Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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2/26/2022

Reverter a imputação das comparticipações

Decorre do nº 1 do art. 1424º do CC, que o regime regra de imputação das comparticipações condominiais, salvo disposição em contrário inserida no título constitutivo da propriedade horizontal, é proporcional ao valor das respectivas fracções.

Para aprovação de imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra - ficarem as despesas de fruição e serviços comuns a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição -, é exigível que a deliberação seja aprovada por uma maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem qualquer oposição (cfr. nº 2 do art. 1424º do CC).

No entanto, após a alteração da forma de imputação das comparticipações, isto é, deixando-se de pagar na forma proporcional ao valor das respectivas fracções (percentagem ou permilagem), passando a fazer-se em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, caso no futuro se pretenda regressar ao regime regra de imputação das comparticipações condominiais de forma proporcional ao valor das respectivas fracções, isto é, deixando-se de pagar em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição para se regressar à forma proporcional ao valor das respectivas fracções, não é exigível a maioria qualificada de 2/3 sem oposição para reverter a alteração ao regime regra ao pagamento de despesas de condomínio, pois é incomparável a situação de a lei exigir tal maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º, nº 2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra.

Assim é, mesmo que a assembleia pretenda, neste âmbito, alterar anterior deliberação aprovada por maioria qualificada, pois as deliberações da assembleia de condóminos não “determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre susceptíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória, e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio” (cfr. Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., p. 246 a 247)”, isto é, não era aqui exigida a maioria qualificada, sendo incomparável a situação de a lei exigir uma maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º nº 2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra –, como, as deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º, nº 1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos como pretende a recorrente, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência – como vem sendo maioritariamente sustentado na doutrina e jurisprudência.
 
À luz destes ensinamentos, para se alterar a imputação das comparticipações (quotas), exige-se a maioria qualificada indicada no nº 2 do art. 1424º do CC. Para se reverter esta decisão, basta que um qualquer condómino se oponha, suscitada que seja o regresso ao regime regra (leia-se, pagamento das quotas por percentagem ou permilagem). 

Cumpre outrossim ressalvar que, tudo quanto se houve aqui lavrado, refere-se à imputação das despesas de fruição e pagamento dos serviços de interesse comum. A alteração da imputação das comparticipações relativas às despesas de conservação, requer uma deliberação aprovada por unanimidade a qual apenas pode ser revertida mediante nova deliberação (com um voto contra ou abstenção) e enquanto a mesma não se tiver transporta para o título constitutivo da propriedade horizontal. 
 
Após o seu competente registo, a reversão só será possível mediante uma nova deliberação aprovada por unanimidade. No limite, poderá equacionar-se a reversão pela via judicial, se se provar que a deliberação enferma de manifesto e grosseiro abuso de direito. Existe abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334º do CC, quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito (cfr. Ac. STJ de 3/10/2019).
 
Neste concreto, importa ressalvar que de acordo com o disposto no art. 334.º do CC, a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos: (i) a boa fé; (ii) os bons costumes; e (iii) o fim social ou económico do direito; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto.

A boa fé comporta dois sentidos principais: no primeiro, é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude; no segundo, apresenta-se como princípio de actuação, significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular.
 

2/15/2022

Excepção de não cumprimento

A excepção de não cumprimento do contrato encontra-se prevista no art. 428º do CC, cujo nº 1 estabelece que, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

Assim, num contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, é atribuída a qualquer das partes a faculdade de recusar realizar a sua prestação enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

A excepção de não cumprimento do contrato não nega o direito ao cumprimento da prestação nem afasta o dever de a cumprir, consagrando-se apenas o efeito dilatório de um dos contraentes realizar a sua prestação em momento posterior, isto é, quando receber a contra-prestação a que tem direito.

Mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, a excepção de não cumprimento do contrato poderá ser sempre invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro.

Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, através do Acórdão proferido em 3711/2016 que:
 "A excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do C.C.) é aplicável, não apenas aos contratos bilaterais, mas as todos os casos em que, por força da lei, se crie entre as partes uma situação análoga, o que nomeadamente sucederá perante obrigações proper rem, como a obrigação do condómino participar nas despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício (uma vez que o sinalagma que é fundamento do funcionamento da exceptio tem mais relação com o aspecto funcional do que com o aspecto genético das obrigações em causa).
Não actua em abuso de direito (art. 334º do C.C.) o condómino que recusa o pagamento de prestações de condomínio no valor global de € 7.350,06, reportadas ao período de 2010 a 2015, inclusive, enquanto o condomínio não efectuar obras de impermeabilização da cobertura do edifício, por forma a fazer cessar as infiltrações, humidades e escorrências que, desde 2009, impedem a utilização conveniente das três fracções que possui no último piso - superior - do mesmo."

Também o Acórdão da relação de Lisboa em 11/4/2019, decidiu que:
"I - As despesas condominiais, apesar de constituírem obrigações propter rem, que decorrem do estatuto de um direito real , consubstanciam em última análise e no plano dogmático “verdadeiras obrigações”, razão porque, desde que reunidos os necessários pressupostos, nada obsta a que os condóminos possam invocar quanto ao seu pagamento a exceptio non adimpleti contractus.
II – Para que lícito seja ao condómino devedor invocar a exceptio non adimpleti contractus para suspender o pagamento de prestações/contribuições condominiais vencidas, necessário é que entre estas últimas e as prestações das quais se arroga credor em relação ao condomínio, exista uma relação de sinalagma funcional, ou seja, estejam ambas ligadas por um nexo de correspectividade e interdependência."

1/18/2022

A excepção de não cumprimento


É consabido que o cumprimento do pagamento das comparticipações havidas orçadas e aprovadas em sede plenária para suportar as despesas de fruição, conservação e serviços de interesse comum, são a obrigação primeira dos condóminos, sob pena de, incorrendo no não cumprimento, se sujeitarem às sanções previstas no Regulamento do condomínio ou na lei aplicável.

No entanto porém, existem excepções à regra, isto é, existem algumas (poucas) situações nas quais, os condóminos podem furtar-se à obrigação do cumprimento, sem com isso, incorrerem em incumprimento e nas sanções previstas para o mesmo, como por exemplo, no caso replicado infra, do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 3/11/2016, que ensina:

"A excepção de não cumprimento do contrato (cfr. art. 428º do CC) é aplicável, não apenas aos contratos bilaterais, mas as todos os casos em que, por força da lei, se crie entre as partes uma situação análoga, o que nomeadamente sucederá perante obrigações proper rem, como a obrigação do condómino participar nas despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício (uma vez que o sinalagma que é fundamento do funcionamento da exceptio tem mais relação com o aspecto funcional do que com o aspecto genético das obrigações em causa).

Nesta conformidade, não actua em abuso de direito (cfr. art. 334º do CC), por exemplo, um condómino que se recuse o pagamento de prestações de condomínio (v.g. quotas mensais) reportadas a um determinado período de meses ou anos, enquanto o condomínio, não efectuar obras de impermeabilização da cobertura do edifício, por forma a fazer cessar as infiltrações, humidades e escorrências que, desde esse mesmo período de incumprimento, impedem a utilização conveniente da sua fracção autónoma".

Nesta conformidade, lê-se, a propósito, no art. 428º, nº 1 do CC que, «se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo», logo, o funcionamento da exceptio non adimpleti contractus a que se refere este artigo pressupõe a existência de um contrato com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra (o que se verifica nos chamados contratos bilaterais ou sinalagmáticos).

Por outras palavras, mercê da sua própria natureza, esta excepção é aplicável apenas aos contratos bilaterais com obrigações reciprocamente interligadas por um sinalagma genético-funcional, já que só aí o contraente fiel pode sustar o cumprimento da sua prestação como meio idóneo de coagir a contraparte a cumprir também a sua prestação sinalagmática. Mas pressupõe igualmente que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, já que, devendo uma delas ser cumprida antes da outra, a exceptio não teria razão de ser.

Contudo, «a fórmula legal “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimentos das prestações” não é inteiramente rigorosa, pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro: se não estiver, pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação ou lhe não for oferecido o cumprimento simultâneo desta. Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, dado poder sê-lo pelo contraente cuja prestação deva ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro» (cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 105, pag. 283, e ano 108, pag. 155).

Vem-se, ainda, precisando que, sendo os contratos bilaterais o âmbito natural da excepção de não cumprimento, a mesma poder-se-á ainda aplicar a outras situações em que se esteja perante obrigações que se justifiquem reciprocamente, não necessariamente por um sinalagma genético (em que a correspectividade se refere ao momento constitutivo, não podendo uma obrigação surgir sem a outra), mas sim por um sinalagma funcional (em que a correspectividade se refere a obrigações já constituídas, significando que elas se vão desenvolver solidariamente).

Será precisamente esse o caso das obrigações reais ou propter rem, isto é, das obrigações a que o respectivo titular está vinculado, não por via de um contrato, mas por ser titular de um determinado direito real, que não deixam por isso de consubstanciar verdadeiras relações obrigacionais (cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, pag. 21).

Com efeito, «o entendimento de que as obrigações “propter rem” fazem parte do conteúdo do “ius in re” não significa que, por esse motivo, elas devam ser qualificadas como relações de natureza real, ou de natureza mista, ou como figuras de fronteira entre os “iura in re” e as obrigações. Estruturalmente, é de verdadeiras obrigações que se trata, ou seja, de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita a realizar uma prestação em benefício de outra» (cfr. M. Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, pag. 102 e 103).

Logo, apesar da letra do art. 428º do CC e da sua inserção na disciplina dos contratos, poder inculcar o contrário, definindo o art. 397º do mesmo diploma a obrigação sem fazer qualquer menção à sua origem, admite-se que a excepção de não cumprimento seja aplicável às obrigações propter rem, uma vez que o sinalagma que é fundamento do funcionamento da exceptio tem mais relação com o aspecto funcional do que com o aspecto genético das obrigações em causa, isto é, mais com a reciprocidade das obrigações do que com a sua origem (cfr. Ac. da RL, de 08.05.2008, Pedro Lima Gonçalves, Processo nº 1824/2008-8. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 4ª Edição, p. 406, Almeida Costa, RLJ, ano 119, p. 143, e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, p. 847. Na jurisprudência, e em sede da obrigação do condómino concorrer para os encargos de conservação e fruição de partes comuns de um edifício, verdadeira obrigação propter rem, Ac. da RP, de 01.04.1993, CJ, Ano 1993, Tomo II, p. 201, e Ac. da RL, de 09.05.1996, CJ, Ano 1996, Tomo III, p. 87).

Desta forma, pode «dizer-se, de um modo geral, que a “exceptio” tem ainda aplicação nos casos em que, por força da própria lei, embora contra a vontade das partes, se cria entre elas uma situação análoga à proveniente de um contrato bilateral» (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, pag. 271, nota 3). Dir-se-á assim, agora com maior rigor, que a excepção peremptória de não cumprimento do contrato é uma excepção de direito material, que se destina a permitir que o contraente fiel não cumpra enquanto o contraente faltoso não cumprir também. Não legítima, por isso, o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas apenas o cumprimento dilatório do contraente fiel como forma de coagir o contraente faltoso a cumprir também aquilo que tem que cumprir. Pressupõe, por isso, que o cumprimento das obrigações interconexionadas ou seja simultâneo, ou que a obrigação do excipiente deva ser cumprida em último lugar já que então - à data do respectivo adimplemento - ele sabe se a contraparte cumpriu, ou não a prestação, a que está vinculada (cfr. Ac. do STJ, de 18.02.2003, Azevedo Ramos, CJ AcSTJ, Ano 2003, Tomo I, p. 103-106; e Ac. do STJ, de 18.11.2004, Borges Soeiro, in www.dgsi.pt).

Logo, «a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação por que não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode» (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 4ª Edição, p. 406). 

Compreende-se, assim, que se afirme que «a excepção do contrato não cumprido não pressupõe a culpa do devedor da contraprestação no seu atraso. A inexecução por parte deste pode ser-lhe imputável ou não, isto é, tanto pode ele constituir-se em mora como não. Ainda que o incumprimento não lhe seja imputável, antes obedeça a circunstâncias fortuitas, independentes da vontade, a excepção é invocável pelo outro contraente» (cfr. João José Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no Direito Civil, p. 88).

Também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso é comummente aceite pela doutrina o recurso à exeptio non rite adimpleti contractus: a mesma «vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º, nº 2», ambos do C.C. (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Limitada, 4ª Edição, p. 406).

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência têm realçado que, no aferir da legitimidade da invocação da excepção de não cumprimento do contrato, importa ponderar: a regra da boa fé; e a verificação da proporcionalidade (ou do equilíbrio) entre as prestações. É que, por um lado, «seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo»; e, por outro, «na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quando se torne necessário para garantir o seu direito» (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, «Anotação ao Ac, do STJ, de 11 de Novembro de 1984», RLJ, ano 119, 1986/1987, p. 144).

Assente, e face à sua invocação, o contraente a quem é oposta a excepção do não cumprimento tem de provar que cumpriu a sua prestação para obviar aos respectivos efeitos substantivos (cfr. Ac. do STJ, de 24.06.1999, Noronha do Nascimento, CJ AcSTJ, Ano 1999, Tomo II, p. 163, com bold apócrifo). Deverá por isso, para obstar ao seu válido exercício, oferecer o cumprimento simultâneo, em termos completos e rigorosos.

Por fim, a excepção de não cumprimento do contrato tem de ser invocada pela parte que se pretende valer da mesma, de forma expressa ou tácita, não podendo ser conhecida oficiosamente pelo juiz (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, p. 334). A sua invocação tácita terá de resultar de factos alegados pelo excipiente que inequivocamente a exprimam (cfr. Ac. da RC, de 08.06.93, Francisco Lourenço, CJ, Ano 1993, p. 55; e Ac. da RG, de 09.04.2003, Arnaldo Silva, CJ, Ano 2003, Tomo II, p. 281).


1/15/2022

O cumprimento das obrigações

Conforme refere o art. 762° nº 1 CC, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que esta vinculado. Resulta assim pacífico afirmar-se que o cumprimento pode ser definido como a realização da prestação devida, pelo que, com a satisfação do interesse do credor, extingue-se a obrigação, com a consequente libertação do devedor. 
 
Ora o regime do cumprimento das obrigações obedece principalmente a três princípios gerais que têm referência na lei: 
  • o princípio da pontualidade;
  • o princípio da integralidade; e
  • o princípio da concretização e da boa fé.
O princípio da pontualidade
 
O princípio da pontualidade encontra-se consagrado no art. 406° nº 1 CC, que estipula que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (sobre o princípio da pontualidade no âmbito de um contrato promessa cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2005, Processo n° 04B4389, in: http://www.dgsi.pt)
 
Deste princípio resulta a proibição de qualquer alteração à prestação devida. O devedor tem o dever de prestar a coisa ou o facto exactamente nos mesmos termos em que se vinculou, não podendo o credor ser constrangido a receber do devedor coisa ou serviço diferente, mesmo que possuam um valor monetário superior à prestação devida.
 
Excepto se o credor aceitar coisa ou serviço diferente extingue-se a obrigação, situação jurídica denominada por dação em cumprimento. Neste concreto, o cumprimento produz sempre em relação ao credor a extinção do seu crédito, como contrapartida da prestação recebida. Normalmente o cumprimento produz igualmente em relação ao devedor a libertação da sua obrigação, tendo eficácia extintiva da obrigação a que respeita. No entanto, em certos casos o cumprimento pode desencadear a sub-rogação do crédito (cfr. art. 589° e ss. CC), caso em que crédito não se extingue, antes se transmite para o terceiro que realiza a obrigação, ficando o devedor vinculado perante este.
 
Do princípio da pontualidade resulta também a irrelevância da situação económica do devedor, não podendo o devedor, com esse fundamento, solicitar a redução da sua prestação ou a obtenção de outro benefício. Dos art. 601° e 604° do CC consta que mesmo em caso de insuficiência, o património do devedor continua a responder integralmente pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo da penhora certos bens que se destinam à satisfação de necessidades imprescindíveis (cfr art. 822° e 823° CPC).
 
Somente em certo tipo de obrigações periódicas pode haver uma alteração do montante fixado tomando em consideração a situação económica do devedor (cfr. art. 2004° e 2012° do CC (obrigações de alimentos) e o art. 567° do CC (indemnização em renda))
 
O princípio da integralidade
 
O princípio da integralidade encontra-se expresso no art. 763° nº 1 do CC e significa que o devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda que se trate de prestação divisível. Se o devedor oferecer apenas uma parte da prestação, o credor pode recusar o seu recebimento sem incorrer em mora ("Quem nessa situação incorre em mora é o devedor", cfr. Bastos, Notas, volume III, pág. 216.)
 
A lei admite, aliás, que o credor decida exigir apenas uma parte da prestação, esclarecendo, que tal não impede o devedor de oferecer a prestação por inteiro (cfr. art. 763 nº 2 do CC). A regra geral é que só pode haver uma prestação em partes no caso de um acordo entre os contraentes nesse sentido. É o que ocorre nas obrigações fraccionadas (cfr. arti. 781° do CC) (O inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para o futuro, cfr. neste âmbito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2006, Processo n.º 05A3869, in: http://www.dgsi.pt), como a venda a prestações prevista no art. 934° do CC. 
 
Mas existem algumas excepções: 
 
O credor terá que aceitar o pagamento parcial no caso da imputação do cumprimento prevista no art. 784° nº 2 do CC, no caso de pluralidade de fiadores, que gozem do benefício da divisão (cfr. art. 649° do CC) e ainda quando exista compensação com divida de menor montante (cfr. art. 847° nº 2 do CC). Finalmente, poderá haver lugar ao pagamento parcial quando tal situação resulta dos usos ou da boa fé. 
 
Se por exemplo, o montante devido consiste em € 1000 e o devedor prestar € 998, é controvertido na doutrina se a recusa do recebimento pelo credor origina um comportamento contrário à boa fé (neste sentido alguns autores portugueses e alemães, cfr. art. 762° nº 2 do CC e § 242 BGB: "Der Schuldner ist verpflichtet, die Leistung so zu bewirken, wie Treu und Glauben mit Rücksicht auf die Verkehrssitte es erfordern"). 
 
Trata-se de situações que têm de ser apreciadas caso a caso (cfr. Neto, Código Civil anotado, pág. 578-579).
 
Os princípios da boa fé e da concretização
 
Como já foi assinalado, o princípio da boa fé encontra-se referido no artigo 762° nº 2 do CC (§ 242 BGB). Desta norma resulta que para se considerar verificado o cumprimento da obrigação não basta a realização da prestação devida em termos formais, sendo antes necessário o respeito dos ditames da boa fé, quer por parte de quem executa, quer por parte de quem exige a obrigação. 
 
Fazem parte destes deveres o dever de protecção, informação e lealdade, podendo-se ainda mencionar a concretização como princípio do regime do cumprimento das obrigações. 
 
O princípio da concretização significa que a vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta real e efectiva. 
 
A lei prevê vários pressupostos para o cumprimento efectivo: capacidades das partes, disponibilidade das coisas dadas em prestação, legitimidade, lugar e tempo do cumprimento. 
 
Para que o cumprimento da obrigação possa efectivamente ocorrer haverá que respeitar toda a disciplina específica que regula o seu modo de realização. 
 
Capacidade para o cumprimento 
 
Do art. 764° do CC consta que não é exigido a capacidade do devedor, a menos que a própria prestação consista num acto de disposição. A capacidade do devedor é exigida se a prestação consistir num acto de disposição, como sucede sempre que o cumprimento implique a celebração de um novo negócio jurídico (como na hipótese da realização do contrato de escritura prometido em relação ao contrato de promessa de compra e venda), ou dele resulte directamente a alienação ou oneração do património do devedor. A lei protege o incapaz. 
 
Quando consiste num acto de disposição, o cumprimento não esta ao alcance do incapaz, devendo antes ser realizado pelo seu representante legal. Quando para a prestação se exija a capacidade do autor do cumprimento e este não a possua o cumprimento da obrigação pode ser anulado nos termos gerais (cfr. art. 125° e 139° do CC). 
 
Quando o cumprimento é realizado pelo devedor, o credor pode, porém, paralisar esse pedido através de uma excepção, demonstrando que o devedor não teve prejuízo com o cumprimento (cfr. art. 764 nº 1, 2ª parte CC). O credor tem de ter capacidade para receber a prestação. Se a prestação for realizada por um incapaz, o seu representante legal poderá solicitar a sua anulação e a realização de uma nova prestação pelo devedor. 

Legitimidade para o cumprimento

Em relação ao autor do cumprimento, a lei generaliza o princípio da legitimidade activa, atribuindo-a a todas as pessoas, quer estas tenham interesse directo no cumprimento da obrigação, quer não (cfr. art. 767° nº 1 do CC). Assim, a prestação pode ser realizada por terceiro, sem que o credor se possa opor. O terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a prestação tiver carácter infungível, por natureza ou por convenção das partes (cfr. art. 767° nº 2 do CC), caso em que o credor não poderá ser constrangido a receber de terceiro a prestação, poden-do recusa-la e exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor. 
 
Se o terceiro tiver legitimidade para o cumprimento, o credor não pode recu-sar a prestação por ele oferecida, e se o fizer incorre em mora perante o devedor como se tivesse recusado a prestação deste (cfr. art. 768° n.º 1 e 813° do CC). A lei apenas admite a recusa por parte do credor se o devedor se opuser ao cumprimen-to, desde que o terceiro não tenha interesse directo na satisfação do crédito, por ter garantido a obrigação ou por qualquer outra causa (cfr. art. 768° nº 2 e 592° do CC). 
 
Se o terceiro for directamente interessado, o credor não pode recusar o cumprimento por este, mesmo com a oposição do devedor, dado que esta situação envolveria prejuízo para o terceiro. No entanto, a simples oposição do devedor ao cumprimento nunca obsta a que o credor aceite validamente a prestação do terceiro (cfr. art. 768° nº 2 do CC). A regra geral é, portanto, que o cumprimento por terceiro provoca a extinção da obrigação.
 
Legitimidade passiva

Quanto à legitimidade para receber a prestação, o art. 769° do CC estabelece que a prestação deve ser efectuada ao credor ou ao seu representante. Todas as outras pessoas são consideradas terceiros, pelo que a prestação que a estes for realizada não importará em princípio a extinção da obrigação, podendo o devedor ser condenado a realizá-la novamente (cfr. art. 770° do CC em conexão o art. 476° nº 2 do CC). 
 
No entanto, importa ressalvar que, se a prestação for realizada a terceiro, a obrigação não se extingue, podendo o autor da prestação exigir a sua restituição com fundamento no enriquecimento por prestação.
 
Existem, porém, alguns casos em que se verifica a extinção da obrigação com a sua recepção por terceiro (cfr. art. 770° do CC). São estas: (i) se tal tiver sido estipulado ou consentido pelo credor (al. a)); (ii) se o terceiro vier a adquirir legitimidade superveniente para a sua recepção, o que acontece se o credor ratificar o cumprimento (al. b)); (iii) Se vier a ocorrer posteriormente a junção na mesma pessoa das qualidades de credor da prestação e devedor da sua restituição, o que acontece se o terceiro adquirir posteriormente o crédito (al. c)), ou o credor for herdeiro de quem recebeu a prestação, por cujas obrigações responde (al. e)); (iv) se o credor não tiver interesse em novo cumprimento da obrigação, o que acontece ele vier a aproveitar-se do cumprimento (al. d)) e, finalmente, (v) se a lei considerar, por outro motivo, liberatória a prestação feita a terceiro (al. f)) 

Tempo do cumprimento

A doutrina portuguesa (e também a jurisprudência) distinguem entre dois momentos distintos: o momento em que o devedor pode cumprir a obrigação, forçando o credor a receber a prestação, sob pena de o credor entrar em mora, e o momento em que o credor pode exigir do devedor a realização da prestação, sob pena de o devedor entrar em mora. 
 
Os art. 777° e ss. do CC determinam tanto a pagabilidade como o vencimento da divida. Distinguem-se as obrigações puras das obrigações em prazo. As obrigações puras são aquelas cujo cumprimento pode ser exigido ou realizado a todo o tempo. As obrigações a prazo são aquelas em que a exigibilidade do cumprimento ou a possibilidade da sua realização é diferida para um momento posterior. A regra geral é a de as obrigações não terem prazo certo estipulado, sendo, portanto, obrigações puras. Neste caso o credor tem o direito de exigir a todo o tem-po o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela (cfr. art. 777° nº 1 do CC). 
 
Neste caso o devedor apenas entra em mora com a exigência do cumprimento pelo credor, nos termos do art. 805° nº 1 do CC. Pode, porém, acontecer que as partes ou a lei tenham estabelecido um prazo de cumprimento (cfr. art. 777° n. 1 proémio). Nesse caso, está-se perante obrigações com prazo certo, as quais se caracterizam por o decurso do prazo constituir o deve-dor em mora (cfr. art. 805° nº 2 al. a) do CC).
 
A possibilidade de a prestação ser realizada ou exigida em momento posterior constitui um benefício. Pergunta-se a quem compete o benefício do prazo. Nos ter-mos do art. 779° do CC a regra é a de que o benefício compete em princípio ao devedor. Isto significa que o credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo, mas o devedor tem o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando ao benefício do prazo.

Lugar do cumprimento

Veremos agora onde deve ser realizada a prestação. É usual estabelecer no direito português, a propósito do lugar do cumprimento, uma distinção entre as obrigações de colocação, obrigações de entrega e obrigações de envio.
 
Na parte que nos aproveita, aplica-se apenas a segunda obrigação. Nas obrigações de entrega, o devedor tem efectivamente que entregar a coisa ao credor no domicílio deste, ou no lugar com este acordado (tratando-se de uma empresa de administração de condomínios, será no seu escritório). Neste caso a prestação só se considera adequadamente realizada se chega ao domicílio do credor dentro do prazo acordado, havendo mora do devedor no caso contrário (cfr. art. 804° do CC).
 
Prova do cumprimento
 
A prova do cumprimento compete em princípio ao devedor, uma vez que o cumprimento constitui um facto extintivo do direito do credor que deve ser demonstrado pela parte contra quem o crédito é invocado (cfr. art. 342° nº 2 do CC).
 
Atente-se que, no âmbito, por exemplo, de um contrato de compra e venda, uma vez provada a celebração de compra e venda, em acção movida pelo vendedor ao comprador, fundada no contrato, visando a condenação do segundo no pagamento do preço, incumbe ao réu o ónus da prova do cumprimento desta obrigação legal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2003, Processo n.º 02B3469, in: http://www.dgsi.pt)
 
No entanto o cumprimento não pode ser provado por testemunhas (cfr. art. 395° do CC), pelo que o modo mais adequado de proceder a essa prova consiste em o autor do cumprimento exigir do credor uma declaração escrita de que recebeu a prestação em dívida. A essa declaração dá-se o nome de quitação, uma quitação que através dela o credor exprime que o devedor se encontra quite para com ele (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, CC anotado, volume II, pág. 34). Quando a quitação consta de um documento avulso, costuma dar-se a esse documento o nome de recibo. 
 
A quitação é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que cumpre a obrigação, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provido de reconhecimento notarial se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo (cfr. art. 787° nº 1 Cdo C). Pode-se assim exigir sempre do credor um recibo e, caso este não se disponha a passá-lo, o cumprimento pode legitimamente ser recusado (cfr. art. 787 nº 2 do CC). O recibo pode igualmente ser exigido mesmo depois de a prestação já ter sido efectuada (cfr. art. 787 nº 2 do CC).


7/21/2021

Prazo pagamento quotas


Quanto ao tempo do cumprimento, duas questões podem ser colocadas: (i) Quando é que a obrigação pode ser cumprida? Ou seja, quando é que o devedor pode cumprir e o credor tem de aceitar, sob pena de entrar em mora? (ii) 2. Quando é que a obrigação tem de ser cumprida? Ou seja, quando é que o credor por exigir que o devedor cumpra sob pena de este entrar em mora?

A lei trata ambas as situações nos arts. 777º e ss. do CC. Nas obrigações puras, o cumprimento pode ser realizado ou exigido a todo o tempo (cfr. nº 1 do art.777º CC), correspondendo à regra geral supletiva (se nada for dito em contrário ou resultar da natureza da obrigação, ela é pura e segue o regime do citado normativo, logo, o devedor só entra em mora depois de interpelado pelo credor – cfr. nº 1 art. 805º CC). Nas obrigações a prazo, ou seja, já constituídas, a exigibililidade do cumprimento ou possibilidade de realização são diferidas para momento posterior, porque a lei ou as partes fixaram prazo (obrigações de prazo certo – onde o devedor constitui-se em mora com o decurso do prazo - cfr. al. a) nº 2 art. 805º CC), pela natureza da prestação ou as circunstâncias que a determinaram ou os usos o impõem (na falta de acordo, o prazo é fixado pelo tribunal – cfr. nº 2 art.777º e 1456º e 1457º do CPC).

Segundo alguns jurisconsultos, podemos também recorrer ao nº 1 do artº 763º que ensina (a negrito o normativo, entre parênteses meus sublinhados):

"A prestação (leia-se, quota do condomínio) deve ser realizada integralmente (paga numa única prestação) e não por partes (em prestações mensais)".

"excepto se" (porém, este mesmo preceito, estabelece excepções à sua própria regra) :

1) "outro for o regime convencionado" (em bom rigor, a letra da lei refere-se a outro regime legal, no entanto, nada obsta a que, em sede de assembleia, mediante uma competente deliberação, se decida em sentido diverso ao da exigida integralidade).

2) "ou imposto por lei" (como é consabido, a lei nada impõe ou dispõe no regime da PH sobre esta matéria, logo valeria a regra antes desta excepção - a da integralidade - porém, somos de recorrer, por analogia (e por força do artº 10º CC), ao nº 2 do artº 1041º do CC.

3) "ou pelos usos" (ainda que haja relutância em recorrer-se ao preceituado no RAU, temos esta ressalva que nos permite socorrer-nos, pacificamente, dos usos de outros regimes).

Destarte, a comparticipação para as despesas de fruição e conservação das partes comuns, pode ter-se concretizada em duodécimos, havendo-se a satisfação a realizada segundo este exemplo retirado do regime do arrendamento e do qual podemos aproveitar, com a devida analogia:

A renda de casa vence-se no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior a que diga respeito.

Portanto, só se o 1.º dia do mês calhar a um feriado, sábado ou domingo, é que se avança até ao 1.º dia útil (segunda a sexta-feira).

O locatário faz cessar a mora se proceder ao pagamento da renda no prazo de oito dias (de calendário) a contar do seu começo.

Sendo o 1.º dia útil uma segunda-feira, 8 dias a contar do início da mora, dá dia 9 como limite.

Se o dia 1 calhar a um domingo, o 1.º dia útil será a segunda-feira seguinte, dia 2. Adicionando 8 dias significa que o último dia para pagamento da renda é dia 10.

Se o dia 1 for a um sábado, o primeiro dia útil é dia 3, segunda-feira. Somando-lhe 8 dias de calendário, dá dia 11 como último dia para pagamento da renda.

Coincidindo o dia 1 com uma sexta-feira e for feriado, significa que o 1.º dia útil é segunda-feira, dia 4. Neste caso, o último dia para pagamento da renda, sem entrar em mora definitiva, é o dia 12.

Mas se o último dia em que se pode fazer cessar a mora calhar a um feriado, sábado ou domingo, avança-se para o 1.º dia útil seguinte como data limite para pagamento da renda.

Pagamento das quotas


Dimana da letra da lei que o devedor (condómino) cumpre a obrigação quando realiza a prestação (quota) a que está vinculado (cfr. art. 762º CC), sendo que o regime do cumprimento das obrigações obedece principalmente a três princípios gerais que têm referência na lei: o princípio da pontualidade, da integralidade e da boa fé.

O princípio da pontualidade encontra-se consagrado no art. 406° nº 1 do CC, e refere-se aos contratos, mas vale para todas as obrigações, ressalva o cumprimento ponto por ponto, a proibição de alteração unilateral da prestação devida e onde o devedor não pode invocar situação precária em que o cumprimento o deixará. Ou seja, estipula que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

O princípio da integralidade encontra-se expresso no art. 763° nº 1 do CC, corolário da regra da pontualidade, estabelece que a prestação debitória deve ser integralmente cumprida e não por partes; logo, o credor não pode ser obrigado a aceitar o cumprimento parcial. Significa que o devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda que se trate de prestação divisível. Se o devedor oferecer apenas uma parte da prestação, o credor pode recusar o seu recebimento sem incorrer em mora.

Resta o princípio da boa fé na concretização, o qual encontra-se referido no art. 762° nº 2 do CC, consubstancia-se como regra de conduta (boa fé objectiva), que vincula devedor e credor e permite encontrar regras objectivas para resolver dúvidas relacionadas com deveres de prestação (secundários) e deveres acessórios de conduta. Desta norma resulta que para se considerar verificado o cumprimento da obrigação não basta a realização da prestação devida em termos formais, sendo antes necessário o respeito dos ditames da boa fé, quer por parte de quem executa, quer por parte de quem exige a obrigação.

O princípio da concretização (cfr. nº 1 artº 762º CC), pelo qual, a vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta real e efectiva, transpondo a vinculação do plano deontológico, para o plano ontológico: passa-se do dever ser ao ser. Como? Pelos pressupostos do cumprimento , disciplina da forma de realização (tempo, lugar) e determinação dos efeitos concretos.

4/16/2021

Alteração pagamento quotas

O princípio geral em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é, primariamente, o que tiver sido estabelecido pelas partes no título constitutivo ou em estipulação adequada.

Na falta de disposição negocial, o princípio da proporcionalidade só pode ser afastado, por acordo unânime dos condóminos, formalizado por escritura pública se a regra da repartição estiver contida no título de constituição da propriedade horizontal.

Esta unanimidade exigida, quando não esteja a regra da repartição presente no título de constituição da propriedade horizontal, pode ser obtida de acordo com a previsão do art. 1432º, nº 5 do CC.

Na omissão de disposição em contrário, decorre do nº 1 do art. 1424º do CC, ser este o regime regra de imputação das comparticipações condominiais proporcional ao valor das respectivas fracções.

Para aprovação de imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra - ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição -, é exigível que a deliberação ocorra por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição (cfr. nº 2 do art. 1424º do CC).

Não é exigível a maioria qualificada de dois terços sem oposição para reverter uma alteração ao regime regra ao pagamento de despesas de condomínio, pois é incomparável a situação de a lei exigir tal maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º, nº 2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra.

As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º, nº 1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência.

O abuso de direito apenas é susceptível de se verificar quando o seu “titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, nos termos do art. 334º do CC.