Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/26/2022

Fidelidade da acta


Quanto à fidelidade da redacção da acta e à falta de assinatura de todos os condóminos presentes, dispõe o art. 1º nº 1 do DL 268/94, de 25 de Outubro, que «são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.»

A título meramente ilustrativo, imagine-se uma acta está assinada por oito dos condóminos então proprietários de fracções no edifício, apenas não estando assinada por dois – sendo que consta da acta que a anterior foi lida, tendo então ocorrido a recusa de assinatura por parte daqueles. Ora, a lei não sanciona a falta de assinatura da acta por algum dos condóminos presentes com a inexistência, ineficácia ou nulidade da deliberação (Em sentido idêntico, vide o Acórdão da Relação do Porto de 15.11.2007, no Proc. 0733938, publicado em www.dgsi.pt.).

Caso o condómino presente na assembleia se recuse a assinar a acta, e sendo a mesma assinada pela maioria dos votos representativos do capital investido, deverá então considerar-se que a acta reproduz as deliberações tomadas na assembleia – art. 1432º nº 3 do Código Civil – cabendo então ao condómino discordante o dever de impugnar tais deliberações e arguir a infidelidade da acta, utilizando os diversos procedimentos que lhe são colocados à disposição pelo art. 1433º nºs 2, 3, 4 e 5 do Código Civil (convocação de assembleia extraordinária, sujeição da deliberação a centro de arbitragem, propositura de acção de anulação ou pedido de suspensão das deliberações).

Também o TRE, em Acórdão datado de 03-11-2016, decidiu que:

«1. Somente são anuláveis as deliberações que a assembleia de condóminos tome dentro da área da sua competência, isto é, respeitantes às partes comuns do edifício, devendo considerar-se nulas ou ineficazes as que violem preceitos de natureza imperativa e as que exorbitem da esfera de competência daquela assembleia.
2. A lei não sanciona a falta de assinatura da acta por algum dos condóminos presentes com a inexistência, ineficácia ou nulidade da deliberação.
3. Caso o condómino presente na assembleia se recuse a assinar a acta, e sendo a mesma assinada pela maioria dos votos representativos do capital investido, deverá então considerar-se que a acta reproduz as deliberações tomadas na assembleia.
4. Caberá então ao condómino discordante o dever de impugnar tais deliberações e arguir a infidelidade da acta, utilizando os diversos procedimentos que lhe são colocados à disposição pelo art. 1433.º nºs 2, 3, 4 e 5 do Código Civil (convocação de assembleia extraordinária, sujeição da deliberação a centro de arbitragem, propositura de acção de anulação ou pedido de suspensão das deliberações)».

Face à omissão no regime da PH, vejamos a título ilustrativo o que estatuem os art. 92º e 93º da Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro) dos quais, podemos e devemos retirar alguns ensinamentos:

Artigo 92º
Actas

1 - De cada reunião ou sessão é lavrada acta, que contém um resumo do que de essencial nela se tiver passado, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações e, bem assim, o facto de a acta ter sido lida e aprovada.
2 - As actas são lavradas, sempre que possível, por funcionário da autarquia designado para o efeito e postas à aprovação de todos os membros no final da respectiva reunião ou no início da seguinte, sendo assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou.
3 - As actas ou o texto das deliberações mais importantes podem ser aprovadas em minuta, no final das reuniões, desde que tal seja deliberado pela maioria dos membros presentes, sendo assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou.
4 - As deliberações dos órgãos só adquirem eficácia depois de aprovadas e assinadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas, nos termos dos números anteriores.

Artigo 93º
Registo na acta do voto de vencido

1 - Os membros do órgão podem fazer constar da acta o seu voto de vencido e as razões que o justifiquem.
2 - Quando se trate de pareceres a dar a outras entidades, as deliberações são sempre acompanhadas das declarações de voto apresentadas.
3 - O registo na acta do voto de vencido isenta o emissor deste da responsabilidade que eventualmente resulte da deliberação tomada.

Como resulta do nº 1 do art. 92º as actas, não têm de conter uma descrição exaustiva ou ao pormenor de tudo o que se passou na reunião do órgão, no entanto tem de conter o que de “essencial do que nela se tiver passado” indicando exemplificativamente (como resulta do uso do advérbio “designadamente”) o referido preceito:
  • A data e o local da reunião,
  • Os membros presentes e ausentes,
  • Os assuntos apreciados,
  • As decisões e deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações;E o facto de a acta ter sido lida e aprovada.

O que entender por “essencial do que nela se tiver passado”?


Será “tudo que for necessário para dar conta, resumidamente, do modo como foram cumpridas as exigências legais da reunião e da formação e manifestação de vontade do órgão (…) incluindo a súmula das discussões travadas, o número e o sentido dos votos em cada votação (…) os votos de vencido, o conteúdo das deliberações tomadas e das propostas sobre que foram votadas”

Ou seja;

“As actas devem fornecer todos os elementos necessários à apreciação (…) da legalidade da (s) deliberação (ões) tomada (s)” – Cfr. neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim – Código do Procedimento Administrativo - 2ª Edição, Almedina, pág. 184.

O voto de vencido

Como resulta do art. 93º, designadamente no seu nº 1, a lei prevê expressamente que os membros do órgão colegial que ficam vencidos, expressem na acta o seu voto e as razões que o justificaram. Com esta atitude ficam tais membros isentos “da responsabilidade que eventualmente resulte da deliberação tomada.” 
 
A aprovação da acta

Estatui o nº 2 do artigo 92º da Lei das Autarquias Locais, acima transcrito, que «As actas são lavradas, sempre que possível, por funcionário da autarquia designado para o efeito e postas à aprovação de todos os membros no final da respectiva reunião ou no início da seguinte, sendo assinadas, após aprovação, pelo presidente e por quem as lavrou».

Perfilham os autores acima citados que quando a acta é posta a aprovação de todos os membros presentes, pode então “cada um referir a sua desconformidade ao que dela conste” (obra citada pág. 185).

Isto é, como deixam claro, na sua opinião, os mesmos autores o relato que consta da acta, “pode ser “corrigido” ou questionado, em sede de aprovação da acta, por declarações fundamentadas, de discordância de um ou vários membros do colégio. (idem, pág. 186). É preciso deixar claro que os fundamentos da discordância com o conteúdo da acta têm uma natureza que não se esgota nos fundamentos do voto de vencido numa ou mais deliberações, mas que abrangem todo o relato constante da acta e que, como vimos, deve ser o referido em supra. Tais fundamentos são apenas da responsabilidade do seu ou seus autores (e, obviamente, só a estes responsabilizam).

A esta declaração ou declarações de discordância, poderão eventualmente os outros membros contraporem o que entenderem, no entanto a simples aprovação da acta por maioria significa de modo inequívoco que quem a aprova, considera falsos ou, pelo menos, irrelevantes, os fundamentos dessa discordância. Evitando assim o “eternizar” de questões, e complementos à acta uma vez que como se disse a aprovação da acta significa, por si só a rejeição das razões da discordância apresentada à mesma.

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