Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/26/2024

Colocação antenas telhado

Tribunal: Relação Porto
Processo: 0720180
Data: 06-03-2007
Relator: Mário Cruz

Sumário:

I- A colocação de armário de transmissões e antenas no telhado, pelas suas dimensões, colocação e exposição alteram o arranjo estético e a linha arquitectónica do edifício.
II- Não pode ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenham em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte as partes comuns do edifício.
III- Dependem de aprovação da maioria dos condóminos, sendo que estes devem representar também dois terços do capital investido.

Texto integral: vide aqui

Tribunal: Relação Lisboa
Processo: 4853/2003-6
Data: 03-07-2003
Relator: Urbano Dias

Sumário:

De acordo com o nº 2 do art. 1024º do CC, o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes proprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento.
Isto significa que o contrato de arrendamento de uma parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é válido se todos os condóminos estiverem de acordo, caso contrário o mesmo será nulo.

Texto integral: vide aqui

Do recurso para a Supremo:

Tribunal: STJ
Processo: STJ_07B3607
Data: 09-03-2009

Súmula:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em propriedade horizontal não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”

Texto integral: vide infra:

A analogia tem de encontrar-se, portanto, dentro do regime específico das normas próprias da propriedade horizontal, e não dos regimes subsidiários dos direitos de propriedade e compropriedade.
Entendemos por isso não poder ser aplicável a regra da unanimidade dos condóminos para a aprovação de deliberações que tenha em vista a celebração de um contrato de arrendamento que afecte partes comuns do edifício.
De resto, e à laia de complemento, sempre se dirá que um prédio constituído em PH não pode considerar-se um prédio indiviso, pelo que nos parece forçada, até por isso, a chamada à colação do regime previsto no art. 1024.º ao caso em presença.”
Antes de mais, cumpre esclarecer que a questão de saber se o art. 1024º/2 do CC se aplica ou não à propriedade horizontal se restringe a determinar se é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, porque só essas podem ser tratadas como um “prédio indiviso”; só aliás em relação às partes comuns é que o art. 1420º/1 do CC afirma que cada condómino é “comproprietário”.
Não se confunde o arrendamento de uma fracção autónoma com o arrendamento de partes comuns.
O arrendamento de uma fracção autónoma, que pela própria natureza da propriedade horizontal implica a possibilidade de utilização, pelo arrendatário, das partes comuns, respeita ao exercício dos poderes de proprietário exclusivo de cada condómino. Mas, em tal eventualidade, essa utilização está sujeita às mesmas restrições que teriam de ser respeitadas pelo próprio condómino, proprietário da fracção arrendada.
Diferentes problemas levanta o arrendamento de partes comuns, que necessariamente afecta em termos que não resultam da função instrumental que desempenham relativamente à utilização das fracções autónomas. Por isso se coloca, desde logo, o problema de saber a quem cabe o poder de o decidir – ao administrador ou à assembleia de condóminos; e, competindo à assembleia, o de determinar como tem de ser aprovada a correspondente deliberação – unanimidade ou maioria, e que maioria.
Faz pois todo o sentido averiguar se o art. 1024º/2 do CC é ou não aplicável ao arrendamento de partes comuns, no âmbito da PH.
Contrariamente ao acórdão recorrido, entende-se que é necessária a unanimidade dos condóminos (não se questionando, naturalmente, a possibilidade de tal unanimidade se manifestar pelo modo previsto no art. 1432º/5 do CC), nos termos conjugados do disposto no art. 1024º/2 e no art. 1420º/1, ambos do CC.
A aplicação destes preceitos não implica o reconhecimento de nenhum caso omisso, a preencher por analogia, mais ou menos próxima. O art. 1024º/2 contém uma regra própria do contrato de arrendamento; tal como as demais que a lei define para tal contrato, é aplicável no âmbito da PH, porque nenhuma regra específica deste instituto se lhe opõe, nem directa, nem indirectamente (como poderia na verdade resultar das normas definidas para a formação da vontade na assembleia de condóminos).
É incontestável, como aliás se viu já, que a lei regulou a administração das partes comuns, no âmbito da PH; não previu expressamente, porém, a formação da vontade de decidir celebrar um contrato de arrendamento de partes comuns.
É igualmente incontestável a qualificação legal da locação como acto de administração ordinária, desde que celebrada por prazo não superior a 6 anos; e que, no caso, não se põe o problema do significado efectivo do prazo convencionado, como se poderia colocar em relação a contratos de arrendamento que excluam (pelo menos por princípio) o direito do senhorio de denunciar o contrato para o termo do prazo.
Todavia, o mesmo art. 1024º do CC, que afirma essa qualificação, afasta desde logo dificuldades que criaria a sua articulação meramente formal com a atribuição a todos os comproprietários do direito de administrar a coisa comum. Não seria realmente aceitável que um comproprietário pudesse impor aos demais as consequências próprias da incidência de um arrendamento no prédio indiviso, já atrás apontadas.
São essas mesmas consequências, aliás, que materialmente justificam a adequação da regra da unanimidade ao arrendamento de partes comuns na PH; e que excluiriam liminarmente a conclusão de que a decisão de arrendar partes comuns, ainda que por prazo não superior a seis anos, figuraria entre os poderes do administrador da PH. Note-se, quanto a este ponto, que o art. 1436º do CC não confere ao administrador, genericamente, o poder de praticar actos de administração ordinária, antes conferidos à assembleia de condóminos (art. 1430º/1).
E, diga-se ainda, são essas mesmas consequências que afastam a hipotética afirmação de que seria incongruente exigir unanimidade para a prática de um acto de administração e não a impor relativamente a diversos actos especialmente relevantes, para os quais a lei se satisfaz com maiorias qualificadas. Assim, por exemplo, para as decisões de aprovação de “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” (art. 1422º/3) ou que “constituam inovações” (art. 1425º/1), de alteração do uso, “sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma” (nº 4) ou de reconstrução, em caso de destruição do edifício que não atinja ¾ do seu valor (art. 1428º/2). Ou para as deliberações em que o legislador revela que preferiria a unanimidade – preferência que se manifesta ao exigir a inexistência de oposição – mas em que se satisfaz com a aprovação por maioria simples ou qualificada sem votos contra, como ocorre com a proibição de actos ou actividades não vedados pelo título constitutivo (art. 1422º/2 al. d)), com a autorização de divisão de fracções autónomas, quando não permitida no TCPH (art. 1422º/3-A), com a inclusão, no regulamento do condomínio, de critérios de repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum (art. 1424º/2).
É manifesta em várias hipóteses a intenção do legislador de facilitar a administração do prédio; essa intenção, todavia, não o levou – como poderia ter feito por ocasião da revisão do regime da PH em 1994, que consabidamente teve em vista um aumento da eficiência na administração dos prédios submetidos a tal regime –, a afastar a regra da unanimidade para a decisão de dar de arrendamento partes comuns do prédio.
A terminar este ponto, relembra-se o que atrás se disse sobre a impossibilidade de fazer cessar a indivisão das coisas comuns; na verdade, essa impossibilidade justifica uma maior exigência para a aprovação de actos que, como o arrendamento, visam atribuir o direito de as utilizar.
As deliberações impugnadas na presente acção não obtiveram, pois, a unanimidade necessária para o efeito. Embora imediatamente com conteúdo diferente, todas se destinam a permitir o arrendamento de parte ou partes comuns do prédio dos autos.
Nos termos do disposto no art. 1433º/1 do CC, tais deliberações são anuláveis, “a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
O exercício do direito de anulação de deliberações de uma assembleia de condóminos pode, naturalmente, ser abusivo, nos termos gerais do art. 334º do CC, como sustenta a recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Ora a verdade é que, ainda que tivesse sido atendida pelo acórdão recorrido a sua pretensão de ampliação da base instrutória (cfr. acórdão recorrido, fls. 2386 e ponto 2.6 das alegações), e que os factos correspondentes fossem havidos como provados, ainda assim não procederia a alegação de abuso de direito.
Desde logo, nada no processo permite concluir, por exemplo – e o ónus da prova do preenchimento dos requisitos do abuso caberia aos recorrentes – que a actuação da autora (e demais recorridos) tenha de qualquer modo criado nos recorrentes a convicção fundada de que não iriam reagir contra a aprovação das deliberações impugnadas, de forma a que merecesse tutela a confiança assim gerada.
Para além disso, e porque só um excesso manifesto dos limites do direito de anulação, em violação das regras da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico com que o mesmo é atribuído o tornaria abusivo, não seria a prova de que o arrendamento traria grandes vantagens ao condomínio e graves prejuízos à recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A. e aos serviços por ela prestados que permitiria concluir pelo abuso.
Deixando de lado as restrições de acesso aos locais ocupados, eventualmente não significativas, e a falta de prova de que a segurança do prédio é realmente posta em causa, os termos em que o risco para a saúde ficou assente é suficiente para se não poder concluir pelo manifesto abuso de direito, não sendo necessária, neste âmbito, a prova de que a instalação e funcionamento do equipamento no telhado do prédio é efectivamente prejudicial à saúde.
Recorde-se que não é esse o fundamento da invalidade das deliberações, mas sim a falta de unanimidade na sua aprovação; neste contexto, basta o risco de prejuízo para a saúde para excluir o abuso do direito de anulação.
Aqui chegados, nada mais há que analisar. A exigência da aprovação por unanimidade prejudica a apreciação das questões colocadas nas conclusões 2ª a 12ª das alegações dos recorrentes BB e outros (quanto às conclusões 2ª a 6ª, na parte em que excedem o que se disse já no ponto 9 deste acórdão) e nas conclusões 9ª a 15ª das alegações da recorrente Optimus – Telecomunicações, S.A.
Nestes termos, decide-se:
a) Não conhecer do recurso interposto por Optimus – Telecomunicações, S.A., na parte em que respeita à impugnação da decisão de negar provimento ao agravo interposto em 1ª Instância;
b) Quanto ao mais, negar provimento a ambos os recursos, confirmando, ainda que por fundamento diferente, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 19 de Março de 2009
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria

4/21/2024

Arvores e arbustos - art. 1366º CC



Tribunal: Relação Coimbra
Processo: 32/12.6TBSBG.C1
Data: 21/01/2014

Súmula:

I – O art. 1366º, nº 1, do C.C. limita-se a conceder ao proprietário do prédio a faculdade – e não a obrigação – de defender o seu direito, mediante recurso a “acção directa” e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, arrancando e cortando as raízes, troncos e ramos das árvores existentes em prédio vizinho e que se introduzam no seu prédio, desde que previamente o solicite ao dono das árvores e este o não faça dentro do prazo ali referido.

II – Se o proprietário do prédio invadido, podendo cortar – facilmente e sem grandes custos – as raízes, ramos e troncos que se introduzem no seu prédio, omite tal actuação, não poderá exigir ao dono das árvores qualquer indemnização dos danos que aquele facto lhe venha a causar, porquanto podia e devia ter actuado com vista a evitar a sua verificação.

III – O mesmo não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível, designadamente, por ser demasiada onerosa; nestas situações, recairá sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do C.C., seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

IV – O citado art. 1366º, nº 1, apenas concede ao proprietário do prédio afectado a faculdade de cortar os ramos, troncos e raízes que se introduzirem no seu prédio, não lhe facultando a possibilidade de entrar no prédio vizinho e arrancar as árvores que neste se encontram plantadas; assim, se o dano apenas podia ser evitado com o arranque das árvores, o proprietário lesado nada poderia ter feito para evitar a sua verificação e, como tal, tem o direito de exigir ao dono as árvores a respectiva indemnização.

Decisão:

Dispõe o art. 1366º, nº 1, do CC que “é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias”.

Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela e da jurisprudência que cita, considerou a sentença recorrida que o vizinho prejudicado pelas árvores não tem direito a ser indemnizado pelos danos delas decorrentes, a não ser que estivesse impedido de usar da faculdade que lhe é concedida pela norma acima citada.

Referem, efectivamente, Pires de Lima e Antunes Varela, que “…parece claro que o art. 1366º não atribui ao vizinho, prejudicado com as árvores, o direito de pedir uma indemnização ao dono delas (até porque o direito de corte ou de arranque não está dependente da existência do dano em concreto e pode, por conseguinte, ser exercido, em princípio, antes de tal dano se verificar) ou de obrigar este a fazer os cortes” (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. Revista e actualizada (reimpressão), pág. 231.).

E é também nesse sentido que tem decidido a nossa jurisprudência maioritária, embora, por vezes, com algumas nuances ou restrições, como acontece com o Ac.do TRP de 09/03/2010 (proferido no processo nº 2899/05.5TBOAZ.P1), onde se admitiu a existência de um direito de indemnização, nos casos em que o proprietário lesado está impedido de proceder ao corte dos ramos ou raízes, nos casos em que o dono do prédio lesado não pode aperceber-se do desenvolvimento dos danos ou nos casos em que o dono das árvores não cumpre a sua obrigação de proceder ao respectivo corte quando tal lhe é solicitado pelo proprietário vizinho.

O legislador reconheceu claramente, na norma acima citada, a licitude da plantação de árvores e arbustos até ao limite da linha divisória, não impondo, portanto, qualquer distância relativamente a essa linha. Tê-lo-á feito por razões económicas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela e tendo em vista a máxima rentabilidade dos terrenos. Mas, consciente dos riscos de invasão do prédio vizinho que tal situação implicava – já que o normal crescimento das árvores determina, com muita probabilidade, a extensão dos ramos, troncos e raízes para além da linha divisória do prédio onde foram plantadas – e não pretendendo impor ao proprietário vizinho a obrigação de tolerar a invasão do seu prédio, o legislador concedeu a este proprietário um meio expedito e rápido de defender a sua propriedade, estabelecendo, no citado art. 1366º/1, que este poderia arrancar e cortar as raízes que se introduzissem no seu terreno e o tronco e ramos que sobre ele propendessem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizesse dentro de três dias.

Concedeu, portanto, o legislador ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de auto-tutelar o seu direito, mediante o recurso a “acção directa” (cfr. art. 336º do CC), sem restrições e independentemente da verificação ou não de qualquer prejuízo, bastando, para o efeito, que, previamente, solicite ao dono da árvore a actuação pretendida e que este o não faça dentro de três dias.

Por regra, a concessão dessa faculdade será, efectivamente, bastante para prevenir e evitar que aquelas árvores possam causar qualquer prejuízo ao prédio vizinho, por isso se entendendo que o proprietário lesado não terá direito a qualquer indemnização pelos prejuízos que tenha sofrido, sendo certo que os poderia ter evitado mediante o exercício da faculdade que, com essa finalidade, lhe foi concedida. Em tais situações, poder-se-á dizer que o prejuízo deriva directamente da omissão do proprietário lesado, não se justificando, portanto, a atribuição de qualquer indemnização.

Mas, a verdade é que existem situações onde não é razoável e não é legítimo impor ao proprietário vizinho o dever de exercer aquela faculdade e a consequente impossibilidade de ver ressarcidos os danos que sofreu por força de uma árvore que não é sua, da qual não retira qualquer benefício e que está a interferir com o seu direito de propriedade.

Não parece, desde logo, justo e razoável que o proprietário do prédio vizinho – que não retira qualquer benefício da árvore – tenha que assumir o ónus e encargo de estar em permanente vigilância sobre a evolução da árvore e de suportar os custos inerentes à remoção de raízes, troncos e ramos que se introduzam no seu prédio para evitar qualquer dano (custos que, em determinados casos, poderão ser elevados), enquanto o dono da árvore – que, em princípio, deveria ser o responsável pela sua vigilância e pela prática dos actos que se revelassem necessários para evitar danos a terceiros – se alheia dessa situação, à sombra e a pretexto da licitude da plantação da árvore junto à linha divisória.

Por outro lado, também existem situações em que o proprietário não pode actuar pelo modo que seria necessário para evitar o dano no seu prédio, o que acontecerá, designadamente, quando tal dano não pode ser evitado sem o corte da árvore, já que – temos como certo – o citado art. 1366º/1, não concede ao proprietário vizinho o direito de entrar no prédio vizinho para cortar a árvore que, pelo menos em parte, se encontra em prédio que não lhe pertence.

Mas, sem prejuízo de se apelar, em algumas dessas situações, ao abuso de direito, como se fez no Acórdão do TRC de 21/03/2006 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI, tomo II, pág. 18), parece que o citado art. 1366º não poderá ser lido com o alcance e a amplitude de retirar, em todo e qualquer caso, o direito do proprietário vizinho à reparação dos danos que sofreu.

A este propósito e embora não se refira ao direito de indemnização, mas sim ao direito de o proprietário exigir que o corte seja feito pelo dono da árvore, refere Henrique Mesquita (Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, págs. 160 a 162.) que, apesar de ser normalmente entendido que este direito não existe, esse entendimento nem sempre proporciona a solução mais razoável, como acontece nos casos em que o proprietário vizinho não tem a possibilidade de proceder ao corte (como poderá acontecer quando as árvores estão plantadas junto de muros ou prédios urbanos). Assim, refere o citado autor, “em situações com esta configuração parece-nos razoável entender que ao proprietário lesado assiste o direito de impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos. Com vista à justificação legal deste entendimento poderá dizer-se que o art. 1366º se aplica apenas quando ao proprietário do prédio vizinho seja fácil proceder ao corte das raízes, valendo, para as outras hipóteses, os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia; ou que aquele preceito tem apenas por objectivo legitimar a acção directa do proprietário lesado, mas sem excluir que ao dono das árvores se possam exigir os actos necessários a remover ou impedir agressões ao direito de propriedade dos vizinhos, que é um direito exclusivo (cfr. o art. 1305º); ou ainda que a infiltração de raízes em prédio alheio, por isso que é susceptível de originar, nas hipóteses que vimos analisando, prejuízos substanciais para o proprietário vizinho, se traduz numa emissão a que poderá aplicar-se por analogia o disposto no art. 1346º, senão mesmo o preceituado no artigo seguinte”.

Acompanhando, de algum modo, a doutrina de Henrique Mesquita, parece que o citado art. 1366º teve em vista duas coisas: estabelecer que é lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória do prédio sem necessidade de respeitar qualquer distância e conceder ao proprietário do prédio vizinho a possibilidade de recorrer à acção directa com vista a eliminar as raízes, troncos e ramos que estão a invadir o seu prédio.

Sem se pronunciar, sequer, na norma citada, sobre possíveis danos causados pelas árvores em prédios vizinhos e sobre a possibilidade (ou não) de eles serem indemnizados, não parece que o legislador tenha pretendido eliminar em absoluto o direito do proprietário vizinho a ser ressarcido por esses danos (isso não resulta – pelo menos claramente – da letra da lei); o legislador terá apenas pretendido solucionar, de forma rápida e expedita, o conflito de vizinhança que, com muita probabilidade, iria surgir com a plantação de árvores junto à linha divisória, reconhecendo ao proprietário vizinho o direito de não tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos e troncos das árvores e concedendo-lhe o direito (mas não a obrigação) de atacar de imediato essa invasão, independentemente de a mesma lhe causar ou não qualquer prejuízo.

Naturalmente que, concedendo a lei ao proprietário vizinho, a faculdade de reagir àquela invasão em prazo muito curto – actuando ele próprio se o dono da árvore, depois de tal lhe ter sido solicitado, o não fizer em três dias – dever-se-á considerar que os prejuízos causados por tal invasão se devem à sua própria omissão, já que, podendo actuar e evitar o dano, não actuou, permitindo que o dano se produzisse. E, nesse caso, não se justificará, efectivamente, que possa vir a exigir ao proprietário das árvores a respectiva indemnização, tal como vem entendendo a doutrina e jurisprudência maioritárias.

Mas uma tal solução apenas se justificará quando o proprietário vizinho tem a possibilidade efectiva de actuar, ao abrigo do citado art. 1366º, de forma a evitar o dano e quando tal actuação lhe é exigível, como sucederá nos casos em que as raízes, ramos ou troncos podiam ser cortados facilmente e sem grandes custos. Só nessa situação se poderá dizer que o proprietário do prédio vizinho omitiu o dever e a actuação que lhe era permitida e que lhe era exigível, dando causa ou contribuindo, com culpa, para a produção do dano o que excluiria a eventual responsabilidade civil do dono da árvore, por força do disposto no art. 570º do CC.

Mas tal já não acontece nas situações em que o proprietário não tem a possibilidade de cortar as raízes, ramos ou troncos que se estendem para o seu prédio, de forma a evitar a produção do dano, bem como nas situações em que essa actuação – apesar de possível e apesar de permitida pela norma acima citada – não lhe é exigível por ser demasiada onerosa e por não ser razoável fazer impender sobre o proprietário vizinho o ónus de suportar os custos inerentes (que, eventualmente, até podem ser superiores ao valor do dano que se pretende evitar), quando é certo que a árvore não é sua e dela não retira qualquer proveito.

Nessas situações, valerão, como refere Henrique Mesquita (cfr. excerto acima citado) os princípios gerais sobre violação da propriedade alheia e, portanto, o dono das árvores terá a obrigação de indemnizar os danos que por elas sejam causados no prédio vizinho, seja por força do disposto no art. 483º do CC, seja por força do disposto no art. 493º do mesmo diploma.

A lei reconhece, claramente, ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º, do CC); a lei não impõe ao proprietário qualquer restrição emergente da plantação de árvores no prédio vizinho, no sentido de ser obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, troncos ou ramos dessas árvores, reconhecendo-lhe claramente (como decorre do art. 1366º/1) o direito de não tolerar tal invasão; portanto, tal invasão – não podendo ser imposta ao proprietário do prédio – configura uma lesão ou violação do seu direito de propriedade, pelo menos, a partir do momento em que manifesta a sua oposição; embora se deva considerar que, em princípio, o proprietário do prédio invadido não pode exigir qualquer indemnização ao dono das árvores pelos danos decorrentes do prolongamento das raízes, ramos e troncos, na medida em que, tendo a faculdade de proceder ao seu corte, estava na sua disponibilidade evitar a produção do dano, não poderá deixar de lhe ser reconhecido o direito à indemnização dos danos quando não lhe era possível actuar de forma a evitar a sua verificação ou quando tal actuação, apesar de lhe ser permitida, não lhe era exigível.

Ainda que seja lícita a plantação das árvores naquelas circunstâncias (ou seja, até à linha divisória), o dono das árvores não deixará de responder pelos danos que elas causem a terceiros, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 493º do CC e, portanto, se as suas raízes, ramos ou tronco invadirem prédio alheio e se o proprietário do prédio invadido estiver impossibilitado de proceder ao respectivo corte, ao abrigo do disposto no art. 1366º/11, ou se não lhe for exigível tal actuação, recai sobre o dono das árvores a obrigação de indemnizar os danos causados com tal invasão.

À luz destes considerandos, o proprietário não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio pelas raízes, ramos ou troncos das árvores que pertencem a outrem e nenhuma justificação encontramos para impor ao proprietário o ónus de praticar todo e qualquer acto que seja necessário – e com a frequência que seja necessária – para evitar que aqueles causem dano efectivo no seu prédio e independentemente da natureza e da onerosidade desses actos, quando é certo que nenhum benefício retira daquelas árvores. A ser de outro modo, o proprietário em causa sofreria duas agressões no seu direito de propriedade, já que, além de o seu direito de propriedade estar a ser objecto de uma interferência que não é obrigado a tolerar, ainda teria que suportar os custos dos actos necessários para evitar que tal circunstância causasse danos efectivos no seu prédio. O que determina o citado art. 1366º/1, é que o proprietário tem o direito de praticar esses actos; mas não se determina que tenha a obrigação de os praticar sob pena de arcar com os danos que aquelas árvores lhe venham a causar, ainda que se considere, como acima se mencionou, que, podendo fazê-lo, sem grande esforço e sem grandes custos, actua com culpa e contribui para a verificação do dano, se omitir tal actuação e nada fizer para evitar o dano.

Glossário do Condomínio - J


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no regime da propriedade horizontal, o presente glossário alfabético apresenta as definições dos principais termos usados no âmbito condominial.


Junção de fracções autónomas

Possibilidade de unificação de duas ou mais fracções autónomas, desde que as mesmas sejam contíguas (horizontal ou verticalmente) e contanto essa faculdade não esbarre com as limitações havidas impostas aos condóminos pelo art. 1422º do CC, i.e., tais obras não podem prejudicar a segurança do edifício, nem a sua linha arquitectónica ou o seu arranjo estético, a menos que, nestes últimos dois casos, seja obtida autorização da assembleia dos condóminos conforme o nº 3 do art. 1422º do CC.

Glossário jurídico - U


Para um maior e melhor conhecimento das terminologias usadas no domínio jurídico, o presente glossário alfabético foi projectado para apresentar as definições dos principais termos usados no campo do Direito


Ultimação

Terminus de uma acção jurídica ou processo

Última instância

Em último recurso; A que põe termo final ao processo e de cuja decisão não cabe mais recurso.

Ultimar

Acabar, concluir diligência ou processo.

Ultraje de símbolos nacionais e regionais

Crime imputado a quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido.

União de facto

Considera-se que duas pessoas estão em união de facto quando vivem juntas há mais de dois anos em condições semelhantes às das pessoas casadas. Ou seja, devem formar um casal, viver na mesma casa e fazer uma vida em comum.

Unidade de conta

A unidade de conta, também designada por UC, é utilizada como valor de referência para efeitos de fixação das custas judiciais. O actual valor da UC é de 102 euros.

Unificação de penas

Soma das penas de um mesmo condenado, de modo que sejam consideradas como uma só.

Uniformização da jurisprudência

Conjunto de decisões sobre interpretações das leis, realizadas pelos Tribunais de uma determinada jurisdição.

Unívoco

Que somente poderá ser interpretado sobre um único aspecto; Ex., a lei, cujo sentido é unívoco.

Uso

Direito real, segundo o qual se pode extrair da coisa alheia as utilidades exigidas pelas necessidades do usuário.

Usuário

Aquele em favor de quem é estabelecido o direito real do uso.

Usucapião

A usucapião é a aquisição da propriedade com fundamento na posse de longa duração. Por outras palavras, tem o direito de invocar a usucapião quem tenha sido possuidor de uma coisa durante um longo período, tornando-se proprietário ao fazê-lo. Através da usucapião, a «propriedade diminuída» que é a posse transforma-se em propriedade plena ou, noutra maneira de ver a coisa, a mera «relação de facto» com uma coisa transforma-se numa «relação de direito».

Usufruto

Acto ou efeito de usufruir ou de gozar os frutos ou rendimentos de alguma coisa que pertence a outrem; Direito conferido a alguma pessoa, durante certo tempo, que a autoriza a retirar, de coisa alheia, frutos e utilidades que ela produz.

Usura

Designação dada à cobrança de juros exagerados pelo empréstimo de dinheiro; Exploração ilícita em proveito próprio, consistente na cobrança de juros, comissões ou descontos sobre empréstimo monetário, com taxas acima das que a lei estabelece.

Usurpação

Acto de apossar-se violentamente de alguma coisa pertencente a alguém ou de exercer uma função, sem legitimidade. 

Usurpação de funções

Aplica-se a quem exercer funções ou praticar actos próprios de funcionário, de comando militar ou de força de segurança pública, arrogando-se, expressa ou tacitamente, essa qualidade, bem como a quem exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche. Comete também o crime de usurpação de funções quem continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido oficialmente notificada demissão ou suspensão de funções.

Utente

O que tem o direito de usar. O mesmo que usuário.

4/18/2024

AdC aplica coima à APEGAC em 1,17 milhões por fixação de preços


A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou uma coima de 1,17 milhões de euros à Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), depois de concluir que a associação "fixou e impôs junto das empresas do sector preços mínimos a cobrar pela prestação de serviços", infringindo as regras da concorrência.

Da investigação conduzida pela Autoridade da Concorrência resultou provado que a APEGAC fixou, de forma regular e generalizada, os preços mínimos a cobrar a título de honorários pela gestão e administração de condomínios, durante um período de aproximadamente oito anos (2015-2023), divulgando-os junto das empresas suas associadas, bem como das demais empresas do sector", revela a AdC, em comunicado, esta quinta-feira.

A entidade liderada por Nuno Cunha Rodrigues considerou mesmo que, em particular, a APEGAC, que representa 1 300 empresas do sector, "utilizou o contexto inflacionista verificado recentemente em Portugal para justificar o aumento coordenado dos preços destes serviços, relevantes para os consumidores no contexto dos custos com a habitação".

A AdC recorda que a fixação de preços é uma das mais graves infracções às regras da concorrência, "prejudicando directamente os consumidores e a competitividade das empresas, penalizando a economia".

A investigação teve início em Janeiro de 2023, depois de a Adc ter "detectado oficiosamente a existência, na página eletcrónica da APEGAC, de uma tabela de preços mínimos a aplicar no mercado de gestão e administração de condomínios". Em Fevereiro do mesmo ano, a autoridade realizou diligências de busca e apreensão na sede da associação de empresas visada no processo.

"A 23 de Agosto de 2023, a AdC concluiu, com base na investigação realizada, que existia uma possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão final que declarasse a existência de uma infracção, pelo que adoptou uma Nota de Ilicitude (acusação)", indica.

Foi dada à APEGAC "a oportunidade de exercer o direito de audição e defesa em relação aos comportamentos investigados pela AdC, à prova reunida e à sanção em que poderia incorrer".

"Em face da investigação realizada e da pronúncia apresentada pela APEGAC, a AdC adotpa agora uma decisão final condenatória", lê-se.

Assim, a AdC determinou a aplicação de uma coima de 1,17 milhões de euros à associação, explicando que as coimas impostas pela AdC são determinadas − no caso das associações de empresas − pelos "volumes de negócios realizados no mercado afectado pelas empresas associadas, durante o período em que subsiste a infracção". Além disso, "de acordo com a Lei da Concorrência, as mesmas não podem exceder 10% do volume de negócios realizado no ano anterior à data de adopção da decisão final".

A decisão da AdC é passível de recurso, embora este não tenha efeito suspensivo sobre a execução das coimas.
 
in, notíciasaominuto

 

4/11/2024

As notificações no âmbito do nrau


A temática das notificações no âmbito do NRAU não tem tido, julga-se, a relevância que a sua importância e implicações impunham.

Com efeito, o sucesso ou insucesso dos variados procedimentos em que é necessário efetuar notificações dependem da correta ou incorreta elaboração destas.

E, note-se, que os efeitos de notificações incorretamente elaboradas e/ou efetuadas se podem vir apenas a verificar, por vezes, alguns anos após a sua realização.

O art. 9.º do NRAU, no seu nº 1, estabelece que as comunicações relativas à cessação do contrato de arrendamento, atualização de rendas e obras deverão ser efetuadas por carta registada com aviso de receção. Cartas que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, devem ser enviadas para o arrendado, pelo que, convém realçar, desde logo, que, no caso das pessoas coletivas, enviar a carta para a sua sede é uma solução errada, salvo se essa morada for o domicílio convencionado.

Mas, é depois no âmbito do art. 10º do NRAU, que se devem ter as maiores cautelas, porquanto do não cumprimento das vicissitudes aí previstas podem resultar situações de ineficácia das comunicações a que o mesmo alude.

Desde logo, o nº 1 deste artigo estabelece que as comunicações referidas no nº 1 do art. 9º do NRAU se consideram recebidas ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Contudo, este regime regra é, de pronto, afastado no nº 2 do art. 10º do NRAU para as comunicações que reputamos de mais importantes.

Na verdade, este nº 2, logo na sua alínea a), exclui do regime regra as cartas que constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização de renda, nos termos dos art. 30º e 50º deste regime. Mas também a sua al. b) exclui do previsto no nº 1 as cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos art. 14º-A e 15º, respetivamente, salvo se houver domicílio convencionado, prevalecendo, neste caso, o regime regra.

Temos pois que nas situações previstas nas al. a) e b) do nº 2 do art. 10º do NRAU as cartas não se consideram recebidas se forem devolvidas por o destinatário se ter recusado a recebê-las ou o aviso de receção ter sido assinado por pessoa diferente do destinatário.

O que fazer então nestas situações? O nº 3 do art. 10º do NRAU dá-nos a resposta, ou seja, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta, sendo certo que a nova carta, ainda que volte a ser devolvida, se considera recebida no 10º dia posterior ao seu envio, bem como se considera recebida se o aviso de receção voltar a ser assinado por pessoa diferente do destinatário.

Há aqui que chamar a particular atenção para as cartas remetidas para as pessoas coletivas, quando não existe domicílio convencionado, atenta a jurisprudência dominante, designadamente, o Acórdão do STJ, datado de 19/10/2017, cuja relatora é a Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Com efeito, decorre deste aresto, predominantemente aplicado pelos Tribunais que, sendo a carta dirigida a pessoa coletiva e sendo o aviso de receção assinado por pessoa diferente de um seu legal representante, se considera que o mesmo foi assinado por pessoa diferente do destinatário, e, por isso, é necessário enviar a segunda carta prevista no nº 3 do art.10º do NRAU.

Esta matéria é da máxima relevância, pois, na maior parte dos casos, tratando-se de pessoas coletivas, o aviso de receção é, por via de regra, assinado por funcionários ou colaboradores da mesma e o não envio a segunda carta, que confira eficácia à primeira carta, faz com que a notificação se tenha como não efetuada.

Temos pois já aqui evidenciados alguns pontos de fundamental importância para que uma comunicação seja considerada efetuada e, por isso, eficaz.

Mas os cuidados não se podem ficar pelo cumprimento do previsto nos nºs 2 e 3 do art. 10º do NRAU. Importante é também não olvidar o art. 11º do NRAU para as situações em que há pluralidade de senhorios ou de arrendatários.

Comecemos pela pluralidade de senhorios, situação em que, por mais ínfima que seja a quota de cada um dos senhorios, as comunicações efetuadas por estes têm que ser subscritas por todos, sob pena de, não o sendo, serem ineficazes, conforme resulta, expressamente, do nº 1 do art. 11º do NRAU. É bem verdade que, em caso de não haver consenso entre os senhorios, ainda que a maioria esteja de acordo em efetuar uma determinada comunicação, basta um recusar-se a subscrever a mesma e já não poderá ser efetuada eficazmente.

Já no que respeita à pluralidade de arrendatários, haverá que atentar ao que vem previsto nos nºs 3 e 4 do art. 11º do NRAU, designadamente, neste último. Na verdade, resulta daqui que, estando em causa as comunicações previstas no nº 2 do artigo 10º do NRAU, já acima escalpelizadas, as mesmas têm que ser dirigidas a todos os arrendatários. Logo estas comunicações têm que ser efetuadas por cartas registadas com aviso de receção dirigidas a cada um dos arrendatários, porquanto, se tal não acontecer serão ineficazes.

A este propósito realce-se, ainda, a situação em que o arrendado constitui casa de morada de família, pois, também, nestes casos, nos termos do nº 1 do art. 12º do NRAU, as comunicações previstas no nº 2 do art. 10º do NRAU têm que ser dirigidas, em cartas autónomas, a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.

Aqui chegados podemos verificar que, de facto, aquando da elaboração de uma carta relativa, designadamente, às comunicações previstas no nº 2 do art. 10º do NRAU, haverá que adotar o máximo cuidado e atenção para não se correr o risco de, mais tarde, por vezes anos, sermos surpreendidos com a declaração de ineficácias de tais comunicações o que, para além da perda de tempo pode, também, criar situações irreversíveis por entretanto, por um ou outro motivo, aquele direito ter precludido, designadamente, decorrente das alterações legislativas constantes.

Vamos, agora, focar-nos em pouco no previsto no nº 7 do art. 9º do NRAU, ou seja, na possibilidade de resolução extrajudicial do contrato de arrendamento por falta de pagamento de renda, em que a comunicação é efetuada nos termos do nº 2 do art. 1084º do CC.

Comecemos pela sua al. d), a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento por carta registada com aviso de receção quando existe domicílio convencionado, a que se aplica, por força do previsto, al. b) do nº 2 do art.10º do NRAU, o regime regra previsto no nº 1 do mesmo artigo, ou seja, ainda que a carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a mesma considera-se recebida. Nestas situações, cumpridas as demais vicissitudes e demais exigências de elaboração e efetivação da comunicação não há necessidade de enviar uma segunda carta, ainda que a primeira não seja recebida.

Mas, para além da situação prevista na al. c) do nº 7 do art. 9º do NRAU, temos, também, as situações constantes das al. a) – Notificação avulsa - e b) – Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução - do mesmo número, havendo, nestes casos, que saber o que fazer quando o destinatário se recusar a assinar a notificação ou a receção do duplicado da comunicação ou quando não for possível localizar a pessoa a notificar.

A resposta a estas situações encontramo-la, respetivamente, nas al. a) e b) do nº 5 do art. 10º do NRAU.

Assim, no caso de recusa do destinatário em assinar a comunicação ou a receção do duplicado, o notificante lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada, conforme resulta da al. a) do nº 5 do art. 10º do NRAU.

Por sua vez, não sendo possível notificar o destinatário da comunicação, terá o senhorio que remeter carta registada com aviso de receção, para o arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que não foi possível localizar o destinatário; carta esta que se considera recebida no 10º dia posterior ao seu envio, tudo conforme resulta da al. b) do n.º 5 do art. 10º do NRAU. Significa isto que, neste caso, não sendo enviada esta carta registada com aviso de receção, a comunicação não se considera efetuada e, consequentemente, é ineficaz.

São pois estes, evidenciados de forma muito breve, os principais pontos a ter em atenção aquando de elaboração de uma comunicação para que a mesma possa ser eficaz e, consequentemente, sejam alcançados os efeitos pretendidos.

4/05/2024

Alterações ao regime do arrendamento urbano


As mais significativas alterações ao RAU trazidas pela Lei nº 56/2023 de 6710 (diploma mais habitação), são as que decorrem do disposto nos art. 34º, 35º e 36º deste diploma legal, sendo que o primeiro limita o valor da renda a praticar em novos contratos que incidem sobre imóveis relativamente aos quais tenham vigorado contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos anteriores, com referencia a 07/10/2023 (data da sua entrada em vigor), enquanto que os segundo e terceiro alteram os art. 35º e 36º da Lei 6/2006, de 27/02, aplicáveis a arrendamentos habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU.
 
Vejamos, assim, em concreto e na prática em que consistem essas alterações:
 
O disposto no art. 34º da Lei 56/2023 visa combater a especulação imobiliária nos novos contratos de arrendamento habitacional; para tanto, determina que um imóvel relativamente ao qual tenha sido celebrado um contrato de arrendamento entre 07/10/2018 e 07/10/2023, cessando este, a renda do novo contrato a celebrar, tendo por objeto este imóvel, não poderá ter um valor que ultrapasse o valor da renda do anterior contrato, acrescida de dois por cento, ou seja, se a renda do contrato anterior fosse € 1 000,00, a renda do novo contrato não poderá ultrapassar o montante de € 1 020,00.
 
De realçar, relativamente a este tema, que:
 
Este regime não se aplica a contratos cujo valor da renda não ultrapasse os limites da renda acessível previstos nas tabelas 1 e 2 do Anexo à portaria nº 176/2019, de 6/07;
 
Caso o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sido objecto de uma ou mais actualizações, legalmente permitidas, ao valor da renda, para efeitos da determinação da renda a aplicar a novos contratos, podem ainda ser considerados os coeficientes legais, desde que não tenham decorrido mais de três anos, sendo que, para este efeito, o coeficiente relativo ao ano de 2023 é de 1,0543;
 
Tratando-se de imóveis que tenham sido objecto de obras de remodelação ou restauro profundos, devidamente atestadas pela CM, ao valor da renda inicial dos novos contratos poderá acrescer o valor das despesas suportados pelo senhorio, com essas obras, até ao limite anual de 15%.
 
Já o art. 35º determina que os contratos abrangidos pelos art. 35º e 36º do NRAU (Lei 6/2006) já não transitam para o mesmo.
 
Significa isto que os contratos de arrendamento habitacional celebrados antes da entrada em vigor do RAU, ou seja, antes de 1990, desde que o arrendatário invoque ou tenha invocado um Rendimento Anual Bruto Corrigido do agregado familiar inferior a cinco Remunerações Mínimas Nacionais Anuais), actualmente € 57 400,00, que tenha idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, não transitam para contratos de prazo certo, continuando a reger-se pelas regras aplicáveis aos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não podendo os senhorios denunciá-los sem justificação, nos termos da al. c) do art. 1101º do CC.
 
Por outro lado, com as alterações introduzidas pelo art. 36º aos art. 35º e 36º do NRAU, também, relativamente aos contratos abrangidos por estes artigos (o inquilino invoque ou tenha invocado baixo rendimento, idade ou deficiência), na falta de acordo, deixa de poder haver actualização extraordinária da renda nos termos da anterior redacção das al. a) e b) do nº 2 do art. 35º do NRAU, ou seja, para 1/15 do valor patrimonial do locado.
 
Com efeito, com a nova redacção dada ao nº 2 do art. 35º e ao nº 6 do art. 36º, ambos do NRAU, na falta de acordo quanto ao valor da renda, esta só pode ser actualizada nos termos do art. 24º do NRAU, ou seja, pela aplicação do coeficiente da actualização anual.
 
A propósito deste tema, convirá realçar que o mesmo diploma que, com as alterações introduzidas acaba por impedir a actualização extraordinária da renda nestas situações, prevê, no nº 2 do art. 35º, para as mesmas situações, não só a definição de medidas fiscais, incluindo isenção de IRS e IMI, como também da renda a fixar para o arrendatário a partir de 2024.
 
E de fato, em cumprimento do previsto nesta disposição legal, o DL nº 132/2023, de 27712, veio determinar, relativamente aos arrendamentos habitacionais a que se aplica este diploma, ou seja, os celebrados antes da entrada em vigor do RAU, o seguinte:
 
O valor da renda exigível ao inquilino e à que se encontrar em vigor à data da entrada em vigor deste diploma, podendo ser actualizada nos termos do art. 24º do NRAU, ou seja pela aplicação do índice de actualização anual para os arrendamentos habitacionais.
 
Sempre que a renda mensal destes contratos seja inferior a 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, fraccionado em doze meses, o senhorio tem direito a um apoio financeiro, sob a forma de subvenção mensal não reembolsável;
 
O montante da compensação a atribuir ao senhorio, pelo IRHU, I.P. (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), corresponde à diferença entre o valor da renda mensal paga pelo inquilino e o valor correspondente a 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, fraccionado em doze meses;
 
Sobre os montantes da compensação paga pelo IHRU ao senhorio não incide imposto sobre o IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares) nem contribuições para a Segurança Social.
 
Finalmente, não poderemos deixar de abordar um problema resultante da incúria do legislador, pois, tendo procedido à alteração do nº 2 do art. 35º do NRAU, não teve em consideração que, tanto a actualização da renda relativa aos arrendamentos não habitacionais, prevista no nº 2 do art. 54ª do NRAU, como a dos arrendamentos habitacionais não abrangidos pelos art. 35º e 36º do NRAU, prevista na al. b) do nº 5 do art. 33º do NRAU, remetem para o critério previsto nas al. a) e b) do nº 2 do art. 35º do mesmo diploma.
 
Colocados perante esta situação, haverá que ponderar se fará sentido que, em caso de transição para o NRAU e actualização da renda de arrendamentos não habitacionais e de arrendamentos habitacionais em que o inquilino não invoque baixo rendimento, idade ou deficiência, não possa haver actualização da mesma segundo o critério previsto na revogada redacção das al. a) e b) do art. 35º do NRAU.
 
Entendemos que, além de não fazer sentido, a circunstância de, tanto o nº 2 do art. 54º, como a al. b) do nº 5 do art. 33º, ambos do NRAU, remetem a actualização da renda neles prevista para as al. a) e b) do nº 2 do art. 35º, tendo elas sido revogadas, parece-nos lícito defender que essa remissão é feita para a redacção que essas disposições tinham anteriormente à sua revogação.

A Preferência do Arrendatário de Parte de Prédio Urbano Não Constituído em PH


O direito de preferência no direito civil português: breve análise da sua evolução
 
Em 1919, o Decreto nº 5:411, publicado no Diário do Governo Série I – nº 80, de 17/04, reuniu toda a legislação referente ao arrendamento de prédios rústicos e urbanos, começando por enunciar disposições gerais das quais constam as noções de contrato de arrendamento, prédio urbano e prédio rústico, consagrando depois um conjunto de normas inerentes aos seus vários aspectos, entre eles, registo do arrendamento, renovação, sub-locação e transmissão do arrendamento. Os direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos de prédios urbanos foram também regulados de forma especial neste diploma, bem como o regime dos arrendamentos de estabelecimentos comerciais e industriais.
 
A primeira menção à existência do direito de preferência do arrendatário de prédio urbano, no caso de venda pelo senhorio, apenas apareceu no ordenamento jurídico português em 1924, com a Lei nº 1:662, publicada no Diário do Governo Série I – nº 200, de 4/09, diploma que, revogando a legislação que existia em sentido contrário, veio regular, de forma provisória, aspectos relacionados com requisitos de forma e de validade do contrato de arrendamento, bem como a suspensão de acções e execuções de sentença de despejos de prédios urbanos.
 
A consagração do direito de preferência do arrendatário encontra-se no art. 11º desta Lei, “O principal locatário, comercial ou industrial, de prédio urbano pode usar do direito de opção nos termos da legislação geral, quando o senhorio vender o prédio.”
 
A preocupação do legislador, ao consagrar tal direito de preferência na venda do prédio, foi, então, a de conferir uma certa protecção ao arrendatário comercial ou industrial e ao negócio desenvolvido por este, assegurando, assim, a possibilidade de continuidade do desenvolvimento de uma determinada actividade profissional, comercial ou industrial no prédio arrendado.
 
Posteriormente, em 1948, através da Lei nº 2:030, publicada no Diário do Governo Série I – n.º 143, de 22/06/1948, tal direito de preferência veio também a ser expressamente atribuído ao arrendatário que desenvolvesse no locado uma profissão liberal. Mas, se por um lado, o legislador ampliou o direito de preferência na venda do prédio arrendado a arrendatários não comerciais, por outro lado, determinou como critério de atribuição desse direito o tempo de exercício da respectiva actividade profissional no locado. Assim, apenas tinha direito de preferência na venda do prédio, o arrendatário que exercesse no locado, há mais de um ano, comércio, indústria ou profissão liberal.
 
Além disso, o legislador apontou desde logo aquele que viria a ser o regime do direito de preferência do arrendatário de uma parte de um prédio, concretamente o arrendatário do andar ocupado num prédio constituído em propriedade horizontal, estipulando que tal preferência viria a ser atendido nas mesmas condições.
 
Como se constata, o direito de preferência a favor do arrendatário de prédio urbano não existia então para o arrendatário de prédio com fins habitacionais, mas tão só para aqueles arrendatários que no locado desenvolvessem uma das referidas actividades e foi só volvidos 29 anos que o legislador veio a alargar este direito de preferência ao arrendatário de prédio urbano destinado a habitação.
 
Na verdade, apenas com a Lei nº 63/77, de 25/08, com o objectivo de contribuir para a adopção de uma política de acesso à habitação própria, foi consagrado que também o arrendatário habitacional de imóvel urbano passaria a ter direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento dos respcetivos imóveis. Além disso, foi também contemplado que o arrendatário de uma fracção autónoma de imóvel urbano gozaria de igual direito de preferência, em caso de compra e venda ou dação em cumprimento da respectiva fracção. Porém, para o arrendatário habitacional não era exigível um período mínimo de permanência no locado para que pudesse ser titular de tal direito de preferência.
 
Através da Lei nº 42/90, de 10/08, foi concedida ao Governo autorização para alterar o regime jurídico do arrendamento urbano, do que veio a resultar o DL 321-B/90, de 15/10, diploma que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano (RAU). O direito de preferência do arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma continuou a merecer a atenção do legislador que manteve o regime então vigente, muito embora sem distinção do tipo de arrendatário. O direito de preferência passou, assim, a ser conferido a qualquer arrendatário (com algumas excepções) e não apenas aos arrendatários habitacionais e aos que desenvolvessem uma actividade comercial, industrial ou profissão liberal. Ficou também claro que o direito de preferência respeitava apenas ao local arrendado e não a qualquer outra parte do prédio do qual o local arrendado fizesse parte.
 
Em 2006, o RAU veio a ser revogado pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, lei esta que alterou a redação da norma relativa ao direito de preferência do arrendatário, criando, a partir de então e até hoje, diversas interpretações acerca do seu sentido e âmbito de aplicação.

O direito de preferência do arrendatário de prédio urbano após o NRAU e as preocupações do regime actual
 
O art. 47º do RAU manteve-se em vigor até à revogação deste diploma legal. O NRAU teve como precedente legislativo a Proposta de Lei nº 140/IX, da qual constava a indubitável intenção de eliminar o direito de preferência dos arrendatários na alienação dos prédios arrendados, com a justificação de que o exercício deste direito complicava os negócios e criava entraves à livre circulação da propriedade. O texto da Proposta para alteração do CC, concretamente, para a redacção do art. 1096º era: “Nos arrendamentos urbanos regidos pela presente secção, nenhuma das partes tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento da outra, salvo preceito expresso em contrário.”
 
Contudo, assim não sucedeu e o texto final, em vez de eliminar o direito de preferência dos arrendatários manteve-o na redacção que se conhece do então art. 1091º/1, al. a) do CC, alterando-se a expressão de “prédio urbano ou de sua fracção autónoma” para “local arrendado” e aumentando-se o período de tempo mínimo em que o contrato deve estar em vigor, passando-se assim de mais de 1 ano, para mais de 3 anos.
 
A mencionada alteração da designação de prédio urbano ou de sua fracção autónoma, para local arrendado veio, desde então e até hoje, a motivar as mais variadas interpretações doutrinais e jurisprudenciais, motivadas também pelas alterações introduzidas pela Lei nº 64/2018, de 29/10, diploma que teria como objectivo o de esclarecer o regime do exercício do direito de preferência. Como se sabe, tal objectivo foi frustrado e até desvirtuado, sendo causador de insegurança jurídica.
 
Para além de outras novidades introduzidas em 2018, o legislador veio, no nº 8 da norma, a conferir ao arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, cujo fim é o habitacional, um direito de preferência equivalente ao do arrendatário de uma fracção autónoma, ou seja, um direito de preferência relativo apenas à quota-parte efectivamente ocupada pelo arrendatário no prédio em propriedade total ou plena.
 
Por outro lado, refere ainda a norma, no seu nº 9 que os arrendatários podem exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade. Neste caso, o legislador não consagrou como requisito para o exercício do direito de preferência por parte do arrendatário o facto de se tratar de arrendamento para habitação, abrangendo, assim, na nossa perspectiva, todos os arrendatários tal como os mesmos eram abrangidos pela redacção anterior dada ao art. 1091. do CC, bem como pela redacção do art. 47º do RAU e pelas redacções anteriores das normas equivalentes, como já se expôs.
 
O outro elemento que consideramos, desde o início, no mínimo, desestabilizador era aquele que contemplava que o direito de preferência do arrendatário de parte de prédio em propriedade total tem direito de preferência mas apenas e só no que respeita à parte do prédio que ocupa, como se fosse possível este arrendatário destacar aquela parte do prédio urbano e adquirir apenas aquela parte.
 
O regime então consagrado criava no arrendatário que ocupa parte do prédio em regime de propriedade total, a convicção de que será possível comprar, apenas e só, a parte que ocupava, quando, como bem sabemos, assim não é. Na verdade, não seria possível adquirir parte de um prédio, pois sobre o mesmo prédio apenas pode existir um direito de propriedade, salvo aqueles onde existe o regime da compropriedade. E, repare-se, considerando que o arrendatário pretenderia (apesar de ser impossível) adquirir a parte do prédio que ocupava, mas, para o efeito, necessitaria de recorrer ao crédito bancário, nunca conseguiria tal crédito considerando a hipoteca exigível pelo mutuante. É que não é juridicamente possível constituir hipotecas sobre parte de um prédio em propriedade total. A compra de parte de um prédio colide também com o RJUE, o que o legislador não teve, seguramente, em conta.
 
A controvérsia e as dificuldades de aplicação prática foram de tal ordem que a vigência da norma não chegou sequer a dois anos, tendo sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, de 16/06.
 
Porém, se a declaração de inconstitucionalidade veio resolver inúmeros problemas, veio, por outro lado, levantar a questão do sentido e alcance do nº 9 da mesma disposição legal, segundo a qual se mantém o direito de preferência do (ou dos) arrendatário em caso de venda de um imóvel não sujeito ao regime da PH, adquirindo, consequentemente, na respectiva proporção, a totalidade do mesmo em regime de compropriedade.
 
A primeira questão que se coloca é a de saber se existindo um prédio com vários arrendatários, se tal direito de preferência pode ser exercido por qualquer um deles ou se apenas pode ser exercido por todos em conjunto. Parece-nos que a segunda opção tornaria a solução praticamente inaplicável, pois, muito dificilmente teremos situações em que todos os arrendatários têm iguais pretensões e até condições financeiras para exercer tal direito de preferência. Por isso, acreditamos que a intenção do legislador terá sido a de permitir que qualquer arrendatário ou alguns deles em conjunto, ou todos, caso isso se verifique, poderem exercer o respetivo direito de preferência. Aliás, a própria norma isso expressa, quando se refere a arrendatários que assim o pretendam.
 
Uma outra questão respeita, uma vez exercido o direito de preferência por parte do arrendatário ou dos arrendatários (alguns ou todos), à aquisição proporcional da totalidade do imóvel. Afigura-se-nos de difícil alcance a referida proporcionalidade. Bastará equacionar a hipótese de um prédio, em regime de propriedade total, com seis espaços individualizados, sendo que apenas três deles se encontram arrendados, estando os demais desocupados. Se considerarmos que os três arrendatários exercem o direito de preferência, os mesmos passarão a ser comproprietários da totalidade do imóvel, mas necessariamente em diferente proporção daquela que tinham enquanto arrendatários. Após a aquisição, a compropriedade é proporcional ao todo do prédio e já não à parte que cada um deles ocupava enquanto arrendatário.
 
Assim, se o nº 9 não está directa e exclusivamente relacionado com o eliminado nº 8 do art. 1091º, a redacção é, pois, imprecisa e carece de urgente intervenção legislativa, de forma a, por hipótese, passar a contemplar que a proporção da compropriedade será aquela que resulte da aquisição e da quantidade de comproprietários. Isto, claro, se a opção for a de manter a norma do nº 9 em coerência com a protecção dada aos arrendatários das denominadas “lojas históricas”, cujo regime está regulado pela Lei nº 42/2017, de 14 /06.

3/26/2024

Eliminação de defeitos


Acórdão: STJ 
Data: 07 de Julho de 2010
Proc. nº 31/04.1TBTMC.S1.
Relator: Ferreira de Almeida

Descritores:
Empreitada. 
Defeito da obra. 
Denúncia. 
Acção directa. 
Execução específica. 
Resolução de contrato. 
Procedimento

Sumário:

I. A não eliminação dos defeitos (oportunamente denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro) não confere àquele o direito de, de per si (directamente) ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos reclamando, posteriormente, do empreiteiro o pagamento das despesas efectuadas, bem como o de exigir do obrigado (por antecipação) o adiantamento da verba necessária ao respectivo custeio.

II. O dono da obra (como credor de uma prestação de facto fungível) só poderá adregar um tal resultado através do recurso à via judicial, obtendo a condenação do empreiteiro nessa eliminação e, em caso de incumprimento do dictat condenatório, requerer, em subsequente execução (execução específica), o respectivo cumprimento, por terceiro à custa de devedor (art.ºs 828.º do CC e 936.º, n.º 1, do CPC).

III. Trata-se, pois, de um direito potestativo de exercício judicial, não legitimador de qualquer acção directa geral ou especial (de carácter unilateral) por banda do dono da obra, não podendo este substituir-se ao empreiteiro, eliminando sponte sua e de motu próprio os defeitos ou vícios da obra e apresentar-lhe seguidamente a conta das despesas, assim procedendo, em administração directa, à eliminação dos defeitos ou à realização de nova obra (autotutela não consentida por lei).

Isto a menos que se trate de reparações objectivamente urgentes, prementes ou necessárias (não tendo o empreiteiro procedido atempadamente à sua eliminação), casos em que o dono da obra poderá agir com base nos prin­cípios da acção directa geral ou do estado de necessidade plasmados nos art.ºs 336.º e 339.º, ambos do CC.

IV. Com vista a tal desideratum, impõe a lei ao dono da obra um iter procedimental ou sequencial de carácter obrigatório: denúncia em devido tempo ao empreiteiro dos defeitos exibidos pela obra, assim lhe conferindo (ao empreiteiro) a possibilidade da sua eliminação ou, em caso de impossibilidade dessa eliminação, exigir-lhe uma nova construção (art.º 1221.º, n.º 1, do CC); só se frustrada essa “démarche” lhe será facultado exigir (ao empreiteiro) a redução do preço acordado ou a resolução do contrato (art.º 1222.º, n.º 1, do mesmo diploma).

V. Não cabe ao comitente (dono da obra) a opção entre eliminar os defeitos ou realizar uma nova obra. É ao empreiteiro, tendo em conta as leges artis e os conhecimentos técnicos inerentes, que cabe averiguar se os defeitos são elimináveis. Se o dono da obra discordar da opinião do empreiteiro, compete ao tribunal decidir (com apelo a critérios objectivos) se os defeitos são ou não elimináveis.

Texto integral: vide aqui

3/20/2024

Proteção contra sismos deve ser obrigatória nos seguros de habitações



A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) defende que a cobertura de risco sísmico seja obrigatório nos seguros de habitações e que seja criado um fundo para risco sísmico a ser gerido em conjunto pelas seguradoras e pelo Estado.

O Governo publicou um despacho a incumbir a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) a desenvolver a criação de um sistema de cobertura do risco de fenómenos sísmicos, devendo apresentar uma proposta até ao final do primeiro trimestre de 2024.

Num encontro esta quinta-feira com jornalistas, a APS defendeu que qualquer seguro de cobertura de habitações deve passar a incluir a cobertura de risco sísmico e que a maior parte do prémio desse seguro seja transferido para uma nova entidade, designada Sistema Nacional de Protecção de Riscos Catastróficos (numa primeira fase dedicado a riscos sísmicos e que no futuro pode ser alargado a grandes inundações e grandes incêndios), que irá gerir esse dinheiro e em caso de sismo cobrir as perdas nas habitações em Portugal.

"A capacidade inicial seria dar resposta de 8.000 milhões de euros. No dia um [de uma catástrofe sísmica} o setor segurador poderia dar resposta a uma recuperação de habitações no valor de 8.000 milhões de euros e se a catástrofe for de 9.000 milhões de euros o Estado poria os restantes 1.000 milhões de euros", explicou o presidente da APS, José Galamba de Oliveira.

Galamba de Oliveira disse que este valor está a ser recalculado, uma vez que advém de um estudo feito em 2018, e que entretanto precisa de ser atualizado quer pelo valor da inflação quer de outros custos.

Numa primeira fase, para conseguir que este fundo tivesse uma capacidade de fazer face a perdas de 8.000 milhões de euros, Galamba de Oliveira disse que teriam de ser feitos acordos com resseguradoras internacionais para garantir essa cobertura.

Questionado sobre quanto serão agravados os seguros para as habitações caso a proteção de risco sísmico venha a ser obrigatória, afirmou que no estudo feito em 2018 o valor variava num aumento de 30 a 70 euros por ano (para um capital médio de 125 mil euros), admitindo que esse cálculo tem de ser refeito.

A associação que agrega as seguradoras que operam em Portugal mostrou um estudo da Swiss Re segundo o qual Portugal é o país da Europa mais exposto a risco sísmico (incluindo à frente de Itália). O maior risco é em Lisboa e Algarve.

Ainda segundo a APS, num evento severo, como o terramoto de Lisboa de 1755, as perdas podem atingir 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

Depois de anos em que a APS falou deste tema sem ir avante qualquer legislação, a associação considera que agora nota vontade política e que há condições para haver um Fundo de Risco Sísmico "até final da atual legislatura", em 2026.

Questionado sobre as críticas dos mediadores de seguros, que dizem que muitas seguradoras recusam cobrir o risco sísmico, Galamba de Oliveira afirmou que isso acontece porque "hoje em dia muitas habitações não têm condições de segurança sísmica", mas também considerou que tornar esse seguro obrigatório levaria a ultrapassar esse problema.

"No modelo que aqui está, na medida em que é de cobertura obrigatória tem de haver resposta social", afirmou.

Já sobre as críticas que habitualmente os clientes fazem a seguradoras, de que quando accionam os seguros estas se tentam pôr de fora e não assumir encargos, Galamba de Oliveira disse ter conhecimento de situações de insatisfação, mas também afirmou que muitas acontecem porque as pessoas não contrataram o que pensam ter contratado ou o fizeram abaixo do que deveriam ter contratado (infrasseguro).

"O sector regulariza milhares e milhares de sinistros e a maioria dele sem problemas, muitas vezes não se trata de [a seguradora] pôr-se de fora, as pessoas pensam que têm cláusulas contratadas e na hora da verdade não [tinham]. Ainda o infrasseguro, tem um sinistro de 10 mil euros e a seguradora só paga 3.000 ou 4.000 porque há infrasseguro, a habitação não está segurada nos capitais certos", afirmou.

O presidente da APS explicou que muitas vezes as seguradoras não assumem porque também há deveres que os clientes não cumprem. Por exemplo, disse, quando há inundações as seguradoras vão ver telhados e muitas vezes não estavam devidamente mantidos.

"Contratualmente também há deveres do lado do tomador de seguro que não cumpre e acaba por resultar neste tipo de diferendos", disse.

Em 2022, segundo a APS, havia 5,9 milhões de habitações em Portugal, sendo que quase 2,7 milhões não têm qualquer seguro.

Das 3,1 milhões de habitações cobertas por seguros, 1,13 milhões têm seguros com riscos sísmicos e em 2,0 milhões os seguros não incluem riscos sísmicos.

Em Portugal apenas as habitações em prédio (propriedade horizontal) são obrigadas a ter seguro de incêndios (o nome técnico é seguro de incêndio, queda de raio ou explosão).

A APS defendeu ainda um registo nacional das habitações com seguro de incêndio (como existe dos seguros automóvel) já que, apesar de ser obrigatório em casas em prédio, é muitas vezes incumprida e não é controlada.

3/04/2024

Outras formas contratuais de gozo e exploração de imóveis

 
Muito se fala actualmente na habitação e no direito à habitação. De facto, em Portugal a habitação é um direito constitucional consagrado no art. 65º e a própria Lei de Bases da Habitação, aprovada em Setembro de 2019, considera que o Estado é o garante deste direito.
Vale a pena transcrever o texto constitucional, que, no essencial, mantém a dimensão e profundidade consagradas aquando da sua aprovação originária em 1976:



Como facilmente se pode constatar existe um enquadramento complexo (de base económica , social e cultural) e uma linha de rumo definida, que se designa por estimular “o acesso à habitação própria ou arrendada”. No entanto, quando se abordam estes temas o foco é sempre em torno da habitação associada a propriedade plena de um imóvel ou a habitação por via de contrato de arrendamento. Mas serão só estas as figuras às quais deve estar associado o direito à habitação?

Partindo de uma análise dos vários direitos que podem integrar o direito de gozo de um imóvel, temos, desde logo, os direitos base inerentes aos direitos reais de propriedade, entre os quais o natural direito de propriedade plena de um imóvel. Mas temos também o direito de superfície sobre o mesmo e o direito de usufruto.

Mas serão apenas esses no nosso ordenamento jurídico? A resposta é claramente negativa. Existem outras formas legais de que nos podemos socorrer para sustentar um direito sobre determinado imóvel.

Temos, desde logo, o direito de uso e habitação, previsto no art. 1484º do CC. O direito de uso traduz-se na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família” e nos casos em que incide sobre a casa de morada de família, designa-se direito de habitação. Este não se confunde com o direito de usufruto supra referido na medida em que os direitos de uso e habitação não atribuem um direito de gozo pleno sobre a coisa, como nos casos do usufruto, ou seja, por exemplo, quando este incide sobre uma casa o seu beneficiário não pode arrendar pois o uso não engloba os frutos civis, apenas confere o direito de habitar não podendo transmitir, dispor, alienar ou onerar esse direito.

Existe, ainda, todo um conjunto de direitos, configurados em diferentes diplomas que têm, ainda assim, associado um direito de habitação de imóveis, ainda que com especificidades próprias, mas que nos mostram que direito a habitação não se cinge a propriedade plena e arrendamento:Direito Real de Habitação Períódica (DRHP), previsto no DL 275/93, de 05/08 – este é um direito que incide sobre unidades de alojamento integradas em empreendimentos turísticos, que permite a “habitação” dessas mesmas unidades durante determinado período do ano

Direito Real de Habitação Duradoura (DHD), previsto no DL 1/2020, de 09/01 – este traduz-se, essencialmente, num direito permanente e vitalício de residir numa habitação alheia, mediante o pagamento ao proprietário de uma caução inicial e de uma prestação mensal acordada entre as partes.

Locatário financeiro (de bem imóvel), previsto no DL 149/95, de 24/06 – neste caso existe um contrato através do qual, mediante remuneração, uma parte cede a outra o gozo temporário de um bem imóvel, o qual pode ser comprado pelo locatário decorrido o período acordado para o efeito. Esta operação tem intrínseca uma modalidade de financiamento a médio ou longo prazo, onde o locador irá disponibilizar um bem ao locatário, sendo que este pagará uma renda, com opção de compra ou não no final.

Arrendamento habitacional, previsto no art. 1092º e ss do CC e na Lei 6/2006, de 27/02 (NRAU) – trata-se de um contrato pelo qual uma das partes (senhorio) se obriga a proporcionar à outra (inquilino ou arrendatário) o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante prestação pecuniária periódica (renda). O arrendamento é urbano se referente a um prédio urbano e pode ter fim habitacional ou não habitacional.

Direito de habitação não permanente ou para fins transitórios, previsto no art. 1095º/3 do CC – em regra os contratos de arrendamento para habitação têm a duração mínima de um ano, estando excepcionados os casos em que o locado se destine a habitação não permanente ou para fins especiais transitórios. Alguns desses fins especiais transitórios, poderão ser motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos.

Direito de “turista residencial” em empreendimento turístico constituído em propriedade plural, previsto no DL 39/2008, de 07/03 – nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural podem existir vários proprietários de unidades de alojamento do mesmo e nessa mesma qualidade podem arrogar-se o direito de “residir” nessas unidades o ano inteiro, ainda que sujeitos às contingências da exploração turística do empreendimento e aos custos à mesma associados.

Direito de “ocupante” de estabelecimento de Alojamento Local, previsto no DL 128/2014, de 29/08 – tem inerente serviços de alojamento temporário mediante remuneração, permitindo “habitar” determinado imóvel durante um período de tempo determinado.

Direito de habitação colaborativa, referido na Lei n.º 83/2019 de 03/09 (Lei de Bases da Habitação) e Portaria 269/2023, de 28/08 - trata-se de uma solução de natureza habitacional que se organiza em contexto de comunidade, ou seja, é uma “resposta social de carácter residencial, temporária e ou permanente, que assenta num modelo de habitação colaborativa e comunitária, organizada em unidades habitacionais independentes, próximas ou contíguas, de apartamentos, moradias ou outra tipologia de habitação similar, e que dispõe de áreas e espaços de utilização comum, compartilhada, bem como de serviços de apoio partilhados e subsidiários, promotores de interacção social, inter-geracionalidade e inclusão social dos seus residentes”.

Enquanto todas estas tipologias que supra-referimos têm previsão e enquadramento legal, existem, no entanto, outras figuras que, ainda que sem um enquadramento legal especifico, não deixam de ser uma realidade e que, como tal, é importante abordar. Faz sentido referir as seguintes situações:Direito de habitação por indicação de empresa arrendatária – o vulgo designado arrendamento corporativo – coexiste um contrato de arrendamento, cujo arrendatário será uma empresa, ficando esta com a prerrogativa de indicar terceiros, colaboradores da mesma, para residirem nesse mesmo imóvel. No entanto, esses colaboradores não constam do contrato de arrendamento, ainda que sendo aqueles que efectivamente vão ocupar o imóvel para efeitos de habitação.

Direito a alojamento na prestação de serviços – enquadra-se aqui, por exemplo, o regime dos contratos de habitação de porteiros ou os ditos caseiros. Estas entidades prestam serviços no âmbito de uma relação laboral com características próprias, entre as quais o fornecimento de alojamento pela entidade empregadora.

Direito de hospedagem familiar – este pode-se configurar como um contrato atípico misto, que irá integrar prestações dos contratos de locação e de prestação de serviços. Trata-se de contratos de arrendamento para habitação, na qual reside quer o arrendatário quer um máximo de 3 hóspedes deste, comprometendo-se o arrendatário a proporcionar habitação aos mesmos a a prestar serviços, mediante pagamento de uma determinada retribuição.Apesar da sua distinção, a verdade é que existem elementos base essenciais que acabam por ser inerentes a todos eles, tais como:

  • Prazos,
  • Contrapartidas financeiras,
  • Direito do titular do direito de gozo,
  • Formas de extinção do contrato,
  • Vias de desocupação coerciva do imóvel,
  • Especificidades da relação com o condomínio,
  • Regime fiscal aplicável.

Mas embora todos estes contratos possam prever estes aspectos, a verdade é que a parametrização de cada um deles é diferente de contrato para contrato.

A realidade mostra-nos que, de facto, o acesso a um imóvel indispensável à satisfação da necessidade básica de habitação permanente, que a Lei de Bases da Habitação (LBH) designa como “a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência” pode revestir várias e diferentes formas.

Importa, no entanto, avaliar em que medidas cada uma dessas formas é tratada, nomeadamente no que respeita aos instrumentos para remover os incumprimentos contratuais ou ocupações ilegais.

A LBH refere no seu art. 13º (Protecção e acompanhamento no despejo), que:

1 – Considera-se despejo o procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas”

Mas o que aconteceu na realidade? Olhemos, por exemplo, para os mecanismos legais para desocupação coerciva de um imóvel em arrendamento habitacional (como seja o caso do recurso ao BAS – balcão do arrendatário e senhorio), o qual, pela forma como está previsto e configurado pelo legislador não será de aplicação a nenhuma destas outras figuras aqui abordadas.

Ou seja, depois de outras novidades, como o arrendamento forçado pelo Estado, o legislador só pretendeu regular no plano processual o incumprimento das “relações de arrendamento”, em sentido restrito, sem atender à realidade decorrente do exercício do direito a habitar (residir ou ocupar) um imóvel, sem estar em causa um contrato de arrendamento celebrado entre particulares.

A celeridade e segurança do procedimento de despejo (desocupação coerciva de um imóvel), promovido por privados ou entidades públicas, deveria ser assegurada e respeitar um normativo processual comum, para fomentar a credibilidade indispensável ao cumprimento dos contratos e, em consequência, reduzir o risco dessas relações contratuais (valor da contrapartida de habitar um imóvel).

Na LBH foram consagradas as bases para um direito processual em matéria de Habitação (em sentido amplo), comum a todas as situações de desocupação de imóveis “habitacionais”, com fundamento em “ocupações indevidas ou ilegítimas”.

Também deveria o Legislador regular a execução judicial de outros contratos, assegurando uma tramitação célere e credível, assim como as garantias para as famílias despejadas dos imóveis, próprios ou arrendados, quando estiverem nas condições previstas na LBH.

Com efeito, e não obstante a LBH vir impor o dever de regulamentação em matérias especificas (veja-se o já referido art. 13º e o art. 67º, por exemplo), a verdade é que a mesma ficou aquém do que seria expectável e devido.

Nessa medida, seria adequado e legalmente fundamentado (tendo por base a LBH) que o quadro da locação previsto no CC fosse, de facto, aplicado aos restantes contratos de “gozo de imóveis para residência/habitação” a título de regime supletivo que fosse, na medida em que estarão em causa similares direitos à habitação.