Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/29/2022

Pluralidade de administradores

O administrador tem de ser uma única pessoa, ou se podem existir no condomínio vários administradores? Ou seja, o administrador poderá ser um órgão plural (como é a assembleia de condóminos) ou, pelo contrário, à unidade do órgão corresponde a unicidade do titular do órgão? 
 
Por exemplo, é lícito à assembleia privar o administrador de algumas das suas funções e atribuir a outra pessoa a manutenção ordinária das partes comuns, a administração de uma parte específica do edifício (v.g. no caso de o edifício ser composto por várias torres), ou ainda a administração de um serviço específico, como o aquecimento central? 
 
A considerar-se a resposta positiva, no âmbito das suas funções este co-administrador deve convocar a assembleia de condóminos, elaborar os orçamentos, cobrar as receitas e efectuar as despesas, prestar contas, ou seja, agir como um verdadeiro administrador, munido de poderes negociais e processuais.

Não é de admitir a existência de vários administradores num edifício constituído em propriedade horizontal, embora se pudesse aceitar que certas funções do administrador são compatíveis com a pluralidade de titulares, já que são, por assim dizer, divisíveis, como a convovação da assembleia de condóminos ou a elaboração do orçamento das despesas e das receitas relativas a cada ano (o que cada administrador faria relativamente ao assunto de que estivesse encarregado), não é o que acontece com a maior parte das funções do administrador, de que resulta a necessidade de unidade. 

Por exemplo, verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propor à AG o montante do capital do seguro, realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio, guardar as actas das reuniões e facultar a respectiva consulta, guardar as cópias autenticadas dos documentos utilizados para instruir o processo de constituição da PH, guardar e dar a conhecer aos condóminos todas as notificações dirigidas ao condomínio, publicitar as regras de segurança do condomínio, facultar cópia do regulamento aos terceiros titulares de direitos relativos às fracções. Todas as funções agora enunciadas têm a ver com o edifício no seu conjunto, e não são repartíveis entre várias pessoas sem se quebrar inexoravelmente a unidade na administração do condomínio, que o legislador considerou indispensável à boa gestão das partes comuns.

Sendo a opinião dominante na doutrina italiana, que o administrador é um mero mandatário (do condomínio ou dos condóminos), é normalmente admitida a existência de vários administradores. Gustavo Nobile, L´amministratore del condomínio, pág. 126, entende que podem ser designados vários administradores, um colégio administrativo, apesar de o art. 1129º do Códice utilizar a expressão "um administrador". Mas "um" nesta norma, é um artigo indeterminado e não um adjectivo numeral. De resto, o nº 2 do art. 1106º  prevê expressamente a pluralidade de administradores para a comunhão em geral, e tal norma não é incompatível com a do art. 1129º, mas antes é aplicável ao condomínio por reenvio do art. 1139º. Se existem vários administradores, e são bem determinadas as funções de cada um, ficam todos solidariamente obrigados e, na dúvida, não é necessária a intervenção colectiva em qualquer acto. Entre os vários administradores, as decisões são tomadas segundo o princípio maioritário. 

Há quem não concorde com o paralelismo estabelecido por Nobile, e com a aplicação extensiva do art. 1106º, nº 2, à PH, pois se o legislador dispôs um regime especial de administração dos bens comuns terá sido para afastar o regime geral da comunhão. Lazzaro/Stincardini, L´amministratore del condomínio, pág. 35, partilham a opinião segundo a qual podem ser nomeadas várias pessoas para o cargo. No plano prático, a dimensão do condomínio, a complexidade dos serviços e a variedade das coisas comuns podem sugerir uma escolha nesse sentido, sobretudo se a administração está reservada aos condóminos e é feita a título gratuito; nesse caso, a existência de vários administradores pode dar um contributo próprio ao bom andamento da vida condominial. 

Nas relações com terceiros é de considerar que o co-administrador, por força do mandato colectivo (sublinhado nosso) que recebeu, tenha a representação negocial do condomínio quanto às atribuições que lhe foram conferidas. A nomeação de vários administradores permite uma gestão indubitavelmente eficiente e que responde à finalidade que a AG quis prosseguir (pág. 102). Também não nos parecem convincentes os argumentos aduzidos por estes autores. As finalidades apontadas podem ser asseguradas através do recurso a uma estrutura mais ou menos complexa de ajudantes, auxiliares ou colaboradores. 

Peretti-Griva, Il condominio delle case divise in parti (In tema di amministratore e di deliberaziuoni condominiali, págs. 71 e ss.), pág. 404, também considera que não deve ser vetada uma administração especial dos interesses de um grupo menor de condóminos, mas apenas quando se limite a uma gestão que não contenda com a gestão geral do condomínio. Isto vale tanto mais quando se entenda que na assembleia devem considerar-se distintas as questões que não respeitam à totalidade dos condóminos.

Também para Greco podem ser nomeados vários administradores, os quais agirão conjuntamente ou separadamente. Se nada se disser, presume-se que agirão separadamente. A legitimidade para o recurso à figura do co-administrador, no regime italiano, deriva, segundo Alessandro de Renzis, L´amministratore del condminio negli edifici, pág. 24, do art. 1138º do Codice, o qual dispõe que o regulamento do condomínio deve conter normas relativas à administração dos bens comuns (e entre estas normas conta-se a que permite a nomeação do co-administrador), V., ainda, Lino Salis, Il condominio negli edifici, Trattato di diritto civile italiano sob a direcção de Filippo Vassali, Vol. V, tomo III, pág. 154.

Gino Terzago, numa perspectiva mais limitada, entende que o administrador retira os seus poderes da lei, de modo que a assembleia não pode limitar as competências atribuídas pelo art. 1130º do Codice. No máximo, pode ser nomeado um administrador ad hoc, isto é, para a competências bem precisas e diversas das dispostas na lei. 

Defendem a existência de um só administrador, E. Rasch, "Se possano essere nominati più amministratori negli edifici un condominio", pág. 709, Marina/Giacobre, Condominio negli edifici, pág. 834, e Nicoletti/Redivo, Il regolamento e l´assemblea nel condominio degli edifici, pág. 102. Estes autores consideram nula a deliberação que nomeie mais do que um administrador, por exemplo um que trate da parte contabilística e administrativa do condomínio e outro da parte técnica e de manutenção do edifício.

A Cassação italiana, que em 1990 considerou nula a nomeação de vários administradores, em 1994 decidiu que não é de excluir que a administração seja entregue a vários administradores, para tutela dos interesses dos comproprietarios e de racionalização das administrações particularmente complexas.

A doutrina alemã é unânime, na defesa de um só administrador. Cfr. Weitnauer, Wohnungseigentumsgesetz Kommentar, pág. 452 e Palandt/Bassenge, Kommentar, pág. 2544. A lei alemã prevê, ainda, a existência de um Conselho de Administração. Na lei brasileira, a administração cabe a um síndico, a um conselho consultivo e à assembleia de condóminos. Nos termos do art. 22º, §2, as funções administrativas podem ser delegadas a pessoas de confiança do sindico, e sob a sua inteira responsabilidade, mediante aprovação da assembleia geral dos condóminos. Nos termos do §6, a Convenção poderá prever a eleição de sub-síndicos, definindo-lhes atribuições e fixando-lhes o mandato.

Se tudo o que se disse tem a ver com um certo aspecto interno da gestão do condomínio, mais premente ainda se torna a necessidade de titularidade única do órgão no aspecto externo, quanto à representação unitária do condomínio, imprescindível para assegurar a circulação do condomínio no tráfico jurídico e, sobretudo, par proteger os interesses de terceiros cuja esfera jurídica se encontra com  do condomínio. Veja-se os seguintes exemplos: os condóminos devem comunicar ao administrador a escritura pública de junção ou cisão das fracções autónomas; o administrador representa o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas, tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia, pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (com excepção das acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns).

António Visco, Le case in condominio, pág. 424 e ss., considera que o argumento mais forte para se defender a existência de um só administrador está relacionado com os poderes de representação do administrador, pois a representação do condomínio tem de ser unitária. E Paolo Alvigini, Le regoledel condomínio, pág. 40, entende que o administrador deve ser único porque única deve ser a responsabilidade. Nada impede, porém, que o administrador seja auxiliado por uma estrutura articulada e complexa de colaboradores e dependentes, que o ajudem e assistam no desempenho das suas funções.

Não se diga que a existência de vários administradores é uma exigência da complexidade moderna da administração dos edifícios. Isto não impede de se considerar legítimo que o administrador tenha ajudantes, auxiliares ou colaboradores, que o ajudem a ultrapassar as dificuldades inerentes à gestão de um condomínio.

A opinião, segundo a qual o administrador é um órgão singular, encontra forte apoio legal. Nos termos do art. 1430º, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. A lei nunca fez referência à existência de vários administradores, impondo até que o regulamento do condomínio preveja e regule o exercício das funções de administração na falta ou impedimento do administrador ou de quem, a título provisório, desempenhe as funções deste (cfr. art. 7º do DL 268/94). Outro índice forte encontra-se na expressão "decisões do administrador" (cfr. art. 144º, nº 1) O legislador refere-se a decisões do administrador, quando é normal entender-se que as deliberações correspondem a manifestações de vontade de órgãos plurais e as decisões correspondem a declarações de vontade de órgãos singulares.

O administrador pode ter um ajudante numa parte delimitada do edifício, a quem incumba o dever de publicitar as regras de segurança (na utilização do elevador, a indicação de saídas de emergência, a localização dos extintores e das torneiras de segurança, por exemplo). O administrador terá poderes decisórios gerais, de orientação, de coordenação e de fiscalização da actividade dos seus colaboradores. Os ajudantes, auxiliares ou colaboradores são subordinados ao administrador, e só respondem perante ele. Perante o condomínio o administrador é o responsável, e é ele quem responde no caso de as informações não serem devidamente publicitadas.

O administrador é o único meio de actuação responsável do condomínio. ;as, sendo um órgão responsabilizante, deve sê-lo de modo claro e inequívoco. O administrador representa um pólo único de responsabilidade, quer perante os condóminos pelo exercício diligente das suas funções), quer perante terceiros (enquanto se traduz na pessoa que representa o condomínio) - a empresa fornecedora de electricidade deve saber, facilmente, a quem se dirigir para exigir o pagamento das dívidas, tal como o condómino deve saber a quem pedir a regularização da utilização dos elevadores. A figura do administrador tem de ser imediatamente apreensível a qualquer pessoa que se relacione com o condomínio.

A preocupação do legislador na existência de um único administrador, de alguém que represente externa e unitariamente o condomínio, manifesta-se, ainda, em aspectos secundários do seu regime, como o seja a preocupação com a informação da identificação do administrador em exercício ou de quem, a título provisório, desempenhe as funções deste.(cfr. art. 3º do DL 28/94).

O Ac. do TRL de 8/11/83, decidiu que, "quando no art. 1435º se diz que o cargo de administrador pode ser desempenhado por um dos condóminos ou por terceiro, fica patente que o órgão executivo tanto pode ser uma pessoa física como uma pessoa colectiva ou um órgão colegial não personalizado. Ao permitir-se que terceiro possa ser o administrador, este órgão pode revestir qualquer daquelas formas, o que, para se não cair em tacanhez de espírito, se traduz na riqueza de cambiantes com que o real se apresenta. um interpretação restritiva é contrária à realidade, onde na generalidade dos grupos sociais - autarquias, sindicatos, associações, cooperativas, sociedades anónimas, etc, - os seus órgãos administrativos são colegiais. Não há qualquer razão para que, nos grupos sociais de condóminos, para além de sua assembleia, o seu órgão executivo tenha de ser um pessoa física e não possa ser uma pessoa colectiva (sociedade por quotas ou anónima) ou um outro órgão colegial". 

No caso concreto, a assembleia de condóminos designara para administrar uma comissão executiva, deliberação que o tribunal considerou respeitar o interesse privado. Não podemos concordar com esta decisão, na parte em que considera que o administrador possa ser um órgão colegial. O administrador é o gestor e o representante do condomínio, e isso implica responsabilidade pelos seus actos. Os exemplos que o acórdão refere de grupos sociais com órgãos colegiais (autarquias, sindicatos, associações, cooperativas, sociedades anónimas) são todos correspondentes a órgãos de pessoas jurídicas, com representantes legais devidamente determinados e publicitados. 

Nestes casos, o órgão administrativo é plural, mas continua a haver um único centro de imputação de responsabilidades: a própria pessoa colectiva. Se um terceiro pretender intentar uma acção judicial contra uma sociedade comercial, a pessoa colectiva age através dos seus representantes legais, de acordo com o seu estatuto próprio, devidamente conhecido. Como resolver a questão, se o terceiro intentar uma acção contra um condomínio onde hajam três administradores? Como é que alguém, fora da esfera física do edifício, que só teve com ele um carácter meramente ocasional, por exemplo, reparando-lhe os elevadores, determina em concreto qual dos três titulares representa o condomínio naquele assunto específico e naquela acção em particular? Também o Ac. do STJ de 6/11/86, considerou que a lei portuguesa não impõe que n propriedade horizontal haja um único administrador. Por último, mais recentemente, o Ac. TRL de 14/5/98, considerou que "nada impede que o órgão "administrador" seja constituído por mais de uma pessoa física ou que seja integrado por um pessoa colectiva". Nenhuma das decisões nos parece devidamente fundamentada.

Por último, resta acrescentar como deverá ser conciliada esta questão com a aplicação do art. 1438º-A. Nos termos desta disposição, o regime da administração das partes comuns pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.

Parece que a aceitação do regime da PH terá de ser in totum. No caso de os proprietários dos vários edifícios quererem adoptar o regime da PH, deverão recebê-lo todo, no sentido global e completo, e não por disposições isoladas. Assim, sendo vários os edifícios, haverá um único administrador geral (se falamos do supercondomínio, podemos utilizar a sugestiva e correspondente expressão de superadministrador). A este administrador caberá a gestão e a representação de todas as partes comuns, quer as que pertencem a cada edifício particular, quer as que ligam funcionalmente os edifícios entre si.

O que está, definitivamente, fora do espírito legal é a existência de um administrador para cada edifício e de um administrador geral que, afinal, só seria administrador das partes que ligam funcionalmente os edifícios entre si. Esta é a opinião de Lazzaro/Stincardini, ob. cit., pág. 6. Entendem estes autores que o supercondomínio pressupõe a existência de um condomínio normal, com os seus órgãos (administrador e assembleia) que cuidam da administração das partes e dos serviços comuns de um bloco (escadas, entradas, eventuais serviços, elevadores, etc.) e, por outro lado, existe o verdadeiro supercondomínio, com os seus órgãos (a assembleia plenária e o superadministrador) dirigidos à administração das coisas e dos serviços comuns aos vários edifícios (portaria, instalações desportivas, jardim,. etc.).

A ser assim, em cada edifício teríamos um administrador para as partes e serviços "internos" (escadas e instalações gerais) e um administrador para as partes e serviços comuns "externos" de ligação aos outros edifícios. Não parece, de modo algum, que o nosso regime legal sancione esta disposição.

A solução propugnada, além de ser a mais conforme com o espírito do regime, encontra apoio no art. 3º do DL 268/94, que impõe a afixação, na entrada do prédio ou conjunto de prédios ou em local de passagem comum aos condóminos, da identificação do administrador em exercício ou de quem, a título provisório, desempenhe as funções deste. E o art. 8º do mesmo DL, estabelece que o administrador deve assegurar a publicação das regras respeitantes à segurança do edifício ou conjunto de edifícios, designadamente à dos equipamentos de uso comum.

O superadministrador é eleito pela superassembleia, ou seja pela assembleia que reúna todos os condóminos de todos os edifícios, que se submeteram ao regime único da PH.

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