Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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3/18/2022

Como se calcula o FCR?

Os art. 4º e 6º do DL nº 268/94 de 25/10 vieram colmatar lacunas que se verificaram no regime da propriedade horizontal. O primeiro ao impôr a constituição de um fundo de reserva destinado a ajudar a solver as despesas de conservação do prédio, visa facilitar a realização dessas obras, sobretudo quando de carácter urgente, e permitir o seu rápido pagamento, sem necessidade de se prover ad hoc as correspondentes prestações de cada condómino mediante a aprovação de um orçamento rectificativo.

Ora, quanto à sua obrigatoriedade, dimana do nº 1 do art. 4º do DL 268/94 de 25/10 que:

“É obrigatória a constituição, em cada condomínio, de um fundo comum de reserva para custear as despesas de conservação do edifício ou conjunto de edifícios”.

Quanto ao seu cálculo, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito:

"Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio."
 
Resulta daqui que o fundo comum de reserva é calculado tendo por base o orçamento anual referente às despesas do condomínio, no entanto, e ao contrário do que muitos defendem, este calculo não corresponde ao valor orçado para as despesas comuns. 

Só assim seria se o preceito estabelecesse que:

"Cada condómino contribui para esse fundo com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % nas restantes despesas do condomínio."
 
Ou seja, para se chegar ao valor com que cada condómino deve contribuir para o fundo comum de reserva, não se pode nem deve simplesmente dividir o valor global previsto no orçamento por todos os condóminos (excepto se não houverem partes comuns afectas ao uso exclusivo de alguns condóminos).
 
Nesta conformidade, cada um dos condóminos contribui para o fundo comum de reserva com uma quantia correspondente a, pelo menos, 10 % (nada obsta a que a assembleia, por maioria simples, delibere no sentido de aumentar esta percentagem) da sua quota-parte nas restantes despesas do condomínio. Aliás, este fundo, cujas contribuições por parte de cada condómino, indicadas na lei apenas pelo seu valor mínimo, pode e deve ser adequado ao previsível montante das despesas a efectuar.

Com a aprovação do DL 268/94, esclareceu o legislador no primeiro parágrafo do preâmbulo do diploma que havia "A necessidade de desenvolver alguns aspectos do regime da propriedade horizontal, aliada à opção de preservar a integração da disciplina daquele instituto no Código Civil, explica a aprovação do presente diploma.". Importa assim atentar na aplicação prática da regra civilista prefixada no art. 1424º.

Este preceito tinha as suas fontes no art. 16º do DL nº 40 333 de 14/10/1955, no art. 126º do anteprojecto de Pires de Lima (in Bol. Min. Just. nº 123, pag. 274) e 1123º do CC italiano. (de salientar que, este último acolhe o princípio da utilidade - o nosso privilegiou o critério da destinação objectiva das coisas comuns).

Do art. 16º do DL 40 333:

1. Salvo disposição em contrário, os proprietários contribuirão para as despesas relativas aos bens comuns e aos serviços de interesse comum na proporção da quota referida no artigo anterior.
§1. As despesas relativas aos diversos lanços da escada ficarão, porém, apenas a cargo dos proprietários que delas normalmente se servem.
§2. Nas despesas dos ascensores só comparticiparão os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Com a introdução do DL 47 344/66 de 25/11 (que revogou o DL 40 333), este preceito passou a ter a seguinte redação:

1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum eram pagam pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2. Porém, as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
3. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Posteriormente, com a aprovação do DL 267/94 de 25 de Outubro, este preceito passou a ter a seguinte redação:

1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2 - Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3 - As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4 - Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Resulta pacífico que nos termos do nº 1 do art. 1424º do CC, as despesas a cargo de todos os condóminos, englobam as de conservação (e por extensão, de manutenção), as de fruição, e os serviços de interesse comum. No entanto, os nºs 3 e 4 deste preceito, estabelecem duas excepções que permitem que alguns condóminos se desonerem de contribuir para todas as despesas. O nº 3 ressalva que "As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem", e o nº 4 que, "Nas despesas dos ascensores, só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidos". 

Do nº 1, como é sobejamente conhecido, resulta da sua leitura tratar-se de uma norma supletiva, valendo em princípio qualquer convenção em contrário onde vale, nomeadamente as relações de carácter privado onde deve prevalecer o princípio da autonomia da vontade (cfr. art. 405º do CC) dos condóminos (mediante deliberação tomada por unanimidade) ou por acto unilateral do instituidor do TCPH.

Do nº 2 resultava a segunda norma supletiva que estabelece outra excepção à primeira, ressalvado que "as despesas de certas partes comuns - escadas e outras - ficam a cargo dos condóminos que exclusivamente servem. Mas, entre eles, o encargo é dividido na proporção das quotas. No caso das escadas, é preciso averiguar quem são os condóminos que as utilizam. Haverá que dividir as despesas referentes aos diversos lanços, a fim de distribuir a parte que cabe a cada condómino" (Francisco Rodrigues Pardal, Juiz do STA e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Juiz STJ, in Da Propriedade Horizontal no Código Civil e legislação complementar, pag. 250).

Resulta pois daqui que os condóminos só são obrigados a contribuir para as despesas comuns que lhes estejam afectas. Vale isto por dizer que as contribuições são correspondentes às respectivas quotas-partes "nas restantes despesas do condomínio" e é sobre estas quotas-partes que deve incidir o cálculo de 10% (ou mais) para o fundo comum de reserva.

Se assim não fosse, se houvessem partes comuns afectas à utilização de alguns condóminos e se se calculassem os 10% para o fundo comum de reserva sobre o valor total do orçamento, não se estaria a respeitar qualquer das ressalvas havidas preceituadas no nºs 3 e 4 do art. 1424º do CC.

Importa ainda salientar que, verificando-se que o valor aforrado anualmente não é o bastante para fazer face às despesas de conservação, deve o administrador elaborar um "orçamento rectificativo", tendo por base apenas aquela rubrica (as despesas das obras a efectuar), as quais, serão repartidas em função do critério estabelecido no nº 1 do art. 1424º, não cabendo aqui, as citadas excepções.

No entanto, este último ponto, carece de uma pertinente clarificação. Atente-se no seguinte cenário meramente ilustrativo: Um prédio com 10 fracções autónomas, sendo 8 habitacionais e 2 comerciais, não tendo estas últimas garagem ou lugar de parqueamento, arrecadação ou lugar de arrumos no interior, nem o edifício possui casa da porteira. Nesta caso, estas duas fracções não têm que participar nas despesas afectas às fracções habitacionais.

Porém, verifica-se a necessidade de fazer obras num dos lanços de escadas interior. Devem ou não as fracções contribuir para a reparação? Depende. Se se tratar, por exemplo, da reparação de tijoleiras ou azulejos partidos, de esquinas danificadas ou da sua pintura, estas despesas ficam necessariamente a cargo dos condóminos que se servem destas partes comuns nos termos do nº 3 do art. 1424º do CC, mas se se tratar de obras estruturais, então as fracções comerciais já são obrigadas a participar por força da al. a) do nº 1 do art. 1421º do CC.

Este fundo será objecto de depósito bancário que, na falta de exigência especial quanto à sua natureza, tanto pode ser através de uma conta à ordem ou a prazo, não sendo mesmo de excluir que o mesmo seja parcelado por cada uma destas modalidades. No entanto, quando se tenha especificadamente em vista a realização nas partes comuns de obras de conservação ordinária ou extraordinária, e bem assim de obras de beneficiação determinadas pelas autoridades administrativas, o fundo comum de reserva pode revestir a forma de conta poupança condomínio, conforme regime estabelecido no DL nº 269/94 de 25 de Outubro. 

6/23/2021

Usos do Fundo Comum Reserva

O FCR tem-se estatuído no art. 4 do DL 268/94 de 25/10, sendo portanto de constituição obrigatória, cujo seu valor é resultado das comparticipações de todos os condóminos, para ajudar a pagar as obras de conservação que sejam necessárias efectuar no futuro. Importa pois sublinhar que este aforro visa exclusivamente a realização de obras de conservação extraordinária nas partes comuns do edifício, competindo à assembleia de condóminos fixar, anualmente, o valor percentual da comparticipação, que nunca será inferior a 10% da quota-parte de cada condómino nas despesas correntes do condomínio. 
 
Acresce ressalvar que este fundo de reserva deve ser encaminhado para uma conta bancária autónoma. De salientar que as gestões das contas do condomínio devem ter-se necessariamente feitas com o consentimento do administrador e de um condómino nomeado pela assembleia para aquele efeito. 

Impondo o art. 4 nº 1 do DL 268/94 que o FCR apenas serve para custear as despesas de conservação do edifício, há que apurar a natureza das obras e por força do art. 2º, al. f) do DL 555/99 de 16/12 (RJUE) as obras de conservação são definidas como os obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução ampliação ou alteração, designadamente obras de restauro, reparação ou limpeza.
 
Como se vê o legislador utiliza no RJUE certos conceitos (obras de edificação de alteração ou conservação) que não coincidem com os conceitos utilizados no CC como noutra legislação avulsa (obras de conservação ordinária, extraordinária e beneficiação, inovações). Por exemplo, na PH, que nos ocupa, o legislador distingue as obras destinadas à conservação e fruição das partes comuns (cfr. art.º 1424º) das obras que constituam inovações que o legislador não define mas que exemplifica no nº 2 do art.º 1425º em relação a certos edifícios com pelo menos 8 fracções (ascensores, instalação de gás canalizado, colocação de rampas de acesso para mobilidade condicionada, colocação de plataformas elevatórias quando não exista ascensor com porta de cabine com dimensões regulamentares para pessoa em cadeira de rodas). 
 
Mas é sabido que as inovações não são apenas essas e que não existe uma coincidência entre os conceitos de inovações e obras de alteração tal como o legislador utiliza o conceito no RJUE e legislação adrede. As inovações materiais são transformações ou acrescentamentos à identidade estrutural do prédio mais ou menos importantes que se destinam a conservá-lo, a melhorá-lo, ou a dar-lhe aptidão para proporcionar ao utente certo uso recreativo, no caso do arrendamento não são uma forma de uso mas uma obra ou implantação destinada a manter ou elevar a qualidade ou a proporcionar algum recreio ao uso do arrendatário.
 
No CC, vista a obra sob o ponto de vista da despesa, encontramos o conceito de benfeitorias no art. 216º, nº 1, que são as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, distribuindo-as pelas necessárias, úteis e voluptuárias, umas são modificações na essência intrínseca da coisa porque se unem ou incorporam sem identidade própria na substância do prédio e outras são extrínsecas porque muito emboras unidas e incorporadas na estrutura do prédio não chegam a fundir-se na sua essência permanecendo com autónima identidade, e quanto a estas salvo estipulação em contrário no termo do contrato para efeitos de indemnização pelo senhorio é equiparado nos termos do art. 1046º do CC ao possuidor de má-fé com remessa para os art. 1273º a 1275º do CC, dizendo-se necessárias as indispensáveis à conservação da coisa e úteis as que não sendo indispensáveis a sua conservação lhe aumentam todavia o valor e o arrendatário como possuidor de má-fé tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que tenha realizado na coisa (1ª parte do art. 1273º, nº 1 do CC) e quanto às úteis tem direito a levantá-las se o poder fazer sem detrimento da coisa ou não o podendo a ser indemnizado segundo as regras do enriquecimento sem causa (2ª parte do art. 1273º, nº 1 do CC) ou seja o senhorio deverá prestar-lhe tudo quanto tenha obtido à custa do empobrecimento ou se a restituição não for possível o valor correspondente (cfr. art. 479º nº 1 do CC). 
 
O art. 29º da Lei 6/2006, para os contratos anteriores ao RAU ou ao DL 257/95, trouxe uma inovação porque segundo este preceito o arrendatário aquando da cessação do contrato e salvo estipulação em contrário passa a ter o direito a compensação pelas obras licitamente feitas nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé, contendo disposição idêntica o art. 1074º nº 5 do CC para os contratos posteriores. 
 
A disciplina descrita é meramente supletiva podendo ser afastada por convenção em contrário, como expressamente o declarou na primitiva formulação o art. 1046º nº 1, do CC, e ora se ressalva nos art. 29º, nº 1 da Lei 6/06 e 1074º nº 5, do CC, e esta cláusula sempre foi considerada legítima, legitimidade, ora reforçada, pelas ressalvas. Como o arrendamento é sempre remunerado pode, hoje em dia, estipular-se, legitimamente, no respectivo contrato, que corram por conta do arrendatário ou mesmo de terceiro, sem direito a compensação findo o contrato, as obras de conservação ordinária ou extraordinárias do prédio ou fracção, o que é valido para arrendamentos habitacionais ou não habitacionais.

Mas em causa o conceito de obras de conservação utilizado pelo legislador aquando da criação do Fundo de Reserva. Da panóplia de conceitos legais resulta que as obras de conservação ordinária e mesmo extraordinária têm na sua génese a ideia da necessidade de evitar ou impedir o agravamento da deterioração, destruição, perda da coisa, a indispensabilidade para a conservação do imóvel, ou seja, das características que o imóvel possuía aquando da sua construção ou reconstrução.
 
E, de novo o conceito de deterioração já acima suficientemente explanado que traz associadas as ideias de dano, decomposição, estrago. Mesmo que se entenda que as obras não possam qualificar de inovação, por não ter ocorrido uma alteração ou transformação estrutural no edifício, impõe-se concluir-se que se trata de obras de conservação sempre seria necessário que resultasse comprovada a existência de um qualquer dano, estrago, decomposição dos referidos materiais quer os de revestimento que incorporaram o chamado projecto de arquitectura quer os dos sistemas de rede eléctrica, iluminação e segurança. Contudo, como acima se disse há que provar a deterioração dos revestimentos e a deterioração destes últimos sistemas.
 
Deste entendimento, resulta a ideia de que os pavimentos, paredes, tectos, portas de entrada e evacuação existentes no hall de entrada comum do edifício, bem assim como os sistemas de rede eléctrica, iluminação e segurança aí existentes que já se encontrem deteriorados ou obsoletos (em face da idade do edifício), porque naturalmente danificados ou tecnologicamente desactualizados, resulta a conclusão de que tais obras não podem ser qualificadas de conservação, pelo que as despesas efectuadas inserem-se em melhoramentos do edifício, valorizando-o, por isso o seu custeamento não pode ser feito com o Fundo Comum de Reserva.