Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

6/29/2023

Falta de assinaturas nas actas


Prevê o art. 703º (art. 46º do CPC de 1961) do CPC, que, entre outros, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva. Disposição de tal natureza é a que se mostra prevista no art. 6°, n° 1, do DL 268/94, de 25/10, que estatui que "A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante de contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e, fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte".

Como vem sendo dito e resulta do preâmbulo do diploma citado, teve-se em vista com o mesmo, procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da PH, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros. Ora, com o objectivo de alcançar tal desiderato, um dos instrumentos de que o legislador se socorreu foi o de atribuir força executiva às actas das reuniões das assembleias de condóminos, nas quais se fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino. Mas logo no art. 1º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Deliberações da assembleia de condóminos” estatuiu-se o seguinte:

1 - São obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes.
2 - A ata contém um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada.
3 - A eficácia das deliberações depende da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos.
4 - As deliberações devidamente consignadas em ata são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações.
5 - Incumbe ao administrador, ainda que provisório, guardar as atas e facultar a respetiva consulta, quer aos condóminos, quer aos terceiros a que se refere o número anterior.
6 - A assinatura e a subscrição da ata podem ser efetuadas por assinatura eletrónica qualificada ou por assinatura manuscrita, aposta sobre o documento original ou sobre documento digitalizado que contenha outras assinaturas.
7 - Para efeitos do disposto no presente artigo, vale como subscrição a declaração do condómino, enviada por correio eletrónico, para o endereço da administração do condomínio, em como concorda com o conteúdo da ata que lhe tenha sido remetida pela mesma via, declaração esta que deve ser junta, como anexo, ao original da ata.
8 - Compete à administração do condomínio a escolha por um ou por vários dos meios previstos nos números anteriores, bem como a definição da ordem de recolha das assinaturas ou de recolha das declarações por via eletrónica, a fim de assegurar a aposição das assinaturas num único documento.


Não tendo todos os condóminos, ditos participantes na assembleia, assinado a respectiva acta, coloca-se a questão de saber se a mesma vale ou não como título executivo, de harmonia com o disposto no art. 6º do citado DL nº 268/94. A resposta da jurisprudência, tanto quanto se conhece e alguma dela invocada pela embargada, tem sido sempre em sentido afirmativo.
 
Invoca-se geralmente que a acta da assembleia de condóminos é uma formalidade ad probationem e a falta de assinatura de condóminos que nela participaram é uma mera irregularidade que, não sendo oportunamente reclamada, não afecta a deliberação tomada nem a exequibilidade do título. E fundamenta-se, essencialmente, na circunstância de que o condómino presente que não assinou a acta ou a não quis ou não a pode assinar e que não impugnou a deliberação, ou não suscitou a questão oportunamente, não pode disso prevalecer-se tendo em conta o instituto do abuso de direito previsto no art. 334° do CC, porque a ela deu causa ou não quis remediar.

E argumenta-se ainda que nos termos do disposto no art. 1413° do CC as deliberações contrárias ou não à lei ou regulamentos anteriormente aprovados tomam-se definitivas se não for requerida a anulação por qualquer condómino que as não tenha aprovado nos prazos e pelo modo aí referidos. Tornando-se definitivas, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções – n° 4 do art. 1° do DL n° 268/94.

Para além disso é recorrentemente invocado que a lei não sancionou expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia, não tendo, designadamente, cominado com a inexistência, a ineficácia ou a nulidade uma acta lavrada sem tais assinaturas. E acrescenta-se que não se compreenderia que a acta seja vinculativa para os condóminos que faltem à assembleia (uma vez que lhes sejam comunicadas) e não se considerar a mesma válida e eficaz no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, por qualquer motivo não assinaram a acta (v., entre muitos outros, acórdão TRL, de 15.02.2007, processo n° 9207/2006-2, que referencia vários acórdãos desta e de outras Relações sobre a matéria e ainda os acórdãos do TRP de 19.03.2001, de 6.03.2003, de 18.12.2003 e mais recentemente de 16.05.2007, também publicados em www.dgsi.pt/jtrp). 
 
Ora, nesta seara, o TRL em acórdão datado de 08-11-2007 (processo nº 9687/2006-6), decidiu que, não obstante se ter como aparentemente mais sedutora uma interpretação mais rígida do estatuído no art. 1º nº 1 do DL 268/94 (face ao próprio teor do seu nº 4 e sobretudo à sua inserção naquele diploma - que visou essencialmente atribuir força executiva à acta das assembleias de condóminos) afigurou-se a este tribunal porém que, atentas as razões de simplificação enunciadas no preâmbulo e as demais razões invocadas pela jurisprudência citada, não pode deixar de se entender que a qualidade de título executivo das actas das assembleias de condóminos decorre tão só das mesmas conterem os requisitos indicados no art. 6º, basicamente atinentes à liquidez e exigibilidade das dívidas.

Assim, a omissão das exigências formais constantes do dito art. 1º constituem meras irregularidades, que ficam sanadas se não houver tempestiva impugnação da deliberação tomada, (cfr. art. 1432º nºs 6, 7 e 8 do CC), o que no caso os autos não evidenciam que tenha acontecido.

6/28/2023

Aprovação das actas


A lei é omissa quanto ao momento em que se deve proceder à feitura da acta da reunião. Do nº 1 do art. 1º do DL 268/94 de 25/10, apenas resulta que "São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes".

Desta sorte, não sendo possível lavrar a acta no termo da respectiva reunião, os condóminos podem conferir um voto de confiança ao presidente da MAG para que esta possa proceder posteriormente ao devido acto.

Contudo, as actas, com um resumo do texto das deliberações mais importantes podem ser aprovadas em minutas, no final das reuniões, desde que tal seja deliberado pela maioria dos membros presentes, sendo assinadas, após aprovação.

Importa contudo salientar que as deliberações dos condóminos só adquirem eficácia depois de aprovadas e assinadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas, nos termos do número anterior.

Os condóminos podem fazer constar da acta o seu voto de vencido e as razões que o justifiquem, bem como referir a sua desconformidade ao que dela conste, no entanto a simples aprovação por maioria significa de modo inequívoco que quem a aprova, considera falsos ou, pelo menos, irrelevantes, os fundamentos dessa discordância.

Não participam na aprovação das actas os condóminos que não tenham estado presentes nas reuniões a que elas respeitam, excepto se a sua intervenção for necessária, podendo neste caso, o seu silêncio valer como assentimento do que se ouver deliberado..

Devidamente subscritas e validadas nos presentes termos, as actas ficarão à guarda do administrador, que as comunicará obrigatoriamente aos ausentes, no prazo de 30 dias, contados da data da realização da AG, por carta registada com aviso de recepção (vide art. 1432º do CC) ou entrega em mão com assinatura de competente protocolo de recepção, e distribuirá cópias por quem as solicitar.

Uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos e terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas, mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, tendo participado, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação.

As partes próprias

A PH representa uma derrogação ao princípio superfícies solo cedit, porquanto, em face do regime geral do direito de propriedade sobre os imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio - direito esse que abrangerá toda a construção, o solo em que esta assente e os terrenos que lhe sirvam de logradouro (cfr. art. 204º, nº 2 do CC). 

O conceito de "edifício" tem uma importância nuclear, nomeadamente a propósito da aplicação de duas das suas normas: a do art. 1430º do CC, que determina que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador e a do art. 1438º-A do CC que permite a aplicação do regime da administração das partes comuns a conjuntos de edifícios funcionalmente ligados entre si.

Para Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, art. 204º, pág. 195, 3, o "edifício incorporado é aquele que se encontra ligado ou unido ao solo, fixado nele com carácter de permanência, por alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio. A lei não diz o que deve entender-se por edifício, tratando-se de uma noção fundamentalmente pré-jurídica. 

Edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais, industriais ou serviços, arrecadações, armazéns de produtos, etc.), constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos. Nem sempre, porém, a toda a construção com estes requisitos corresponde, juridicamente, um prédio urbano. 

Se a uma casa principal estão anexas construções de carácter secundário (casa do porteiro, garagem, dependência para arrecadação, galinheiro, etc.), deve entender-se que estamos perante um único prédio urbano, não obstante a pluralidade de construções que o integram" (com sublinhados meus).

Na prática, porém, podem deparar-se situações em que se torna difícil concluir se determinado conjunto imobiliário constituiu um único edifício (e, portanto, um único prédio urbano) ou vários. Deve entender-se que se está  perante uma unidade predial ou, inversamente, perante uma pluralidade, conforme o conjunto em causa apresente ou não uma unidade estrutural - unidade esta que se há-de aferir através dos seus elementos essenciais, designadamente através das paredes mestras, dos pilares e vigas de sustentação, da cobertura, das instalações de água, de electricidade, etc.. 

Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros dos prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais. Também não cabem no conceito legal de prédio urbano as construções que, tendo embora autonomia económica, não constituem um edifício no sentido indicado.

Por exemplo, uma piscina, para Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, 1993, pág. 197, prédio é uma porção delimitada de solo, com as construções que eventualmente sobre ele existam. Segundo Rodrigues Pardal/Dias da Fonseca, Da propriedade horizontal no Código Civil e legislação complementar, Coimbra Editora, Coimbra, 1988, pág. 47, por edifício entende-se apenas a construção que limita o solo por todos os lados, incluíndo o espaço aéreo. Tem de estar ligado, unido ou fixado ao solo, directa ou indirectamente, por alicerces ou por colunas. Assim, não são edifícios: os muros, as cercas, as colunas, as estátuas, as pontes, os pelourinhos, os poços, os açides, os reservatórios. os aquedutos, etc..

Juridicamente, a fracção autónoma é uma coisa, embora, materialmente, faça parte de outra coisa maior (o edifício). O art. 202º define como coisa tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas. Esta definição não tem deixado de sofrer críticas por parte da doutrina. Para Orlando de Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 116 e ss., o objecto da relação jurídica é necessariamente um bem (bem é tudo o que é apto a satisfazer necessidades) económico (bem escasso), porque só um bem assim suscita conflitos de interesse. Os bens podem ser não coisificáveis (pessoas, prestações e situações económicas não autónomas) ou coisificáveis (coisas, direitos coisificados). Coisa é todo o bem do mundo externo, sensível ou insensível, com a suficiente individualidade e economicidade para ter o estatuto permanente de objecto de direitos.

Nas palavras de Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, anot. ao art. 202º, pág. 193, 3, "o conceito jurídico de coisa não se confunde com o conceito filosófico, nem com o conceito físico ou naturalístico. Um andar ou apartamento, por exemplo, não é uma coisa neste último sentido, e todavia, pode sê-lo em sede jurídica, conforme decorre do instituto da propriedade horizontal". Embora a lei não o diga expressamente, devem considerar-se também coisas imóveis as fracções autónomas de um prédio urbano, quando objecto de propriedade horizontal (cfr. Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no código civil português, RDES, ano XXIII, nº 1-4 (1976), pág. 113 e 114. 

Em sentido diferente, Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 463 e 637, considera que o objecto da propriedade horizontal "é parte de uma coisa autónoma, pois autónomo é o prédio e não o andar". A PH é um direito a uma parte da coisa; cada andar forma autonomamente um objecto de direitos, impondo-se pois o reconhecimento da existência de direitos a partes da coisa. Seguem-no, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1995, pág. 556 e Armindo Ribeiro Mendes, A propriedade horizontal no Código Civil de 1966, ROA, 1970, ano 30, pág. 64.

A fracção autónoma identifica-se com a parte própria, ou seja, com a parte do edifício objecto de propriedade exclusiva. Neste sentido, o Ac. da Relação de Évora, de 14/3/1996: "Constando do título aquisitivo de uma fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal que esta é constituída por um apartamento sito em determinado andar e por um lugar de estacionamento sito no rés-do-chão, este estacionamento, faz parte da fracção referida". Define-se assim a fracção autónoma como um todo unitário, que é mais do que o lugar destinado a habitação ou a outro fim. Uma fracção autónoma pode ser composta, por exemplo, por um apartamento com garagem e arrecadação.