Viver em condomínio
11 agosto 2023
As fracções autónomas no TCPH
02 fevereiro 2023
Alteração do TCPH sem unanimidade
O fim da unanimidade para alteração do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal
No dia 10 de Abril de 2022 entrou em vigor a Lei n.º 8/2022, que veio rever o regime jurídico da propriedade horizontal, alterando o Código Civil, o DL n.º 268/94, de 25 de Outubro (que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal) e o Código do Notariado.
Sem prejuízo da pertinência e relevância de todos os temas que têm sido abordados e discutidos pelos vários analistas e juristas, trazemos à colação dois temas que consideramos ainda pouco divulgados e que representam uma alteração significativa nas relações entre condóminos, a saber: a possibilidade de afastamento da regra da unanimidade para alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e a alteração da percentagem necessária para alteração do critério de imputação das despesas comuns.
No que concerne ao primeiro tema – possibilidade de afastamento da regra da unanimidade para alteração do TCPH – a recente legislação veio consagrar a faculdade de, em determinadas condições, ser derrogado tal principio, o qual consta do nº 1 do artº 1419º do CC, com a seguinte redacção: “… sem prejuízo do disposto no nº 3 do art. 1422º A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.”. Ou seja, a alteração do TCPH só poderia ser concretizada se todos os condóminos votassem favoravelmente essa alteração.
Contudo, a alteração agora aprovada vem estabelecer uma nova redacção para o nº 2 do referido artigo nos seguintes termos: “A falta de acordo para alteração do título constitutivo quanto a partes comuns pode ser suprida judicialmente, sempre que os votos representativos dos condóminos que nela não consintam sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não modifique as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as suas fracções se destinam”.
Com a referida alteração legislativa passa a ser possível a alteração do TCPH sem que exista a unanimidade na aprovação da mesma, quando não esteja em causa a modificação das condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as fracções se destinam, desde que seja obtida decisão favorável por parte do Tribunal (suprimento do consentimento) e os condóminos que se oponham não representem mais de 1/10 do capital investido.
Como proceder então na prática?
Enquadrando-se a o voto desfavorável à alteração do TCPH na previsão do referido número dois do artigo 1419º do CC, a forma processual de ultrapassar essa situação será através de um processo especial de suprimento previsto no artº 546 nº 2 do CPC e concretizado nas previsões dos artºs 1000º a 1005º do referido Código.
Assim, e em concreto, estamos perante a necessidade de interpor uma acção no âmbito de um processo especial de suprimento do consentimento em caso de recusa, regulado no art. 1000º do CPC. Este tipo de processo destina-se a suprir o consentimento necessário para a prática de determinado ato, neste caso, a recusa de alteração do TCPH.
Trata-se de um processo de jurisdição voluntária, em que preside o princípio do inquisitório, podendo o juiz investigar livremente os factos, recolher as informações necessárias, reunir provas e ordenar os inquéritos que entender por necessários (art. 986º, n2º do CPC). Esta regulação é feita de acordo com juízos de equidade, de adequação da solução ao caso concreto, não se encontrando o tribunal vinculado a critérios de estrita legalidade.
Do art. 1000º nº 1 do CPC, podemos retirar os pressupostos que devem estar preenchidos para se admitir o recurso ao referido processo: ser exigível o consentimento de outrem para o exercício de determinado direito, e a lei admitir que a falta do consentimento possa ser suprida o que, como vimos, se enquadra na situação em causa.
Ora, a verdade é que, consideramos como bastante positiva esta alteração, isto porque, por um lado, vem permitir desbloquear situações em que o voto contra se baseava apenas em razões subjectivas e fundamentos pouco razoáveis face à necessidade da alteração em causa, colocando em causa a sã convivência que deve existir num condomínio e, por outro lado, mantém inalterável as exigências de unanimidade naqueles aspectos basilares da propriedade horizontal, como sejam, as condições de uso, o valor relativo ou o fim a que as fracções se destinam.
Quanto ao segundo tema – alteração da percentagem necessária para alteração do critério de imputação das despesas comuns – é uma alteração que se deve aplaudir tendo em conta o desequilíbrio que, por vezes, representa a imputação das despesas contabilizadas apenas segundo o critério da permilagem.
Permitam-nos relembrar um tema sobre o qual já tivemos oportunidade de escrever um artigo e que nos parece relevante referir e que é o facto de que, na maior parte das vezes, quando se define a permilagem de uma dada fracção, o único critério que é atendido para esse cálculo (permilagem) é o da área da fracção. Contudo, tal critério para que seja justo e equilibrado deve ser ponderado com outros, nomeadamente, a finalidade da fracção.
São vários os exemplos que podemos enunciar e que reflectem a necessidade de alargar os critérios para o cálculo da permilagem enquanto critério base para a imputação dos custos com as despesas comuns, indicando-se, a título de exemplo:
Prédios em que uma ou algumas das fracções são «utilizadas» como escritório de advogados, sede de empresas, consultórios médicos, etc., utilizações estas que, como sabemos, levam a um maior desgaste dos elevadores, das portas de acesso ao condomínio, das garagens comuns, maior consumo de electricidade das partes comuns, etc.
Sendo o critério para a imputação das despesas comuns o da permilagem, resultando esta apenas e só da aplicação do critério área da fracção, leva, necessariamente, a situações de desigualdade entre os condóminos, as quais se traduzem muitas vezes em conflitos e mau estar entre eles em vez de relações de boa vizinhança e sã convivência.
Assim, o legislador embora mantenha o regime regra da imputação das despesas comuns em função da permilagem de cada fracção – artº 1424º nº 1 do CC -, veio alterar a maioria necessária para que aquele regime regra possa ser afastado, passando da maioria de dois terços do valor total do prédio para a maioria absoluta (50% mais um) do valor total do prédio, permitindo assim que sejam reduzidos os desequilíbrios que podem resultar da aplicação da permilagem da fracção como critério único de repartição das despesas comuns.
Como forma de trazer alguma estabilidade e segurança jurídica às relações condominiais, o legislador continua a impor que esta alteração venha a ter assento no Regulamento de Condomínio, conforme prescreve o nº 2 do referido artigo.
Também esta alteração legislativa parece pouco relevante, uma vez que se trata apenas de uma alteração do percentual necessário à aprovação de alteração do regime regra – imputação das despesas comuns com base na permilagem -, contudo, analisando o panorama dos condomínios em que situações de desequilíbrio acontecem, nomeadamente nos condomínios em que existem fracções destinadas a outras finalidades que não a mera habitação, em que estas representam, na maioria das situações, uma percentagem superior a 1/3 do valor do prédio o que, na prática, permite a estes condóminos bloquearem quaisquer tentativas de alteração do regime regra de imputação das despesas comuns.
É nossa convicção que as alterações que analisámos contribuem para a melhoria das relações condominiais obstando à existência de forças de bloqueio por razões subjectivas e contrárias ao interesse comum dos condóminos por um lado, e por outro, facilitando a estipulação de critérios mais justos e equilibrados na repartição das despesas comuns do condomínio.
17 julho 2021
Modificação do TCPH
12 maio 2021
Alterar o Título Constitutivo
O TCPH apenas poderá ser modificado se para tanto obter o acordo de todos os condóminos, sendo que o silêncio de alguns condóminos não vale para este efeito como uma declaração de vontade, porquanto não se pode aplicar o regime do art. 1432º, nº 8 do CC (uma vez que este preceito apenas se refere às deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos), nem se verificam cumpridos os pressupostos ressalvados no art. 218º do CC.
Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do CC – e não se verificando nenhuma das excepções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado e nunca através de decisão judicial
Sendo viável a via judicial para obter a modificação do título constitutivo, tal efeito jurídico jamais prescindirá do acordo de todos os condóminos (cfr. os art. 1422º e 1422º-A do CC), além de que o tribunal não pode alterar o título constitutivo da propriedade horizontal em violação das normas legais em vigor, designadamente sem aprovação de todos os condóminos e a junção de documento emanado da Câmara Municipal comprovativo de que a alteração está de acordo com as leis e regulamentos em vigor na autarquia (requisitos de natureza administrativa).
Sobre toda a matéria cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 29/11/2006, assim sumariado: «A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial depende da verificação simultânea, quer dos requisitos civis previstos no art.º 1417º do Código Civil, quer dos requisitos administrativos fixados no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.» e 06/12/2018. constando do respectivo sumário: «3. A produção de efeitos jurídicos correspondentes à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal por via judicial, não prescinde do acordo de todos os condóminos e, além disso, deve compatibilizar-se com regras imperativas em matéria de direito do urbanismo ligadas ao licenciamento da construção e da utilização de edifícios e respectivas fracções.», este, com abundante citação de doutrina e de jurisprudência, publicados no “site” da dgsi.
14 abril 2021
Alterar o título constitutivo
O título constitutivo da propriedade horizontal constitui um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal, pelo que as suas determinações têm uma eficácia real.
Face ao disposto no art. 1419º, nº 1 do CC – e não se verificando nenhuma das exceções previstas no art. 1422º-A do mesmo diploma (junção de frações contíguas; divisão de frações autónomas autorizada pelo título constitutivo ou pela assembleia de condóminos sem oposição) -, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas é possível quando ocorra acordo expresso de todos os condóminos, devidamente formalizado em escritura pública ou documento particular autenticado
Os elementos do título constitutivo – nomeadamente no que diz respeito à composição e ao valor relativo de cada fracção bem como o fim a que cada uma se destina – só podem ser alterados se todos os condóminos concordarem em fazer essa modificação.
Se na assembleia de condóminos não estiverem todos presentes, ou representados, mesmo assim uma deliberação pode ser tomada por unanimidade se todos os que comparecerem, e que representem pelo menos dois terços dos votos, votarem favoravelmente e os outros forem notificados, no prazo de trinta dias, por carta registada com aviso de recepção (cfr. art. 1432º, nº 5 e 6 do CC).
Os condóminos ausentes têm noventa dias, após a recepção da carta, para comunicar por escrito à assembleia o seu consentimento ou discordância. Se não responderem deve-se entender que aprovam as deliberações comunicadas (cfr. art. 1432º. nº 7 e 8 do CC).
Importa ainda sublinhar que para que os factos jurídicos que determinam a modificação da propriedade horizontal sejam oponíveis a futuros adquirentes é necessário que sejam levados ao registo, porquanto é o que determinam os arts. 2º, nº 1, al. b) e 5º, nº 1, ambos do CRgP, e 62º, nº 1 do Código do Notariado.
Com efeito, “O escopo da obrigatoriedade do registo (…) é facultar a quem pretenda adquirir fracções autónomas de um prédio urbano os elementos indispensáveis a que se possa conhecer, antes da celebração do negócio aquisitivo, o âmbito detalhado da fracção ou fracções em que esteja interessado, bem como as partes comuns do edifício e dos direitos e obrigações que virão a competir ao condomínio” permitindo-lhe todos os elementos de informação e reflexão necessários a indagar as características do prédio onde se insere a fracção ou fracções a adquirir.
Destarte, não se tendo as alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal registadas, tais factos não são oponíveis a futuros adquirentes após as operadas modificações (cfr. art. 5º, nº 1 do CRgP) apenas podendo ser invocadas entre as próprias partes ou seus herdeiros (cfr. art. 4º. nº 1 do CRgP).
Portanto, à luz destes ensinamentos, pode-se afirmar que as modificações ao título de propriedade horizontal só têm eficácia real, se devida e atempadamente registadas.
12 abril 2021
O título constitutivo da PH
O título constitutivo é, em geral, uma declaração unilateral do proprietário, ou uma sentença do juiz, em que se exprime a vontade ou a decisão de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal e em que são estabelecidos os poderes dos condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes comuns, sendo, assim, um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal.
Compete exclusivamente ao título constitutivo da propriedade horizontal a definição do estatuto jurídico das diversas partes do edifício, havendo nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, quando faltam os requisitos exigidos no art. 1415.º do C.Civ. e ainda outros requisitos, de natureza administrativa – a que subjazem interesses de ordem pública –, designadamente a não conformidade entre o fim ou utilização conferido, no referido título, a cada fracção ou parte comum e o fim ou utilização que consta no projecto aprovado pela câmara municipal.
Nos termos do art. 1417º, nº 1 do C.Civ,, são títulos constitutivos da propriedade horizontal o negócio jurídico, a usucapião ou uma decisão judicial proferida em acção de divisão da coisa comum ou em processo de inventário.
O título constitutivo é assim um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e o seu conteúdo tem natureza real e, portanto, eficácia erga omnes, ou seja, tem-se vinculativo, desde que registado, para futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento. Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico.
Acresce ressalvar que o título constitutivo de um regime de propriedade horizontal não pode violar disposições legais imperativas, porém, no seu domínio de aplicação, é o elemento normativo com força superior, não podendo ser contrariado por qualquer regulação inferior, seja por um regulamento do condomínio, seja por uma deliberação da assembleia de condóminos ou por um acto do administrador.
Tendo sido respeitado o fim ou destino constante do projecto aprovado para determinado espaço, é indiferente que, no título constitutivo da propriedade horizontal, tal espaço integre as partes comuns do edifício ou se inclua no sector das fracções autónomas.