Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

29 setembro 2023

Legitimidade activa para impugnar


4.2.1.2 Legitimidade activa para impugnar
 
O art. 1433º, nº 1 prevê que os titulares do direito à anulação das deliberações da assembleia são os condóminos que as não tenham aprovado.(171) O condómino estará então habilitado para propor uma acção de anulação quando não tenha votado a favor da deliberação, bastando, para tal, a mera discordância, abstenção ou inexistência de aprovação por ausência/falta de representação na assembleia.
 
Perante esta opção legislativa, verifica-se que não existe uma exigência quanto à relevância que a fracção autónoma do condómino assume no valor total do prédio, antes permitindo que qualquer condómino recorra a juízo para obter a anulação das deliberações, independentemente de os restantes condóminos habilitados para o efeito a quererem ou não. No plano processual, não se exige, portanto, qualquer forma de legitimidade plural, seja por litisconsórcio, seja por coligação.(172) 
 
Ainda no âmbito da legitimidade activa, discute-se se o próprio administrador deverá ter legitimidade para propor acções de anulação. A defesa de tal legitimidade tem, porém, uma elevada oposição doutrinária.(173)  Para os defensores de uma interpretação restritiva deste preceito legal, o legislador atribuiu legitimidade apenas ao condómino que não tenha aprovado a deliberação. Deste modo, o administrador, sendo uma pessoa estranha ao condomínio,(174) não deve ter legitimidade para impugnar as deliberações tomadas na assembleia, mesmo que se trate de uma ilegalidade evidente. 

28 setembro 2023

Via judicial - Acção de anulação


4.2 Via judicial

4.2.1 Acção de anulação
 
Perante deliberações que padeçam de irregularidades, a acção de anulação consiste no procedimento mais comum, apresentando especialidades relativamente ao regime geral da anulabilidade de actos ou negócios jurídicos, previsto nos arts. 286º e ss do CC.(151)
 
Com efeito, o nº 4 do art. 1433º prevê um prazo mais curto, pelo que, caso se tenha lançado mão da faculdade de convocação de assembleia extraordinária - e pressupondo que se deliberou manter a deliberação primitiva tida por irregular -, o prazo é de 20 dias contados da deliberação que daí resulte. 
 
Não tendo sido convocada ou solicitada assembleia extraordinária, o prazo é de 60 dias sobre a data da deliberação, prazo este cuja contagem suscita alguma questões que tentaremos resolver infra.(152)
 
Relativamente à natureza destes prazos, apesar de ser certo que se tratam de prazos de caducidade de natureza substantiva,(153) sujeitos às regras dos arts. 328º e ss. do CC, há quem defenda (154) estarmos perante prazos que não podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal, por se tratarem de direitos disponíveis dos condóminos (art. 303º ex vi 333º, nº 2), e quem entenda (155) que os mesmos prazos são de conhecimento oficioso (art. 333º, nº 1).
 

27 setembro 2023

A importância da comunicação das deliberações


4.2.1.1 A importância da comunicação das deliberações 
 
Sendo a comunicação das deliberações aos condóminos ausentes uma obrigação (art. 1432º, nº 6),(157) existem duas grandes correntes doutrinais e jurisprudenciais sobre a contagem dos prazos para o exercício dos direitos conferidos pelo CC, na medida em que há quem entenda que a comunicação das deliberações é instrumental do exercício do direito de impugnação e, por outro lado, quem considere que a comunicação da deliberação aos condóminos tem como objectivo único dar-lhes conhecimento da deliberação, para que estes possam dar o seu assentimento ou discordância,não colocando em causa o exercício do direito de anulação.
 
A título exemplificativo, no ac. TRL de 20/03/2013 defende-seque o início da contagem do prazo se faz a partir da data da deliberação impugnada, independentemente de se tratar de condómino presente ou ausente na reunião.Entendeu aquele tribunal que “os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava”. Defende-se naquela decisão que “é esta a tese que melhor se coaduna com uma interpretação histórico-actualista, sistemática e teleológica (racional), onde se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. 

26 setembro 2023

Impugnação para Julgado de Paz


4.1.3 Impugnação para Julgado de Paz
 
A Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, veio instituir os julgados de paz que, em termos gerais, e de acordo com o nº 1 do seu art. 2º existem para “permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes”.
 
Com efeito,à semelhança dos tribunais arbitrais,os julgados de paz surgem como verdadeiros tribunais, sendo órgãos de soberania cujo exercício vem previsto no art. 209º, nº 2, CRP. (149)
 
Ora, as “acções resultantes de direitos e deveres dos condóminos” integram a competência material dos julgados de paz, tal como previsto nos arts. 9º, nº 1, c) e 2º da Lei nº 78/2001, pelo que os condóminos com legitimidade para tal poderão impugnar, junto daqueles órgãos, as deliberações que entendam padecer de algum vício.(150)
 
A alteração do valor limite para decisão de litígios emergentes das relações de condomínio, introduzida pela Lei nº 54/2013, permite agora litígios com valor até 15 000€ (art. 8º daquele diploma), o que compreende quase todos os litígios. 

25 setembro 2023

Recurso à arbitragem


4.1.2 Recurso à arbitragem
 
A arbitragem é um meio de resolução alternativa de litígios, sendo que a decisão, por força da vontade das partes, é confiada a terceiros e é vinculativa para as mesmas. 
 
Nos termos do n. 3 do art. 1433º, os condóminos presentes e os condóminos ausentes na assembleia da sua aprovação dispõem de um prazo de 30 dias, contados da data da deliberação ou da data da sua comunicação, respectivamente, para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.(141)
 
Note-se que quando a lei concede esta faculdade aos condóminos, o recurso é feito para um centro de arbitragem, enquanto instituição com carácter de permanência, sujeita a um regulamento próprio, pelo que a deliberação será reapreciada por árbitros institucionais, “estabelecidos numa certa estrutura arbitral”, e não por árbitros “meramente organizados pontualmente” para o efeito como, de resto, acontece na arbitragem ad hoc (art. 62º, Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro [LAV], regulamentada pelo DL nº 425/86, de 27 de Dezembro). (142)(143)
 
Com efeito, os condóminos podem sujeitar qualquer litígio a arbitragem, institucional ou não, mas no que concerne a impugnação de deliberações, a sujeição a arbitragem tem de ser, necessariamente, perante um centro de arbitragem com competência nesta matéria.