Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/24/2022

O direito de personalidade

 
O DIREITO GERAL DE PERSONALIDADE E O SEU RECONHECIMENTO NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA


Como escreveu RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, tomo 1.º, 20/21, os direitos de personalidade têm por fim impor a todos os componentes da sociedade o dever negativo de se absterem de praticar actos que ofendam a personalidade alheia, sendo à doutrina e à jurisprudência que competirá definir os limites da sua defesa.
 
Estes direitos pertencem à categoria dos direitos absolutos, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar e têm consagração constitucional.
 
Com efeito, ressalta da Constituição da República Portuguesa a ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, falando-se no artigo 1º da dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado; o artigo 24º, nº 1, declara que a vida humana é inviolável; o artigo 25º garante o direito à integridade moral e física da pessoa; o artigo 26º consagra também outros direitos pessoais e o artigo 64º e 66º protegem os direitos à saúde e a um ambiente salutar.
 
Enquadram-se na categoria de direitos de personalidade, entre outros, os direitos à vida, à integridade física, à honra, à saúde, à inviolabilidade do domicílio, ao repouso essencial à existência - v. P. LIMA - A. VARELA, Código Civil Anotado, vol. 1.°, 55; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 101.
 
Os direitos de personalidade estão também regulados no Código Civil, embora nele se não contenha uma definição de direito de personalidade.
 
Apenas o artigo 70º consagra o direito geral de personalidade, abrangendo, na sua protecção, no âmbito do direito civil, como refere RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1878, 93, todos os "direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida”.
 
Prescreve o nº 1 do artigo 70º do Código Civil que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, o que significa a assunção e um reconhecimento da existência de um direito geral da personalidade – v. a propósito da evolução do direito de personalidade na civilística portuguesa, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Teles, Vol. I, 21-45.
 
E, o nº 2 do citado artigo 70º do C.C. permite ao ameaçado ou ofendido requerer, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, as providências adequadas às circunstâncias do caso com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
 
Mas, a Constituição da República Portuguesa também reconhece e assegura, por outro lado, os direitos de natureza económica, tais como o da livre iniciativa económica (art.º 61º) e da propriedade privada (art.º 62º n.º 1).
 
Têm, pois, quer o direito à saúde e ao repouso, quer o direito da propriedade privada consagração na lei fundamental, sendo por vezes os mesmos conflituantes entre si, o que leva à necessidade de dirimir o conflito de direitos daí decorrente.

O recurso ao aludido instituto apenas se coloca existindo dois diferentes direitos pertencentes a titulares diversos, não se mostrando possível o exercício simultâneo e integral de ambos, o que pressupõe, evidentemente, a efectiva existência, validade e eficácia de tais direitos conflituantes.

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