Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/15/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - II



II – Diferentes Ruídos de Vizinhança.
 
Barulhos de habitação
 
A convivência sadia entre vizinhos/comproprietários é essencial para a coabitação em regime de propriedade horizontal. Sucede que, reiteradamente surgem problemas entre condóminos, pelos variados ruídos que se fazem sentir entre vizinhos. É o designado ruído de vizinhança. O DL nº 9/2007, de 17 de Janeiro, alterado e republicado pelo DL 278/2007, de 1 de Janeiro, conhecido por “Regulamento Geral do Ruído” (12) dá uma definição de ruído de vizinhança como “o ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança” (art. 3º al. r)).
 
Podem ser variados os barulhos de vizinhança, desde logo, o barulho do televisor, rádio, aspirador, do secador, aparelhos de cozinha e electrodomésticos, barulho de tacões sobre o piso, o arrastar de cadeiras, bater de portas, queda de objectos (propositadamente ou não), a projecção de voz no interior de cada fracção, música, entre outros (13).

Vem consagrado neste diploma no artigo supra mencionado, na respectiva al. p) o designado “período de referência” o qual caracteriza o intervalo de tempo a que se refere um indicador de ruído, de modo a abranger as actividades humanas típicas, nomeadamente:
  • o período diurno - das 7 às 20 horas; 
  • o período do entardecer - das 20 às 23 horas; e, 
  • o período nocturno -das 23 às 7 horas.
O período de referência permite estabelecer que o exercício de qualquer actividade ruidosa compreendida entre as 23h e as 07h aos sábados, aos domingos e em dias de feriado é estritamente proibida, excepto quando autorizada por licença especial de ruído concedida respectivo município, conforme art. 15º, e apenas quando preencha o art. 14º do diploma supra mencionado.
 
Nem todo o ruído de vizinhança pode e deve ser considerado como propositado, pois podemo-nos deparar com ruído de vizinhança, isto é, barulho provocado de forma inopinada, irreflectida, considerado pelo próprio como “norma” ou “hábito”, contudo, casos os há em que nem sempre assim ocorre. Nessa medida, o barulho provocado em horário compreendido entre as 23h e as 07h que seja considerado excessivo, desagradável e incomodativo deve pelo condómino ser evitado. Pode o condómino que se sinta incomodado pelo ruído provocado pelo outro condómino, pela sua intensidade, duração e repetição, solicitar que cesse esse mesmo barulho, em prol da saúde pública e tranquilidade da vizinhança. Se o condómino gerador de ruído, não o fizer, pode o condómino lesado, solicitar que as autoridades (14) interpelem o condómino gerador do ruído e o solicitem a cessação do mesmo.

O agente de autoridade constatando, a existência de ruído, precisamente pela intensidade e duração do mesmo, pode exigir a cessação do mesmo. Nestes casos, a análise da intensidade do ruído é aferida apenas pelo aparelho auditivo, sem recurso ao sonómetro, precisamente, pela intensidade, duração do mesmo e respectiva correlação com o horário em que o mesmo é praticado. Aqui se reflecte a prevalência do direito de personalidade, na medida do direito ao descanso, à tranquilidade e ao repouso, sobre o direito individual de propriedade.
 
Notas

(12) Revogando o regime legal da poluição sonora, aprovado pelo DL nº 292/2000, de 14 de Novembro.

(13) Segundo o Ac. do STJ de 02/07/09: “3. A actuação de quem, habitando o 1º andar de um prédio, produz ruído, propositadamente, a partir das 22 horas, batendo com um objecto tipo martelo ou actuando como tal, no soalho da sua habitação, ao longo das divisões, atirando com objectos pesados que produzem estrondo no chão e pondo o volume da aparelhagem sonora e da televisão em registo audível no rés-do-chão do mesmo prédio, impedindo tal ruído, pela sua intensidade, duração e repetição, os habitantes do rés-do-chão – um casal e duas filhas menores – de dormir, e obrigando-os, por vezes, a pernoitar fora de casa, em hotéis e pensões, viola o direito ao descanso e ao sono, à tranquilidade e ao sossego destes, que são aspectos do direito à integridade pessoal.
4. Se, em consequência de tal actuação, o casal e as duas filhas sofreram profundo sofrimento, angústia e dor, as menores mostravam agitação e terror de voltar para casa, a mulher passou a ter crises compulsivas de choro e a andar deprimida, sendo o seu quadro depressivo agravado por estar grávida, e o marido ficou angustiado e ansioso, e perdeu algumas deslocações profissionais ao estrangeiro pelo extremo cansaço decorrente da impossibilidade de dormir, estamos perante danos não patrimoniais que assumem gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.
5. A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está, precisamente no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitos integrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.”

(14) PSP ou GNR (aquela que estiver perto da área de residência). A título meramente exemplificativo, para requerer um pedido indemnizatório há que provar os danos, podendo para o efeito ser arrolado testemunhas ou proceder à junção do competente relatório da polícia municipal.
A este propósito, veja-se o Ac. TRL que condenou uma condómina a pagar uma indemnização de 7 500 euros ao vizinho do andar de baixo “Os ruídos desnecessários, que causem algum prejuízo a vizinhos, são sempre ilícitos, traduzindo no uso a normal do prédio, ou redundando em abuso de direito. São ilícitos os ruídos produzidos pela Ré na sua residência, situada no oitavo andar de determinado edifício, ao fazer uso de calçado ruidoso entre as 7h00 e as 8h00 de cada dia, e ao fazer uso de aspirador ao fim de semana, antes das 8h00, sempre sem qualquer necessidade, sabendo que isso perturba muito o descanso ou a tranquilidade dos vizinhos, sendo fundamento de responsabilidade civil.”Ac. TRL, 3.5.2018.
Ora, nos termos da lei, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Como tal, deve a ré cessar imediatamente a produção desses ruídos e, também, indemnizar os vizinhos pelos danos que entretanto lhes causou de forma consciente e voluntária.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Se pretender colocar questões, use o formulário de contacto.