Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.
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1/12/2024

Resumo projecto de alteração ao regime PH - lei 8/2022


Atenta a importância da última alteração ao regime da propriedade horizontal, replica-se infra o resumo do projecto de alteração ao mesmo, através da lei nº 8/2022 de 10 de Janeiro.

A exposição de motivos do projecto de lei nº 718/XIV/2ª anunciava mudanças significativas e respostas não só ao sector – administradores de condomínio e condóminos – mas também a todos os profissionais que se deparam com questões jurídicas relacionadas com o regime da PH, nomeadamente com a modificação do TCPH, com os procedimentos de cobrança de dívidas, com a responsabilização do administrador do condomínio, com os requisitos de exequibilidade das actas das AG, com a legitimidade processual activa e passiva em sede judicial e com a responsabilidade pelos encargos do condomínio em caso de alienação da fracção autónoma.

O primeiro anseio foi o de criar uma forma de suprir a falta de unanimidade necessária para a alteração do TCPH. Na verdade, segundo o disposto no art. 1419º/1 do CC e salvo a situação contemplada no art. 1422º-A/3 (em que é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas se tal for autorizado pelo TCPH ou pela AG em deliberação aprovada sem oposição) e do disposto em lei especial, o TCPH só pode ser modificado se tal modificação for acordada por todos os condóminos. Ora, a Lei nº 8/2022, de 10/01, veio criar um mecanismo facilitador da alteração do TCPH, quando tal alteração incide sobre partes comuns. Assim, sendo certo que tal alteração continua a carecer do acordo unânime dos condóminos, passará a ser agora possível que a falta de acordo seja suprida judicialmente. Mas tal só será exequível nas seguintes condições: quando os votos representativos dos condóminos que discordam da modificação sejam inferiores a 1/10 do capital investido e a alteração não interfira com as características das respectivas fracções no que concerne às condições de uso, ao valor relativo [1] ou ao fim a que as mesmas se destinem.

Por outro lado, foi evidente a intenção do legislador em terminar com algumas controvérsias pendentes durante largos anos na doutrina e na jurisprudência, como é exemplo a controvérsia sobre a responsabilidade pelas dívidas ao condomínio. Sendo a obrigação de pagamento uma obrigação propter rem, a discussão reside em saber se tais obrigações são ambulatórias ou não, ou seja, se acompanham ou não o direito real ao qual estão intrinsecamente associadas [2]. Com a alteração ao art. 1424º do CC, cuja epígrafe é “encargos de fruição e conservação”, a referida discussão não tem, salvo melhor opinião, razão para continuar a existir, pelo menos nos moldes que até então existia.

Na verdade, o legislador vem agora consagrar que “…as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções”. Não restam, assim, dúvidas de que é sobre quem é proprietário das fracções, no momento das deliberações que aprovam tais despesas e encargos, que reside a responsabilidade pelo pagamento. Por outro lado, o legislador veio também consagrar no novo art. 1424º-A que “a responsabilidade pelas dívidas existentes no momento da alienação da fracção é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada…”, devendo o administrador emitir declaração escrita da qual conste o montante de todos os encargos de condomínio em vigor relativamente à fracção, bem como das dívidas existentes. Este documento passa, assim, em princípio, a constituir documento instrutório obrigatório da escritura ou do documento particular autenticado (DPA) de alienação da fracção. Só assim não será se o adquirente declarar expressamente, na escritura ou no DPA, que prescinde de tal declaração do administrador o que, a acontecer, equivalerá à aceitação da responsabilidade por qualquer dívida do vendedor ao condomínio.

Esta novidade, há muito desejada, originou uma alteração ao Código do Notariado, o qual, no seu art. 54º passou a fazer referência expressa à declaração prevista no art. 1424º, nº 2 do CC, a qual deverá constar do registo predial.

A Lei n.º 8/2022 veio também clarificar aquilo que se deve entender por reparações indispensáveis e urgentes, como sendo aquelas que são necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns, as quais possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no prédio, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas (art. 1427º, nº 2 do CC).

As clarificações não ficaram por aqui e as alterações visaram ainda contribuir para definir regras quanto à legitimidade processual activa e passiva, a qual, como sabemos, fez e faz correr muita tinta quando, em litígios entre condóminos e condomínio, está em causa julgar a excepção dilatória de ilegitimidade e decidir pela absolvição do réu da instância. O art. 1437º cuja epígrafe deixa de ser “legitimidade do administrador” para passar a ser “representação do condomínio em juízo”, consagra que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele. A legitimidade, activa ou passiva, é do condomínio, o qual tem como seu representante o administrador que representa a universalidade dos condóminos. Além disso, passou a consagrar-se também que a apresentação de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece da autorização da assembleia de condóminos, devendo ser apresentadas pelo administrador.

Do ponto de vista das AG, definiram-se novas regras as quais respondem às necessidades provocadas por momentos de restrições à circulação de pessoas, como o momento que vivemos. Simplifica-se, assim, a forma de convocar as assembleias e o respectivo funcionamento, a saber:

– Convocatória: para além da carta registada, passa a ser possível convocar a AG por meio de correio electrónico para os condóminos que manifestem essa vontade em AG realizada anteriormente, devendo tal manifestação de vontade ficar lavrada em acta, com a indicação do respcetivo endereço de correio electrónico. A nova regra impõe ao condómino o dever de enviar recibo de recepção do respectivo email convocatório (art. 1432º);

– Funcionamento: passa a ser possível realizar a AG por meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência. Será assim sempre que a administração o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, desde que todos os condóminos tenham condições, por si ou porque a administração do condomínio isso assegurou, para participar na AG por meios de comunicação à distância. Caso contrário, a assembleia terá que ser presencial (art. 1º-A do DÇ nº 268/94 de 25/10).

Quanto às actas das AGs, as regras também foram alteradas da seguinte forma:

– Elaboração e assinatura das actas: as catas são redigidas e assinadas por quem tenha intervindo como presidente nas AG e subscritas por todos os condóminos nelas presentes;

– Menções obrigatórias na acta: deve conter um resumo do que de essencial se tiver passado, a data e o local da realização da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas, com o resultado de cada votação e o facto de a acta ter sido lida e aprovada. A aprovação da acta é condição de eficácia das deliberações tomadas na respectiva reunião da assembleia de condóminos. Esta regra tem a vantagem de reduzir significativamente, como se espera, as dúvidas acerca da exequibilidade da acta enquanto título executivo para acção executiva para pagamento de quantia certa;

– Assinatura da acta: pode ser efectuada através de assinatura electrónica qualificada [3] ou através assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas;

– Subscrição da acta: vale como subscrição da ata a declaração do condómino, enviada por correio electrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via (art. 1º do DL n.º 268/94, de 25/10);

– Exequibilidade: a acta da reunião da AG é título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, quando tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio, o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respectivas obrigações. Além disso, consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio (art. 6º do DL nº 268/94, de 25/10).

Em relação ao administrador, este vê os seus poderes-deveres reforçados com a presente alteração. Desde logo, resulta claro que o administrador deve instaurar a acção destinada a cobrar as quantias em divida pelos condóminos e deve fazê-lo dentro de determinado prazo. Segundo o ar. 6º/5, o administrador deve apresentar a indicada acção judicial no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento, não necessitando, por isso, de autorização ou qualquer deliberação da assembleia de condóminos para o fazer, desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respectivo ano civil. Só assim não será se a AG deliberar em sentido contrário.

Além disso, o administrador vê as suas funções alargadas no que respeita também à vida corrente do condomínio. É exemplo disso a obrigação de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas e a obrigação de executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objecto de impugnação, devendo fazê-lo no prazo máximo de 15 dias úteis ou no prazo que tiver sido fixado para o efeito pela AG.

Incumbe também ao administrador o dever de informar os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou administrativo. Verifica-se, assim, a existência de um reforço dos direitos dos condóminos, a quem assiste o direito de ser informado acerca da existência e do estado dos referidos processos. Na verdade, pelo menos semestralmente, o administrador deve informar os condóminos acerca dos desenvolvimentos de tais processos, salvaguardando-se, obviamente, os que estiverem sujeitos a segredo de justiça e aqueles cuja informação deva ser mantida sob reserva como, por exemplo, os procedimentos cautelares.

Em situações de urgência, o administrador deve intervir, convocando posteriormente e imediatamente uma AG extraordinária para a necessária ratificação da sua actuação.

No que respeita às deliberações relativamente a obras de conservação extraordinária ou obras que constituam inovações, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos 3 orçamentos de diferentes proveniências para a execução das obras. Só assim não será se o regulamento de condomínio ou a AG dispuser de forma diferente.

Finalmente, o legislador veio salientar que o incumprimento das funções por parte do administrador, torna-o civilmente responsável em caso de omissão, sem prejuízo da responsabilidade criminal, caso exista. Na verdade, tal responsabilidade civil e/ou criminal decorreria sempre, como até aqui, da lei civil e da lei penal. A consagração que agora se faz de tais consequências no art. 1436º/3, mais não é do que alertar o administrador e os condóminos para as mesmas, reflectindo, pois, as preocupações de clarificação explanadas na exposição de motivos do projecto de lei que veio originar a Lei nº 8/2022, de 10/01.

Notas:

[1] O valor relativo é expresso em percentagem ou permilagem, tal como é referido no art. 1418º/1 do CC: “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio”.

[2] A propósito da controvérsia doutrinal e jurisprudencial remete-se para o artigo intitulado “A quem deve a Administração do Condomínio exigir o pagamento no caso de aquisição/alienação de fracções autónomas mantendo o alienante dívidas para com o Condomínio?” de Pedro Gonçalves, Rosa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes, publicado na Revista Jurídica Portucalense Law Journal n.º 18, Porto, 2015, in file:///C:/Users/marcia.passos/Downloads/7493-Texto%20do%20Trabalho-23135-1-10-20160201.pdf

[3] O regime jurídico dos documentos electrónicos e da assinatura digital foi aprovado pelo DL nº 290-D/99, de 02/08, para o qual se remete, para os devidos efeitos. Além disso, reveste idêntico interesse para consulta o DL nº 12/2021, de 09/02 que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno.

7/05/2023

A expropriação na PH

O regime da Propriedade Horizontal poderá resultar, também, da expropriação parcial de um edifício. Assim, se determinado prédio urbano for constituído por várias fracções passíveis de autonomia, nada impede que, por um acto de expropriação (para instalar, por ex., um determinado serviço público) abranja apenas uma ou algumas dessas fracções. Ou seja, pertencendo o prédio a uma única pessoa, o acto de expropriação dará origem a uma situação de PH.

O instituto jurídico traduz-se assim numa relação jurídica, através da qual a entidade expropriante, em conformidade com a lei e por razões de utilidade pública, procede à extinção do direito de propriedade então existente sobre bens imóveis (e outros direitos reais ou obrigacionais) e à sua transferência para um terceiro beneficiário, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização (art. 62º da CRP - Constituição da República Portuguesa - e art. 1º do CE - Código das Expropriações), devendo esta contudo, limitar-se ao estritamente necessário para a realização do seu fim.

É exacto que a expropriação de um prédio urbano possa ter interesse apenas relativamente a uma sua parte, mas parece que daí não se pode partir para a conclusão de que a expropriação possa dar origem a uma situação de PH.

Desde logo, sendo a expropriação uma medida coactiva, de apropriação forçada de um bem para fins de utilidade pública, não se vê como, por via dela e sem lei expressa, se possa coagir também o expropriado a manter-se na parte do edifício sem interesse para a utilidade pública determinante com integral modificação do respectivo regime jurídico, tanto mais que a lei lhe faculta requerer, no caso de expropriação parcial do prédio, a sua expropriação total, conforme o Código das Expropriações.

Na apontada situação concreta, há que distinguir: ou  o edifício em causa está sujeito ao regime da PH ou não está.

Na primeira hipótese, a entidade expropriante está perante um edifício que é um conjunto de fracções autónomas susceptíveis de apropriação individual e de transmissão nos termos gerais de direito e que, por isso, constituem coisas ou bens que podem ser imediatamente objecto de expropriação.

Se para os fins de utilidade pública são necessárias apenas algumas dessas fracções autónomas, ou mesmo uma só, esse será o objecto da expropriação sem outra influência no já instituído regime de PH que não seja a substituição do ou dos condóminos expropriados.

E a situação não será diferente se, por qualquer razão, todas as fracções autónomas forem propriedade do mesmo indivíduo, que não será afectado na sua qualidade de condómino quanto às fracções não expropriadas.

Na segunda hipótese, embora sendo um edifício integrado por pisos ou unidades independentes, pertencentes a um ou a vários indivíduos (comproprietários) que, submetido ao regime de PH, é por isso fruído em propriedade singular ou em compropriedade, trata-se de uma unidade económica e jurídica em que não há fracções autónomas a considerar separadamente, mas apenas uma só coisa, um só bem, que pode ser objecto de relações jurídicas.

Isto mesmo foi reconhecido no Ac. do STJ de 12/03/1996, no qual, todavia, se considera uma "fracção" de prédio não constituído ainda em propriedade horizontal, mas a esse regime destinado, como objecto possível de direito de retenção pelo respectivo promitente-comprador.

Deste modo, interessando à entidade expropriante apenas uma parte desse prédio, certo é que tal parte, não constituindo uma fracção autónoma, não é bem que seja susceptível de comércio jurídico, logo, de expropriação e, portanto, o respectivo acto expropriativo, recaindo sobre objecto juridicamente impossível, é acto administrativo nulo e insusceptível por isso de produzir quaisquer efeitos.

7/04/2023

O usucapião como meio constituir a PH

 Dimana do art. 1417º do CC que a Propriedade Horizontal pode ser constituída por usucapião. A redacção deste preceito, confrontada com a que propunham os trabalhos preparatórios, revela que, inicialmente, não fora considerada esta figura (1) como forma de se constituir a PH.(2)

Certo é, porém, não haver razão para o excluir,(3) muito embora não se anteveja possibilidade de vir a ser frequente meio de constituição desta forma de propriedade. Bem andou, pois, o legislador em o incluir no texto definitivo do Código 

Há que distinguir, porém, o usucapião como forma de constituição da PH, do usucapião como meio de adquirir o direito de propriedade sobre a fracção autónoma de um prédio já sujeito a tal regime, situações que divergem relativamente ao conteúdo da respectiva posse.

Assim, no primeiro caso, são todos os condóminos que têm de actuar sobre o prédio, por eles parcelado em fracções susceptíveis de corresponderem às exigências da sua utilização em regime de PH, como se efectivamente este regime estivesse regularmente constituído, usando, pois, cada um a sua fracção autónoma com exclusão dos demais e fruindo todos, como comproprietários, mas com as limitações inerentes a essa especial forma de compropriedade, as partes comuns do prédio, todos contribuindo também, na proporção do valor das suas fracções, ou apenas aqueles que de tais coisas se servem, para as despesas com a conservação e fruição das partes comuns.

Desta forma, se um desses condóminos, no decurso de tal situação, transferisse para outrem a sua fracção, este não adquiria qualquer direito de Propriedade Horizontal, sucederia apenas, conforme o art. 1263º, al. b do CC, naquela posse. Esse direito apenas se constituiria não só em relação a ele mas também aos restantes condóminos, quando decorrido o lapso de tempo necessário ao usucapião.

Diversamente, no segundo dos casos anteriormente focados, um dos condóminos de prédio em regime de PH já regularmente constituída por qualquer das formas prescritas no art. 1417º do CC, transferia para outrem, sem título ou através de título inidóneo para tanto, o seu direito. Por virtude do vício inicial do negócio, aquele não adquiriu o pretendido direito mas passa a actuar como se, efectivamente, fosse o seu titular. É então, esta posse que unicamente tem de se considerar em ordem à aquisição, decorrido o necessário lapso de tempo, do direito de PH por usucapião.

Notas:

(1) Em outros preceitos (art. 1294º, 1295º, 1296º, 1297º, 1299º e 1300º), a palavra usucapião aparece precedida do artigo definido a, inculcando ser substantivo do género feminino. Todavia, usucapião é substantivo do género masculino, como se pode ver em qualquer bom diccionário.

(2) A noção de usucapião encontra-se formulada no art. 1287º, nos seguintes termos: "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião".

(3) O art. 1293º apenas exclui do usucapião as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e de habitação.

3/12/2023

Definição de prédios

 

O Código Civil distingue coisas imóveis de coisas móveis, nos termos do art. 203º do CC. O legislador optou, no entanto, por não definir coisa imóvel, apresentando antes uma lista de coisas que considera imóveis. 

Confrontando as várias categorias de coisas imóveis, existem dois tipos fundamentais: coisas imóveis por natureza e coisas imóveis por relação. As coisas imóveis por natureza compreendem os prédios rústicos e urbanos e as águas, no seu estado natural. As coisas imóveis por relação, não sendo em si imóveis, têm tal categoria por disposição da lei, nelas se incluindo todas as demais coisas enumeradas pela mesma como tal. 

Assim sendo, nesta segunda categoria de imóveis encontramos realidades que teriam a natureza de coisas móveis. A sua qualificação como imóveis advém de certa relação que mantêm com as coisas imóveis, o que permite concluir que quebrada a referida relação, estas coisas readquirem a sua qualidade de móveis e, por outro lado, o objectivo do legislador terá sido o de aplicar-lhes o regime das coisas imóveis, muito mais do que qualificar essas coisas como imóveis. 

A lei tem preocupação em definir prédio rústico e prédio urbano (cfr. nº 2 do art. 204º do CC). Assim sendo, prédio rústico é uma parte delimitada do solo terrestre e as construções nela existentes que não tenham autonomia económica. Já prédio urbano é qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro. 

Existem, contudo, de prédios mistos. O CC adoptou, porém, a solução de não admitir prédios mistos e alargar o conceito de prédios rústico e urbano, de forma a incluir nessas categorias, as situações referidas. 

A lei qualifica também como imóvel os direitos inerentes aos imóveis elencados, o que significa que aqui estão abrangidos os direitos reais (direitos sobre as coisas, tal como o direito de propriedade ou o direito de usufruto). Finalmente, são elencados como imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos, ou seja, toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, nos termos do nº 3 do art. 204º do CC.

O que é um prédio rústico
 
São designados rústicos, os terrenos que se encontrem fora de uma zona urbana, não podendo estes estar classificados como terrenos para construção e podendo apenas ser utilizados para fins agrícolas. Caso se encontrem dentro de zonas urbanas, serão considerados rústicos caso tenham unicamente rendimentos agrícolas. Podem igualmente ser considerados prédios rústicos, os edifícios e construções, que no terreno estejam construídos, desde que estejam somente afectos à produção de rendimentos agrícolas
 
Para a AT são prédios rústicos os edifícios e construções implantados em terrenos classificados como prédios rústicos, desde que esses edifícios e construções estejam directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas. Assim, os edifícios e construções, ainda que situados em prédios rústicos, só podem ser classificados como prédios rústicos (na medida em que são parte integrante dos prédios rústicos em que se situam) desde que estejam directamente afectos ao exercício e apoio da actividade agrícola ou silvícola que é desenvolvida nos prédios rústicos onde se integram, o que implica que sejam utilizados na produção ou no armazenamento das espécies vegetais dela resultantes ou na instalação e arrumo das alfaias e máquinas necessárias ao exercício daquelas actividades.

O que significa que os edifícios e construções situados em prédios rústicos que não estejam a ter esta afectação directa à produção de rendimentos agrícolas ou silvícolas não podem ser classificados como prédios rústicos, por não serem parte integrante dos prédios rústicos onde se situam, antes constituindo uma realidade física autónoma sem qualquer ligação funcional a esses prédios rústicos, devendo por isso ser classificados como prédios urbanos.

O que é um prédio urbano
 
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, nem mistos. São considerados prédios urbanos, as construções de carácter habitacional, comercial, industrial ou para serviços, terrenos para construção, entre outros. 
 
Assim, considera-se prédio urbano, para além dos imóveis já edificados e incorporados no solo, qualquer terreno para construção, considerando-se como tal o terreno para o qual tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção, e ainda aquele que assim tenha sido declarado no título aquisitivo, nos termos previstos no nº 3 do art. 6º do Código da Contribuição Autárquica;

Considera-se ainda prédio urbano, para os mesmos efeitos, qualquer terreno situado em solo urbano, considerando-se como tal aquele para o qual esteja reconhecida vocação para o processo de edificação, de acordo com o estabelecido em plano municipal de ordenamento do território (art. 15º da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto; art. 72º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro; e art. 41º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 177/2001, de 4 de Junho);

O que é um prédio misto
 
Sempre que um prédio tenha uma parte rústica e urbana será classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio será havido na sua totalidade como misto. 

3/03/2023

Personalidade jurídica do condomínio


A lei não confere personalidade jurídica ao condomínio resultante de propriedade horizontal. Os interesses respeitantes ao prédio constituído em propriedade horizontal são titulados por cada um dos respectivos condóminos, esses sim, pessoas singulares ou colectivas, como tal providos de personalidade jurídica.

O condomínio não dispondo de personalidade jurídica não pode por isso ser titular de direitos. Ao atribuir personalidade judiciária ao condomínio o legislador confere-lhe a possibilidade de ser parte em juízo, mas apenas nas acções que se integrem no âmbito das funções e dos poderes do administrador do condomínio e só nestas, como decorre do art.º 1437º do CC.
 
Neste sentido pronunciou-se o TRP, em Acórdão datado de 16.12.2015: "A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais".

No que diz respeito à administração das partes comuns, os condóminos exprimirão a sua vontade através da assembleia de condóminos, vontade essa que, concretizada em deliberações, deverá ser executada pelo administrador. Apenas para o efeito de actuação em juízo dos condóminos nas questões atinentes às partes comuns do edifício é que a lei reconhece personalidade judiciária ao condomínio (cfr. art.º 6º al. e) do CPC), o qual será representado pelo administrador (cfr. art. 1437º do CC).

O Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) tem por fim organizar e gerir o ficheiro central de pessoas colectivas, apreciar a admissibilidade de firmas e denominações, aí se contendo informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições. Para o mesmo fim conterá esse ficheiro central informação de interesse geral relativa a entidades públicas ou privadas não dotadas de personalidade jurídica (cfr. art. 1º e 2º do DL nº 129/98, de 13/5, o qual foi objecto de diversas alterações que, porém, não buliram com as regras e artigos ora citados). Será nesta última categoria que caberá a inscrição dos condomínios no RNPC. 

Porém, tal inscrição não é condição para a relevância, na ordem jurídica, dos condomínios. Estes formam-se através da constituição do prédio em regime de propriedade horizontal, nos termos e com os requisitos previstos nos art. 1417º e 1418º do CC, seguida da respectiva inscrição no registo predial (cfr. art. 2º nº 1 al. b) do CRP, aprovado pelo DL nº 224/84, de 06/7, alterado por diversos diplomas que não modificaram o preceito citado).

Assim, a inicial omissão de inscrição do prédio no RNPC não interfere em nada com a actividade dos condóminos.

4/15/2022

A destruição do edifício

No caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.

Nada impede que, no TCPH, "os condóminos hajam acordado em solução diferente, aceitando desde logo a reconstrução do edifício no caso de destruição total, ou confiando à assembleia dos condóminos, por deliberação da maioria simples ou de qualquer maioria qualificada, a tomada de uma decisão. Pretende-se proteger cada um dos condóminos contra imposições da maioria, que envolvam para qualquer deles um encargo excessivo ou inoportuno, mas não há nenhum interesse público que a lei pretenda acautelar contra a vontade dos condóminos, pois se algum interesse social aflora no caso, esse é apenas o da reconstrução do edifício, que de nenhum modo colide com a validade da convenção das partes em sentido oposto ao prescrito no nº 1 do art. 1428º (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 438, 2).

Acresce sublinhar que a Ley sobre Propriedad Horizontal, considera no seu art. 23º, que a destruição do edifício se considera produzida quando o custo da reconstrução exceda 50% do valor do prédio ao tempo do sinistro, a menos que o excesso esteja coberto por um seguro.

Se a destruição é total (seguindo Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 438 e ss.), ou representa, pelo menos três quartos do total do prédio, não se admite que a assembleia dos condóminos, contra a vontade de qualquer destes, possa deliberar sobre a reconstrução. A lei concede a qualquer dos condóminos a faculdade de se opor à reconstituição do condomínio, exigindo a venda dos terrenos e dos materiais. Não se lhe permite, ao contrário do que resultaria dos princípios válidos em matéria de compropriedade, o direito de exigir a divisão do terreno e dos materiais, restrição que provém da especial afectação ao prédio da área sobre a qual o edifício estava implantado.

Ao condomínio no edifício substitui-se ou sucede, com a destruição daquele, a mera comunhão do solo e dos materiais. Mas como se trata de uma comunhão que resulta de coisa que em parte pertenciam em domínio exclusivo a cada condómino, e são sempre destinados à elevação de um edifício, os condóminos não podem pedir a divisão, mas apenas que sejam vendidos os materiais e o solo. Podem, naturalmente, ser vendidos a um, a vários, ou a todos os condóminos (cfr. Giuseppe Branca, Commentario del Codice Civile, Livro III, STEB, 1955, pág. 292).

Se cada condómino pode exigir a venda do terreno, tal significa, implicitamente, que ele pode exigir a demolição da parte do edifício que ficou de pé, para que o terreno seja vendido livre de qualquer construção, a menos que seja possível aliená-lo em condições igualmente favoráveis para eles, mantendo a parte da construção que não foi destruída (Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 439, 5).

Se a destruição atingir uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste. Neste caso, os condóminos que não queiram participar nas despesas de reconstrução podem ser obrigados (1) a alienar os seus direitos aos outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou fixado judicialmente.

O condómino pode escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita. O condómino pode também vender a sua parte a um terceiro; neste caso, o adquirente sucederá nas obrigações do alienante (cfr. Lino Salis, Il condominio negli edifici, Trattato di diritto civile italiano, Tomo III, Torino, 1950, pág. 241). Enquanto os condóminos interessados na reconstrução não declararem que pretendem exercer esta faculdade de aquisição, os discordantes podem alienar os seus direitos a terceiros. Até ao momento em que a faculdade de adquirir seja exercida, os condóminos discordantes conservam todos os seus direitos sobre o condomínio e, por conseguinte, podem dispor deles a favor de quem quer que seja (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 440, 7).

A aquisição das fracções autónomas é uma faculdade e não uma obrigação imposta ao condóminos (cfr. art. 1305º do CC). Deve revelar-se que o conteúdo do direito de propriedade muda continuamente, com o variar das exigências económicas e sociais da colectividade, no sentido de que se coloquem limitações à faculdade do privado dispor da coisa de que é proprietário (cfr. Edoardo Volterra, Istituziuoni di diritto privato romano, Ed. Ricerche, Roma, 1961, pág. 291).

Estamos perante um caso de nítida prevalência do interesse comum sobre o interesse do condomínio singular, que vai ao ponto de o forçar a alienar os seus direitos. A lei visa defender um interesse comum (a reconstrução do edifício) e já nos deixa antever que o interesse colectivo não é igual à soma do interesse de todos os condóminos. Um deles, pelo menos, não partilha o interesse na reconstrução do edifício.

O instrumento da obrigação legal de contratar, grosso modo, serve para garantir a realização de um interesse considerado prevalecente sobre os outros. O interesse do grupo dos condóminos na reconstrução do edifício merece mais tutela que o interesse do condómino em decidir da sorte dos seus direitos individuais. Este interesse é sempre referível aos condóminos - e é comum, em sentido próprio, com base na circunstância de que são titulares todos os condóminos enquanto membros do grupo. Mas autonomiza-se e distingue-se do conjunto desses interesses, transformando-se em algo diferente: no interesse colectrivo.

(1) A favor da execução específica desta obrigação de emissão de uma declaração contratual, vide Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 18.

1/28/2022

O que é a PH?

Esta matéria encontra-se regulada nos art. 1414º a 1438º-A do CC. No entanto, este código não contém uma noção explícita de propriedade horizontal. Não obstante, da conjugação dos art. 1414º e 1415º depreende-se que se caracteriza por uma forma especial do direito da propriedade consistente na possibilidade de diversas fracções de que se compõem um edifício poderem pertencer a proprietários diferentes, desde que sejam susceptíveis de constituir unidades independentes, perfeitamente distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio e desta para a via pública.

Deste modo, as partes que se autonomizaram através do processo de constituição da propriedade horizontal ficam a pertencer em propriedade singular ao respectivo titular; as outras são as partes comuns do prédio que ficam a pertencer aos vários proprietários na proporção do valor da parte autónoma de cada um.

I. Requisitos

Para que um edifício possa ser submetido ao regime da PH este tem de ser constituído por fracções autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si e que tais fracções tenham garantida uma saída própria para uma parte comum do prédio e dela para a via publica ou directamente para esta.

Estes são pois, os requisitos civis exigidos para que seja possível a constituição da propriedade horizontal. No entanto existem ainda os requisitos administrativos, impostos pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), decorrentes de exigências de segurança, salubridade, arquitectónica, estética, urbanística, tem de ser respeitadas, por condicionarem a construção de edifícios e a sua utilização.

Nesta factualidade, destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação do Porto, de 19/10/2015, Processo 1264/12, considera que Um corredor circunscrito a três fracções autónomas, que constitui parte comum do prédio, só poderá ser afecto ao benefício exclusivo dessas fracções se obter a autorização de todos os condóminos.
  • Ac. da Relação de Guimarães, de 9/4/2015, Processo 397/10, considera que tratando-se de um crédito emergente da celebração dum contrato promessa de compra e venda em que à data limite do cumprimento daquele as fracções a que a sociedade se comprometeu vender ao autor ainda não estavam concluídas, o direito de crédito deste constituiu-se com a celebração do contrato promessa.
  • Ac. do STJ, Secção Cível, de 26/2/2015, Processo 778/11.6TVLSB.L1.S1, considera que apesar da maioria dos condóminos terem votado contra a instalação de uma cadeira elevatória na escadaria comum do prédio, o regime de propriedade horizontal não deve impedir que o arrendatário que dela necessita, por via da sua condição física, o possa fazer.

II. Constituição da Propriedade Horizontal

A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário (cfr. art. 1417º, nº 1 do CC).

Destaca-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Lisboa, de 3/4/ 2014, Processo 1345/10, considera que se do título constitutivo da propriedade horizontal consta que a parte do prédio destinada ao uso e habitação da porteira era comum, tal circunstância não poderá ser alterada sem o acordo de todos os condóminos.

III. Requisitos do Título Constitutivo

Nos termos do art. 1418º é obrigatório no titulo constitutivo especificar as partes correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas e o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.

Mas para além disso o nº 2 do ar. 1418º, aditado na revisão operada no DL nº 267/94, admite que no título constem facultativamente, outras menções, a saber:

  • a) fim a que se destina cada fracção ou parte comum;
  • b) regulamento do condomínio ;
  • c) estipulação de compromisso arbitral para resolução de litígios emergentes das relações de condomínio.

Por sua vez o art. 83º do Código do Registo Predial estabelece que a descrição de cada fracção autónoma deve conter:

a) O número de descrição genérica do prédio, seguido da letra da fracção, segundo a ordem alfabética;

b) De entre as menções gerais das descrições constates das al. c) a f) do nº 1 do artigo anterior (isto é, a denominação do prédio e a sua situação, a composição e a área, valor patrimonial ou, na sua falta, o valor venal e a indicação do artigo de matriz ou da sua omissão).

c) A menção do fim a que se destina, se constar do título (esta menção é facultativa de acordo com o CC).

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. do STJ, de 28/1/2016, Processo 3076/06, considero que não resultando do título constitutivo de propriedade horizontal quaisquer indicações quanto ao uso das lojas dos pisos térreos, apenas resultando que a maioria das fracções autónomas se destina a habitação, e outras a escritórios e garagens, não é admissível numa dessas lojas a instalação de um restaurante, não relevando o licenciamento camarário.
  • Ac. do STJ, Secção Cível, de 11/12/2014, Processo 833/11.2TVPRT.P1.S1, considera que perante a coincidência entre as áreas expressas no título constitutivo e no projecto de construção, e considerando que este último cataloga a parcela de terreno como integrante de uma fracção autónoma, a mesma deverá ser adstrita exclusivamente à respectiva fracção autónoma.
  • Ac. do STJ, de 11/2/2014, Processo 8284/07, considera que a construção de garagem privativa a ocupar lugar de garagem existente e ainda parte da caixa de elevadores, de natureza comum, embora implique alteração de projecto construtivo, não coloca em causa interesses de natureza e ordem pública, nem os interesses privados dos condóminos.

IV. Modificação do Título Constitutivo

A lei estabelece como principio geral que, havendo acordo de todos os condóminos, estes podem modificar o TCPH, desde que se observem os requisitos estabelecidos pelo art. 1415º do CC, isto é, desde que sejam susceptíveis de constituir unidades independentes, perfeitamente distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio e desta para a via pública.

Se o acordo constar de acta assinada por todos os condóminos, o administrador tem legitimidades para outorgar a escritura respectiva em representação do condomínio.

As modificações possíveis são:

  • a dos valores relativos das fracções, que podem ser redistribuídas em diferentes proporções das referidas no título constitutivo;
  • as que importem alteração da composição;
  • as que demandem alteração do destino das respectivas fracções.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

V. Divisão e junção de fracções autónomas

O art. 1422º-A do CC, acerca da divisão e junção de fracções autónomas, veio determinar o seguinte:

1 – Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens.

3 – Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.

4 – Nos caos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por ato unilateral constante de escritura publica, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.

5 – A escritura pública a que se refere o número anterior deve ser comunicada ao administrador no prazo de 30 dias.

Quem tem interesse na junção de duas ou mais fracções numa só ou na divisão de uma fracção em novas fracções autónomas é o respectivo titular, mas só a junção é que não carece de autorização dos demais condóminos, dado que a divisão só é legalmente admissível se tiver sido autorizada no título constitutivo ou se o for pela assembleia de condóminos sem qualquer oposição.

A alteração do TCPH a que a junção ou a divisão dão lugar pode ser formalizada em escritura pública, por acto unilateral outorgado apenas pelo condómino que proceder à junção ou pelos condóminos que cindirem as fracções. Neste último caso, só em face do conhecimento dos outros condóminos e de documento camarário ou de projecto devidamente aprovado que comprove que a alteração introduzida respeitou os requisitos legais das fracções, desde que tal modificação exija obras de adaptação que necessitem de autorização camarária.

VI. Obrigações dos condóminos

As obrigações dos condóminos, para além do que resulta das limitações ao exercício do seu direito, referem-se sobretudo às partes comuns e podem reconduzir-se às seguintes categorias: encargos de conservação, uso e fruição, reparações, inovações e encargos fiscais.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Guimarães, Secção Cível, de 12/2/2015, Processo 310.12.4TBCMN.G1, considera que tem o condomínio legitimidade para a acção em que peticiona a condenação dos réus a retirarem tudo o que afixaram na parede norte do prédio, retirarem a ligação que fizeram de tubo à caixa receptora e a procederem à reparação da parede, incluindo impermeabilização dos orifícios abertos e pintura de parede, devendo ser revogada a decisão do tribunal a quo que absolveu os réus da instância.
  • Ac. da Relação de Lisboa, de 5/3/2015, Processo 5570-12, considera que cada condómino tem legitimidade para defender o seu direito sobre parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal contra quem tal direito ofenda.

VII. Administração das partes comuns

A administração das partes comuns (e só de estas), encontra-se regulada pelos art. 1430º ao art. 1438º.

Com efeito, a assembleia de condóminos é constituída por todos os titulares de fracções autónomas, tendo cada um deles tantos votos quantos os correspondentes às unidades inteiras da permilagem ou percentagem da fracção ou fracções que possuir.

O administrador é o órgão executivo do condomínio, electivo, unipessoal e pode ser remunerado. Acresce ressalvar que este cargo não tem necessariamente de ser desempenhado por um condómino, podendo-o ser por um terceiro, pessoa individual ou colectiva.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Évora, de 3/11/2016, Processo 1475, considera que tendo a alteração das permilagens sido aprovada por unanimidade pelos condóminos presentes, representativos de mais de dois terços do capital investido, tal alteração é válida.
  • Ac. da Relação do Porto, de 30/5/2016, Processo 45/14, considera que a obrigação de prestação de contas do mandatário, aplicável ao administrador do condomínio, só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante, não cessando com a simples prestação extrajudicial de contas, mas, apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.

7/23/2021

Modificar o TCPH

O nº 1 do art. 1418º do CC estabelece que é o título constitutivo da propriedade horizontal que especifica as partes do edifício que correspondem às várias fracções, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas e no qual é fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. 

Além das especificações constantes no número anterior, o seu nº 2 elenca outras que dele podem constar, como a menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum (al. a)), o regulamento do condomínio, que distingue do especificado no art. 1429º-A por poder disciplinar também o uso, fruição e conservação das fracções autónomas (al. b)), e a previsão da obrigatoriedade da celebração de compromisso arbitral para a resolução de litigios (al. c) e art. 1434º).

O nº 3 deste preceito ressalva que a falta da especificação exigida pelo nº 1 e a não coincidência entre o fim referido na al. a) do nº 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela CM determinam a nulidade do TCPH, aplicando-se consequentemente o fixado no nº 1 do art. 1416º do CC.

O Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, pode ser modificado:

a) pelo Administrador, em representação do Condomínio, outorgando a escritura ou elaborando e subscrevendo o documento particular em causa, havendo o acordo de todos os condóminos (cfr. art. 1419º, nº 1 e 2 do CC), porém este acordo pode ser nulo se não se observar o disposto no art. 1415º do CC, podendo a nulidade ser requerida nos termos do nº 2 do art. 1416º;

b) pelo condómino que procedeu à junção, numa só, de duas ou mais fracções autónomas (não carecendo para o efeito de autorização dos condóminos), desde que situadas no mesmo edifício, e desde que sejam todas contíguas, sendo esta dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens (cfr. art. 1422º-A, nº 1 e 2 do CC).

Para se proceder à modificação do TCPH, são necessários os seguintes documentos: 

  • A certidão com o teor da descrição predial e das inscrições em vigor, passada pela Conservatória do Registo Predial com uma antecedência não superior a 6 meses ou, quanto a prédios situados em concelho onde tenha vigorado o registo obrigatório, a respectiva caderneta predial, actualizada; 
  • A caderneta predial actualizada ou a certidão do teor da inscrição matricial passada com antecedência não superior a um ano (A DGCI disponibilizou a possibilidade de obtenção via Internet da caderneta predial de prédios urbanos inscritos nas matrizes prediais, no seu site www.e-financas.gov.pt);  
  • No caso de prédio omisso, o duplicado da participação para a inscrição na matriz, que tenha aposto o recibo da repartição de finanças, com antecedência não superior a um ano, ou outro documento dela emanado, autenticado com o respectivo selo branco;  
  • O documento camarário comprovativo de que a alteração está de acordo com os correspondentes requisitos legais, ou, caso a modificação exija obras de adaptação, projecto devidamente aprovado;  
  • Caso intervenha o administrador em representação do condomínio, a acta da qual conste o respectivo acordo de todos os condóminos (*);  
  • Em caso de divisão de fracções autónomas não autorizada no título constitutivo, a acta com autorização da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição; 
  • As fracções autónomas já existentes que ainda tenham crédito à habitação terão de solicitar autorização prévia do seu banco para a alteração da propriedade horizontal, uma vez que, com a transformação poderão ser alteradas todas as permilagens do prédio; 
  • Será ainda necessário proceder ao preenchimento e entrega de Modelo 1 do IMI com as alterações que as fracções do prédio vão sofrer; 

De salientar que o valor da escritura será proporcional ao número global de fracções, ao qual acrescerá o valor dos registos na conservatória competente, não podendo com isso saber-se quais são em rigor os valores envolvidos.

(*) Em bom rigor, o título constitutivo pode ser modificado sem que haja o acordo formal de todos os condóminos. Pretendendo-se alterar o TCPH, da convocatória para a assembleia deve constar obrigatoriamente essa indicação (cfr. art. 1432º, nº 2 do CC), procedendo-se subsequentemente à aprovação da deliberação que carece da unanimidade nos termos dos nº 5, 6, 7 e 8 do art. 1432º do CC.

Permilagem



O que é e como se calcula o valor relativo havido fixado para cada fracção autónoma, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total de um prédio?

Primeiramente importa ressalvar que a fixação destes valores é efectuada livremente pelo construtor ou instituidor da propriedade horizontal e podem reportar-se aos mais diversos critérios, nomeadamente, “custo/m2, qualidade da construção, área das fracções, afectação ou fim, preço de venda, rendimento, localização, exposição ao sol, a vista panorâmica” (in Abílio Neto “Manual da Propriedade Horizontal”, 4ª edição – reformulada, março 2015, Ediforum), entre outros, não se encontrando assim aqueles vinculados à observância de quaisquer regras nesta definição. 

O único factor imperativo existente, é o de que, o valor total do prédio tem de corresponder sempre ao somatório do valor relativo atribuído a cada uma das suas fracções autónomas. que o compõem. 

Abílio Neto, em anotação ao art. 1418º do CC (“Código Civil Anotado”, 19ª edição reelaborada, janeiro 2016, Ediforum) refere que, sendo o título constitutivo de propriedade horizontal modificável por escritura pública, podem os seus termos ser modificados por acordo de todos os condóminos, sendo este também o entendimento do TRP no seu Ac. de 06/04/2017 quando dispõe que “I - A modificação do valor relativo de várias fracções em relação ao valor total do prédio, expresso em permilagem, por consubstanciar alteração do título constitutivo da propriedade horizontal só se pode efectuar com o acordo de todos os condóminos através de escritura pública ou documento particular autenticado. II – Por conseguinte, não é legalmente admissível que essa modificação se concretize através de decisão judicial, nem sequer mediante o recurso a uma acção de suprimento do consentimento”. 

Sendo a permilagem definida em função do "valor" calculado para cada fracção, esta dará origem à proporção da comparticipação de cada fracção para as despesas de manutenção e/ou conservação dos elementos e áreas comuns prédio, para o pagamento dos serviços de interesse comum, pagamento do seguro de grupo, a distribuição das receitas pelos condóminos, bem como ao número de votos atribuídos em assembleia. Verificando-se a destruição ou demolição integral do prédio, será com base nesta proporcionalidade que será distribuído o valor residual do mesmo.

Muito embora o critério de fixação da permilagem seja livre, em bom rigor, não deve obedecer exclusivamente ao metros quadrados de cada fracção autónoma. Assim, se uma fracção possuir 100 m2 de área habitacional e uma outra exactamente igual e com a mesma área, possuir também um terraço de uso exclusivo com outros 100 m2, seria injusto que a distribuição do valor de cada fracção se tivesse efectuada numa razão directa do número de metros quadrados afectos a cada uma.

Nesta conformidade, a fracção com a fruição exclusiva do terraço, tem certamente um valor substancialmente superior, pela função "privativa" e panorâmica daquele, mas não valerá o dobro da fracção sem terraço, pelo que, não será justo que lhe seja imputado o dobro da permilagem. O mais correcto é que o cálculo do valor das distintas fracções autónomas, sem prejuízo de outros factores que importem considerar, seja efectuado em função das áreas afectas a cada uma, no entanto, cuidando-se que na fórmula de cálculo se atribua um determinado quociente de redução de valor para as áreas complementares, designadamente, varandas, terraços, garagens, arrumos, etc..

Sendo a importância destas áreas complementares mais ou menos relativa, este quociente pode e deve contudo variar, por metro quadrado, entre 1/3 e 1/4 do valor atribuído a cada metro quadrado da área habitacional das fracções autónomas.

6/16/2021

A propriedade horizontal

O condomínio resultante do regime da a propriedade horizontal, é um instituto que, tal como o concebemos actualmente, não tem ainda um século de existência.

O direito romano não tolerava a divisão do prédio por planos horizontais, por a mesma ser contrária aos princípios dominantes: se a propriedade se projectava para o alto ad astra e se aprofundava ad inferos, não havia fundamento para a separação e autonomização dos direitos de quem vivesse acima do proprietário, incompatibilidade flagrante quanto mais arreigada a convicção de que se subordinava ao proprietário do solo qualquer edificação sobre ele levantada: aedificium solo cedit et ius seguitur (cfr. Caio Mário da SilvaPereira, Condomínio e Incorporações, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 61).

A origem da propriedade horizontal encontra-se na Idade Média. Alcançou então um grande desenvolvimento, sobretudo em cidades como Rennes e Grenoble, onde os edifícios por pisos eram a regra e as vivendas estritamente pessoais a excepção, o que é justificado pelas circunstâncias que obrigavam a rodear as cidades de altas muralhas que as impediam de crescer em extensão e forçavam o crescimento em altura (cfr. Pedro Augusto Escobar Trujillo, apud Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 48).

Os princípios individualistas da Revolução Francesa, opostos a toda a forma de delimitação do domínio, não se harmonizavam com a propriedade horizontal. O Código de Napoleão não regulamentou o instituto, reservando--lhe um só artigo, o 664º, incluí do no capítulo relativo às paredes comuns. Os códigos seguintes ou seguiram o mesmo caminho do francês ou guardaram silêncio a tal respeito ou proibiram o instituto, como foi o caso do Código alemão, cujo art. 1014º consagrava a inadmissibilidade da restrição do direito de superfície a uma parte do edifício, especialmente a um só andar, o que se entendida proibir a propriedade horizontal (cfr. Mariano Fernandez Martin-Granizo, La Ley de Propiedad Horizontal en el Derecho Espanol: Comentarios a La Ley De 21 de Julio de 1960, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1983, pp. 143-147).

Ressalvavam-se da proibição as situações jurídicas anteriores, que se continuavam a reger pela legislação antiga, por força do disposto no art. 182º da Lei de Introdução ao referido Código. O ciclo de decadência do instituto inverteu-se no período subsequente à Guerra de 1914-18: o sistema da propriedade horizontal, possível devido ao desenvolvimento das técnicas de construção, surgiu como o meio de solucionar o problema da habitação que o aumento exponencial das cidades gerou (Valem aqui, mutatis mutandis, as palavras de Orlando de Carvalho, Direito das Coisas (Direito das Coisas em Geral), Coimbra: Centelha, 1977, p. 17, a propósito do direito das coisa em geral: «Tratando se de bens escassos, é claro que o controle de tais bens — e a ordenação do domínio desses bens é óbviamente uma ordenação do seu controle — equivale a um controle dos meios de subsistência; isto é, a um controle sobre a vida dos cidadãos, a um controle sobre os fins e a fisionomia da cidade. 
 
Daqui resulta como primeira consequência que o direito das coisas é a pedra de toque do direito que em certa altura vigora e, mais do que isso, da sociedade em que ele vigora: do ‘projecto’ tanto cívico como político que representa a sociedade em questão. É ao nível do direito das coisas que a sociedade civil mostra os seus verdadeiros estigmas e a correspondente organização política e o seu princípio fundamental de estrutura»).

A Lei belga de 8 de Junho de 1924 foi a que primeiro regulamentou o instituto, seguindo-se-lhe, de um modo geral, a de todos aqueles países que partilham do nosso património jurídico-cultural, incluindo a daqueles que o proibiram. É o caso da Alemanha: a Lei de 15 de Março de 1951 criou o direito permanente de habitação (dauerwohrecht) e a propriedade horizontal de casas (woh nungseigentum).
 
Como salienta o autor, a lei alemã de 1951 tem as seguintes características: 
 
a) a propriedade das casas é uma compropriedade robustecida por uma proprie dade privada especial diminuída quantitativamente por uma propriedade especial alheia; 
 
b) a propriedade especial é uma autêntica propriedade individual no sentido do conceito de propriedade previsto no BGB e não somente um direito real, limitado pela totalidade da coisa que está sob a compropriedade de todos os proprietários da casa; 
 
c) as relações que derivam da propriedade de casas têm o seu fundamento jurídico na relação de vizinhança fortemente intensificada sobre a base da estreita comunidade especial dos proprietários das casas; 
 
d) segundo essa lei, a participação da propriedade de um imóvel é determinante na propriedade especial, apresentando-se como uma propriedade subjectivamente real, desconhecida para o direito até então que, conforme o previsto no § 96 do BGB, é elemento constitutivo da participação da compropriedade, participando da sua natureza jurídica.

Entre nós, a primeira referência ao instituto encontra-se nas Ordenações Filipinas (Cf. L. P. Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 1997, pp. 12-13.), cujo § 34 do Título LXVIII (Dos Almotacés) do Livro I, dispunha que «[s]e huma casa for de dous senhorios, de maneira que de hum delles seja o sótão, e de outrem o sobrado, não poderá aquelle cujo for o sobrado, fazer janella sobre o portal daquelle, cujo for o portão, ou logea, nem outro edificio algum».

O Código Civil de 1867, no seu art. 2335º, que teve por fonte o art. 664º do Código Civil francês, apenas cuidou do modo de reparação e conserto dos diversos andares de um edifício que pertencessem a diversos proprietários, quanto isso se não encontrasse regulado nos respectivos títulos.

A Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948, estabeleceu, no seu art. 30º, único da Parte III, intitulada Propriedade por andares, que o Governo devia, no prazo de 6 meses, proceder à revisão e regulamentação do art. 2335º do Código Civil, estabelecendo o regime de propriedade por andares ou propriedade horizontal. Tal regulamentação apenas surgiu com o Decreto-Lei nº 40 333, de 14 de Outubro de 1955, que esteve em vigor até ao Código Civil de 1966.

Neste, o instituto está regulamentado nos arts. 1414º a 1438º, sendo notória a influência dos arts. 1117º a 1139º do Código Civil italiano (Titolo VII: Della Comonione; Capo II: Dei Condomi negli edifici).

O art. 1414º do Código Civil, ao dizer que as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, consagra uma derrogação ao princípio superficies solo cedit, nos termos do qual um edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio — direito que abrange toda a constru ção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro.

Na propriedade horizontal, os titulares das várias fracções ou unidades independentes — condóminos, na terminologia legal (cfr. art. 1420º do CC) — são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afectadas ao serviço daquelas fracções (cfr. art. 1421º do CC).

As fracções independentes fazem parte de um edifício, na acepção do art. 204º, nº 2 do CC, de estrutura unitária, o que necessariamente cria especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo no que respeita às fracções autónomas.

O núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva.

Foi para distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples contitularidade ou comunhão sobre coisa indivisa que o legislador recorreu ao conceito de condomínio, acolhendo as teorias de Planiol, Ripertebaudry-Lacantinerie (Domenico Peretti-Griva, Il Condomínio dele Case Divise in Parti, Turim: UTET, 1960, p. 79; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, IV, 6.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 179).

O condomínio é, assim, no dizer de Henrique Mesquita, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre fracções determinadas. No fundo, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de compropriedade sobre as partes comuns. Daí nasce um direito real complexo, no sentido de que combina figuras preexistentes de direitos reais. É, no entanto, diferente do mero somatório dos esquemas da proprie-dade e da compropriedade; contendo o uma regulamentação própria do seu exercício, constitui a se um direito real.

4/12/2021

Definição da propriedade horizontal

O instituto da propriedade horizontal, nos termos do art. 1420º, n.º 1, do C.Civ., integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fração que lhe pertence e, paralela e forçosamente, o direito complexo de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio.

E para que se possa fazer a clara distinção entre os objetos sobre que recaem aqueles direitos, o art. 1418º do C.Civ. prescreve, no seu nº 1, que do título constitutivo da propriedade horizontal constem, obrigatoriamente, a especificação individualizada das partes correspondentes às várias frações e a fixação do valor relativo a cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio. 

Além disso, segundo o nº 2, do mesmo artigo, do referido título podem ainda constar outras especificações (portanto facultativas), designadamente sobre o fim a que se destina cada fração ou a parte comum e sobre a disciplina, em regulamento do condomínio, do uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas. 

Portanto, o que caracteriza o regime de propriedade horizontal é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectos ao serviço do todo.

Assim, dada a relação funcional entre as partes comuns do prédio e as frações autónomas, bem como as específicas relações de vizinhança entre os condóminos, os direitos que recaem sobre umas e outras, embora regulados, subsidiária e respetivamente, pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal, em especial quanto à administração, uso, fruição e disposição das partes comuns, bem como relativamente a limitações de uso e fruição das frações autónomas por parte dos respetivos condóminos.