos de obras que podem ter lugar nos prédios urbanos usufruídos mediante contrato de arrendamento: 
a) obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; 
b) obras de conservação extraordinária - ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano; 
c) obras de beneficiação - todas as restantes.

[2] Neste sentido, ac. STJ, de 9/6/2016, Proc. 211/12.6TVLSB.L2.S1:
I- O art. 1424.º, n.º 1, do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício. 
II - O n.º 3 do art. 1424.º do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio). 
III - Há, porém, que distinguir, dentro dessas despesas, as chamadas despesas de manutenção das despesas de reparação resultantes, não do uso normal das partes comuns do edifício pelos condóminos que delas se servem, mas de deficiência na construção ou de falta de manutenção de espaços exteriores a essas partes comuns que não são utilizados por aqueles condóminos: as primeiras são a cargo dos condóminos que usam e fruem do terraço por serem eles os beneficiários exclusivos do mesmo e, em princípio, terem sido eles que deram origem ao desgaste ou deterioração dos materiais desse terraço; já as segundas são a cargo de todos os condóminos por as reparações a realizar constituírem um benefício comum de todos eles.