As deliberações da assembleia de
condóminos são susceptíveis de enfermar dos vícios da anulabilidade, da
nulidade, da ineficácia e da inexistência. No presente escrito,
debruço-me sobre as deliberações inexistente.
A inexistência jurídica é uma categoria autónoma, diversa da ineficácia. A doutrina e jurisprudência têm vindo a defender autonomia do vício de inexistência do acto jurídico.
O sentido amplo da eficácia não abrange a categoria da inexistência do negócio. Há que separar claramente a inexistência da ineficácia negocial, devendo assim contrapor-se aos casos em que o negócio existe mas é de alguma sorte ineficaz, aqueles em que nem sequer se pode dizer que exista. Assim, Rui Alarcão, A confirmação dos negócios anuláveis, Atlântida Editora, Coimbra, 1971, pág. 33. No mesmo sentido, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral, II, pág. 279.
A inexistência "não é a problemática do nada, mas de um certo quid de facto que, tendo a aparência de uma deliberação, não preenche todavia a facti species legal do conceito (assim, Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 225). Podemos considerar inexistente uma deliberação escrita que não tenha sido submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na assembleia, ou a deliberação tomada por não condóminos.
O
legislador substantivo não reconhece a figura das "deliberações
inexistentes", não havendo, assim, qualquer regime processual que lhes
seja especificamente aplicável, pelo que ou estamos perante deliberações
sociais — que, por esse facto podem ser objeto da providência cautelar
especificada de suspensão das deliberações sociais, desde que
verificados todos os respetivos requisitos, incluindo o do "dano
apreciável" - ou não estamos perante deliberações sociais (por nem
sequer na aparência poderem ser imputadas à sociedade, o que não é o
caso concreto) e, nesse caso, não poderão ser objeto da providência
requerida, mas apenas de procedimento cautelar comum, desde que
verificados todos os respetivos pressupostos.
Vasco Lobo Xavier tratou o tema em Anulação de deliberação social e deliberações conexas, pág. 196, nota 94, referindo-se a outros casos em que a doutrina e a jurisprudência se dividiram quanto à caracterização do vício da deliberação. Deliberação inexistente seria desde logo aquela em que não-sócios deliberam sobre assuntos da sociedade. Outros casos seriam mais duvidosos, mas a maior parte daqueles que a doutrina estrangeira tratava como exemplos de deliberações inexistentes tem hoje diferente tratamento entre nós, face ao regime consagrado no CSC. Assim: a) a falta de convocação de assembleia conduz à nulidade das deliberações tomadas na assembleia, a não ser que todos os sócios tenham estado presentes ou representados; b) a falta de quórum constitutivo conduzirá em princípio à anulabilidade da deliberação que se considere tomada, o mesmo valendo para a falta de quórum deliberativo se se revela exteriormente algo que possa considerar-se uma deliberação positiva (se nem sequer se revela exteriormente algo que se possa configurar como deliberação positiva, então a deliberação positiva não existe: cfr. Vasco Lobo Xavier, «Regime das deliberações sociais no Projecto de Código das Sociedades», Temas de direito comercial, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 16); c) quanto à falta de acta, o n.° 1 do art. 63.° do CSC parece revelar que não acarreta inexistência.
Neste sentido, adverte o Acórdão RP de 20/1/1987: “Ponto é que se trate, evidentemente, de verdadeiras deliberações sociais, pois é claro que como tais não poderão considerar-se meras aparências de deliberação – como se, por ex., alguns indivíduos, inteiramente estranhos a uma sociedade, fingissem deliberar em nome desta, ou então verdadeiros sócios fabricassem uma acta para fingirem terem tomado certa deliberação, etc.” .
Perfilhando o mesmo entendimento, decidiram os seguintes acórdãos:
– STJ 21/4/1972 (considerou que, ao lado das verdadeiras deliberações, haveria as deliberações legalmente inexistentes, isto é, aquelas que fossem simuladas ou destituídas no fundo ou processo formativo essencial à sua existência);
– STJ 20/11/1973 (admite a inexistência de uma deliberação social cuja acta se venha a revelar falsa);
– STJ 20/3/1962 (declara inexistentes as deliberações tomadas em assembleia geral judicialmente proibida).
É, pois, ponto assente a admissibilidade das deliberações sociais juridicamente inexistentes, muito embora a classificação entre inexistência ou nulidade só possa ser determinada perante as circunstâncias do caso concreto.
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