Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

2/07/2023

Os animais e o regime português da PH - O administrador

 

As  decisões do administrador

Como foi salientado no artigo sobre a assembleia, o art. 1431º estabelece que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador. O administrador e a assembleia são os órgãos do condomínio, com carácter obrigatório e necessário, e as suas atribuições estão ligadas à sua função como expressão do grupo condominial. Os órgãos têm o poder de realizar actos jurídicos vinculativos para uma organização colectiva, in casu o condomínio, quer sejam actos prevalentemente internos, como as deliberações da assembleia, ou actos externos, como os contratos concluídos pelo administrador.

Todos os condóminos, reunidos em assembleia, formam uma vontade, e o administrador executa essa vontade. Segundo o legislador, esta é a estrutura necessária e adequada para satisfazer as exigências organizativas do condomínio. A assembleia é o órgão deliberativo, o administrador é um órgão executivo e representativo. Este esquema organizatório não pode ser modificado por acordo dos condóminos, nem podem ser criados órgãos especiais.

O administrador

O administrador, enquanto órgão do condomínio, tem uma competência institucional, um quadro próprio de funções, que não pode ser reduzido pela assembleia de condóminos (48).

A demarcação da actividade da assembleia de condóminos e do administrador pode parecer difícil numa perspectiva jurídica, mas surge naturalmente na vida prática. Por um lado, a assembleia de condóminos, enquanto reunião esporádica da colectividade dos condóminos, terá dificuldades em desempenhar a maioria das funções do administrador (elaborar o orçamento das receitas e das despesas relativas a cada ano, cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns, assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio, guardar e manter todos os documentos, publicitar as regras de segurança do edifício, entre outras). Por outro lado, seria irreal hipotizar uma predisposição generalizada, minuciosa e contínua pela assembleia dos actos que devam ser realizados pelo administrador. As funções do administrador têm um carácter marcadamente executivo e prático, que não se coaduna com o funcionamento colegial da assembleia de condóminos; os poderes que o administrador tem de regulação da coisa comum exigem-lhe uma actividade autónoma e sustentada.

Deve, pois, entender-se que é atribuída ao administrador uma esfera de competências não apenas legalmente pré-determinada, mas ainda tendencialmente exclusiva e não comprimível (49). Esta solução surge reforçada quando se evidencia que a fixação pela assembleia dos actos a compreender nas funções do administrador não exclui, por um lado, a autonomia deste, nem impede, por outro lado, a sua identificação como sujeito da actividade de administração do condomínio considerada no seu todo.

Do elenco das funções do administrador, cabe referir o dever de executar as deliberações da assembleia e de assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio (art. 1436º, al. h) e l), respectivamente). Nos termos da al. g), do art. 1436º, cabe ao administrador o poder autónomo de regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum. Valem aqui as considerações feitas a propósito da assembleia de condóminos: o poder-dever do administrador regular as coisas comuns está limitado pela permissão do art. 1406º: não pode violar o direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes comuns, maxime, privando-o do seu uso.

O acordo dos condóminos

No âmbito da vida condominial, os condóminos podem vincular-se a certos comportamentos. Por exemplo, os condóminos podem, dentro dos limites da sua autonomia contratual, acordar entre si em não deterem animais nas fracções autónomas (50). Estes acordos vinculam apenas quem a eles se obrigou, mas já não um ulterior adquirente de uma fracção autónoma. Em rigor, não vinculam sequer um futuro arrendatário, salvo se a tanto se obrigou no contrato de arrendamento perante o senhorio (51). Também as deliberações da assembleia tomadas por unanimidade, ainda que exorbitantes das atribuições legais deste órgão, podem assumir relevância contratual nas relações recíprocas entre os condóminos, comprometendo-os a observar o conteúdo das deliberações, quando não faltem os requisitos de substância e de forma (52). Não é raro, nos edifícios condominiais, que os condóminos “votem”, em assembleia, por unanimidade, a não detenção de animais nas fracções autónomas. Estas deliberações são ineficazes, porque saem fora do âmbito de competências da assembleia de condóminos, mas podem, licitamente, ser convertidas em acordos condominiais.

Notas:

(48) Considerar que o administrador tem poderes negociais e processuais próprios não significa que exista um campo de actividade reservado ao administrador do condomínio. Onde o administrador se move, também se move a assembleia dos condóminos: na administração das partes comuns do edifício. Assim, não existirá um vício de incompetência nas deliberações da assembleia por esta decidir no campo de actividade eventualmente reservado ao administrador. A assembleia tem competências concorrentes com as do administrador, pelo que não são impugnáveis as deliberações da assembleia de condóminos por invasão da esfera do administrador.

(49) Cfr. ROBERTO AMAGLIANI, L’amministratore e la rappresentanza degli interessi condominiali, pág. 158.

(50) V. WERNER NIEDENFÜHR/ HANS-JÜRGEN SCHULZE, WEG, Handbuch und Kommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, C. F. Müller Verlag, Heidelberg, 1997, pág. 131.

(51) No caso de o condómino senhorio não assegurar que o arrendatário se comprometa a não deter animais na fracção autónoma, poderá incorrer em responsabilidade perante os outros condóminos.

(52) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed., Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 1996, pág. 258, chama às deliberações aprovadas por unanimidade pseudo-acordos [Pseudovereinbarungen]. Também para GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 418, uma deliberação votada por unanimidade na assembleia pode só aparentemente ser uma deliberação e, inversamente, esconder um acordo; não se trata de um comando do condomínio, mas de um acto dos condóminos individuais enquanto proprietários das fracções (é evidente que o administrador não é obrigado, salvo deliberação expressa, a dar execução a esse acordo). Quando a assembleia decide sobre coisas comuns, é o condomínio a pronunciar-se; quando dispõe exclusivamente sobre as fracções, sem tocar, directa ou indirectamente, partes ou serviços comuns, é um acordo no qual qualquer condómino dispõe do direito que tem como proprietário da sua fracção.
 

 

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