Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/29/2022

Distribuição das receitas

Dimana do art. 1436º, al. b) que é função do administrador "elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano", e da al. d) do CC, "cobrar as receitas" do condomínio. Atenta a natureza destas receitas, as mesmas não se confundem com as "quotas-partes" pagas pelos condóminos para fazer face às despesas aprovadas (cfr. al. e)). As receitas referem-se aos proventos que resultem da locação de partes comuns.

Nos termos do art. 1424º, nº 1, do CC, «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.» A conjugação dos nºs 1 e 2 com o art. 1418º, nºs 1 e 2, inculcam que a expressão «salvo disposição em contrário» abarca tanto disposições legais com disposições do título constitutivo, incluindo do regulamento do condomínio que aquele título contenha, não abrangendo outras deliberações dos condóminos (cfr. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, p. 259).

Sendo as receitas provenientes das partes comuns o reverso das despesas determinadas pela sua conservação e fruição, faz todo o sentido que as receitas revertam para os condóminos também na proporção do valor das suas fracções. Afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., p. 433, que: «Se não lhes for dada outra afectação, deverão estas receitas [das partes comuns] ser repartidas pelos condóminos na proporção do valor relativo das respectivas fracções autónomas (cfr. o art. 1405º, nº 1)».
 
Refere-se a este propósito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2011, Teixeira Pedro, 1011/08, que: «(…) sendo cada condómino comproprietário das partes comuns do edifício em propriedade horizontal, e, nessa medida, participando nas vantagens e encargos da coisa, na proporção das suas quotas, como, conjugadamente, estatuem os artºs 1405º, nº 1, e 1420º, nº 1, do Código Civil, tem-se entendido que se outra não for a afectação de tais receitas constante do título de constituição da propriedade horizontal, nem tal afectação vier a ser modificada pelo acordo de todos os condóminos, aquelas deverão ser repartidas pelos condóminos na proporção do valor relativo das respectivas fracções autónomas (a percentagem ou permilagem constante do título) – cfr., entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., pag. 433, Abílio Neto, in “Manual da Propriedade Horizontal”, 3ª Edição, 2006, pág. 267-268; Manuel Henrique Mesquita, citado por Abílio Neto, in “A Propriedade Horizontal – Revista de Direito e Estudos Sociais”, ano XXIII, 1976, pág. 130, e José António de França Pitão, in “Propriedade Horizontal, Anotações aos artigos 1414º a 1438º-A do Código Civil”, Almedina, pág. 150.»

Ora, se quer do título constitutivo da propriedade horizontal, quer do regulamento do condomínio nada resulta em sentido inverso, ou seja, dos mesmos não constam disposição que imponha a afectação imediata de tais receitas ao pagamento das quotizações, ordinárias e/ou extraordinárias, é nula qualquer deliberação tomada em assembleia, sem a concordância de todos os condóminos, que decida afectar as receitas a qualquer outra finalidade.

Vale isto por dizer que tais receitas são propriedade dos condóminos, na proporção da permilagem das respectivas fracções, sem prejuízo destes poderem a todo o tempo dar o seu acordo em que tais receitas sejam adjudicadas ao pagamento das suas quotizações, para reforçar o Fundo Comum e Reserva, ou outro fim.
 
Acresce salientar que, enferma igualmente de nulidade, por ineficácia, a  deliberação da assembleia de condóminos que decida afectar as receitas na parte em que proporcionalmente pertencem aos condóminos para o pagamento de quotizações, ordinárias e/ou extraordinárias de que os mesmos sejam devedores, prescindindo do assentimento destes. Destarte, desde que os referidos não ratifiquem tal deliberação, os mesmos podem arguir, a todo o tempo, o vício de que ela enferma, ou por via de exceção, ou através de uma acção meramente declarativa (neste sentido, Ac. TRL de 22/10/2019).
 
Aliás, também não é configurável qualquer direito de retenção porquanto a entrega das quantias pertencentes ao autor não consubstancia uma entrega de coisa para efeitos do art. 754º do Código Civil.

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