Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/15/2022

Sorteio uso partes comuns

Decorre do art. 1406º, nº 1 do CC que, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquela a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito".

Um possível acordo, na impossibilidade de todos poderem fruir de um qualquer espaço comum, é efectuar-se um sorteio. No entanto, importa ressalvar que a disciplina deste uso (cfr. art. 1429º-A, nº 1 do CC), só será possível se se tiver aprovado por todos os condóminos. Neste sentido, vide Acórdão infra relativamente a esta matéria, do qual podemos e devemos retirar os devidos ensinamentos.

Acórdão: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B2487
Data: 8/5/2008

Sumário: 

1 - Se os autores, condóminos de um prédio em regime de propriedade horizontal, aceitaram por si próprios a divisão do uso do espaço comum das garagens pelos vários condóminos de forma individual, e aceitaram o sorteio como forma de atribuição desse uso especificado a cada um dos condóminos, não podem posteriormente recusar a utilização individual acordada por se não conformarem com a sorte que lhes atribuiu, em concreto, um espaço que lhes não agrada.
2 - Os condóminos de um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal podem disciplinar o uso das partes comuns ou de uma parte comum do prédio por forma a distribuir por cada condómino o uso concreto de determinado espaço parcelar desse espaço comum.
3 - Contra a vontade de um qualquer dos condóminos não pode a maioria, ainda que qualificada, impor obras que lhe prejudiquem a utilização do seu espaço próprio ou do espaço comum.

Fundamentação:

No caso vertente, os condóminos aproveitaram a existência de um determinado espaço comum para se criar uma sala para o condomínio e ainda de uma zona de parqueamento automóvel, a qual, não teria lugares suficientes para todos, pelo que, em plenário, decidiram sortear os referidos. No entanto, alguns condóminos, não conformados com o resultado daquele, pretenderam impugnar o mesmo.

Este tribunal considerou o recurso Improcedente na parte em que viu declaradas válidas as deliberações da mesma assembleia na parte em que aprovaram o que deve ser entendido como “regulamento” do aparcamento no rés-do-chão, parte comum, destinado à recolha de veículos automóveis, como consta do título constitutivo da propriedade horizontal, bem como a criação e utilização de uma sala de condomínio.

Ou seja, nessa parte, a que o tribunal de 1ª instância chegou com fundamento em que « nada impede que a assembleia delibere sob a forma como deve ser organizado o aparcamento, no referido espaço comum, de que todos são comproprietários, o que foi feito, no caso, aproveitando-se o decidido, artigo 292º do CCivil, que passa a valer como “regulamento” do aparcamento. Os autores estão de acordo com as obras para encerramento do rés-do-chão, só não aceitam a divisão duma parte comum em partes individuais, próprias ou afectas individualmente a cada fracção autónoma, seja à alteração do título. Não podem é impedir que a assembleia, bastando a maioria dos condóminos, que representem 2/3 do valor total do prédio, requisito verificado in casu, a votar, nesse sentido, arts.1425º, nº1 e 1432º, nº2 do CCivil, delibere no sentido de regulamentar a forma de utilização dos comproprietários, em relação ao rés-do-chão, para aparcamento e criação de uma sala de condomínio ...

... Não pode, por isso, o direito, acolher a tese dos autores de não estarem, nunca, representados, nas assembleias de condomínio que se foram efectuando através dos tempos, o que além do mais importa a caducidade, pelo decurso do prazo legal, para o efeito, do direito de impugnar as deliberações, consagrado no art.1433º do CCivil », a sentença está transitada em julgado.

Fica sem objecto, assim, a (re)discussão à volta das questões de saber da genuinidade da representação dos autores nas sucessivas assembleias de condóminos e da afirmação nestas das deliberações ( e da sua sequente validade ) que disciplinaram o uso de um espaço comum. 

É caso até para fazer ressaltar que, no momento chave do processo deliberativo, os autores estavam aliás presentes por si próprios e não apenas representados. Ou seja, nesta assembleia, o autor esteve presente, pessoalmente e anuiu e concordou com tudo o que foi discutido, tendo-se analisado o projecto apresentado pelo engenheiro.

Em suma: o autor aceita até ao fim – até à possibilidade de trocar o “seu” espaço por um espaço de outro condómino - aquilo que o direito pode controlar ( o uso e a divisão do uso de um espaço comum e o sorteio como forma acordada de atribuição desse uso ); só não aceita aquilo que o direito já não pode controlar – a sorte na qual a livre expressão da vontade das partes colocou a atribuição individual do uso de espaços concretos do espaço comum por todos os condóminos.

Ora o direito pode e deve afirmar – como acertadamente concluiu o acórdão recorrido – que os condóminos de um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal podem disciplinar o uso das partes comuns ou de uma parte comum do prédio por forma a distribuir por cada condómino o uso concreto de determinado espaço parcelar desse espaço comum – o art.1422º, nº1 do CCivil remete para as regras da compropriedade e – art.1406º, nº1 – deixa no acordo dos comproprietários exactamente a disciplina do uso da coisa comum. E já se disse que os autores afirmaram o acordo nessa disciplina ( inclusive na definição concreta dela através da ... sorte ).

Como o direito também pode e deve afirmar – como mais uma vez acertadamente concluiu o acórdão recorrido – que se esse novo uso implica obras essas dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio – art.1425º, nº1.

É certo que o nº2 da mesma disposição estabelece que nas partes comuns não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

Mas isto quer apenas dizer que, contra a vontade de um qualquer dos condóminos não pode a maioria, ainda que qualificada, impor obras que lhe prejudiquem a utilização do seu espaço próprio ou do espaço comum.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Se pretender colocar questões, use o formulário de contacto.