Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/09/2023

Os animais e o regime português da PH - As regras de vizinhança

As regras de vizinhança

É pacificamente aceite entre nós que as regras gerais do direito de vizinhança se aplicam não só a prédios independentes, mas também às fracções autónomas de um edifício constituído em propriedade horizontal. 

As restrições de vizinhança são restrições derivadas da necessidade de coexistência (68), que visam regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, “em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em vista da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos de vizinhança” (69).

Nos termos do art. 1346º, o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel (sublinhado nosso) ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. 

Tal como vimos acima, deter um animal numa fracção autónoma cai no âmbito de uma utilização normal desta, logo, o conflito de vizinhança só pode ser concebido como resultante de cheiros ou ruídos provocados por animais que causem um prejuízo substancial para o prédio vizinho. 

Como diz MANUEL HENRIQUE MESQUITA (70), “o prejuízo deverá ser aferido pelo fim a que esteja afectado o imóvel e não pelas condições especiais em que porventura se encontre o respectivo proprietário”. Assim, o dono de uma casa de habitação não pode opor-se aos ruídos que emanem de outro prédio, se “tais ruídos não prejudicarem substancialmente o uso do prédio e apenas tiverem essa consequência no caso concreto, pelo facto de o respectivo proprietário se encontrar doente”. 

O âmbito de protecção do art. 1346º realiza-se ou especifica-se naquelas situações em que, por exemplo, o barulho provocado por animais detidos numa fracção autónoma impede ou prejudica substancialmente (71) o funcionamento de outra fracção, por exemplo, como clínica médica ou como um centro para idosos. 

Estamos no âmbito da predialidade, do prejuízo causado ao uso de um imóvel vizinho (e não no âmbito da pessoalidade, do prejuízo causado por um prédio a alguém que se encontra num prédio vizinho).

Notas:

(68) Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Direitos Reais, Lições publicadas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, pol., Coimbra, 1972, pág. 244.

(69) PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, anot. ao artigo 1305.º, vol. III, pág. 95, 4. 

(70) Direitos Reais, págs. 142 e 143.

(71) Nas palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1346.º, pág. 178, 5, exigindo-se prejuízo substancial, põem-se de lado as emissões que produzam um dano não essencial.

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