Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/25/2023

Recurso à arbitragem


4.1.2 Recurso à arbitragem
 
A arbitragem é um meio de resolução alternativa de litígios, sendo que a decisão, por força da vontade das partes, é confiada a terceiros e é vinculativa para as mesmas. 
 
Nos termos do n. 3 do art. 1433º, os condóminos presentes e os condóminos ausentes na assembleia da sua aprovação dispõem de um prazo de 30 dias, contados da data da deliberação ou da data da sua comunicação, respectivamente, para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.(141)
 
Note-se que quando a lei concede esta faculdade aos condóminos, o recurso é feito para um centro de arbitragem, enquanto instituição com carácter de permanência, sujeita a um regulamento próprio, pelo que a deliberação será reapreciada por árbitros institucionais, “estabelecidos numa certa estrutura arbitral”, e não por árbitros “meramente organizados pontualmente” para o efeito como, de resto, acontece na arbitragem ad hoc (art. 62º, Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro [LAV], regulamentada pelo DL nº 425/86, de 27 de Dezembro). (142)(143)
 
Com efeito, os condóminos podem sujeitar qualquer litígio a arbitragem, institucional ou não, mas no que concerne a impugnação de deliberações, a sujeição a arbitragem tem de ser, necessariamente, perante um centro de arbitragem com competência nesta matéria.

Existindo um compromisso arbitral (art. 1434º) ou uma cláusula compromissória, os condóminos têm um direito potestativo de constituição do tribunal arbitral e, consequentemente, os tribunais judiciais têm incompetência absoluta para dirimirem tal conflito (art. 96º, b) do CPC).
 
A exceçpão da incompetência absoluta não é, porém, de conhecimento oficioso (cfr. art. 5º, LAV). “Assim, se não for invocadaa exceçpão de preterição do tribunal arbitral, o tribunal estadual nada pode fazer. Estamos no âmbito da autonomia privada das partes - a não invocação da excepção equivale à revogação da convenção.(144)
 
”Pode acontecer que o(s) condómino(s) legitimado(s) decida(m)recorrer tanto à convocação de uma assembleia extraordinária como a um tribunal arbitral. Deste modo, caso a deliberação seja revogada em assembleia extraordinária ao tempo em que corre o processo arbitral, esta instância extinguir-se-à por inexistência (superveniente) do objecto do processo.
 
Por outro lado, “se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à acção anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial”.(145)
 
Significa isto quea decisão arbitral constitui caso julgado e tema mesma força executiva que uma sentença de um tribunal estadual (art. 42º, nº 7, LAV). Para Rui Vieira Miller (146), porém, o recurso a esta via de resolução alternativa de litígios não impede que, concomitantemente, se desenrole uma acção de anulação da mesma deliberação, caso o interessado receie que numa das vias não seja dado provimento à sua pretensão.
 
Em sentido contrário, Mariana França Gouveia (147) defende que - entendimento que, a nós, nos parece o mais correcto e concordante com a realidade prática - caso, na pendência de uma acção arbitral seja proposta, em paralelo, uma acção de anulação num tribunal estadual  na qual o réu não invoque a excepção de incompetência absoluta, a convenção de arbitragem será, como já foi referido, revogada. 
 
Nesse sentido, qualquer decisão do tribunal arbitral será tida como inválida por ser proferida por tribunal incompetente. Contudo,também a excepção de incompetência do tribunal arbitral  terá de ser invocada junto deste, sendo que a sua não alegação resulta na existência de uma convenção tácita. Deste modo, e só deste modo, seria possível a concomitância das duas vias, defendida por Rui Vieira Miller.

Porém, deparando-nos com uma situação em que, aparentemente, os dois tribunais têm competência, a solução prática apontada por Mariana França Gouveia é a de se privilegiar a jurisdição onde a acção foi primeiramente proposta.
 
Consideramos que muito dificilmente este quadro ocorrerá–a referida autora entendo-o mesmo como uma “actuação esquizofrénica de ambas as partes” -, uma vez que mesmo que o demandante proponha acções nos dois tribunais, o demandado irá, em princípio, invocar a incompetência do tribunal estadual ou, como vimos supra, do tribunal arbitral, não nos parecendo provável que mantenha uma postura completamente passiva quando ambas as acções decorrem contra si.
 
Por fim, a decisão do tribunal arbitral apenas pode ser impugnada através de acção de anulação proposta nos tribunais estaduais competentes (art. 46º, nº 1 da LAV) e, em princípio, só haverá recurso de tal decisão se as partes, no início do processo, expressamente convencionarem essa possibilidade (art. 39º, nº 4, LAV).(148)

Notas

141. Novamente aqui, a expressão “qualquer condómino” não deve ser lida indiferenciadamente, já que perante uma deliberação anulável existe um outro requisito: que não tenha aprovado a deliberação (nº 1 do art 1433º).
142. João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 61.
143. A título exemplificativo, pense-se no Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos, da Ordem dos Advogados, de âmbito nacional; o Centro de Arbitragem da Universidade Católica Portuguesa, de âmbito nacional e carácter geral; o Centro de Arbitragens Voluntárias da Propriedade e do Inquilinato, da Associação Lisbonense de Proprietários, restrita à área metropolitana de Lisboa; o CEMEAR ÓBIDOS — Centro de Mediação e Arbitragem,de âmbito nacional e carácter geral,

144. Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, reimpressão da 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 182.
145. Ac. STJ de 17/03/2005.
146. Op. cit., p. 280.
147. Op. cit., pp. 182 a 183.


148Neste sentidoGOUVEIA, Mariana França, op. cit., pp. 119 e ss. e VASCONCELOS, João Raposo, op. cit., p. 61

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