O regulamento do condomínio
Tal como o título constitutivo, também os regulamentos são uma
expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do
direito real de PH, completando e adaptando o regime legal, ou
substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo (30). O regulamento do
condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a
disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício
(31) e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer
todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre
uma fracção autónoma, v.g., arrendatários (32), promitentes-compradores,
comodatários.
O CC faz referência ao regulamento do condomínio
em duas disposições: no art. 1418º, nº 2, e no art. 1429º-A, ambos com a
redacção que lhes foi dada pelo DL 267/94, de 25 de Outubro. Segundo o
art. 1418º, nº 2, al. b), o título constitutivo pode conter um
regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação,
quer das partes comuns, quer das fracções autónomas. Nos termos do art.
1429.º-A, “havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do
título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio
disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns”. A
feitura deste regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao
administrador, se aquela não o houver elaborado (33).
O título
constitutivo é, em geral, uma declaração unilateral do proprietário, ou
uma sentença do juiz, em que se exprime a vontade ou a decisão de
sujeitar o edifício ao regime da PH e em que são estabelecidos os
poderes dos condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes
comuns, sendo, assim, um acto modelador do estatuto da PH. A assembleia
de condóminos e o administrador são, nos termos do art. 1430º, nº 1, os
órgãos administrativos a quem cabe a disciplina do uso, fruição e
conservação das partes e serviços comuns.
O regulamento
previsto no art. 1418º, nº 2 e o regulamento previsto no ary. 1429º-A
podem coexistir, porque têm, ou podem ter, conteúdos diferentes. O
regulamento a conter no título constitutivo tem, à partida, um conteúdo
mais amplo do que o regulamento a elaborar pela assembleia de condóminos
ou pelo administrador: pode disciplinar o uso, a fruição e a
conservação, quer das partes comuns do edifício, quer das fracções
autónomas do prédio constituído em PH.
O art. 1429º-A refere-se ao
regulamento do condomínio como aquele que disciplina o uso, fruição e
conservação das partes comuns do edifício; este é o regulamento de
condomínio propriamente dito, que incide sobre matérias que cabem na
competência dos órgãos administrativos, e que têm um âmbito decisório
limitado: não alteram a distribuição de poderes entre os condóminos, mas
apenas disciplinam o exercício desses mesmos poderes pelos seus
titulares (v.g., o regulamento pode incidir sobre a abertura e fecho da
porta da rua, dispor regras sobre a utilização do elevador, sobre os
cuidados a ter com o jardim comum, sobre a forma de acesso e de
utilização das instalações ou espaços comuns, como arrecadações, sótãos,
garagens ou piscina).
As normas que incidam sobre este núcleo
mínimo de matérias —uso, fruição e conservação das partes comuns do
edifício — têm carácter regulamentar, e podem ser alteradas por maioria
dos condóminos. A disciplina das partes comuns de um edifício
constituído em PH resolve problemas e necessidades que variam
constantemente e, por isso, foi-lhe fixado um regime decisório expedito,
de deliberação maioritária em assembleia, ou por decisão do
administrador.
Quanto à modificabilidade, o regulamento contido
no título constitutivo, formalizado por escritura pública e sujeito a
registo segue as regras gerais: nos termos do art. 1419º, nº 1, só pode
ser modificado havendo acordo de todos os condóminos, também por
escritura pública. O regulamento aprovado pela assembleia ou elaborado
pelo administrador é modificável por deliberação simples da assembleia
de condóminos, desde que regularmente constituída.
Em resumo,
segundo o art. 1418º, nº 2, b), o regulamento do condomínio a inserir no
título constitutivo pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação,
quer das partes comuns quer das fracções autónomas. Este regulamento
participa definitivamente na natureza do título constitutivo, modelando o
direito de cada condómino sobre a sua fracção autónoma. Por exemplo, o
regulamento inserido no TCPH pode estabelecer a proibição da colocação
de vasos de flores nas varandas, da secagem da roupa em determinados
dias ou em determinadas partes do edifício, ou da detenção de animais de
companhia nas fracções autónomas, definindo assim o direito de
propriedade de cada condómino.
O regulamento, stricto sensu, é
um instrumento de gestão das partes comuns do edifício (34). A
assembleia de condóminos ou o administrador não podem decidir sobre o
uso das fracções autónomas, salvo nos casos especiais previstos na lei
(cfr. art. 1422º, nº 2 a 4; 1422º-A, nº 3, 1428º e 1429º e art. 5º, nº
2, do DL 268/94, de 25 de Outubro), logo o regulamento elaborado pela
assembleia de condóminos não pode proibir a detenção de animais numa
fracção autónoma (35).
Notas:
(30) Como nos diz EDUARDO VÁZQUEZ BOTE, “La propiedad horizontal en Derecho puertorriqueño”, RCDI, LXVIII (Mar-Abril 1992), 609, pág. 379, para a propriedade horizontal existe um conjunto normativo simultaneamente autónomo e heterónomo.
(31) Na definição de GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile de ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 2.ª ed., livro III, pág. 479, o regulamento é a lei interna que organiza e articula a vida do grupo; também para NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág. 5, o regulamento constitui a lei interna que organiza e articula a vida de um grupo social, no âmbito de um edifício pertencendo a vários sujeitos jurídicos que têm a propriedade das várias fracções, os condóminos.
(32) Nos termos do art. 3º, al. f), do DL 160/2006, de 8 de Agosto, o contrato de arrendamento deve mencionar a existência de um regulamento de propriedade horizontal, se o houver.
(33) Note-se que a assembleia de condóminos, como órgão deliberativo do condomínio, pode sempre e em qualquer altura deliberar sobre o regulamento de condomínio, alterando-o ou substituindo-o integralmente por outro, ainda que tenha sido elaborado pelo administrador.
(34) Como lapidarmente decidiu a Cassação italiana, 4.12.1993, n. 12028 in Arch. Locazioni, 1994, 798, se o regulamento que proíbe ter cães (ou outros animais) no apartamento em edifícios condominiais não tem natureza contratual (muito grosso modo, o regolamento contrattuale italiano corresponde ao nosso regulamento contido no título constitutivo) não pode considerar-se eficaz a proibição nessa matéria aprovada pela maioria dos condóminos, sendo necessário o consenso de todos.
(35) É inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição. Assim decidiu o Tribunal de Karlsruhe (OLG Karlsruhe WE 1988, 96, citado por HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 306), que considerou inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição, ainda que implícita.
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