Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/03/2023

Responsabilidade despesas conservação corrimão



Fazendo a varanda parte integrante da fracção autónoma respectiva, conforme resulte do título constitutivo da propriedade horizontal, a mesma assume a qualidade parte própria, no que respeita à sua parte interior (incluindo o chão).

O gradeamento metálico (corrimão) que a circunda, pertencente à parte exterior da mesma varanda, delimitando-a e destinando-se exclusivamente a prevenir a segurança dos respectivos utentes, revela, nessa mesma medida, objectiva e directa correspondência física com a fachada do edifício constituído no regime de propriedade horizontal, bem como com o seu traço arquitectónico próprio e singular.

Pelo que, ao invés da parte interior da varanda (chão), enquanto parte privativa e simples prolongamento da fracção (com ela se confundindo indissociavelmente inclusive do ponto de vista material), o equipamento de gradeamento metálico (corrimão) que a delimita e “fecha”, deve ser qualificado como parte comum do prédio, incumbindo a responsabilidade pela sua manutenção e conservação ao Condomínio em geral.

Havendo perfeita e absoluta consciência do foco de perigo que pode existir numa varanda, isto é, uma eventual instabilidade do gradeamento metálico (corrimão), o qual se destina precisamente a resguardar e proteger a integridade física dos respectivos utentes obstando a que viessem a cair, desemparados, para o exterior, deve o proprietário alertar de imediato a administração para o problema, porquanto sobre este impende o dever de zelar individualmente pela segurança daquele espaço, atentando que pertence a cada um dos proprietários das fracções o dever de expor por escrito a sua situação particular (referente à instabilidade do dito gradeamento metálico) de forma a ser analisada com a atenção e os cuidados que serão devidos; e sendo ainda o proprietário o principal interessado em que tal problema se resolva com a urgência que a existência de um foco de perigo desta natureza exige – para sua defesa e de terceiros -, o mesmo pode e deve desenvolver, na omissão ou impossibilidade de uma pronta intervenção, efectuar as diligências ou tomar as providências no sentido de corrigir a situação.

Se parente o problema, o proprietário não tomar qualquer providência ou efectuar qualquer diligência no sentido de reparar o defeito, tal postura de facilitismo por parte deste condómino concorre significativamente, em termos culposos, em um eventual trágico desfecho, a que acresce o facto de, a ser premente a reparação do dito gradeamento, sempre o próprio condómino, actuando preventivamente, poderia realizar motu proprio as intervenções que tivesse por adequadas, responsabilizando de seguida o Condomínio pelo pagamento do inerente custo, nos termos gerais do art. 1427º do Código Civil.

Acresce resalvar que a sua própria qualidade de condómino, e nessa medida comproprietário das partes comuns do prédio, obriga-se este a manter-se particularmente vigilante e activo quanto à sanação de qualquer vício no corrrimão, sendo certo que este se trata da pessoa que se encontra em melhores condições para aperceber-se da gravidade da situação e agir prontamente em termos preventivos.

Perante o estado de degradação e a notória ausência de segurança de um gradeamento metálico, ao proprietário da fracção autónoma é-lhe perfeitamente exigível que evite de todo a aproximação a esse espaço – inclusive que não se utilize -, e em especial que ninguém se apoie nesse gradeamento em estado de conservação tão periclitante, que a acontecer – ainda que em circunstâncias não concretamente apuradas – pode alguém efectivamente fazê-lo e a sofrer as consequência trágicas associadas à respectiva cedência ao seu peso e subsequente projecção para o exterior com violenta e desemparada queda no solo e que se pode revelar fatal.

À luz destes ensinamentos, a responsabilidade pela reparação de um corrimão, enquanto parte comum, impende sobre o condomínio. Se a reparação se considerar indispensável e urgente, pode e deve o proprietário, com fundamento no art. 1427º do CC, providenciar a reparação, imputando posteriormente as despesas à administração. Se assim não proceder e enquanto a administração não proceder à competente reparação, deve o proprietário diligenciar no sentido de vedar todo e qualquer acesso à varanda, sob pena de responder por qualquer fatalidade que ocorra.

Todo este conjunto de circunstâncias revelam que tanto a conduta do proprietário da fracção, é relevante para a verificação de um evento lesivo, para o mesmo contribuindo culposamente, pelo que deve proceder-se a uma redução adequada, ao abrigo do comando geral consignado no art. 570º, nº 1, do Código Civil, na indemnização a atribuir, decorrente da responsabilidade do condomínio pela manutenção e conservação daquela parte comum. 
 
Dispõe o art. 570º, nº 1, do CC: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Conforme refere Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações. Programa 2010/2011. Apontamentos”, AAFDL 2010/2011, a páginas 170 a 171: “Atendendo ao disposto no artigo 570º é necessário que:
-exista culpa do lesado, pelo que não se aplica quando se estiver perante uma causa de exclusão, por exemplo, desculpabilidade;
-tenha havido uma omissão de diligência para evitar ou reduzir os danos;
-o lesante prove a culpa do lesado (artigo 572º).” 

Escrevem, sobre a questão do nexo causal entre o facto e o dano, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pag. 578: “ A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada – que Galvão Telles formulou nos seguintes termos : “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” ( ... ) 

Vaz Serra ( ... ) afirma igualmente : “ Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física, ou de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar. “. 

Vide ainda, sobre o mesmo tema, José Carlos Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, páginas 615 e 635 a 640, onde este insigne enfatiza que: “A figura nebulosa e heterogénea da “assunção do risco“, traduz, essencialmente, a atitude do lesado de se expor conscientemente a um perigo típico ou específico conhecido, sem a isso ser obrigado, mas conservando a esperança de o perigo não se concretizar em dano.
(...) Mesmo que se queira autonomizar a “ assunção “, ( ... ) não se pode esquecer que, na exposição ao perigo, o potencial lesado não se conforma antecipadamente com a possibilidade danosa.
( ... ) Sendo, pois problemática, a defesa de um círculo próprio de relevância da “assunção de risco”, quem sufragar a sua natureza bifronte não poderá esquecer que, na maioria dos casos, a conduta do potencial lesado relevará como forma patente de culpa, em concurso com o facto do lesante, e, portanto, sujeita ao tratamento flexível daquele normativo.
( ... ) A articulação do conhecimento e da exposição consciente ao perigo com a possibilidade-previsibilidade de ocorrer certo dano, ligado adequadamente à conduta e à falta de cuidado no não afastamento do perigo, com prejuízo para os bens do lesado, pode configurar um quadro concursal – pressuposta a responsabilidade do criador do perigo – que nos dirige para o critério fixado no artº 570º, nº 1, e para uma avaliação global da situação danosa.
( ... ) O caso mais interessante ( ... ) é o da entrada não autorizada num espaço não isento de perigosidade. O normal desconhecimento do perigo concreto existente, bem como o facto de o eventual lesado não prever a ocorrência do dano, se coloca obstáculos à afirmação categórica de uma culpa, não parece infirmar, contudo, que se venha a imputar todo o dano ao prejudicado, atento o perigo abstracto envolvido na conduta (com o “ salto no desconhecido “) e a consciência, mesmo que difusa, de uma possibilidade real e não remota de ocorrer algum dano. Essa percepção, que não se confunde com a intuição, e que é mais ou menos intensa, em função dos sinais de alerta existentes, pode, sem grandes dificuldades, vir a traduzir-se num juízo de culpa do lesado, justificado pela factualidade do caso e por uma avaliação mais global da hipótese danosa. É claro que esse juízo de culpa (ou a verificação de uma “ assunção de risco “ culposa) não será duvidoso se o intruso tiver deparado com um aviso indicador do perigo efectivo existente ou se o perigo for notório.
( ... ) Se quisermos traduzir numa síntese impressiva o quadro factual a que não conduz a exclusão da responsabilidade, mas que suscita a aplicação ponderada do artigo 570º, nº 1, há que dizer que lidamos com uma hipótese danosa que deriva da interferência recíproca de duas condutas culposas, ou em que o perigo existente, ultrapassando o grau de aptidão danosa normal ou típica, não encontra uma resposta adequada por parte do eventual lesado, o qual actualiza, sem necessidade, e com a sua atitude imprevidente ou temerária, aquele perigo.
( ... ) Atendendo ao perigo criado, à manifesta desproporção entre o perigo assumido e o interesse procurado e à previsibilidade, não afastada, de vir a ocorrer uma dano, a sedes natural de resolução da hipótese danosa é, sem dúvida, e como o entende a nossa doutrina, a do artº 570º, nº 1, com o efeito relevante de também aqui se colocar a questão da maior ou menor flexibilidade do preceito, da sua “justiça concreta”, maxime no tocante ao tratamento desculpabilizante das culpas leves do lesado“.
 
Salienta sobre esta mesma temática, Luís Menezes Leitão in “Direito das Obrigações”, Volume I, Novembro de 2010, a página 342: “O regime de culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade civil subjectiva, uma vez que, não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em relação à conduta do lesante, não seria justificado obrigá-lo a indemnizar todos os danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efectuar uma ponderação de ambas as culpas e das consequências que delas resultaram, sendo em função dessa ponderação que se estabelecerá a indemnização. Para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando a mera concausalidade da sua conduta em relação aos danos”. (vide, ainda, sobre esta temática, Prof. Luís Cunha Gonçalves, in “Tratado de Direito Civil”, Vol. XII, pags. 774 a 779 ; Prof. Vaz Serra, in “Conculpabilidade do Prejudicado”, in BMJ nº 86, pags. 140 a 142). 

Pode ler-se, a este propósito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 1995, publicado in BMJ nº 443, pags. 366 a 373, com particular acuidade: “Compreende-se que a concorrência de culpas possa influir na indemnização por imperativos de justiça. 

Mas, assim como a culpa do lesante assenta num prévio nexo de causalidade entre o facto e o dano, também a culpa do lesado deve ser causalmente adequada à existência do evento.  Há-de pois ocorrer paralelamente uma concausalidade.
 
O nexo de causalidade encontra a sua expressão legal no artº 506º, segundo o qual a indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
 
A doutrina dominante encontra expressa a teoria da causalidade adequada, a qual selecciona dentre as várias condições que produzem o resultado danoso aquelas que justificam juridicamente a sua atribuição a determinadas pessoas, segundo um critério objectivo e abstracto de normalidade ou probabilidade para produzir o dano, de harmonia com a experiência da vida.
 
Dentro desta concepção há uma formulação dita positiva (mais restrita) no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente) ; e uma fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se teria produzido por circunstâncias anómalas ou excepcionais (não conhecidas do agente)”.
 
Conforme se salienta igualmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1998, publicado in BMJ nº 475, pags. 635 a 648 : “Pode, assim, afirmar-se que a causa juridicamente relevante será a causa em abstracto adequada ou apropriada à produção desse dano segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do lesante e que pode ainda sem vista, numa formulação negativa, que apenas exclui a condição inadequada, pela sua indiferença ou irrelevância, verificando-se então o efeito por força de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias “. 

Sobre o mesmo tema, vide ainda, entre muitos outros: 

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2018 (relatora Graça Amaral), publicado in www.dgsi.pt. 

-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018 (relator Tomé Gomes), publicado in www.dgsi.pt., onde se sublinha que “para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, a conduta ilícita e culposa imputada a este se mostre causal da produção do acidente, à luz da consabida teoria da causalidade adequada, ou seja, que se revele como causa típica desse resultado”.
 
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2018 (relatora Maria da Graça Trigo), publicado in www.dgsi.pt.
 
-o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2009 (relator Nuno Cameitra), publicado in www.dgsi.pt, onde se enfatiza: “Como observa o Prof. Mário Júlio Almeida Costa, a formulação legal “afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura”. O que significa, ainda segundo este Autor, que “a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos”. Na mesma linha de pensamento, o Prof. Antunes Varela, analisando este preceito legal em anotação a um acórdão do STJ, escreveu o seguinte: “A lei e os autores, aludindo ao facto culposo do lesado como pressuposto da diminuição ou exclusão da indemnização, querem manifestamente afastar os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável. Censura ou reprovação, não por ter havido omissão da diligência imposta para tutela de um interesse alheio. Mas por ter havido negligência, imprevidência, imperícia em prejuízo do próprio, independentemente portanto da violação ou ofensa do direito ou interesse alheios ”. E logo a seguir, pronunciando-se sobre o fundamento técnico-jurídico da solução consagrada neste preceito legal, este mesmo autor ensina que ela se explica à luz de “um critério de justiça, baseado na reprovabilidade ou censurabilidade da conduta de ambos os participantes no facto danoso ou no dano em causa”. O artº 570º, nº 1, manda atender exclusivamente à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências delas resultantes. Contrariamente ao que se afirma na sentença (fls 1172), não é permitido o julgamento segundo a equidade (artº 4º do CC). Na verdade, a solução segundo a equidade é a solução de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, e não com quaisquer injunções, mesmo indirectas, do sistema jurídico; quando decide segundo a equidade o juiz não o faz segundo uma norma (geral e abstracta), mas sim considerando, justamente, aquelas particulares circunstâncias da situação a julgar . No caso presente as coisas não se passam assim. Há uma regra de direito estrito a aplicar. E é de notar que os dois factores têm que ser considerados pelo julgador para decidir, quer se a indemnização deve ou não ser reduzida, quer para fixar o montante da redução, caso seja afirmativa a resposta à primeira questão”.

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