Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/22/2021

As varandas são comuns?

Art. 1421º
(Partes comuns do prédio)

1. São comuns as seguintes partes do edifício:
a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;
b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento;
c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;
d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado e semelhantes.
2. Presumem-se ainda comuns:
a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;
b) Os ascensores;
c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;
d) As garagens;
e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.

Quando as varandas estão descritas no Título Constitutivo da Propriedade Horizontal (TCPH) como sendo partes próprias, deve aquele documento constitutivo ser declarado parcialmente nulo, por se considerarem aquelas partes imperativamente comuns, a par e por analogia aos terraços de cobertura?

O art. 1421º, nº 1, al. b), CC, na sua redacção originária, incluía nas partes comuns o «telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» por ter em consideração apenas os prédios em torre. O DL 267/94 alterou o texto que passou a constar do seguinte: o «telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção». Assim, a afectação do terraço a uma só fracção não se restringe ao último piso, permitindo a lei que os telhados ou terraços de cobertura sejam destinados ao uso de qualquer outra fracção. É este o sentido único da alteração legislativa pois que o objecto dela é o mesmo que o da lei anterior: telhados ou terraços de cobertura.

A partir da entrada em vigor deste diploma, a qualificação das partes comuns alterou-se passando a incluir os terraços de cobertura afectos a outra fracção que não só os destinados ao uso do último pavimento. Repare-se que a lei não interfere com factos passados uma vez que um prédio não é um facto, um evento, um acontecimento que produza efeitos jurídicos.

É uma coisa, tão-só, que a lei hoje qualifica de dada maneira e que, amanhã, pode qualificar de outra. Da mesma maneira que um bem de domínio público deixa de o ser quando uma nova lei o retira do respectivo elenco (e vice-versa), também aqui a lei pode alterar a definição do estatuto das coisas que antes tinha feito. E este estatuto passa a valer, independentemente da data da construção da coisa ou dos negócios jurídicos que sobre ela foram feitos.

Por isso, parece que o problema de aplicação das leis no tempo não se coloca neste aspecto particular (da qualificação da coisa). Em todo o caso, o que interessa frisar é que um terraço que é também cobertura do prédio imediatamente abaixo que aqui se discute é indubitavelmente uma coisa comum, de acordo com o critério da citada al. b); pois que o terraço é simultaneamente cobertura, sendo indiferente se cobre todo o prédio ou só uma fracção. Como resulta da jurisprudência do STJ, os terraços intermédios são, para as fracções inferiores, os últimos pavimentos e, assim, de cobertura. Os terraços de cobertura são a cobertura do edifício onde estão implantadas as fracções autónomas e não cobertura de cada fracção.

E outras razões acrescem. Uma varanda é análoga a um terraço de cobertura?

O terraço é uma cobertura plana de um edifício; a varanda (que a lei considera como coisa diferente daquele; cfr. art. 1360º, nº 2) do CC, é algo semelhante mas murada, com balaústres (que sustentam um peitoril) ou balcão e não é por estar por cima de outra fracção que é um terraço de cobertura; a ser assim, também a sala seria, na mesma, um terraço.
 
A função de uma ou outra coisa é diferente. O terraço serve apenas de cobertura de um andar inferior para proteger a casa aí existente, tal como o telhado serve a mesma função (aliás, não deixa de ser explícita a equiparação que o preceito legal aqui em discussão faz de telhado e terraço). Já a varanda é uma extensão da casa, um prolongamento da sala (geralmente) onde o dono pode colher luz solar e ar fresco, gozar a vista e fazer a sua vida social. Tendo em mente um prédio típico (como uma torre), com varanda por cima de varanda, será que cada uma delas, face à nova redacção do art. 1421º, nº 1, al. b) do CC, é um terraço a que se aplica a qualificação de coisa comum? Será que o solo de cada varanda é cobertura da fracção inferior? E se a varanda estiver fechada? Ninguém terá chegado a tal conclusão e, no entanto, estas varandas também estão sujeitas às chuvas, poeiras, folhas, etc. como qualquer outra cobertura.
 
No sentido aqui defendido pode ver-se o ac. do STJ, de 8/4/1997, e o da Relação de Guimarães, de 1/12/2006. Neste escreve-se que o terraço não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade. Em sentido contrário pode apontar-se o Ac. da Relação de Coimbra, de 23/9/2008, onde se afirma que o legislador quis «nesta actual versão [que] passassem a estar abrangidos os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é, os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varandas a estas». Mas isto, salvo o devido respeito, é esquecer que varanda e terraço de cobertura são coisas diferentes e têm funções diferentes.
 
Na matéria de facto descreve-se o local em questão como varanda e sempre como varanda. As próprias partes assim a ela se referem tal como é isso que consta da descrição do Registo Predial (uma divisão assoalhada, cozinha, instalação sanitária e varanda).

A alteração introduzida na al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, pelo DL nº 267/94, apenas permitiu que o terraço de cobertura ficasse afecto a outras fracções que não só a do último pavimento. Uma varanda existente sobre uma fracção inferior não é terraço de cobertura e, por isso, não é parte comum (cfr. Ac. Relação Évora de 26/04/2018). 

À luz destes ensinamentos se conclui que as varandas, quando descritas no TCPH como partes próprias, não se integram na previsão do art. 1421º, nº 1, al. b), do CC. E não se presumem comuns porque elas estão afectadas ao uso exclusivo de um condómino (cfr. art. 1421º, nº 2, al. e).
 
Sendo assim, a conclusão que se tira é que uma varanda quando integrada numa fracção autónoma, a ela pertence, logo, as despesas com a sua reparação ou impermeabilização são por conta do respectivo proprietário. E nada de estranho existe nisto. O proprietário é responsável pela boa condição do apartamento e tem a obrigação de evitar que a sua má condição provoque danos aos demais vizinhos.

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