Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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13 junho 2025

NIPC


A obtenção do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (NIPC) para um condomínio, é efectuada através da inscrição do mesmo no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas (FCPC), o qual é gerido pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC), podendo esta ter-se feita online ou presencialmente, através de um formulário específico.

O Cartão de Pessoa Colectiva é o documento identificativo do condomínio, contendo o NIPC do condomínio, o nome e a morada, a natureza jurídica e a data da constituição, além de incluir ainda o código de acesso à versão electrónica do próprio cartão.

Este cartão é necessário para que o administrador possa abrir contas bancárias em nome do condomínio, contratar serviços (contratos de fornecimento de água, eletricidade, manutenção de elevadores) ou recorrer aos julgados de paz e aos tribunais, nas relações com a Autoridade Tributária.

Para fazer o pedido pela internet, basta aceder ao formulário disponibilizado no portal ePortugal e preencher os dados solicitados.
Presencialmente, o pedido pode ser feito num dos seguintes locais.
Para efeitos de inscrição mostram-se necessários os seguintes documentos:

Formulário próprio, (Modelo 2 - Pedido de inscrição/identificação de pessoa colectiva ou entidade equiparada) devidamente preenchido e assinado pelo administrador em exercício (assinatura igual à do documento de identificação), excepto se o pedido for formulado presencialmente, no RNPC, de forma verbal, pelo próprio ou por pessoa com legitimidade ou pela internet; O cartão será posteriormente enviado por correio para o condomínio.

Fotocópia do Título Constitutivo de Propriedade Horizontal ou de Certidão do Registo Predial actualizada e documento emitido pela Câmara Municipal, caso a localização actual do prédio não seja a que consta do registo predial ou da escritura notarial;

É necessário pagar uma taxa de inscrição, que pode ser feita através de referência multibanco ou cheque. O custo do cartão de pessoa colectiva é de 50 euros.

Caso pretenda promover a inscrição, através da internet, pode fazer o pedido em ePortugal.

Com a inscrição definitiva no FCPC é disponibilizado de forma automática o cartão electrónico de pessoa colectiva.

Caso pretenda cartão de pessoa colectiva, em suporte físico, pode fazer o pedido no site ePortugal, no Portal da Justiça ou ainda junto do RNPC ou de qualquer Conservatória do Registo Comercial.

09 maio 2025

O tipo legal da propriedade horizontal


A sujeição de um edifício ao regime da Propriedade Horizontal (PH) torna possível que cada uma das fracções autónomas em que juridicamente se decompõe seja objecto de uma afectação diferenciada das demais. Destarte, deixa de haver compropriedade sobre todo o edifício e passam a coexistir várias propriedades sobre cada uma das fracções em que o edifício foi repartido.

É claro que a constituição da PH não se esgota na divisão do edifício por fracções autonomizadas, quer dizer, as fracções autónomas não são o único objecto a considerar na propriedade horizontal. Para além das fracções autónomas há que considerar o problema da atribuição jurídica das partes do edifício que não fazem parte de nenhuma fracção: as denominadas partes comuns - v.g., o próprio solo em que o edifício assenta, os telhados, paredes externas da fachada, etc. - quer o sejam imperativa ou só supletivamente (art. 1421°, n°s 1 e 2 do CC). Assim, por exemplo, são parte comuns, entre outras, as fachadas [1] e o peitoril de uma janela, na sua face ou lado exterior, por se integrar na fachada [2].

Na PH - abstraindo do problema da sua natureza, por não relevar para a economia do recurso [3] - há que lidar com um direito que, no tocante às partes comuns, concorre com idênticos direitos pertencentes a outras pessoas, e com a consequente necessidade de providenciar pela administração dessas partes comuns, fonte permanente de conflitos entre os condóminos (art.s 1414°, 1420°, n°s 1 e 2, e 1421° do CC).

O tipo da PH envolve, assim, uma posição dúplice do condómino: de um aspecto, proprietário da fracção; de outro, comproprietário das partes comuns do edifício que não constituem fracções autónomas (art. 1420°, n° 1, do CC). A lei declara que o conjunto dos dois direitos é incindível (art. 1420°, n° 2, do CC). Para quem entenda que não se trata, na realidade, de dois direitos mas apenas de um direito [4] - o direito de PH, que se estende, simultaneamente, à fracção autónoma e às partes comuns - aquela expressão é deciaradamente infeliz.

Seja como for, o conteúdo típico da PH exprime aquela duplicidade ou complexidade. No que tange à fracção autónoma, o conteúdo do direito do condómino tem a mesma feição da propriedade: o conteúdo positivo deste direito aplica-se igualmente à propriedade horizontal (art. 1305° do CC). Isto explica que o condómino possa usar e fruir a fracção e as partes comuns do edifício - a menos que estejam afectas ao uso exclusivo de um ou de alguns condóminos - assim como dispor do seu direito ou constituir direitos reais ou pessoais de gozo, de garantia ou de aquisição.

A delimitação negativa ou o conteúdo negativo do direito de PH relativamente ao condómino é a mesma do direito real de propriedade, quanto às fracções que exclusivamente lhe pertencem, e da compropriedade, relativamente às partes comuns (art. 1422°, n° 1, do CC). Todavia, não é só em matéria de restrições que o direito dos condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes comuns se encontra subordinado ao estatuto da propriedade ou da compropriedade sobre imóveis: ao mesmo estatuto se há-de recorrer sempre que na lei se não contenham regras específicas para determinar o regime jurídico aplicável às fracções autónomas ou às partes comuns.

Assim, por exemplo, no tocante à legitimidade do condómino para, desacompanhado dos demais, actuar direitos sobre as partes comuns, há que recorrer às regras da compropriedade de imóveis, recurso de que se extrai, quanto a esse problema, esta regra: cada condómino pode reivindicar de terceiro a parte comum, sem que ao demandado seja lícito opor que a coisa comum lhe não pertence por inteiro, previsão que deve ser objecto de extensão, por analogia ou, ao menos, por interpretação extensiva, a outras pretensões (art.s 1404°, 1405°, n° 2, e 1422°, n° 1, do CC).

É, no entanto, possível recortar um conteúdo negativo que introduz uma limitação específica da PH. Um dos deveres dos condóminos que conformam esse conteúdo negativo é o de não prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitéctónica ou o arranjo estético do edifício (art. 1422°, n° 2, a), do CC). Este dever visa, patentemente, preservar a segurança, a linha arquitéctónica ou o arranjo estético do edifício, investindo os condóminos na obrigação de assegurar estas finalidades, que não podem ser prejudicadas nem por acção, nem por omissão. 

Permite-se, porém, obras que modifiquem a linha arquitéctónica ou o arranjo estético do edifício, mediante prévia autorização da AG de condóminos, aprovada por uma maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio (art. 1422°, n° 3, do CC, na redacção que lhe foi impressa pelo DL 267/94 de 25/10). Esta regra visou permitir o fecho de varandas com marquises, uma prática corrente que desfigura gravemente as nossas cidades e que devia ser devidamente acautelada no momento da aprovação pela administração autárquica dos projectos de arquitectura.

Esta restrição só atinge, porém, a fracção autónoma do condómino, dado que é patente que as partes do edifício que tem em vista são as que pertencem aos condóminos em propriedade exclusiva: as inovações nas partes comuns são reguladas por outra disposição do mesmo Código: o art. 1425°, n° 1, de harmonia com o qual, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar 2/3 do valor total do prédio.

Apesar de a doutrina e a jurisprudência não serem acordes, deve, na verdade, ter-se por entendimento preferível, a de que as inovações a que se refere aquela disposição dizem respeito apenas às partes comuns [5]. E aplica-se só ás partes comuns - mas a todas as partes comuns, portanto, mesmo aquelas que estão afectadas ao uso exclusivo de um ou de alguns condóminos [6].

Por inovações deve entender-se todas as obras que constituem uma alteração do edifício tal como foi originariamente construído, licenciado e existia à data da constituição da PH. As inovações visam o melhoramento da coisa comum e tanto podem consistir em alterações da sua forma ou substância como da sua afectação ou destino [7]: são alterações as que trazem algo de novo ao edifício, quer criando algo em benefício das coisas comuns, quer levando ao desaparecimento de coisas que existiam. O que releva é que seja criado algo novo ou diferente nas partes comuns do edifício. São inovações, neste sentido, tanto a construção de uma garagem, como a demolição de um terraço, a instalação de um pára-raios ou de um sistema de ar condicionado - ou de uma marquise sobre um terraço de cobertura [8].

Nas inovações há que fazer uma distinção entre as relativamente proibidas e as absolutamente proibidas. As primeiras são as que não prejudicam a utilização, por parte de algum dos condóminos das coisas próprias ou comuns, ainda que afectas ao uso exclusivo de um condómino; as segundas são aquelas, que, pelo contrário, prejudicam essa utilização - embora não seja necessário um prejuízo efectivo do condómino, mas mera susceptibilidade desse prejuízo.

As inovações relativamente proibidas exigem, para serem lícitas, a aprovação prévia, em AG, de uma maioria de condóminos, representativa de 2/3 do valor total do prédio, mesmo em 2ª convocatória (art. 1425°, n° 1, do CC); as segundas são absolutamente proibidas, no sentido de que não podem ser levadas a cabo, mesmo que deliberadas por uma maioria qualificada, sem o consentimento do condómino lesado por elas (art. 1425°, n° 2, do CC). Exemplo de inovação proibida é, decerto, a construção de marquise em terraço de cobertura [9].

Quer a ilicitude da inovação resulte da falta de aprovação da maioria necessária dos condóminos, quer resulte da privação da utilização das coisas comuns ou próprias por parte dos condóminos a sanção aplicável será, em princípio, a destruição da obra e a restituição da parte comum ao status quo ante [10]. Mal vale a pena perder uma palavra para explicar que o facto de ao condómino autor da obra de inovação proibida ter sido concedida, pela autarquia, licença de construção e de utilização dessa obra não inibe os restantes condóminos de exercerem os seus direitos.

O problema de saber se um acto autorizativo administrativo, que exclui a ilicitude no âmbito do direito administrativo, deverá também ser considerado como causa justificativa o domínio jurídico-civil é particularmente complexo [11].

Uma solução possível é a de delimitar o âmbito da aplicação da norma de justificação ao domínio específico de que ela faz parte, deixando incólume a norma de ilicitude pertencente a outros ramos de direito. Assim, por exemplo, uma licença de construção civil exclui apenas a ilicitude segundo as normas do direito urbanístico e de edificações urbanas - mas não exclui a ilicitude no campo do direito civil. Portanto, apesar de a actividade destinatária de uma autorização ser valorada como lícita pela ordem jurídico- administrativa, ela pode ter suportar, em alguns casos, a actio negatória de terceiros e acções de responsabilidade extracontratual por actos ilícitos.

A autorização administrativa opera como causa justificativa no âmbito do direito administrativo, mas não se transfere ipso facto para o direito civil. O acto autorizativo jurídico-público deixa, por isso, imperturbados os direitos de terceiro modelados pela lei civil. Está nestas condições, por exemplo, a autorização de construção ou utilização que deve limitar-se a reconhecer e a conotar juridicamente o ius aedificandi ou a utilização do edifício - e já não a obrigar terceiros a tolerar efeitos resultantes do exercício, pelo beneficiário da autorização, da actividade privada de construção, autorizada pela administração.

Numa palavra: o facto de obra ter sido licenciada pela administração não obsta a que os restantes condóminos a quem ela prejudica, exerçam os direitos que para eles decorrem do estatuto da PH [12]. Do mesmo modo, a ilicitude administrativa da obra não se transfere, ipso facto, para o domínio jurídico-civil, sendo exigível uma valoração autónoma dessa ilicitude em face das normas de direito privado reguladoras da situação jurídica, do que decorre a possibilidade de a obra, sendo embora, ilícita à luz das normas de direito público reguladoras, v.g. da edificação urbana, o não seja por aplicação, v.g., das normas reguladoras do estatuto da propriedade horizontal. Em caso de concurso de ilicitudes, deve dar-se prevalência, nos casos em que a controvérsia gravita em torno dos direitos dos condóminos, á ilicitude que decorre da violação daquele estatuto - sem prejuízo, evidentemente, de a administração - pública - actuar os instrumentos de reintegração do ordenamento urbanístico violado, aplicáveis ao caso.

Só mais duas palavras, mas não menos importantes, para explicar que a obrigação que vincula o condómino autor da inovação ilícita na parte comum - ou que altere a linha arquitéctónica ou o arranjo estético do edifício - de a demolir, é uma obrigação propter rem - e uma obrigação propter rem ambulatória: essa obrigação transmite-se juntamente com o direito real a que está ligada, mesmo que no negócio de alienação nenhuma referência lhe seja feita e o adquirente não disponha de elementos objectivos que denunciem a existência dela [13].

Dentro das situações jurídicas propter rem - i.e., aquelas em que o sujeito activo ou passivo se determina em atenção à titularidade de um direito real - avultam, como mais relevantes, as chamadas obrigações reais ou, com maior correcção, propter rem - que não correspondem a uma categoria legal, dado que a lei nunca lhes faz qualquer referência, e que se caracterizam pela circunstância de o seu sujeito passivo ser determinado pela titularidade do direito real [14].

Concebido o direito real como situação jurídica complexa que integra no seu conteúdo um conjunto de poderes e faculdades, a par de situações jurídica negativas - deveres, sujeições, etc. - situações jurídicas negativas que delimitam o seu aproveitamento típico e fixam a sua extensão, compreende-se que as obrigações propter rem não tenham autonomia, integrando o conteúdo do direito real e compondo a sua estrutura complexa, tendo, portanto, a natureza desse direito. Sendo a fonte da obrigação propter rem o direito real ela transmite-se com a transmissão do direito real - sendo, por isso, ambulatória - transmissão que exonera o transmitente dever de prestar, fazendo-o recair no novo adquirente. Realmente, sendo a obrigação propter rem uma decorrência do direito real, do seu conteúdo, todo o titular está obrigado a cumpri-la, ainda que, segundo a doutrina que se julga preferível, não tivesse essa qualidade no momento em que a obrigação se venceu [15] - sem prejuízo, naturalmente, dos efeitos de eventual erro, dolo ou culpa in contraendo na relação entre o alienante e o adquirente e que cabem no âmbito do regime do negócio jurídico praticado, aspecto particularmente relevante dada a falta de publicidade, uma vez que as obrigações propter rem, por pertenceram ao conteúdo do direito real não são objecto de publicidade autónoma e, por isso, representam um gravame importante para o adquirente que fica vinculado a desenvolver uma actividade com a qual pode não ter contado.

Notas:

[1] Acs. da RP de 04.04.22 (1207/19) e 22.11.2021 (21401/19).
[2] Ac. da 14.11.2020 (241/16).
[3] Cfr. sobre ele, Menezes Cordeiro, Direito Reais, Reprint, Lex, Lisboa, 1979, págs. 636 a 642, e Propriedade horizontal e alojamento local, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano LXIV, 2023, n.° I, Tomo I, págs. 33 e ss., Carvalho Fernandes, Da Natureza Jurídica do Direito de Propriedade Horizontal, Cadernos de Direito Privado, n.° 15, Julho/Setembro, 2006, pág. 3 e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Princípia, Cascais, 2002, pág. 103.
[4] Como sucede, por exemplo, com José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 724.
[5] Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 131, Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, Coimbra, 2000, Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, Ano XXIII, n°s 1 a 4, 1976, pág. 139, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 434, Abílio Neto, 2006, pág. 282, e Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Portuguesa, pág. 463; Acs. do STJ de 07.03.83, BMJ n° 325, pág. 575, e de 26.05.92, BMJ n° 417, pág. 734 e da RP de 14.01.86, CJ, 86, I, pág. 160.
[6] Ac. do STJ de 12.03.1996, www.dgsi.pt.
[7] Ac. do STJ de 03.04.2004, www.dgsi.pt.
[8] Ac. da RL de 24.06.1999, www.dgsi.pt.
[9] Ac. da RL de 27.04.1989, CJ, 89, II, pág. 51.
[10] Pires de Lima e Antunes, Varela, Código Civil Anotado, vol. III, cit. pág. 435 e Ac. do STJ de 05.02.04, www.dgsi.pt.
[11] José Joaquim Gomes Canotilho, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1983, págs. 2 a 59.
[12] Acs. do STJ de 25.05.2000, CJ, STJ, VIII, II, pág. 80, e de 26.05.1982, BMJ n.° 417, pág. 734, da RL de 09.05.1985, BMJ n.° 534, pág. 608, e de 27.06.1991, CJ, XVI, III, pág. 176, e da RC de 19.12.1989, BMJ n.° 292, pág. 525, e de 10.01.1995, CJ,
XX, I, pág. 15.
[13] Ac. da RP de 19.05.1998, www.dgsi.pt e Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 333.
[14] Segundo Henrique Mesquita - Obrigações Reais e Ónus Reais, cit. pág. 280 - como obrigações propter rem devem qualificar-se apenas aquelas a cujo cumprimento se encontra adstrito o titular de um direito real, seja por efeito do respectivo estatuto (uma vez verificados os pressupostos de que dependem) seja em consequência da violação das regras que nele se contém; para Menezes Leitão - Direitos Reais, 2ª edição, págs. 85 e ss. - as obrigações propter rem correspondem a obrigações em que o respectivo devedor é determinado pela titularidade de um direito real. Trata-se, assim, de obrigações cujo sujeito passivo é variável, correspondendo ao que for titular naquele momento de determinado direito real, o que justifica a sua qualificação como ambulatória. Cfr. os Acs. do STJ de 22.01.2021 (25384/18.0T8PRT- A.P1.S1) e da RP de 08.09.2020 (25384/18PRT-A.P1).
[15] Assim, José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2004, pág. 109; diferentemente, distinguindo consoante a publicidade do direito se reflecte ou não na obrigação vencida correspondente, Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, UCP, 2017, pág. 63. Nesta perspectiva apenas se consideram ambulatórias, para além das obrigações propter rem que imponham a prática de actos materiais na coisa sobre que o direito real incide, toda aquela cuja existência seja indiciada pela situação em que a coisa ostensivamente se encontre.

14 fevereiro 2025

Evolução legislativa do Regime Jurídico da PH

A edificação de imóveis em planos sobrepostos horizontalmente é antiquíssimo.

Existem registos que há cerca de 2 000 A.C., na cidade da Babilónia, eram realizadas vendas de frações divididas de prédios, como relatado em documento do tempo de Inmeroum, rei de Sippar, na antiga Caldeia, onde era mencionada a venda do rés-do-chão de uma casa, enquanto o andar superior continuava a pertencer ao vendedor.

Segundo Menezes Cordeiro, por volta do século XVIII A.C., também na antiga Caldeia, no Código de Hamurabi, trata-se das primeiras situações jurídicas regulamentadas sobre o regime da propriedade horizontal ou por andares.

No Direito romano, o direito de propriedade sofria limites impostos pelo princípio superfícies
solo cedit, o que impossibilitava a configuração da superfície como objecto de propriedade ou de qualquer direito real separadamente do solo (e também a inadmissibilidade de propriedade
dividida horizontalmente).

Contudo, no Baixo-Império parece ser de admitir a formulação das primeiras formas de propriedade horizontal ou por andares com os proprietários de imóveis a permitirem o gozo do rés-do-chão para exercício do comércio nas zonas próximas do Fórum Romano, mantendo o primeiro andar para sua habitação. Tratava-se de uma espécie de direito de superfície.

Houve um desenvolvimento exponencial do instituto a partir do Séc. XVI, com um novo impulso a partir da Revolução Industrial no Séc. XIX causado pelo êxodo das populações rurais para as cidades e já no pós Iª Grande Guerra com a reorganização das cidades.

Em Portugal

A propriedade horizontal ou por andares surge com as Ordenações Filipinas, com regulamentos relativos a abertura de janelas e pendentes de telhados sobre habitações contíguas.

Título LXVIII do Livro I das Ordenações Filipinas
 §34: se uma casa for de dois senhores, de maneira que de um deles seja o sótão e de outro o sobrado, não poderá aquele cujo for o sobrado fazer janela sobre o portal daquele for o sótão, ou lógea, nem outro edifício algum

O tema da propriedade horizontal ou por andares foi também abordado, mesmo que de forma remota, no artigo 2335º do Código Civil de 1867 (Código Seabra) 

Carta de Lei de 1 Julho de 1867 - Aprova o Código Civil
Artigo 2335º - Propriedade por andares

O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 17 de Julho de 1932, reconheceu que não há preceito algum que proíba a divisão de uma casa horizontalmente. A mesma relação, em acórdão de 17 de Maio de 1950, decidiu que a divisão de um prédio entre vários proprietários dá lugar a um misto de propriedade exclusiva e de compropriedade.

Decreto-Lei n.º 38382/51 - Aprova o Regulamento Geral das Edificações Urbanas - Revoga o Decreto de 14 de Fevereiro de 1903, os artigos 9.º e 10.º do Decreto n.º 902, os Decretos nº 14268 e 15899 e o Decreto-Lei n.º 34472.
O Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, revoga o RGEU, com efeitos reportados a 1 de junho de 2026.

Decreto-Lei n.º 40 333/55, de 14 de Outubro - Estabelece o regime da propriedade horizontal.

Decreto-Lei n.º 47 344/66, de 25 de Novembro - Aprova o Código Civil e regula a sua aplicação. Revoga, a partir da data da entrada em vigor, de toda a legislação civil relativa às matérias que o mesmo abrange

Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro - Regime de licenciamento de obras particulares

Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro - Altera o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil e o Código do Registo Predial.

Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro - Estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal.

Decreto-Lei n.º 269/94, de 25 de outubro - Cria as contas poupança-condomínio.

Decreto-Lei nº 106/96, de 31 de Julho - Regime especial de comparticipação e financiamento na recuperação de prédios urbanos em regime de propriedade horizontal, abreviadamente designado por RECRIPH

Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro - Estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação

Decreto-Lei nº 39/2001, de 9 de Fevereiro - Reajusta o programa de apoio financeiro criado pelo Decreto-Lei nº 7/99, de 8 de Janeiro, designado SOLARH

Lei nº 78/2001, de 13 de Julho - Julgados de Paz - Organização, competência e funcionamento

Decreto-Lei nº 129/2002, de 11 de Maio - Aprova regulamento dos requisitos acústicos dos edifício

Decreto-Lei nº 320/2002, de 28 de Dezembro - Aprova regime de manutenção e inspecção de ascensores e outros meios de elevação

Portaria nº 817/2004, de 16 de Julho - Aprova modelo da ficha técnica da habitação

Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro - Aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas, e altera o Código Civil, o Código de Processo Civil, o DL n.º 287/2003, de 12/11, o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e o Código do Registo Predial

Decreto-Lei nº 9/2007, de 17 de Janeiro - Aprova o regulamento geral do ruído

Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho - Adopta medidas de simplificação, desmaterialização e eliminação de actos e procedimentos no âmbito do registo predial e actos conexos
O art. 4º altera o art. 1419.º aprovado pelo Decreto-Lei 267/94 de 25/10, e adita o art. 1422.º-A, ambos do Código Civil
Decreto-Lei nº220/2008, de 12 de Novembro - Aprova o regime jurídico da segurança contra incêndios em edifício

Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto - Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o regime jurídico da reabilitação urbana, e à 54.ª alteração ao Código Civil, aprovando medidas destinadas a agilizar e a dinamizar a reabilitação urbana
Os artigos 1424.º a 1426.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, passam a ter nova redacção.

Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro - Revê o regime da propriedade horizontal, alterando o Código Civil, o Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, e o Código do Notariado

Decreto-Lei n.º 10/2024, de 08/01 - Procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria
O art. 11º introduziu uma alteração ao art. 1422º e o art. 12º aditou o art. 1422º-B, ambos ao Código Civil.

03 janeiro 2025

Loteamento vs Propriedade Horizontal II


Alguma doutrina tem vindo a incluir dentro do conceito de propriedade horizontal (vertical) introduzido pelo artigo 1438º-A do Código Civil as seguintes situações/exemplos tipo:

(i) - conjunto de edifícios ligados entre si por partes comuns, e sujeitos todos ao mesmo e único regime de propriedade horizontal, com a distinção de que não tem por objecto um único edifício mas sim vários. Esta figura corresponde aos usualmente designados “supercondomínios”;

(ii) - conjunto de várias unidades imobiliárias (edifícios autónomos) nas quais não existe divisão da propriedade por fracções, mas que fruem igualmente de bens e serviços comuns, correspondente aos usualmente designados “condomínios fechados”. Neste caso, o objecto da propriedade horizontal não são fracções de edifícios mas sim moradias/casas/vivendas autónomas;

(iii) - conjunto de vários edifícios autónomos divididos em fracções, ligados entre si funcionalmente, tendo cada um o respectivo regime de propriedade horizontal “simples” e próprio, existindo simultaneamente partes comuns a todos os edifícios que envolvem um regime especial. Este regime especial tem carácter meramente obrigacional, não sendo qualificável e registável junto da Conservatória do Registo Predial competente como de propriedade horizontal;

(iv) - conjunto de vários edifícios divididos em fracções, tendo cada um o respectivo regime de propriedade horizontal “simples” e próprio, e de unidades imobiliárias autónomas, sujeitas à administração plena dos respectivos proprietários, estando todos estes elementos ligados funcionalmente pela existência de partes comuns, as quais se encontram sujeitas a um regime especial de carácter meramente obrigacional, não sendo o mesmo qualificável e registável junto da Conservatória do Registo Predial competente como de propriedade horizontal.

Na prática, diferentemente do que sucede nos casos (i) e (ii) supra, em que o regime da propriedade horizontal se aplica em bloco, variando apenas o respectivo objecto (vários edifícios ou várias unidades imobiliárias ou moradias), os casos descritos em (iii) e (iv) supra (usualmente designados por “condomínios complexos”), apesar de a lei Portuguesa não prever a figura de “condomínios de condomínios”, implicam ainda assim um regime “duplo”, vigorando em cada condomínio um regime de propriedade horizontal específico (com o inerente sistema de administração exclusiva de partes comuns) que será compatibilizado com a aplicação de outro regime “chapéu” de carácter meramente obrigacional às partes comuns aos vários edifícios.

Na prática, nestes dois últimos casos, esta cumulação entre o regime da propriedade horizontal “simples” de cada edifício e o regime obrigacional “chapéu” que rege as partes comuns de todos os edifícios serve para melhorar a administração de certas partes comuns e a funcionalidade do conjunto.

Estas duas últimas situações, apesar de terem já alguma aplicação prática resultante das necessidades de organização de condomínios e de repartição de custos por parte dos promotores imobiliários, encontram-se ainda pouco elaboradas em Portugal, correspondendo a uma realidade social recente e em formação continua.

Analisada a figura da propriedade horizontal (vertical) plasmada no artigo 1438º-A do Código Civil, em matéria de licenciamento importa sublinhar que, competindo às Câmaras Municipais a dupla tarefa de verificar se existem as condições para a constituição da propriedade horizontal e de evitar que se faça um uso do solo inadequado através de operações urbanísticas que fogem à malha da legislação sobre loteamentos, cabe-lhes a delicada tarefa de delimitar o campo de aplicação de cada um dos institutos ora em análise.

Conforme se deixou já descrito na primeira parte da presente análise, sendo elementos determinantes da caracterização da propriedade horizontal (vertical) não só a unidade física da construção onde se inserem as fracções autónomas, mas também - e na essência - a unidade funcional entre as mesmas, o número de situações em que se torna complicado estabelecer a fronteira entre propriedade horizontal (vertical) e loteamento aumenta exponencialmente.

Neste contexto, o critério distintivo da propriedade horizontal (vertical) face ao loteamento corresponderá à unidade funcional e interdependência entre cada edifício e as partes comuns, ou seja, a necessidade de cada edifício, para manter a sua identidade, ser completado com aquelas, bem como o estabelecimento de regras que enquadrem cada unidade num todo próprio, de modo a ser considerada com elemento permanentemente ligado ao conjunto. Ao invés, quando cada edifício tiver autonomia suficiente de forma a permitir não “depender” das partes comuns, deverá haver lugar a loteamento.

Em matéria de encargos, à luz dos anteriores regimes jurídicos de licenciamento de obras particulares e dos loteamentos urbanos, bem como inclusivamente ao abrigo do RJUE actualmente em vigor (embora de uma forma mais atenuada conforme se descreverá infra), resulta clara a existência de um profundo desequilíbrio entre as duas operações ora em análise, quando se poderia justificar - face ao interesse público envolvido - uma solução idêntica relativamente a ambas.

De facto, conforme se deixou devidamente descrito aquando da análise do regime do loteamento urbano, este tipo de operações urbanísticas envolve uma série de “contrapartidas”, maxime cedências de parcelas de terreno para implantação de infra-estruturas ou equipamentos, compensações financeiras alternativas de valor equivalente, bem como a obrigação de construção de infra-estruturas (obras de urbanização), incluindo a prestação da necessária garantia de entrega das mesmas à Câmara Municipal em causa.

Diferentemente, até 2001 as obras de construção de edificações sujeitas ao regime da propriedade horizontal não obrigavam o promotor a suportar quaisquer destas “contrapartidas”, embora na prática traduzissem situações ou operações urbanísticas de efeito equivalente à operação de loteamento em termos de interesse público (apesar de técnica e juridicamente o não serem).

Tendo em consideração as diversas formas possíveis de recurso ao instituto da propriedade horizontal e a frequente tendência de sujeitar as edificações a este regime com o intuito de, por esta via, evitar as fortes “contrapartidas” exigidas no licenciamento/autorização administrativa de operações de loteamento, a partir de 2001 - com a alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro - “RJUE”) introduzida pelo Decreto-lei n.º 177/2001, de 4 de Junho - o legislador procurou introduzir algum equilíbrio nesta matéria alterando o disposto no artigo 57º do RJUE, em especial os respectivos números 5, 6 e 7.

O número 5 do artigo 57º passou então a estabelecer a exigência (já prevista no artigo 43º do RJUE relativamente às operações de loteamento) de previsão de áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos nos projectos de obras de edificação em áreas não abrangidas por operação de loteamento “...quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem em termos urbanísticos impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal.”

Por outro lado, os números 6 e 7 deste artigo passaram igualmente a prever a exigência (já prevista relativamente aos loteamentos no artigo 44º número 4 do RJUE) de pagamento de compensação, em numerário ou em espécie, ao município quando a realização das obras de edificação descritas no número anterior “...contemple a criação de áreas de circulação viária e pedonal, espaços verdes e equipamento de uso privativo.”, desde que tal esteja expressamente previsto em regulamento municipal.

Apesar da obrigação de pagamento de compensações nos termos descritos no parágrafo anterior, o legislador deixou de fora a exigência (prevista no número 1 do artigo 44º do RJUE para as operações de loteamento) de cedências gratuitas ao município de parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e de infra-estruturas.

Deste modo, independentemente de uma determinada operação urbanística estar sujeita a licenciamento ou autorização administrativa de loteamento ou poder ser desenvolvida sob o regime da propriedade horizontal (vertical), esta poderá estar sujeita ao mesmo tipo de encargos urbanísticos impostos em nome do interesse público, desde que tal assim esteja expressamente previsto em regulamento municipal criado para o efeito, o qual deverá tipificar nomeadamente quais os projectos de obras de edificação com impacte urbanístico semelhante a operações de loteamento.

Com esta alteração legislativa, procurou-se reduzir o recurso à figura da propriedade horizontal enquanto expediente de “fuga” ao regime mais oneroso legalmente previsto para as operações de loteamento, equilibrando-se os encargos exigidos nos dois institutos ora em análise.

IV. CONCLUSÃO

Apesar da alteração legislativa introduzida em 2001, a opção por um ou outro dos institutos ora em análise continua a não ser despicienda para o promotor imobiliário, dado que muitos municípios portugueses ainda não aprovaram regulamento camarário prevendo quais as obras de edificação com impacte urbanístico semelhante a operações de loteamento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57º número 5, 6 e 7 do RJUE.

Assim sendo, aquando da preparação de projectos de operações urbanísticas enquadráveis como de loteamento ou de construção de edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, importa, em primeira linha, averiguar a que regime estará a mesma sujeita em termos de custos ou de “contrapartidas” legalmente exigíveis pelo município em causa, maxime averiguar da existência, ou não, do referido regulamento municipal em vigor, bem como, em caso afirmativo, quais as disposições previstas no mesmo relativamente a taxas a pagar, ou relativamente a quaisquer outras “contrapartidas” a dar ao município.

Por outro lado, conforme se deixou supra exposto, algumas das obrigações legais especialmente previstas relativamente às operações de loteamento não são aplicáveis a situações de propriedade horizontal, nomeadamente a obrigação de cedências gratuitas ao município de parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização colectiva e de infra-estruturas.

Por último, em termos práticos, importa ainda sublinhar que o tempo (elemento essencial na orçamentação de projectos por qualquer promotor imobiliário) necessário para ver aprovado um projecto de loteamento é, em regra, superior ao necessário para ver aprovado um projecto de construção de edificação sob o regime de propriedade horizontal, mesmo existindo em vigor o regulamento municipal supra descrito.

Tendo em consideração o supra exposto, e apesar da alteração legislativa introduzida em 2001, podemos concluir que a preferência dos investidores pelo modelo da propriedade horizontal, em detrimento do loteamento, tem encontrado essencial justificação na maior rapidez de todo o processo burocrático da aprovação camarária das respectivas obras de edificação e na economia de custos do respectivo projecto.

João Torroaes Valente, Maria Goreti Rebêlo.
Vida Imobiliária, n.º 90

Loteamento vs Propriedade Horizontal - I


I. INTRODUÇÃO

O solo, enquanto suporte físico no qual assentam a construção urbana e as actividades físicas humanas, levanta vários problemas decorrentes da compatibilização entre as pretensões urbanísticas privadas e as regras públicas. Uma das manifestações desses problemas corresponde à questão ora em apreço de saber o que pode e deve entender-se como operação imobiliária sujeita ao regime do loteamento urbano e/ou ao regime da propriedade horizontal, bem como quais as vantagens e desvantagens decorrentes do enquadramento num ou noutro regime legal.

Este dilema resulta da introdução em 1994 do artigo 1438.º-A no Código Civil (“Propriedade Horizontal de Conjuntos de Edifícios”) através do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.

Recuando um pouco no tempo, importa recordar que a procura de solos e o surto da construção se tornou maior no século XX, após a 2.ª Guerra Mundial e com o desenvolvimento industrial. O êxodo rural e a migração para as cidades, a partir da década de 60, aliadas à escassez de solos e de habitações, ao encarecimento do custo de vida - nomeadamente das rendas - e à evolução técnica no domínio da engenharia e dos materiais de construção, criaram as condições necessárias para, por um lado, se iniciar a construção em massa e em altura e se proporcionar a oferta de habitações a preços acessíveis e, por outro lado, se recorrer à divisão e ao uso do solo com um claro desrespeito pela lei e/ou pelo interesse público.

A dificuldade de controlo das actividades construtivas em curso durante o período descrito originou (i) situações graves - algumas ainda hoje visíveis - associadas à falta de obras de urbanização, nomeadamente de espaços, infra-estruturas e equipamentos destinados às actividades humanas nos núcleos habitacionais; (ii) ao nível social, reflectiu-se na privação de qualidade de vida dos cidadãos; e (iii) ao nível económico, no aumento das encargos das câmaras municipais e do Estado, os quais foram obrigados a realizar e custear as infra-estruturas urbanísticas mínimas e indispensáveis.

II. LOTEAMENTOS URBANOS

Só a partir de 1965, com o Decreto-Lei n.º 46.673, de 29 de Novembro, entretanto alterado pelo Decreto-lei n.º 289/73, de 6 de Junho, a divisão de lotes destinados à construção teve regulamentação legal autónoma, tendo sido este o primeiro diploma a estabelecer a sujeição das operações de loteamento urbano e obras de urbanização a um regime de licenciamento próprio.

Desde 1965 até ao actual Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), constante do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, vários foram os diplomas que vieram regulamentar a operação de loteamento, tendo todas como matriz comum a definição de um regime que permitisse às câmaras municipais uma função de controlo do uso dos solos e a imposição de formas correctas e ponderadas de ocupação dos mesmos, nomeadamente evitando que se efectuassem operações de loteamento sem que previamente estivessem garantidas as indispensáveis infra-estruturas urbanísticas.

Para aferir as características do “loteamento urbano” é necessário passar sumariamente em revista o conceito tal como este se encontra previsto na alínea (i) do artigo 2.º do RJUE. Esta disposição prevê três tipos distintos de operações urbanísticas qualificadas como de “loteamento urbano”:

(i) o loteamento em sentido estrito - significando divisão de prédios em lotes destinados à edificação urbana;

(ii) o emparcelamento - significando as anexações de prédios autónomos da qual resulta a constituição de um ou vários lotes destinados à edificação urbana; e

(iii) o reparcelamento - correspondente a um instrumento de execução dos planos municipais de ordenamento do território, previsto no artigo 131.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que se caracteriza pela junção de duas operações urbanísticas numa só, a saber: o agrupamento de terrenos localizados dentro de perímetros urbanos delimitados em plano municipal de ordenamento de território, seguido da sua posterior divisão em lotes ou parcelas destinadas à construção urbana e adjudicação ao primitivos proprietários.

Estas operações urbanísticas encontram-se sujeitas ao mesmo regime jurídico de controlo prévio municipal através de licenciamento ou de autorização administrativa.

Importa ainda sublinhar que qualquer uma das operações urbanísticas previstas e qualificadas na alínea (i) do artigo 2.º do RJUE como de “loteamento urbano” encontra-se ainda sujeita ao cumprimento de um conjunto de obrigações e previsões especiais previstas nos artigos 41º e seguintes do RJUE, designadamente:

(i) o respectivo projecto deve prever áreas destinadas a implantação de espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos, de acordo com os parâmetros que estiverem definidos no plano municipal de ordenamento de território aplicável;

(ii) ás áreas de natureza privada projectadas contendo espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos são consideradas partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos, regendo-se pelo regime legalmente previsto para imóveis constituídos sob o regime da propriedade horizontal;

(iii) devem ser cedidas gratuitamente ao domínio público municipal áreas para implantação de espaços verdes públicos e de equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas ou, caso o prédio a lotear já esteja servido de infra-estruturas ou não se justifique, por motivos de interesse público, a localização de equipamentos municipais ou espaços verdes públicos no mesmo, deverá em alternativa haver lugar a uma compensação financeira ao município, em numerário ou espécie, em termos e condições a definir por regulamento camarário;

(iv) devem ser cumpridas as condições determinadas pela câmara municipal competente para a execução das “obras de urbanização” (obras de criação ou remodelação de infra-estruturas e espaços de utilização colectiva supra descritas), nomeadamente prestando caução para garantir a boa e regular execução das mesmas;

(v) nos casos legalmente previstos, maxime quando esteja em causa a execução de “obras de urbanização” por mais de um responsável, poderá ser celebrado, voluntária ou imperativamente, um contrato de urbanização entre o promotor e a câmara municipal competente, no qual se regulem os termos e condições de execução das mesmas.

III. PROPRIEDADE HORIZONTAL (PROPRIEDADE VERTICAL)

Diferentemente do que sucede com o “loteamento urbano” (instituto de direito público), a figura da propriedade horizontal constitui um instituto de direito privado, encontrando-se o respectivo regime jurídico previsto nos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil (“CC”).

A propriedade horizontal “clássica” caracteriza-se pelo seccionamento horizontal de um edifício em pisos que constituem propriedades distintas (fracções autónomas).

Para efeitos da presente análise, iremos deter-nos unicamente na aplicação do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios (vulgarmente designada por “propriedade vertical”) prevista no artigo 1438.º-A, do CC.

Até 1994 não podia falar-se em propriedade horizontal em relação a conjuntos imobiliários, constituídos por diversos edifícios afectos a um único fim e com elementos ou serviços comuns a todos eles, de que se apontava como exemplo as “aldeias turísticas”.

Com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, foi introduzido o artigo 1438.º-A do CC, o qual passou a prever expressamente este tipo de projectos/conjuntos imobiliários. Desmembrando esta disposição, encontramos dois elementos a considerar aquando da definição desta figura jurídica, a saber:

(i) “existência de conjuntos de edifícios contíguos” - abrangendo construções em banda (i.e. encostadas) e, numa interpretação mais lata do conceito legal, construções com relação de proximidade entre si que, não obstante não se encontrarem materialmente ligadas, façam parte de um todo, de uma unidade territorial, estando funcionalmente ligadas;

(ii) “funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem” - significando a existência de partes comuns (para além das tradicionalmente consideradas e previstas no regime geral do CC poderão igualmente incluir-se neste conceito instalações gerais, jardins, garagens e outros locais de lazer) e que entre estas e cada edifício privativo haja comunhão funcional.

12 janeiro 2024

Resumo projecto de alteração ao regime PH - lei 8/2022


Atenta a importância da última alteração ao regime da propriedade horizontal, replica-se infra o resumo do projecto de alteração ao mesmo, através da lei nº 8/2022 de 10 de Janeiro.

A exposição de motivos do projecto de lei nº 718/XIV/2ª anunciava mudanças significativas e respostas não só ao sector – administradores de condomínio e condóminos – mas também a todos os profissionais que se deparam com questões jurídicas relacionadas com o regime da PH, nomeadamente com a modificação do TCPH, com os procedimentos de cobrança de dívidas, com a responsabilização do administrador do condomínio, com os requisitos de exequibilidade das actas das AG, com a legitimidade processual activa e passiva em sede judicial e com a responsabilidade pelos encargos do condomínio em caso de alienação da fracção autónoma.

O primeiro anseio foi o de criar uma forma de suprir a falta de unanimidade necessária para a alteração do TCPH. Na verdade, segundo o disposto no art. 1419º/1 do CC e salvo a situação contemplada no art. 1422º-A/3 (em que é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas se tal for autorizado pelo TCPH ou pela AG em deliberação aprovada sem oposição) e do disposto em lei especial, o TCPH só pode ser modificado se tal modificação for acordada por todos os condóminos. Ora, a Lei nº 8/2022, de 10/01, veio criar um mecanismo facilitador da alteração do TCPH, quando tal alteração incide sobre partes comuns. Assim, sendo certo que tal alteração continua a carecer do acordo unânime dos condóminos, passará a ser agora possível que a falta de acordo seja suprida judicialmente. Mas tal só será exequível nas seguintes condições: quando os votos representativos dos condóminos que discordam da modificação sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não interfira com as características das respectivas fracções no que concerne às condições de uso, ao valor relativo [1] ou ao fim a que as mesmas se destinem.

Por outro lado, foi evidente a intenção do legislador em terminar com algumas controvérsias pendentes durante largos anos na doutrina e na jurisprudência, como é exemplo a controvérsia sobre a responsabilidade pelas dívidas ao condomínio. Sendo a obrigação de pagamento uma obrigação propter rem, a discussão reside em saber se tais obrigações são ambulatórias ou não, ou seja, se acompanham ou não o direito real ao qual estão intrinsecamente associadas [2]. Com a alteração ao art. 1424º do CC, cuja epígrafe é “encargos de fruição e conservação”, a referida discussão não tem, salvo melhor opinião, razão para continuar a existir, pelo menos nos moldes que até então existia.

Na verdade, o legislador vem agora consagrar que “…as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções”. Não restam, assim, dúvidas de que é sobre quem é proprietário das fracções, no momento das deliberações que aprovam tais despesas e encargos, que reside a responsabilidade pelo pagamento. Por outro lado, o legislador veio também consagrar no novo art. 1424º-A que “a responsabilidade pelas dívidas existentes no momento da alienação da fracção é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada…”, devendo o administrador emitir declaração escrita da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à fracção, bem como das dívidas existentes. Este documento passa, assim, em princípio, a constituir documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado (DPA) de alienação da fracção. Só assim não será se o adquirente declarar expressamente, na escritura ou no DPA, que prescinde de tal declaração do administrador o que, a acontecer, equivalerá à aceitação da responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.

Esta novidade, há muito desejada, originou uma alteração ao Código do Notariado, o qual, no seu art. 54º passou a fazer referência expressa à declaração prevista no art. 1424º, nº 2 do CC, a qual deverá constar do registo predial.

A Lei n.º 8/2022 veio também clarificar aquilo que se deve entender por reparações indispensáveis e urgentes, como sendo aquelas que são necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns, as quais possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no prédio, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas (art. 1427º, nº 2 do CC).

As clarificações não ficaram por aqui e as alterações visaram ainda contribuir para definir regras quanto à legitimidade processual activa e passiva, a qual, como sabemos, fez e faz correr muita tinta quando, em litígios entre condóminos e condomínio, está em causa julgar a excepção dilatória de ilegitimidade e decidir pela absolvição do réu da instância. O art. 1437º cuja epígrafe deixa de ser “legitimidade do administrador” para passar a ser “representação do condomínio em juízo”, consagra que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. A legitimidade, activa ou passiva, é do condomínio, o qual tem como seu representante o administrador que representa a universalidade dos condóminos. Além disso, passou a consagrar-se também que a apresentação de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece da autorização da assembleia de condóminos, devendo ser apresentadas pelo administrador.

Do ponto de vista das AG, definiram-se novas regras as quais respondem às necessidades provocadas por momentos de restrições à circulação de pessoas, como o momento que vivemos. Simplifica-se, assim, a forma de convocar as assembleias e o respectivo funcionamento, a saber:

– Convocatória: para além da carta registada, passa a ser possível convocar a AG por meio de correio electrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em AG realizada anteriormente, devendo tal manifestação de vontade ficar lavrada em acta, com a indicação do respcetivo endereço de correio electrónico. A nova regra impõe ao condómino o dever de enviar recibo de recepção do respectivo email convocatório (art. 1432º);

– Funcionamento: passa a ser possível realizar a AG por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência. Será assim sempre que a administração o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, desde que todos os condóminos tenham condições, por si ou porque a administração do condomínio isso assegurou, para participar na AG por meios de comunicação à distância. Caso contrário, a assembleia terá que ser presencial (art. 1º-A do DÇ nº 268/94 de 25/10).

Quanto às actas das AGs, as regras também foram alteradas da seguinte forma:

– Elaboração e assinatura das actas: as catas são redigidas e assinadas por quem tenha intervindo como presidente nas AG e subscritas por todos os condóminos nelas presentes;

– Menções obrigatórias na acta: deve conter um resumo do que de essencial se tiver passado, a data e o local da realização da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas, com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada. A aprovação da acta é condição de eficácia das deliberações tomadas na respectiva reunião da assembleia de condóminos. Esta regra tem a vantagem de reduzir significativamente, como se espera, as dúvidas acerca da exequibilidade da acta enquanto título executivo para acção executiva para pagamento de quantia certa;

– Assinatura da acta: pode ser efectuada através de assinatura electrónica qualificada [3] ou através assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas;

– Subscrição da acta: vale como subscrição da ata a declaração do condómino, enviada por correio electrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via (art. 1º do DL n.º 268/94, de 25/10);

– Exequibilidade: a acta da reunião da AG é título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, quando tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respectivas obrigações. Além disso, consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio (art. 6º do DL nº 268/94, de 25/10).

Em relação ao administrador, este vê os seus poderes-deveres reforçados com a presente alteração. Desde logo, resulta claro que o administrador deve instaurar a acção destinada a cobrar as quantias em divida pelos condóminos e deve fazê-lo dentro de determinado prazo. Segundo o ar. 6º/5, o administrador deve apresentar a indicada acção judicial no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, não necessitando, por isso, de autorização ou qualquer deliberação da assembleia de condóminos para o fazer, desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil. Só assim não será se a AG deliberar em sentido contrário.

Além disso, o administrador vê as suas funções alargadas no que respeita também à vida corrente do condomínio. É exemplo disso a obrigação de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas e a obrigação de executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação, devendo fazê-lo no prazo máximo de 15 dias úteis ou no prazo que tiver sido fixado para o efeito pela AG.

Incumbe também ao administrador o dever de informar os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou administrativo. Verifica-se, assim, a existência de um reforço dos direitos dos condóminos, a quem assiste o direito de ser informado acerca da existência e do estado dos referidos processos. Na verdade, pelo menos semestralmente, o administrador deve informar os condóminos acerca dos desenvolvimentos de tais processos, salvaguardando-se, obviamente, os que estiverem sujeitos a segredo de justiça e aqueles cuja informação deva ser mantida sob reserva como, por exemplo, os procedimentos cautelares.

Em situações de urgência, o administrador deve intervir, convocando posteriormente e imediatamente uma AG extraordinária para a necessária ratificação da sua actuação.

No que respeita às deliberações relativamente a obras de conservação extraordinária ou obras que constituam inovações, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos 3 orçamentos de diferentes proveniências para a execução das obras. Só assim não será se o regulamento de condomínio ou a AG dispuser de forma diferente.

Finalmente, o legislador veio salientar que o incumprimento das funções por parte do administrador, torna-o civilmente responsável em caso de omissão, sem prejuízo da responsabilidade criminal, caso exista. Na verdade, tal responsabilidade civil e/ou criminal decorreria sempre, como até aqui, da lei civil e da lei penal. A consagração que agora se faz de tais consequências no art. 1436º/3, mais não é do que alertar o administrador e os condóminos para as mesmas, reflectindo, pois, as preocupações de clarificação explanadas na exposição de motivos do projecto de lei que veio originar a Lei nº 8/2022, de 10/01.

Notas:

[1] O valor relativo é expresso em percentagem ou permilagem, tal como é referido no art. 1418º/1 do CC: “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”.

[2] A propósito da controvérsia doutrinal e jurisprudencial remete-se para o artigo intitulado “A quem deve a Administração do Condomínio exigir o pagamento no caso de aquisição/alienação de fracções autónomas mantendo o alienante dívidas para com o Condomínio?” de Pedro Gonçalves, Rosa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes, publicado na Revista Jurídica Portucalense Law Journal n.º 18, Porto, 2015, in file:///C:/Users/marcia.passos/Downloads/7493-Texto%20do%20Trabalho-23135-1-10-20160201.pdf

[3] O regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital foi aprovado pelo DL nº 290-D/99, de 02/08, para o qual se remete, para os devidos efeitos. Além disso, reveste idêntico interesse para consulta o DL nº 12/2021, de 09/02 que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno.

05 julho 2023

A expropriação na PH

O regime da Propriedade Horizontal poderá resultar, também, da expropriação parcial de um edifício. Assim, se determinado prédio urbano for constituído por várias fracções passíveis de autonomia, nada impede que, por um acto de expropriação (para instalar, por ex., um determinado serviço público) abranja apenas uma ou algumas dessas fracções. Ou seja, pertencendo o prédio a uma única pessoa, o acto de expropriação dará origem a uma situação de PH.

O instituto jurídico traduz-se assim numa relação jurídica, através da qual a entidade expropriante, em conformidade com a lei e por razões de utilidade pública, procede à extinção do direito de propriedade então existente sobre bens imóveis (e outros direitos reais ou obrigacionais) e à sua transferência para um terceiro beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização (art. 62º da CRP - Constituição da República Portuguesa - e art. 1º do CE - Código das Expropriações), devendo esta contudo, limitar-se ao estritamente necessário para a realização do seu fim.

É exacto que a expropriação de um prédio urbano possa ter interesse apenas relativamente a uma sua parte, mas parece que daí não se pode partir para a conclusão de que a expropriação possa dar origem a uma situação de PH.

Desde logo, sendo a expropriação uma medida coactiva, de apropriação forçada de um bem para fins de utilidade pública, não se vê como, por via dela e sem lei expressa, se possa coagir também o expropriado a manter-se na parte do edifício sem interesse para a utilidade pública determinante com integral modificação do respectivo regime jurídico, tanto mais que a lei lhe faculta requerer, no caso de expropriação parcial do prédio, a sua expropriação total, conforme o Código das Expropriações.

Na apontada situação concreta, há que distinguir: ou  o edifício em causa está sujeito ao regime da PH ou não está.

Na primeira hipótese, a entidade expropriante está perante um edifício que é um conjunto de fracções autónomas susceptíveis de apropriação individual e de transmissão nos termos gerais de direito e que, por isso, constituem coisas ou bens que podem ser imediatamente objecto de expropriação.

Se para os fins de utilidade pública são necessárias apenas algumas dessas fracções autónomas, ou mesmo uma só, esse será o objecto da expropriação sem outra influência no já instituído regime de PH que não seja a substituição do ou dos condóminos expropriados.

E a situação não será diferente se, por qualquer razão, todas as fracções autónomas forem propriedade do mesmo indivíduo, que não será afectado na sua qualidade de condómino quanto às fracções não expropriadas.

Na segunda hipótese, embora sendo um edifício integrado por pisos ou unidades independentes, pertencentes a um ou a vários indivíduos (comproprietários) que, submetido ao regime de PH, é por isso fruído em propriedade singular ou em compropriedade, trata-se de uma unidade económica e jurídica em que não há fracções autónomas a considerar separadamente, mas apenas uma só coisa, um só bem, que pode ser objecto de relações jurídicas.

Isto mesmo foi reconhecido no Ac. do STJ de 12/03/1996, no qual, todavia, se considera uma "fracção" de prédio não constituído ainda em propriedade horizontal, mas a esse regime destinado, como objecto possível de direito de retenção pelo respectivo promitente-comprador.

Deste modo, interessando à entidade expropriante apenas uma parte desse prédio, certo é que tal parte, não constituindo uma fracção autónoma, não é bem que seja susceptível de comércio jurídico, logo, de expropriação e, portanto, o respectivo acto expropriativo, recaindo sobre objecto juridicamente impossível, é acto administrativo nulo e insusceptível por isso de produzir quaisquer efeitos.

04 julho 2023

O usucapião como meio constituir a PH

 Dimana do art. 1417º do CC que a Propriedade Horizontal pode ser constituída por usucapião. A redacção deste preceito, confrontada com a que propunham os trabalhos preparatórios, revela que, inicialmente, não fora considerada esta figura (1) como forma de se constituir a PH.(2)

Certo é, porém, não haver razão para o excluir,(3) muito embora não se anteveja possibilidade de vir a ser frequente meio de constituição desta forma de propriedade. Bem andou, pois, o legislador em o incluir no texto definitivo do Código 

Há que distinguir, porém, o usucapião como forma de constituição da PH, do usucapião como meio de adquirir o direito de propriedade sobre a fracção autónoma de um prédio já sujeito a tal regime, situações que divergem relativamente ao conteúdo da respectiva posse.

Assim, no primeiro caso, são todos os condóminos que têm de actuar sobre o prédio, por eles parcelado em fracções susceptíveis de corresponderem às exigências da sua utilização em regime de PH, como se efectivamente este regime estivesse regularmente constituído, usando, pois, cada um a sua fracção autónoma com exclusão dos demais e fruindo todos, como comproprietários, mas com as limitações inerentes a essa especial forma de compropriedade, as partes comuns do prédio, todos contribuindo também, na proporção do valor das suas fracções, ou apenas aqueles que de tais coisas se servem, para as despesas com a conservação e fruição das partes comuns.

Desta forma, se um desses condóminos, no decurso de tal situação, transferisse para outrem a sua fracção, este não adquiria qualquer direito de Propriedade Horizontal, sucederia apenas, conforme o art. 1263º, al. b do CC, naquela posse. Esse direito apenas se constituiria não só em relação a ele mas também aos restantes condóminos, quando decorrido o lapso de tempo necessário ao usucapião.

Diversamente, no segundo dos casos anteriormente focados, um dos condóminos de prédio em regime de PH já regularmente constituída por qualquer das formas prescritas no art. 1417º do CC, transferia para outrem, sem título ou através de título inidóneo para tanto, o seu direito. Por virtude do vício inicial do negócio, aquele não adquiriu o pretendido direito mas passa a actuar como se, efectivamente, fosse o seu titular. É então, esta posse que unicamente tem de se considerar em ordem à aquisição, decorrido o necessário lapso de tempo, do direito de PH por usucapião.

Notas:

(1) Em outros preceitos (art. 1294º, 1295º, 1296º, 1297º, 1299º e 1300º), a palavra usucapião aparece precedida do artigo definido a, inculcando ser substantivo do género feminino. Todavia, usucapião é substantivo do género masculino, como se pode ver em qualquer bom diccionário.

(2) A noção de usucapião encontra-se formulada no art. 1287º, nos seguintes termos: "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião".

(3) O art. 1293º apenas exclui do usucapião as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e de habitação.

24 abril 2023

Como se calcula o valor relativo de cada fracção



O escopo do presente artigo justifica-se no fundo por ao longo do tempo me confrontar amiudadas vezes, com o facto de alguns condóminos questionarem da legalidade de, duas fracções autónomas aparentemente iguais possuírem percentagens ou permilagens diferentes ou de fracções com uma área menor que outras, poderem possuir uma percentagem ou permilagem maior.
 
A questão recorrente: será isto legal? Não devia haver um critério proporcional?
 
Apreciando, importa desde logo iniciar o presente escrito, com a determinação daquela que poderá ser a possível, a melhor ou mais exacta definição dos diversos conceitos em presença e que nos aproveitam.

Começando pelo conceito de «área da fracção», qualquer pessoa, mesmo sem especial formação, tem um conceito geral sobre o que é ou representa a expressão «área de uma fracção». No entanto, se se quiser ser o mais objectivo e concreto possível, confronta-se este desiderato com vários conceitos ou, melhor dito, diversas definições de «área da fracção».

Assim, o conceito de «área da fracção» para o promotor imobiliário ou o construtor civil, enquadra-se desde logo na área da fracção autónoma na vertente do custo. Para qualquer um deles, é natural e legitimamente relevante saber qual a área de construção de cada fracção, porquanto este dado é fulcral para se determinar qual o valor pelo qual irá colocar à venda a referida fracção.

No que concerne à Administração Fiscal, o conceito «área da fracção» tem em consideração, não só a área habitacional da fracção (área bruta privativa) mas também a área destinada a outras finalidades, nomeadamente, arrecadações, garagens, etc. (área bruta dependente), critérios que na acepção legal confluem para a determinação do respectivo valor patrimonial tributário.

Contudo, para o comum promitente-comprador, interessado na aquisição de uma qualquer fracção autónoma, regra geral, ele estará naturalmente mais interessado em verificar qual é a área útil da potencial fracção, ou seja, a área que se terá afecta à vivência do seu quotidiano familiar.

Por outro lado, temos o conceito de «percentagem» ou «permilagem», consoante o prédio esteja constituído em 100 ou 1 000 unidades. Ora, consultando um vulgar dicionário de língua portuguesa, «percentagem» é a proporção calculada em relação a uma grandeza de cem unidades.

Vale pois isto por dizer que, a área da fracção representará, em termos gerais, a concreta medição da mesma, ao passo que a percentagem / permilagem da fracção representa uma proporção do seu valor relativo com relação ao valor total do prédio. Será portanto, uma parte proporcional de um todo, pelo que, se o cálculo e determinação das áreas do imóvel obedecerão, em conformidade, no plano urbanístico e fiscal, aos critérios definidos em Lei e demais regulamentação aplicável, razoavelmente se poderá atender, por princípio, a tais elementos como pressupostos definidores do valor total do prédio e os valores relativos das partes autonomizadas que o compõem (as fracções autónomas), sem prejuízo, ainda, do valor especulativo (o chamado «valor de mercado») do prédio, atendendo designadamente à localização, as acessibilidades, infraestruturas e serviços limítrofes que servirão os respectivos proprietários. Temos ainda o valor de construção/reconstrução do prédio, ou seja, o custo que será necessário suportar pela construção do prédio, ou pela sua reconstrução, em caso de perda total do mesmo.

Nesta factualidade, qual será então o valor de um prédio que deve ser tido em conta para efeitos de calculo da permilagem de cada uma das suas fracções autónomas? O valor de construção e/ou reconstrução do prédio, o valor fiscal (VPT) ou o valor de mercado?

Estatui o art. 1418º, nº 1 do CC que “No titulo constitutivo, serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada fracção, expresso em percentagem, do valor total do prédio.”Decorre deste preceito que é através do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal que se fixa a percentagem ou permilagem atribuída a cada fracção autónoma com relação ao valor total do prédio.

A título meramente ilustrativo, importa observar que a questão atinente ao valor relativo de cada fracção, foi bastante debatida no âmbito regime dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, tendo o legislador estabelecido uma fórmula especifica para esse efeito, através do Dec. Regulamentar nº 8/89 de 21 de Março, que seria posteriormente revogado pelo DL nº 167/97 de 04 de Julho.

Pelo exposto, não obstante a área locável e/ou habitável do imóvel, possa ser definível por aplicação das formulas para o respectivo cálculo, havidas previstas na legislação urbanística e fiscal, não podemos olvidar que outros factores concorrem directamente para a determinação do valor económico do prédio e das suas partes integrantes em geral, e das fracções autónomas que o compõem, em especial.

À luz destes considerandos, resulta portanto que as percentagens ou permilagens atribuídas às fracções autónomas, para além das áreas locáveis e/ou habitáveis das fracções autónomas (v.g., os metros quadrados que totalizam a área útil), poderá atender a outros factores que pela sua natureza, justifiquem a respectiva integração nas respectivas proporcionalidades, a saber
 A outros elementos comummente identificados como componentes majorativos de qualidade e conforto (ar-condicionado, aspiração central, aquecimento central, acabamentos mais nobres), etc.);
  • A eventuais partes comuns de afectação comum que as servem (salão de festas, piscina, zona de barbeque, parque infantil, campo ténis, etc.) ou exclusiva (terraço, jardim, etc.);
  • À localização mais, ou menos privilegiada (zona mais nobre ou inserida numa área urbanística mais favorecida), a factores panorâmicos (visão para um melhor horizonte paisagístico) à exposição solar (fracção mais soalheira), à existência de equipamentos comunitários (culturais, educação, saúde, lazer e similares) e serviços públicos e privados (redes de abastecimento água, gás, esgotos e eléctrica, etc.).(1)
 Respingando o quadro factual supra descrito, a resposta à questão atinente à possibilidade de uma fracção detentora de uma área menor poder possuir uma percentagem ou permilagem superior que uma outra, com uma área maior, é a de que, tal medida não esbarra em qualquer ilegalidade.

Dito isto, os valores relativos de todas as fracções autónomas, são determinantes para a organização e administração dos condomínios, expresso, para o efeito, nas respectivas percentagens ou permilagens atribuídas, nomeadamente: 
  • para o apuramento do quórum constitutivo legalmente exigível para a realização das reuniões em Assembleia Geral de Condóminos, em primeira ou segunda convocatória (art. 1432º, nº 3 e 4 do CC);
  • para a imputação do número de votos e respectivo sentido que determinarão a aprovação ou rejeição das propostas constantes da ordem de trabalhos (art. 1430º, nº 2 do CC);
  • para a fixação da comparticipação nas despesas com os encargos comuns ordinários e extraordinários do condomínio (art. 1424º do CC) e bem assim, da distribuição de eventuais receitas (art. 1436º, al. d) do CC).

Finalmente, importa salientar que o cálculo atinente ao valor da percentagem ou da permilagem é da responsabilidade do promotor ou construtor e não do Administrador do condomínio, no entanto, nada obsta a que, posteriormente, havendo o acordo de todos os condóminos (leia-.se, mediante deliberação aprovada por unanimidade), estes possam, modificar o valor relativo havido fixado para cada fracção autónoma, expresso em percentagem ou permilagem, por escritura pública ou DPA (art. 1419º do CC).


As percentagens ou permilagens estão registadas num documento que se chama Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, ou seja a Escritura Pública da constituição do regime de  propriedade horizontal que poderá ser obtido no respectivo Cartório Notarial.

Como é calculada a percentagem ou permilagem?

A título meramente ilustrativo, atentemos num singelo exercício que tem unicamente em consideração a área em metros quadrados.  Esta é pois calculada tendo em consideração a área ocupada por cada fracção autónoma, medida pelo respectivo  perímetro (o extradorso das paredes exteriores e pelo meio das paredes confinantes com outras fracções ou partes comuns). 

Assim tomemos por exemplo, um edifício constituído em propriedade vertical (ou total) com 4 fracções, que se pretende constituir em regime de propriedade horizontal:

Fracção A, T3 com 250 m2;

Fracção B, T2 com 200 m2;

Fracção C, T3 com 250 m2;

Fracção D, T1 com 100 m2.

Estas quatro fracções autónomas totalizam 800 m2. Para se calcular a percentagem ou permilagem a atribuir a cada fracção autónoma, basta efectuar a seguinte operação aritmética: 

Fracção A: 250 : 800 = 0,3125 = 31,25% (ou 312,5 por 1000)

Fracção B: 200 : 800 = 0,25 = 25% (ou 250/1000).

Fracção C: 250 : 800 = 0,3125 = 31,25% (ou 312,5 por 1000)

Fracção D: 100 : 800 = 0,125 = 12,5% (ou 125/1000).

Permilagens: 312,5 (A) + 250 (B) + 312,5 (C) + 125 (D) = 1 000 

Votos: 312 (A) + 250 (B) + 312 (C) + 125 (D) = 999 (2)

 

Notas:

(1) Este exemplo é válido para fracções idênticas, porém situadas em zonas diversas. 

(2) Apenas são consideradas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o art. 1418 se refere (art. 1430º, nº 2 do CC) 


12 março 2023

Definição de prédios

 

O Código Civil distingue coisas imóveis de coisas móveis, nos termos do art. 203º do CC. O legislador optou, no entanto, por não definir coisa imóvel, apresentando antes uma lista de coisas que considera imóveis. 

Confrontando as várias categorias de coisas imóveis, existem dois tipos fundamentais: coisas imóveis por natureza e coisas imóveis por relação. As coisas imóveis por natureza compreendem os prédios rústicos e urbanos e as águas, no seu estado natural. As coisas imóveis por relação, não sendo em si imóveis, têm tal categoria por disposição da lei, nelas se incluindo todas as demais coisas enumeradas pela mesma como tal. 

Assim sendo, nesta segunda categoria de imóveis encontramos realidades que teriam a natureza de coisas móveis. A sua qualificação como imóveis advém de certa relação que mantêm com as coisas imóveis, o que permite concluir que quebrada a referida relação, estas coisas readquirem a sua qualidade de móveis e, por outro lado, o objectivo do legislador terá sido o de aplicar-lhes o regime das coisas imóveis, muito mais do que qualificar essas coisas como imóveis. 

A lei tem preocupação em definir prédio rústico e prédio urbano (cfr. nº 2 do art. 204º do CC). Assim sendo, prédio rústico é uma parte delimitada do solo terrestre e as construções nela existentes que não tenham autonomia económica. Já prédio urbano é qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. 

Existem, contudo, de prédios mistos. O CC adoptou, porém, a solução de não admitir prédios mistos e alargar o conceito de prédios rústico e urbano, de forma a incluir nessas categorias, as situações referidas. 

A lei qualifica também como imóvel os direitos inerentes aos imóveis elencados, o que significa que aqui estão abrangidos os direitos reais (direitos sobre as coisas, tal como o direito de propriedade ou o direito de usufruto). Finalmente, são elencados como imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos, ou seja, toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, nos termos do nº 3 do art. 204º do CC.

O que é um prédio rústico
 
São designados rústicos, os terrenos que se encontrem fora de uma zona urbana, não podendo estes estar classificados como terrenos para construção e podendo apenas ser utilizados para fins agrícolas. Caso se encontrem dentro de zonas urbanas, serão considerados rústicos caso tenham unicamente rendimentos agrícolas. Podem igualmente ser considerados prédios rústicos, os edifícios e construções, que no terreno estejam construídos, desde que estejam somente afectos à produção de rendimentos agrícolas
 
Para a AT são prédios rústicos os edifícios e construções implantados em terrenos classificados como prédios rústicos, desde que esses edifícios e construções estejam directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas. Assim, os edifícios e construções, ainda que situados em prédios rústicos, só podem ser classificados como prédios rústicos (na medida em que são parte integrante dos prédios rústicos em que se situam) desde que estejam directamente afectos ao exercício e apoio da actividade agrícola ou silvícola que é desenvolvida nos prédios rústicos onde se integram, o que implica que sejam utilizados na produção ou no armazenamento das espécies vegetais dela resultantes ou na instalação e arrumo das alfaias e máquinas necessárias ao exercício daquelas actividades.

O que significa que os edifícios e construções situados em prédios rústicos que não estejam a ter esta afectação directa à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas não podem ser classificados como prédios rústicos, por não serem parte integrante dos prédios rústicos onde se situam, antes constituindo uma realidade física autónoma sem qualquer ligação funcional a esses prédios rústicos, devendo por isso ser classificados como prédios urbanos.

O que é um prédio urbano
 
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, nem mistos. São considerados prédios urbanos, as construções de carácter habitacional, comercial, industrial ou para serviços, terrenos para construção, entre outros. 
 
Assim, considera-se prédio urbano, para além dos imóveis já edificados e incorporados no solo, qualquer terreno para construção, considerando-se como tal o terreno para o qual tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção, e ainda aquele que assim tenha sido declarado no título aquisitivo, nos termos previstos no nº 3 do art. 6º do Código da Contribuição Autárquica;

Considera-se ainda prédio urbano, para os mesmos efeitos, qualquer terreno situado em solo urbano, considerando-se como tal aquele para o qual esteja reconhecida vocação para o processo de edificação, de acordo com o estabelecido em plano municipal de ordenamento do território (art. 15º da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto; art. 72º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro; e art. 41º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 177/2001, de 4 de Junho);

O que é um prédio misto
 
Sempre que um prédio tenha uma parte rústica e urbana será classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio será havido na sua totalidade como misto.