Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/15/2023

(Con)vivência vs barulho da vizinhança - III


Diferentes ruídos de vizinhança
 
Doença
 
Situações melindrosas existem quando o condómino se encontra em situação de doença e se depara com ruídos de vizinhança. Nestes casos, a lei não refere qualquer impedimento ao ruído de vizinhança no período compreendido entre as 07h e as 23h, caso inverso ao período de referência entre as 23h às 07h.Encontrando-se um condómino em situação debilitada, recai uma vez mais sobre condómino gerador de ruído o cuidado sobre os barulhos que gera (15).

Ainda assim, sentindo-se o condómino incomodado, tem o direito de solicitar a intervenção das autoridades, sendo atribuído pelas mesmas um prazo para fazer cessar o respectivo ruído de vizinhança. Nestes casos, não estamos perante uma contra-ordenação, mas sim perante uma simples infracção, que é aferida pelo incómodo provocado, quer pela sua intensidade, duração e repetição, proveniente da falta de cuidado, e em prol da sã convivência e urbanidade que deve existir na relação de vizinhança.

Notas

(15) Discorre do Acórdão do TRL, Processo nº 2427/15.4T8LSB.L1-2, de 03-05-2018, relator Farinha Alves: “No caso dos autos, estão em causa os ruídos produzidos pela Ré na sua casa de habitação, entre as sete e as oito de cada dia, especialmente ao andar com calçado ruidoso em pavimento de tijoleira e ao fazer, esporadicamente, uso do aspirador. Sabendo que isso incomoda os vizinhos, em particular os AA., porque a insonorização do prédio é má e porque lhe foi evidenciado pelos AA., que esses ruídos eram muito perturbadores do seu descanso. 
(...) Resultando também da prova produzida que a Ré tinha conhecimento de que a Autora padecia de doença do foro oncológico, e, nesse período, fez tratamentos, pelo menos de quimioterapia. E o ruído do aspirador era perfeitamente evitável naquela hora, deixando para mais tarde a tarefa de aspirar. E os ruídos dos passos podem ser substancialmente atenuados, fazendo uso de calçado não ruidoso e colocando tapetes/passadeiras nas zonas de circulação. 
(...) Assim, a Ré, entre as 7H00 e as 8H00 de cada dia utiliza na sua residência, calçado ruidoso, e ao fim de semana, também antes das 8H00, faz uso de aspirador, em qualquer dos casos, sem qualquer necessidade, e sabendo que isso perturba muito o descanso ou a tranquilidade dos vizinhos. Ora, nos termos do art. art.483º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 
No caso, a Ré permite-se produzir ruídos, inteiramente evitáveis, ao menos naquela hora, sabendo que, com isso está a perturbar o descanso dos AA.. Ou seja, aqueles ruídos são produzidos pela Ré de forma consciente e voluntária, e sem causa justificativa, sabendo a Ré que, com eles está a lesar a tranquilidade dos AA, nos termos bem evidenciados nas diligências que estes realizaram para tentarem fazê-los cessar. Ora, como observam Pires de Lima e Antunes Varela no seu CC Anotado, III Vol., 2.ª edição, em anotação em anotação ao art. 1346º, os ruídos desnecessários, que causem algum prejuízo aos vizinhos, são sempre ilícitos, traduzindo uso anormal do prédio, ou redundando em abuso do direito. Assim a produção daqueles ruídos, procedendo de ato voluntário da Ré, é ilícita.
No mesmo sentido se pronunciou, entre outros o acórdão do STJ invocado pelo Recorrente, proferido no processo nº 161/05.2TBVLG.S1, disponível em www.dgsi.pt, , em cujo sumário se pode ler: «6. O ruído, afectando a saúde, constitui não só uma violação do direito à integridade física, como do direito ao repouso e à qualidade de vida. Direitos que, no seu cotejo com o de exercício de uma actividade comercial ou industrial se lhe sobrepõem e prevalecem, de acordo com o artigo 335.º do Código Civil. 
7. A emissão de ruídos, desde que perturbadores, incómodos e causadores de má qualidade de vida, e ainda que não excedam os limites legais, autorizam o proprietário do imóvel que os sofre a lançar mão do disposto no art. 1346º do CC, que só deve suportar os que não vão para além das consequências de normais relações de vizinhança. 
8. A apreciação da normalidade deve ser casuística, tendo como medida o uso normal do prédio nas circunstâncias de fruição de um cidadão comum e razoavelmente inserido no núcleo social. 
9. Sendo ilícita a emissão de ruídos recai sobre o poluidor sonoro o dever de indemnizar nos termos dos art. 483º e 487º do CC.» (...)”, http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/14c315b6719afe4c802582a600381679?OpenDocument. 
Neste sentido, também o TRL, Processo 7091-10.4TBCSC.L1-6, de 07-04-2016, relatora Maria Manuela Gomes,“3.2.3. “In casu”, demonstrou-se que a Ré mantém na sua casa de habitação, um segundo andar direito, toques de piano, repetidos (por, na maioria, de solfejo e repetição de escalas - “sempre as mesmas músicas” “sempre a mesma coisa”), acompanhados de marcação do ritmo mediante o bater do pé no chão. Mais se provou que a situação, arrastada no tempo (por mais de quatro anos) perturba o Autor – que vive no 1º andar do mesmo lado – e sofre de doença psicótica agravada, por estado depressivo, exaustão emocional, cefaleias e humor deprimido. A Ré tinha conhecimento desse facto e que o Autor trabalhava em casa, como consultor económico-financeiro. 
(...) De um lado, o de repouso do Autor, potenciado por ser portador de uma patologia psíquica [nervosa]. De outra banda, o “jus fruendi” da Ré, ao permitir que sua filha toque piano em casa, instrumento que está a aprender e do qual tem lições, em escola de música, mas que consabidamente deve praticar. Arredando a parte do acompanhamento do ritmo com os pés - manifestamente abusivo, sabendo que há moradores no piso inferior e que o som se propaga do seu soalho ao tecto do vizinho, prática que terá de cessar (porque não a utilização do metrónomo de Winkel, em vez do “sapateado”?), vejamos agora o conflito de direitos, que se perfila. 
(...) Como se refere no Acórdão do STJ de 18.12.2008 – proc. nº 08A2680 – “O Prof. Menezes Cordeiro conceptualiza-a [referindo-se à colisão de direitos] em sentido amplo, (“haverá colisão de direitos quando um direito subjectivo, na sua configuração ou no seu exercício, deva ser harmonizado com outro ou com outros direitos”) e em sentido estrito (“ocorre sempre que dois ou mais direitos subjectivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si.”) apud “Da Colisão de Direitos”, in “O Direito”, 137, 2005, 38; cfr. ainda, Dr.ª. Elsa Vaz de Sequeira, “Dos pressupostos da colisão de direitos no Direito Civil” (2004). 
(...) Ora, na situação em apreço, tal colisão existe. E embora, o direito ao repouso –sobretudo de pessoa doente e a trabalhar –deva prevalecer sobre lições e prática de piano de um vizinho, cremos ser possível a conciliação, em termos hábeis e de equidade. Assim, parece-nos razoável que a Ré só autorize que se toque piano na sua residência, nos dias úteis entre as 10 às 18 horas e nos sábados, domingos e feriados entre as 12 às 20 horas. Sempre, contudo, por um período não superior a 2 horas por dia. E o piano não poderá, como se disse, ser acompanhado, ou seguido, de bater de pés. Quanto ao pedido de indemnização, vistos os factos provados, considera-se que o Autor sofreu um dano patrimonial (despesas médicas e medicamentosas) e não patrimonial (sofrimento por privação de tranquilidade e agravamento da sua patologia).
(...) Efectivamente, na linha do Acórdão do STJ de 19.10.2010 – proc. nº 565/1999.L1.S1 -entendemos que: “Pressuposto essencial da colocação de qualquer questão de responsabilidade civil e obrigação de indemnização é a existência de um dano. “Sem ele, isto é, sem que ocorra um prejuízo resultante da lesão de um bem, direito ou interesse juridicamente protegido, não tem cabimento falar-se de responsabilidade, qualquer que tenha sido a natureza e efeitos da conduta do agente. 
“No caso, emerge a lesão de bens imateriais, com protecção jurídica a nível da Lei Fundamental e com tutela na lei ordinária. “Ali, em conformidade com os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consagram-se o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, acolhe-se, como direito fundamental, a inviolabilidade moral e física das pessoas e reconhece-se a todos os cidadãos o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender - arts. 24° da DUDH, 8º da DEDH e 1º, 25º/1 e 66º/1 da CRP. 
“Além disso, o Código Civil estabelece que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral, prevendo a responsabilidade civil dos autores das ofensas, sendo que, como é entendimento comum, o preceito abrange direitos como o direito à vida, à integridade física, à honra e bom nome, “à saúde e ao repouso essencial à existência física” - art. 70º-1 (cfr. Pires de Lima e A. Varela, “C Civil, Anotado”, I, 4ª ed. 104). (...) Inquestionado, e inquestionável, pois, que o Autor sofreu os referidos danos provocados pela actividade ruidosa levada a cabo pela Ré, consubstanciados e decorrentes da perturbação do descanso e do trabalho. Concorrente, também, ante a violação dos direitos pessoais dos Autores, o carácter ilícito da actuação da Recorrida. (...)”, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/BC7E791CCBB3568880257FA1002D482A

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