Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/03/2023

Corrimão parte próprio ou comum?



Nos termos do art. 1421º, nº 1, alínea a), do Código Civil:
“São comuns as seguintes partes do edifício:
O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio”.
 
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, págs 416 a 417: “Não só o espaço geométrico, porém, constitui objecto do direito de propriedade. Tudo o que se contenha neste espaço e não seja considerado comum (pela lei ou pelo título constitutivo), pertence ao titular da fracção: paredes divisórias que não sejam paredes mestras, revestimento interior destas, revestimento das placas correspondentes ao chão (ladrinhos, tacos de madeira, etc.) e ao tecto de cada fracção autónoma, portas interiores, louças, banheiras e outros materiais dos quartos de banho, bancas de cozinha, etc. 
 
Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nestas existentes e as janelas, com tudo o que integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. Em sentido contrário, poderá dizer-se que, encontrando-se estes elementos implantados em paredes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica. 
 
Esta consideração, porém, conforme sublinham alguns autores (cfr., por exemplo, F. Aeby) peca por excesso de lógica, não ponderando devidamente a realidade. Com efeito, os elementos em questão, alguns de natureza muito frágil, estão sujeitos ao uso contínuo por parte dos utentes da fracção em que se integram, dependendo o seu estado, essencialmente, do modo como cada um se sirva dele e os conserve. Há toda a conveniência, por isso, em atribuir-lhes natureza privativa”. (no mesmo sentido, vide Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, Almedina, Fevereiro 2001, a págs 60 a 61). 
 
Entendendo que todo o revestimento do edifício é comum, tal como as varandas, vide Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, Principia Editora, Lda., 2ª edição, Fevereiro de 2007, a pág. 110.
 
Escreve o citado autor in “A Propriedade Horizontal”, Almedina 2019, a pág. 46: “Se se entender (como nos parece que se deve entender) que todo o revestimento dos edifícios é comum, nenhum condómino poderá, sem autorização do conjunto de condóminos, intervir (mesmo que essa intervenção não reentre nas proibições do nº 2 do art. 1422º) na parte exterior do edifício, mesmo “apenas” para aí colocar equipamento de ar condicionado, placas publicitárias, estendais de roupa, etc... Na doutrina, Jorge Alberto Aragão Seia (ob. cit. a pág. 72 e Sandra Passinhas (ob. cit., pág. 33) são claros na defesa de que todas as paredes exteriores (ainda que não mestras) são partes comuns.”. 
 
Ora, a figura da varanda entendida como “um prolongamento, normalmente, em suspensão, da edificação de que faz parte, desprovida de uma base de sustentação que a suporte” (vide a noção constante do acórdão do STJ de 15 de Maio de 2012 (relator Hélder Roque) e ainda a do acórdão do TRL de 2 de Julho de 2015 (relator Tomé Ramião), ambos publicados in www.dgsi.pt, revestirá, enquanto parte interior (chão) destinada à sua exclusiva utilização pelo condómino respectivo, a natureza parte própria da fracção autónoma pertencente ao condómino respectivo, e não parte comum objecto da compropriedade de todos os condóminos.
 
Escreve, sobre esta matéria, Henrique Mesquita, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, Ano XIII, a págs 112 a 113: “Sendo comuns as paredes mestras do prédio, e tudo o mais que constitua a estrutura deste (colunas, pilares, placas de cimento, telhado, terraços de cobertura, etc.) o direito de propriedade sobre as fracções autónomas como que fica esvaziado de conteúdo material. O seu objecto é fundamentalmente constituído, como salientam alguns autores, por um espaço geométrico, um volume ou um cubo de ar. Este espaço é erigido pelo legislador à categoria de objecto autónomo de direitos, com todas as consequências que daí resultam, em matéria de, v.g., alienação (mediante negócio jurídico inter vivos ou mortis causa), oneração (com direitos de gozo ou de garantia), penhora, expropriação, etc.”. 
 
E seguidamente, na nota 82, refere o mesmo autor: “Deverão considerar-se também propriedade do respectivo condómino a porta ou portas de acesso à fracção autónoma, as varandas ou sacadas nesta existentes e as janelas, com tudo o que as integra (caixilhos, vidros, persianas, etc.), pois trata-se de elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam. 
 
Em sentido contrário, poderá dizer-se que, estando estes elementos colocados em partes comuns, deverá caber-lhes a mesma natureza jurídica”. Trata-se portanto – a parte interior daquele espaço - de uma parte própria e não comum, como se nos afigura claro, inequívoco e indiscutível. 
 
Todavia, o gradeamento metálico (corrimão) que circunda a varanda, delimitando-a, não fazendo parte da zona interior desta, mas antes da sua parte exterior e destinando-se basicamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, tem, nessa mesma medida, uma objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular. 
 
Se a parte interior da varanda (chão), como parte privativa e simples prolongamento da sua própria fracção (com ela se confundindo indissociavelmente, inclusive do ponto de vista material), serve exclusivamente os interesses do respectivo condómino, já o equipamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, integrando-se de pleno na parte exterior dessa mesma varanda e do próprio edifício tomado enquanto unidade, não tem outra utilização definida e específica que não a de completá-la e circunscrevê-la, no âmbito próprio da respectiva fachada, em cuja visualização global se integra, coerente e harmoniosamente. 
 
Entendemos, por conseguinte, que tal gradeamento metálico – entendido nesta exacta perspectiva, isto é, enquanto elemento da parte exterior da varanda em causa e do prédio constituído em regime de propriedade horizontal - deverá receber a qualificação de parte comum do edifício, cuja responsabilidade pela manutenção e conservação impende sobre o Condomínio em geral e não sobre o condómino respectivo em particular. 
 
Ou seja, trata-se de um equipamento autónomo colocado da parte de fora da varanda – não se destinando propriamente a ser usufruído enquanto tal (isto é, enquanto local de disfrute, lazer ou distracção do condómino), mas a servir simplesmente de apoio protector a quem utilize tal espaço. 
 
Trata-se assim de um simples elemento estrutural de segurança, sem outro significado em termos do seu gozo e fruição por parte do condómino a quem cabe o uso exclusivo da respectiva varanda. 
 
Por esta razão o dever de manutenção e conservação do dito gradeamento metálico não é da responsabilidade dos condóminos que individualmente o utilizam, enquanto proprietários das fracções respectivas, mas do conjunto de todos eles enquanto Condomínio, entidade que ao mesmo deve estar atenta e pelo ele deve cuidar e zelar, uma vez que se integra arquitectónica na estrutura do edifício, comportando problemas de protecção e segurança que são indiscutivelmente comuns, sem descurar, todavia, que é ao condómino da fracção respectiva que incumbe, em especial e compreensivelmente, o acrescido dever de sinalizar e diligenciar pela rápida e pronta superação de qualquer problema urgente que detecte neste espaço de edifício. 
 
Esta qualificação jurídica da parte exterior da varanda como parte comum, da responsabilidade de manutenção e conservação a cargo do condomínio, não tem a ver, propriamente e em rigor, com a obrigação de cada um dos condóminos de respeitar a arquitectura e a estética do edifício, em termos da aparência da respectiva fachada, a qual não recai apenas sobre as partes comuns do prédio, mas que se impõe imperativamente às modificações (ditas inovações – cfr. art. 1425º do CC) que cada um dos condóminos tente operar nas suas partes privativas. 
 
O art. 1422º, nº 2, al. a), do CC, onde se consigna que “É especialmente vedado aos condóminos (...) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”, reporta-se igualmente – ou mesmo em especial - às obras que venham a ser introduzidas nas partes próprias da titularidade exclusiva de cada condómino. 
 
Daí não poder subscrever-se o argumento constante da decisão recorrida no sentido de que “o gradeamento de uma varanda, na propriedade horizontal é propriedade dos condóminos” uma vez que “o direito de alterar ou modificar esse gradeamento cabe à comunidade, e não apenas ao proprietário desse andar, a quem está vedada a possibilidade de o alterar a seu belo prazer, sob pena de subverter a fachada do prédio”, tratando-se “de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de elemento estético da fachada do imóvel que, no interesse colectivo, exerce em relação a toda a construção”. 
 
Tal circunstância trata-se, ao invés, de uma obrigação de natureza geral que impende sobre todos e cada um dos condóminos com referência, precisamente, às suas partes próprias, relativamente às quais existirá, à partida, a possibilidade e a maior facilidade de – por serem da sua titularidade exclusiva – introduzirem as modificações que bem lhes aprouver. 
 
O que acontece é que tal gradeamento metálico (corrimão) pertencente à parte exterior da varanda e inerente à configuração física de todo o prédio tomado como uma unidade, bem como à sua imagem visual própria aprovada pelas entidades oficiais competentes, deverá qualificar-se juridicamente como elemento pertinente à própria estrutura do prédio, concretamente à fachada e às suas paredes exteriores. 
 
Logo, constitui, a nosso ver, uma parte comum do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, em termos da responsabilidade pela sua manutenção e conservação, não obstante se encontrar, como é óbvio, totalmente afecto ao uso exclusivo do condómino titular dessa mesma fracção, com exclusão de todos os demais, que nem sequer à mesma têm acesso, uma vez que a parte interior e exterior da varanda são, em si, materialmente indissociáveis.
 
O que significa que a respectiva obrigação de manutenção e conservação competia ao condomínio e não ao condómino. (Neste mesmo sentido, vide a seguinte jurisprudência:
- acórdão do STJ de 18 de Março de 1986 (relator Lopes das Neves), cujo sumário é do seguinte teor: “o condomínio deve contribuir para as despesas de conservação e reparação do prédio, certo é que as varandas, na sua parte exterior, são partes comuns”.
- acórdão do TRP de 13 de Março de 2012 (relator Vieira e Cunha), publicado in www.dgsi.pt, onde se referencia as obras realizadas como denominadas “frente das varandas” como partes comuns.
- acórdão do TRL de 7 de Março de 1985 (relator Calixto Pires), cujo sumário está publicado in www.dgsi.pt, nos seguintes termos: “As varandas, como componentes da fachada do edifício, são comuns. O que da varanda está exclusivamente ao serviço do condómino proprietário da fracção que dá acesso é a sua base, a sua parte interior. Sendo as obras, a reparar nas varandas, consistentes em fendas pronunciadas, resultantes, não do uso normal, mas de deficiència na construção das paredes externas, todos os condóminos devem participar no custo das mesmas, na proporção do valor das suas fracções”. 
 
Em sentido contrário – e amplamente minoritário – vide o acórdão do TRL de 19 de Abril de 1995 (relator Silva Caldas), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano III, tomo II, páginas 44 a 46).

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