Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/06/2023

Os animais e o regime português da PH - O regulamento

 O regulamento do condomínio

Tal como o título constitutivo, também os regulamentos são uma expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de PH, completando e adaptando o regime legal, ou substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo (30). O regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício (31) e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fracção autónoma, v.g., arrendatários (32), promitentes-compradores, comodatários.

O CC faz referência ao regulamento do condomínio em duas disposições: no art. 1418º, nº 2, e no art. 1429º-A, ambos com a redacção que lhes foi dada pelo DL 267/94, de 25 de Outubro. Segundo o art. 1418º, nº 2, al. b), o título constitutivo pode conter um regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas. Nos termos do art. 1429.º-A, “havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns”. A feitura deste regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela não o houver elaborado (33). 

O título constitutivo é, em geral, uma declaração unilateral do proprietário, ou uma sentença do juiz, em que se exprime a vontade ou a decisão de sujeitar o edifício ao regime da PH e em que são estabelecidos os poderes dos condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes comuns, sendo, assim, um acto modelador do estatuto da PH. A assembleia de condóminos e o administrador são, nos termos do art. 1430º, nº 1, os órgãos administrativos a quem cabe a disciplina do uso, fruição e conservação das partes e serviços comuns.

O regulamento previsto no art. 1418º, nº 2 e o regulamento previsto no ary. 1429º-A podem coexistir, porque têm, ou podem ter, conteúdos diferentes. O regulamento a conter no título constitutivo tem, à partida, um conteúdo mais amplo do que o regulamento a elaborar pela assembleia de condóminos ou pelo administrador: pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação, quer das partes comuns do edifício, quer das fracções autónomas do prédio constituído em PH. 

O art. 1429º-A refere-se ao regulamento do condomínio como aquele que disciplina o uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício; este é o regulamento de condomínio propriamente dito, que incide sobre matérias que cabem na competência dos órgãos administrativos, e que têm um âmbito decisório limitado: não alteram a distribuição de poderes entre os condóminos, mas apenas disciplinam o exercício desses mesmos poderes pelos seus titulares (v.g., o regulamento pode incidir sobre a abertura e fecho da porta da rua, dispor regras sobre a utilização do elevador, sobre os cuidados a ter com o jardim comum, sobre a forma de acesso e de utilização das instalações ou espaços comuns, como arrecadações, sótãos, garagens ou piscina).

As normas que incidam sobre este núcleo mínimo de matérias —uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício — têm carácter regulamentar, e podem ser alteradas por maioria dos condóminos. A disciplina das partes comuns de um edifício constituído em PH resolve problemas e necessidades que variam constantemente e, por isso, foi-lhe fixado um regime decisório expedito, de deliberação maioritária em assembleia, ou por decisão do administrador.

Quanto à modificabilidade, o regulamento contido no título constitutivo, formalizado por escritura pública e sujeito a registo segue as regras gerais: nos termos do art. 1419º, nº 1, só pode ser modificado havendo acordo de todos os condóminos, também por escritura pública. O regulamento aprovado pela assembleia ou elaborado pelo administrador é modificável por deliberação simples da assembleia de condóminos, desde que regularmente constituída.

Em resumo, segundo o art. 1418º, nº 2, b), o regulamento do condomínio a inserir no título constitutivo pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação, quer das partes comuns quer das fracções autónomas. Este regulamento participa definitivamente na natureza do título constitutivo, modelando o direito de cada condómino sobre a sua fracção autónoma. Por exemplo, o regulamento inserido no TCPH pode estabelecer a proibição da colocação de vasos de flores nas varandas, da secagem da roupa em determinados dias ou em determinadas partes do edifício, ou da detenção de animais de companhia nas fracções autónomas, definindo assim o direito de propriedade de cada condómino.

O regulamento, stricto sensu, é um instrumento de gestão das partes comuns do edifício (34). A assembleia de condóminos ou o administrador não podem decidir sobre o uso das fracções autónomas, salvo nos casos especiais previstos na lei (cfr. art. 1422º, nº 2 a 4; 1422º-A, nº 3, 1428º e 1429º e art. 5º, nº 2, do DL 268/94, de 25 de Outubro), logo o regulamento elaborado pela assembleia de condóminos não pode proibir a detenção de animais numa fracção autónoma (35).

Notas:

(30) Como nos diz EDUARDO VÁZQUEZ BOTE, “La propiedad horizontal en Derecho puertorriqueño”, RCDI, LXVIII (Mar-Abril 1992), 609, pág. 379, para a propriedade horizontal existe um conjunto normativo simultaneamente autónomo e heterónomo.

(31) Na definição de GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile de ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 2.ª ed., livro III, pág. 479, o regulamento é a lei interna que organiza e articula a vida do grupo; também para NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condominio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág. 5, o regulamento constitui a lei interna que organiza e articula a vida de um grupo social, no âmbito de um edifício pertencendo a vários sujeitos jurídicos que têm a propriedade das várias fracções, os condóminos.

(32) Nos termos do art. 3º, al. f), do DL 160/2006, de 8 de Agosto, o contrato de arrendamento deve mencionar a existência de um regulamento de propriedade horizontal, se o houver.

(33) Note-se que a assembleia de condóminos, como órgão deliberativo do condomínio, pode sempre e em qualquer altura deliberar sobre o regulamento de condomínio, alterando-o ou substituindo-o integralmente por outro, ainda que tenha sido elaborado pelo administrador.

(34) Como lapidarmente decidiu a Cassação italiana, 4.12.1993, n. 12028 in Arch. Locazioni, 1994, 798, se o regulamento que proíbe ter cães (ou outros animais) no apartamento em edifícios condominiais não tem natureza contratual (muito grosso modo, o regolamento contrattuale italiano corresponde ao nosso regulamento contido no título constitutivo) não pode considerar-se eficaz a proibição nessa matéria aprovada pela maioria dos condóminos, sendo necessário o consenso de todos.

(35) É inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição. Assim decidiu o Tribunal de Karlsruhe (OLG Karlsruhe WE 1988, 96, citado por HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 306), que considerou inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fracção autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição, ainda que implícita.

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